DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A Demandante, A…, Lda., pessoa coletiva com o número único de matrícula e de identificação fiscal…, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto –… Secção, com sede …, …, Porto (doravante, “a Demandante”), apresentou petição inicial nos termos do artigo 15.º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, “Regulamento do CAAD”) contra a Demandada, B… (doravante, “a Demandada”).
2. Nesse articulado, peticionou a Demandante a condenação da Demandada no pagamento do preço acordado entre as partes com referência ao contrato de prestação de serviços para alteração do projeto de arquitetura para junção da Escola Secundária … com a Escola Básica de …, no montante de € 22.156,30 (vinte e dois mil, cento e cinquenta e seis euros e trinta cêntimos), acrescido de juros de mora devidos desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
3. De acordo com a Demandante, o direito ao pagamento dos serviços descritos no montante atrás referido decorre do seguinte quadro fáctico e legal:
a. A Demandante dedica-se à prestação de serviços de arquitetura;
b. Em janeiro de 2010, a Demandante celebrou com a Demandada o contrato de prestação de serviços n.º …/…/… /…, cujo objeto é a Elaboração do Projeto de Arquitetura e Coordenação Geral de projeto da Junção da Escola Secundária … com a Escola Básica de …, em … (o contrato encontra-se junto aos autos como documento 2 anexo à petição inicial);
c. O preço do referido contrato, nos termos da respetiva cláusula 5.ª, era de € 189.280,00;
d. Ao abrigo da cláusula 2.ª do referido contrato, a Demandante obrigou-se a elaborar o projeto de arquitetura, incluindo a coordenação de projeto na qualidade de autor do projeto geral, licenciamentos e assistência técnica;
e. O contrato foi cumprido pela Demandante, que prestou, sem vícios ou erros, o projeto de arquitetura objeto do mesmo;
f. Em meados de 2011, em consequência da reavaliação do Programa Modernização das Escolas do Ensino Secundário, a Demandada apresentou às tutelas um plano de readaptação e redução de custos, em termos de investimentos e de operação, no âmbito do objetivo de redução de custos operacionais do setor empresarial do Estado;
g. Com esse objetivo, a Demandada solicitou diversas alterações ao projeto de arquitetura objeto do contrato referido no ponto 2 supra, alterações essas que não estavam compreendidas no respetivo âmbito (cf. o documento junto aos autos como documento 3 anexo à petição inicial);
h. Para esse efeito, a Demandada endereçou um convite à Demandante, através da correspondente plataforma eletrónica, para prestação de serviços para alteração do projeto de arquitetura para junção da Escola Secundária … com a Escola Básica de … (procedimento de contratação pública n.º …_…_...);
i. A Demandante procedeu à alteração do projeto de arquitetura no sentido de nele integrar as alterações decorrentes do plano de redução de custos proposto pela Demandada;
j. Para esse efeito, a Demandante realizou estudos de arquitetura para a redução de custos de obra, incluindo alterações ao projeto de estabilidade e às medições e orçamentos;
k. Em 19.06.2012, a Demandante elaborou memória descritiva de prestação de serviços para alteração do projeto de arquitetura da junção da Escola Secundária de … com a Escola Básica de …, em …, para redução de custos na respetiva empreitada, tendo as alterações compreendido, entre outros aspetos, os elencados na memória descritiva junta aos autos como documento 4 anexo à petição inicial;
l. As alterações propostas pela Demandante tinham em vista assegurar uma redução de cerca de 3,05% do valor total da obra, ou seja, cerca de € 679.947,59 (cf. o documento junto aos autos como documento 5 anexo à petição inicial);
m. A Demandada liquidou os montantes referentes ao contrato de prestação de serviços para elaboração do projeto de arquitetura;
n. A Demandada não liquidou o montante referente ao contrato de prestação de serviços para alteração do projeto de arquitetura, apesar de instada a fazê-lo por várias vezes;
o. Nos termos do disposto no artigo 1154.º do Código Civil (CC), o contrato de prestação de serviços é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição;
p. Neste último ponto, o contrato de prestação de serviços regulado no CC distingue-se do contrato administrativo de prestação de serviços na medida em que o pagamento de um preço é elemento essencial do segundo;
q. No caso concreto, não obstante, não ter sido reduzido a escrito, foi celebrado entre as Partes um contrato de prestação de serviços administrativo, na medida em que:
(i) A Demandada solicitou à Demandante a prestação do serviço;
(ii) Mediante o pagamento de determinado preço acordado entre as partes;
(iii) Tendo a Demandante prestado os serviços solicitados;
(iv) Mas não tendo recebido o respetivo preço.
r. A Demandante qualifica a situação resultante do quadro descrito como uma situação de enriquecimento sem causa, sendo o enriquecimento da Demandada uma consequência do seu empobrecimento uma vez que foi através do seu esforço e trabalho que o resultado foi obtido, inexistindo causa para a deslocação patrimonial em causa.
s. Nos termos do disposto no artigo 473.º do CC, “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”.
t. A verificação de uma situação de enriquecimento sem causa depende da comprovação dos seguintes requisitos (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.10.2004, Rec. 0600/04, e de 25.03.2004, Rec. 08/04):
(i) Existência de um enriquecimento;
(ii) Que esse enriquecimento não tenha causa que o justifique;
(iii) Que o enriquecimento seja obtido à custa do empobrecimento de quem pede a restituição;
(iv) Que não haja um outro ato jurídico entre o ato gerador do prejuízo deste e a vantagem obtida pelo enriquecido
u. Quanto ao montante que deve ser ressarcido, de acordo com o disposto no artigo 479.º do CC, “a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido, ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”.
v. No presente caso, uma vez que se está perante a prestação de trabalho por parte da Demandante, verifica-se uma impossibilidade de restituição em espécie, pelo que deverá a Demandada proceder ao pagamento do valor correspondente, cifrado em € 22.156,30.
4. Devidamente citada a Demandada, nos termos do artigo 16.º do Regulamento do CAAD, veio esta apresentar contestação em 27.10.2015, pugnando pela improcedência do pedido apresentado pela Demandante. Em suma, os argumentos aduzidos são os seguintes:
a. Após apresentação do convite à Demandante para prestação de serviços de alteração do projeto de arquitetura para junção da Escola Secundária … com a Escola Básica de … com vista à redução de custos na respetiva empreitada, a Demandada apresentou a correspondente proposta;
b. A proposta da Demandante não pôde ser adjudicada pelos seguintes motivos:
(i) Foi apresentada sem um certificado de assinatura eletrónica qualificado;
(ii) A declaração de indicação do preço contratual foi emitida em nome individual e não em nome da Demandante;
(iii) A proposta tinha um preço anormalmente baixo, o que, nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos (CCP), por remissão para o artigo 27.º da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de julho, e do disposto na alínea l) do n.º 2 do artigo 146.º, aplicável ex vi artigos 122.º, n.º 2, 146.º, n.º 2, alínea o), e 70.º, n.º 2, alínea e), do CCP, conduziu à sua exclusão.
c. Entretanto, a Demandante tinha procedido às alterações do projeto de arquitetura, no âmbito da redução de custos, tendo as mesmas sido implementadas em obra para não causar entropias no decurso da empreitada que acarretariam elevados custos para a Demandada.
d. Embora estando a prestação de serviços totalmente cumprida, a Demandada ficou impedida, legalmente, de contratar, porquanto o objeto da prestação de serviços era, nessa altura, fisicamente impossível e, como tal, nulo.
e. A este propósito, a Demandada cita a jurisprudência do Tribunal de Contas constante do Acórdão n.º 13/2012, de 10 de julho – 1.ª secção/PL: “Na verdade, e como já se acentuou, ao tempo da celebração do contrato em causa [30.12.2011] já não era possível a realização da prestação de serviços no prazo aí estabelecido [de 1.1.2011 a 31.12.2011] e erguida como contrapartida do pagamento previsto no mesmo. E tal impossibilidade, contemporânea da constituição do vínculo obrigacional, mostra-se definitiva. Ou seja, e resumindo, o objeto do negócio jurídico em apreço e vertido no contrato sob fiscalização mostra-se fisicamente impossível. O art. 280.º do Código Civil reputa de nulo o negócio jurídico cujo objeto seja física ou legalmente impossível. E, mais particularmente, o art. 401.º, de igual diploma legal, postula que a impossibilidade originária da prestação gera a nulidade do negócio jurídico. […] Por força do art. 280.º, n.º 3, do Código dos Contratos Públicos, aquelas normas [arts. 280.º e 401.º do C. Civil] são aplicáveis, subsidiariamente, à matéria em apreço, aplicabilidade reforçada em razão do circunstancialismo sob análise se acolher à previsão normativa nelas contida”.
f. Assim, inexiste qualquer documento ou contrato administrativo que titule a quantia reclamada pela Demandante: primeiro, porque não foi celebrado qualquer contrato administrativo que titule o valor reclamado; segundo porque não foi apresentado pela Demandante qualquer outro título contratual válido, subordinado à prestação de serviços de alteração do projeto de arquitetura.
g. Não existindo título contratual válido subjacente ao crédito, não se verificam os requisitos legais que permitiram à Demandada proceder à aprovação da despesa nos termos do disposto no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho.
h. Além disso, devido ao não cumprimento dos requisitos impostos pela Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro [Lei dos Compromissos], a Demandada está também impossibilitada de proceder a qualquer pagamento a esse título, na medida em que, nos termos do n.º 1 do artigo 9.º do referido diploma legal, “os pagamentos só podem ser realizados quando os compromissos tiverem sido assumidos em conformidade com as regras e procedimentos previstos na presente lei”.
i. Assim, qualquer ato que a Demandada pudesse praticar para proceder ao pagamento em causa seria nulo nos termos do n.º 3 do artigo 5.º da Lei n.º 8/2012, de 21 de fevereiro,
j. E a Demandada incorreria em responsabilidade financeira se o fizesse, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (Lei n.º 98/97, de 26 de agosto, na sua redação atual), e, eventualmente, reintegratória, nos termos do artigo 59.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
5. Nos termos do Regulamento do CAAD, foi o signatário designado como Árbitro para o processo, considerando-se o Tribunal Arbitral constituído, após aceitação pelo signatário, em 07.12.2015 (nos termos do e-mail do signatário da mesma data).
II. Saneamento
O Tribunal é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não existem nulidades.
Após a apresentação dos articulados iniciais, o processo desenrolou-se de acordo com a súmula que se expõe de seguida:
Em 15.12.2015, o Tribunal proferiu despacho no sentido de, não obstante as partes terem indicado prova testemunhal, toda a prova relevante para a decisão ser documental e, portanto, o processo poder ser conduzido com base nos elementos de prova juntos aos autos, dispensando-se a realização de audiências. Sem prejuízo desse entendimento, concedeu prazo de 10 dias às Partes para se pronunciarem sobre a dispensa de audiências para a produção de prova.
Em 28.12.2015, pronunciou-se a Demandante no sentido de ser de realizar a produção de prova testemunhal e através de depoimento de parte.
Em 05.02.2016, a Demandada apresentou requerimento nos termos do qual não se opunha à dispensa de audiências para produção de prova.
Em 22.01.2016, a Demandante veio apresentar um requerimento de prova, no qual pediu a junção aos autos dos seguintes documentos:
– Documento n.º 1: anexos às mensagens de correio eletrónico juntas como doc. n.º 5 da petição inicial, os quais, por mero lapso, não foram remetidos com tal peça processual;
– Documento n.º 2: contraproposta referente ao valor de honorários entregue em mão pelo Diretor de Projeto da Delegação Norte da B… Ex.mo Sr. Eng. C… .
– Documento n.º 3: proposta final de honorários, apresentada na sequência do doc. n.º 2, a qual foi aceite pela Demandada, relativos aos estudos de Arquitectura (incluindo Medições e Orçamento) realizados para redução de custos das obras previstas para a requalificação da Escola Secundária …, em …;
– Documentos n.os 4 e 5: submissão de elementos na plataforma GATEWIT – compras públicas.
Através do mesmo requerimento, solicitou ainda o aditamento ao rol das seguintes testemunhas:
1. Eng.º D…, com domicílio profissional nas instalações da B…, sitas na Av. …, n.º … -…, …-…Lisboa;
2. Eng.º E…, com domicílio profissional nas instalações da B…, sitas na Rua …, nº … – …, …-… Porto.
Através de despacho proferido a 08.02.2016, o Tribunal admitiu o aditamento ao rol pretendido pela Demandante, tendo advertido da necessidade de a mesma, no prazo de 5 dias, especificar, em relação a cada testemunha, relativamente a que factos é que a mesma é indicada. Quanto aos documentos, o Tribunal decidiu, nos termos do disposto no artigo 21.º, número 2 do Novo Regulamento de Arbitragem do CAAD, que prevê que “a junção de documentos após a fase de articulados só pode ter lugar em casos devidamente fundamentados, desde que não cause perturbação substancial à tramitação processual, nos termos a apreciar pelo tribunal” e porque, no requerimento apresentado, a Demandante não ofereceu fundamentação para o facto de só então estar a apresentar os documentos, à exceção dos anexos às mensagens de correio eletrónico juntas como documento n.º 5 da petição inicial, que a mesma deveria, no prazo de 5 dias, oferecer tal fundamentação, sob pena de não ser admitida a junção aos autos dos referidos documentos.
Em 16.02.2016, a Demandante apresentou a sua resposta, nos termos da qual “Com exceção do documento referido no ponto 1 da presente resposta, embora apresentados em momento posterior à apresentação do articulado inicial, os documentos ora juntos com o requerimento de prova apresentado servem para contraditar os factos alegados em sede de contestação pela demandada, nomeadamente os factos relativos ao preço contratual estabelecido para a prestação de serviços, bem como os factos atinentes ao convite lançado na plataforma informática e à correspondente proposta apresentada pela ora Demandante, razão pela qual não foram juntos com a p.i. apresentada”.
Através do mesmo requerimento, informou também o Tribunal dos factos pretendidos provar através da prova testemunhal oferecida.
Através de requerimento apresentado a 05.04.2016, a Demandada informou nada ter a opor à junção de documentos e ao aditamento ao rol de testemunhas.
No dia 28.04.2016, teve lugar a audiência para produção de prova, na qual as testemunhas confirmaram, no essencial, os factos alegados pelas Partes nas peças processuais, ou seja, que foi efetivamente solicitada a alteração do Projeto de Arquitetura inicial, que o preço foi consensualizado entre as Partes, que os serviços foram prestados, que se alcançou a redução de custos pretendida e que o preço não foi pago por razões processuais e de índole jurídica.
III. Dos factos
Analisados os articulados, bem como os documentos juntos e demais elementos probatórios do processo, é convicção deste Tribunal Arbitral deverem ser considerados provados e não provados, com interesse para o processo, os seguintes factos:
(i) Factos dados como provados
1. A Demandante dedica-se à prestação de serviços de arquitetura;
2. Em janeiro de 2010, a Demandante celebrou com a Demandada o contrato de prestação de serviços n.º …/…/… /…, cujo objeto é a Elaboração do Projeto de Arquitetura e Coordenação Geral de projeto da Junção da Escola Secundária … com a Escola Básica de …, em …;
3. O preço do referido contrato, nos termos da respetiva cláusula 5.ª, é de € 189.280,00;
4. As prestações de serviços devidas pela Demandante ao abrigo do referido contrato foram realizadas;
5. Encontra-se atualmente pago à Demandante, por referência a este contrato, o montante de € 179.816,00;
6. Encontra-se por faturar o montante de € 9.464,00, correspondente a 20% do valor da assistência técnica, cujo pagamento depende, nos termos da subalínea (ii) da alínea a) do n.º 4 da cláusula 6.ª do contrato, da receção provisória da obra e da validação das telas finais;
7. A empreitada está provisoriamente rececionada;
8. A Demandante ainda não validou e assinou as telas finais;
9. A Demandante ainda não faturou os 5% remanescentes do valor total do contrato de prestação de serviços;
10. Em meados de 2011, em consequência da reavaliação do Programa Modernização das Escolas do Ensino Secundário, a Demandada apresentou às tutelas um plano de readaptação e redução de custos, em termos de investimentos e de operação, no âmbito do objetivo de redução de custos operacionais do setor empresarial do Estado;
11. Com esse objetivo, a Demandada solicitou diversas alterações ao projeto de arquitetura objeto do contrato referido no ponto 2 supra;
12. A Demandada endereçou um convite à Demandante, através da correspondente plataforma eletrónica, para prestação de serviços para alteração do projeto de arquitetura para junção da Escola Secundária … com a Escola Básica de … (procedimento de contratação pública n.º …_..._...);
13. A Demandante procedeu à alteração do projeto de arquitetura no sentido de nele integrar as alterações decorrentes do plano de redução de custos proposto pela Demandada;
14. A Demandante realizou estudos de arquitetura para a redução de custos de obra, incluindo alterações ao projeto de estabilidade e às medições e orçamentos;
15. Em 19.06.2012, a Demandante elaborou memória descritiva de prestação de serviços para alteração do projeto de arquitetura da junção da Escola Secundária de … com a Escola Básica de …, em …, para redução de custos na respetiva empreitada;
16. As alterações propostas pela Demandante tinham em vista assegurar uma redução de cerca de 3,05% do valor total da obra, ou seja, cerca de € 679.947,59;
17. Após apresentação do convite à Demandante para prestação de serviços de alteração do projeto de arquitetura para junção da Escola Secundária … com a Escola Básica de … com vista à redução de custos na respetiva empreitada, a Demandada apresentou a correspondente proposta;
18. A proposta da Demandante não pôde ser adjudicada pelos seguintes motivos:
(i) Foi apresentada sem um certificado de assinatura eletrónica qualificado;
(ii) A declaração de indicação do preço contratual foi emitida em nome individual e não em nome da Demandante;
(iii) A proposta tinha um preço anormalmente baixo, o que, nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º 4, do Código dos Contratos Públicos (CCP), por remissão para o artigo 27.º da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de julho, e do disposto na alínea l) do n.º 2 do artigo 146.º, aplicável ex vi artigos 122.º, n.º 2, 146.º, n.º 2, alínea o), e 70.º, n.º 2, alínea e), do CCP, conduziu à sua exclusão.
19. Entretanto, a Demandante tinha procedido às alterações do projeto de arquitetura, no âmbito da redução de custos, tendo as mesmas sido implementadas em obra para não causar entropias no decurso da empreitada que acarretariam elevados custos para a Demandada.
20. Os serviços realizados pela Demandada de alteração do Projeto de Arquitetura não foram pagos.
(ii) Factos dados como não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que tenham sido considerados não provados.
(iii) Fundamentação
A fixação da matéria de facto baseou-se nos documentos juntos pelas partes, na prova testemunhal realizada, no depoimento de parte e em afirmações da Demandante que não são impugnadas pela Demandada.
IV. Do direito
No litígio em análise, na sequência de um convite endereçado pela Demandada à Demandante, esta apresentou uma proposta de prestação de serviços para alteração do projeto de arquitetura no âmbito do procedimento de contratação pública n.º ..._... _... . A mesma não veio a ser adjudicada, contudo, por um conjunto de motivos não imputáveis à Demandada: (1) foi apresentada sem um certificado de assinatura eletrónica qualificado; (2) a declaração de indicação do preço contratual foi emitida em nome individual e não em nome da Demandante; e (3) a proposta tinha um preço anormalmente baixo.
Entretanto, contudo, na sequência desta proposta, a Demandante: (i) procedeu à alteração do projeto de arquitetura em questão no sentido de nele integrar as alterações decorrentes do plano de redução de custos proposto pela Demandante, (ii) realizou estudos de arquitetura para a redução de custos de obra, incluindo alterações ao projeto de estabilidade e às medições e orçamentos, (iii) elaborou memória descritiva de prestação de serviços para alteração do projeto de arquitetura em questão e (iv) procedeu às alterações do projeto de arquitetura, no âmbito da redução de custos, tendo as mesmas sido postas em prática em obra. A implementação imediata destas alterações justifica-se com a respetiva urgência, para não causar entropias no decurso da empreitada que acarretariam custos potencialmente muito elevados para a Demandada, e permitiu uma redução de € 679.947,59 (seiscentos e setenta e nove mil novecentos e quarenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos) do valor total da obra.
Tendo a Demandante prestado à Demandada um serviço que não foi pago, verifica-se uma atribuição patrimonial a favor desta última, que carece de título jurídico, e em detrimento da primeira, que prestou um serviço que não foi pago.
No caso, como inexiste qualquer conduta ilícita da Demandada, não se aplica a responsabilidade civil extracontratual da administração pública (neste sentido, cfr. fr. A. Leitão, O enriquecimento sem causa da administração pública, Lisboa, 1998, pp. 75-78; M. Esteves de Oliveira, Direito administrativoR, Coimbra, 1984, p. 659).
Cumpre verificar, assim – e de acordo com o caráter subsidiário do instituto (artigo 474.º do Código Civil, aplicável por analogia) – se se trata de um caso de enriquecimento sem causa. Os respetivos pressupostos são os seguintes (M. Rebelo de Sousa / A. Salgado de Matos, Direito administrativo geral, III2, Lisboa, 2007, pp. 555-557): (a) a verificação de um enriquecimento da administração pública, ie, de uma vantagem patrimonial; (b) a exigência de que o enriquecimento se tenha verificado à custa de outrem; e (c) a inexistência de uma causa justificativa do enriquecimento, ou seja, quando o mesmo não tenha um título jurídico, seja ele unilateral (um acto administrativo) ou bilateral (um contrato). In casu: (a) a vantagem patrimonial que se verificou foi a implementação efetiva do plano de redução de custos na empreitada de que era dona de obra a Demandada; (b) tendo sido o referido plano preparado pela Demandante; (c) sem que tenha recebido qualquer contraprestação pelo fornecimento desse serviço à Demandada. Pode, assim, concluir-se que se trata, efetivamente, de um caso de enriquecimento sem causa, na modalidade de enriquecimento por prestação. A execução antecipada do contrato – ie, a realização de uma prestação que seria correspondente ao conteúdo de um contrato administrativo, antes mesmo de o referido contrato estar concluído – é, de resto, um dos casos típicos de aplicação do enriquecimento sem causa no âmbito do direito administrativo (cf. A. Leitão, O enriquecimento sem causa da administração pública, pp. 90-93). Trata-se, mais uma vez, de uma aplicação analógica do direito civil: “A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto […] o que for recebido […] em vista de um efeito que não se verificou” (cf. artigo 473.º, n.º 2, do Código Civil).
Determinada a fonte da obrigação, resta determinar o seu objeto. Nos termos do artigo 479.º, n.º 1, do Código Civil, “[a] obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente”. Daqui se retira, mais uma vez por analogia, por um lado, que deve ser restituída a totalidade do enriquecimento; por outro, que, nos casos em que a reconstituição natural não é possível (como o presente), se deve proceder ao pagamento do montante pecuniário correspondente (assim, cf. M. Rebelo de Sousa / A. Salgado de Matos, Direito administrativo geral, III2, p. 557). Este montante foi avaliado por ambas as partes em €22.156,30.
V. Decisão
Em razão do supra exposto, condena-se a Demandada ao pagamento à Demandante, por aplicação analógica dos artigos 473.º e 479.º do Código Civil, a título de restituição de enriquecimento sem causa, da quantia de €22.156,30 (vinte e dois mil, cento e cinquenta e seis euros e trinta cêntimos) pelos serviços de alteração do projeto de arquitetura para junção da Escola Secundária … com a Escola Básica de … prestados e não pagos, acrescida de juros de mora contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
- Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original da decisão (artigo 28.º, n.º 1 do Novo Regulamento da CAAD);
- Fixa-se o valor da causa para efeitos de encargos processuais no montante € 22.156,30 por aplicação subsidiária do artigo 34.º do CPTA;
- Encargos processuais na importância de € 306,00 por cada sujeito processual, nos termos da tabela aplicável.
Lisboa, CAAD, 15 de junho de 2016.
O árbitro,
Tiago Fidalgo de Freitas