Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 86/2015-A
Data da decisão: 2016-06-16  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Reconhecimento do direito à transição para a categoria de Professor-adjunto, nos termos do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP); pagamento das diferenças salariais; competência do Tribunal Arbitral
Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Este Tribunal Arbitral foi constituído, com a aceitação e notificação da composição em 10.3.2016, nos termos previstos no artigo 17º do Regulamento do CAAD (cf. Despacho do Secretário de Estado da Justiça nº 5097/2009, DR II Série – nº 30, de 12 de Fevereiro e demais legislação ali citada).

 

Foi aceite pelas partes a nomeação do signatário, que integra a lista de árbitros deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), para, como árbitro único, nos termos do artigo 15º nº 2 do Regulamento do CAAD (de ora em diante RCAAD) apreciar e decidir o litígio.

 

Foi proferido em 28 de Março de 2016, devidamente notificado às partes, o seguinte Despacho inicial tendo em vista apenas as questões prévias (artigo 18º nº 1 al. b) e c), parte inicial desta última alínea do RCAAD), que aqui se reproduz, por se entender dever o mesmo integrar a Sentença a proferir:

 

“Por se considerar ser instrumental quanto à decisão a proferir de seguida e considerando quanto disposto no artigo 5º nº 1 al. b) do RCAAD e no artigo 30º nº 3 da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), determina-se que, quando o Regulamento do CAAD e a LAV não definirem as regras processuais aplicáveis à presente arbitragem, supletivamente, serão aplicadas os conceitos e as regras decorrentes, primeiro, do CPTA e depois do CPC.

 

Assim, as partes têm capacidade e estão representadas, cumprindo averiguar se o Tribunal é competente nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1º e 8º do RCAAD e 18º da LAV, o que se fará antes de apreciar outras questões prévias suscitadas pelas partes, de que é exemplo a invocada ilegitimidade do C… .

 

Adiante-se desde já, para simplificar, que não se ignora a discussão em torno da oficiosidade ou não oficiosidade do conhecimento da incompetência, desde logo na medida em que o artigo 18º da LAV é omisso quanto a uma solução directa, indicando, no entanto, o momento até ao qual tal incompetência pode ser invocada pelas partes ou decidida pelo Tribunal, o que pareceria apontar no sentido da não oficiosidade. Diga-se que a entidade demandada não invoca, ao menos de forma expressa e directa, a incompetência do Tribunal, sendo certo que suscita um incidente de fixação de valor, opondo-se ao valor indicado pelo demandante, que, na resposta, também não se pronuncia sobre a questão da competência. Ora, ao valor do processo são, regra geral, atribuídas três funções essenciais, a determinação do custo do processo dele dependente, a admissibilidade de recurso e, ao menos no sistema judicial, a definição da competência do Tribunal.

 

Sem necessidade de tomar parte quanto à questão de saber se, para efeitos de Arbitragem, reúne importância o conceito de valor do processo, sabendo que o sistema de verificação e regras de competência definidas pelo sistema Judicial (aqui aplicáveis supletivamente atenta a definição que se promoveu) convivem mal com o sistema arbitral e mesmo não desconhecendo as críticas a que tal decisão seja proferida pelo árbitro, nomeadamente atenta a imparcialidade e isenção desejada que apontaria no sentido de inexistir pronúncia quando tal decisão possa ter impacto nos honorários a receber, entende o signatário que, in casu, é a própria cláusula compromissória que exige a este tribunal que tal averiguação seja feita uma vez que, é ela, em concreto, que determina a medida em que o presente litígio é arbitrável por este Tribunal (arbitrabilidade subjectiva). Neste sentido aponta claramente o artigo 8º do RCAAD e o artigo 18º nº 1 “in fine” da LAV, ou seja, na apreciação da competência do Tribunal, cabe apreciar a arbitrabilidade do litígio, na sua vertente objectiva, face ao objecto do litígio, e subjectiva face à posição das partes e do específico Tribunal Arbitral. Esta disposição legal consagra no domínio da arbitragem voluntária o chamado princípio da Kompetenz-Kompetenz, Competência-Competência, Competence of tribunal to rule on its own jurisdiction ou Kompetenzprüfung durch das Schiedsgericht.

 

Desta análise não pode ficar de parte a aplicabilidade da convenção de arbitragem que é o mesmo que dizer a medida da arbitrabilidade, em especial quando as partes atribuem a competência (a medida da mesma) a um Tribunal Arbitral em função do valor, como se verá ser o caso. Diga-se ainda e por fim que é também o próprio Regulamento do CAAD que exige que as partes indiquem o valor (artigo 10º nº 1 al. d)).

 

Por quanto vem sendo dito e, atento o artigo 46º nº 3 a) i) e iii) da LAV, se entende que, in casu, pode e deve este Tribunal verificar, antes de mais, a sua competência para conhecer deste litígio submetido à sua apreciação (Admitindo a verificação oficiosa, Manuel Pereira Barrocas, Manual da Arbitragem, Almedina 2ª Edição, pag. 255.

 

Tudo isso sem embargo de este poder dever do Tribunal Arbitral dever ser utilizado sempre tendo em consideração o princípio internacionalmente reconhecido do favor arbitrationis, a que, no caso concreto, sempre acresce a obrigação de interpretar o Despacho de vinculação com uma manifestação, verdadeira, de submeter os litígios ali previstos ao CAAD.

 

Assim, a competência do tribunal arbitral pressupõe, antes do mais, a arbitrabilidade do litígio cujo objecto deve ser abrangido pela convenção de arbitragem, a existência de uma convenção de arbitragem válida e eficaz entre as partes e a regular constituição do Tribunal Arbitral.

 

Defina-se então o objecto do litígio, desde já se admitindo como sujeito a prova todos os factos que de forma, directa ou indirecta, possam contribuir para o correcto apuramento da verdade e melhor apreciação e aplicação de direito: O demandante  A…, docente do ensino superior, veio intentar, no Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), contra B… e C…, a presente ação através da qual pretende por via de pedido principal, subsidiário e cumulativo o reconhecimento do direito à transição para a categoria de Professor-adjunto, nos termos do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), com efeitos desde 24.07.2015, e, consequentemente, requer a sua contratação nesta categoria, ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, sujeito a período experimental de 5 anos, com fundamento no cumprimento dos requisitos exigidos nos n.º 7 e 8 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 207/2009, e subsidiariamente, com fundamento no artigo 8.º-A, n.ºs 1 a 3, bem assim como a declaração de ilegalidade do acto impugnado e peticiona a condenação dos Demandados a pagar ao Demandante, a título de diferenças salariais decorrentes do reposicionamento, a quantia de 5.565,24 €, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa de juro legal até integral pagamento.

 

Aqui chegados importa concluir que o litígio em questão é arbitrável, desde logo atento o disposto no artigo 180º nº 1 al. d) do CPTA, e o Despacho do Secretário de Estado da Justiça nº 5097/2009, DR II Série – nº 30, de 12 de Fevereiro (e demais legislação neste último citada), devendo verificar-se então se, em concreto, a convenção de arbitragem é válida e eficaz e se abrange o objecto deste litígio.

 

As entidades demandadas C… e B… (Unidade Orgânica do primeiro nos termos do artigo 1º dos Estatutos) pré-vincularam-se à resolução, por via arbitral (CAAD), de litígios emergentes de relações reguladas pelo ECPDESP, nos termos do Regulamento anexo ao Despacho nº …/2011, publicado no DR Série II, Nº …, de … de … de 2011, pág. …, sempre que, nos termos do artigo 3º nº 3, tal não exceda o valor de 30.000€.  

 

A este propósito, como se disse, invoca a Demandada a errada indicação de valor feita pelo Demandante no sentido de a causa ter o valor de 5.961,93 €. Resulta claro que o Demandante atribuiu o valor à causa de acordo com o valor económico determinável do pedido de condenação em reposição salarial e juros, entendendo, por sua vez, o demandado que, pedindo-se na acção mais do que aquele pagamento, o valor da causa deve revelar a soma do valor de todos os pedidos, que, não sendo determináveis, deverão assumir o valor previsto no artigo 34º do CPTA. Cumpre tomar posição sobre o valor da causa, uma vez que, como se viu, dada a específica medida da convenção de arbitragem, sem tal apuramento, impossível se torna apurar a competência deste Tribunal. Ainda quanto ao valor da causa, o contraditório foi expressamente exercido, mantendo e fundamentando o Demandante o valor indicado. A decisão quanto ao Valor, na falta de disposição específica do regulamento CAAD e LAV, terá de ser feito ao abrigo do regime supletivo que se determinou. 

 

Assim a competência material do Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD afere-se em função da lei geral, dos seus Estatutos e do seu Regulamento de Arbitragem. O CAAD tem por objeto, a resolução de litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público alínea c) do n.º 1 do artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e n.º 2 do artigo 3.º dos Estatutos do CAAD.

 

Como se referiu anteriormente, o Demandado pré-vinculou-se à resolução por via arbitral de litígios emergentes de relações reguladas pelo ECPDESP através do Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD. Por força do disposto no artigo 2.º do referido Regulamento anexo ao Despacho nº 8839/2011, o mesmo “aplica-se a qualquer litígio emergente de relações reguladas pelo ECPDESP”. Mais concretamente, o artigo 3.º do mesmo Regulamento prevê a vinculação dos Demandados ao Centro de Arbitragem Administrativa CAAD “para dirimir os litígios emergentes de relações reguladas pelo ECPDESP, podendo os interessados dirigirem-se ao referido Centro para a resolução de litígios”, pese embora determine que “o CAAD poderá dirimir litígios de valor não superior a 30.000€.

 

Ora, que valor deve ser atribuído à presente causa, tendo em atenção as pretensões da Demandante? Para a determinação do valor do processo sub judice, cumpre então atender ao disposto nos artigos 31.º a 34.º do CPTA (regime supletivo supra determinado), que fixam as regras relativas à determinação do valor da causa no âmbito do processo administrativo. Entende-se a indicação feita pelo Demandante do valor da causa dada pela utilidade económica imediata do pedido. No entanto o pedido do Demandado, mais do que a reposição da diferença salarial, começa por ser no artigo 52º da PI a declaração de ilegalidade do acto, sendo dessa ilegalidade que decorre, assim procedendo, o dever de repor diferenças salariais. Mais, no pedido final, o Demandante deduz pedidos subsidiários e cumulativos. 

Ora o n.º 1 do artigo 31.º do CPTA dispõe, é certo, que “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”. No entanto o nº 7 do artigo 32º manda atender à soma de todos os pedidos e o artigo 33º manda atender ao conteúdo económico do acto aqui impugnado. Quando não for possível fazer uso de qualquer um destes critérios haverá que recorrer ao artigo 34º nº 2. Entende-se ser este último o bom caminho pois não se mostra possível atribuir valor ao conteúdo económico do acto de deferimento de transição na carreira ou reconhecimento do direito a transitar, sendo certo que ele não é apenas o que é dado pelas diferenças salariais inerentes, mas superior, por tal acto de transição ter valor económico próprio. Basta, para demonstrar quanto se afirma, atentar no pedido de reconhecimento do direito a transitar de um contrato a termo para um contrato por tempo indeterminado, o que, se outra utilidade económica faltasse, que não falta, sempre esta mereceria ser medida para efeitos de apuramento do valor da causa. De quanto vem sendo dito resulta claro que nenhum dos critérios gerais ou especiais permite fixar o valor da utilidade económica do processo sub judice, razão por que há que aplicar o critério supletivo fixado no artigo 34.º nº 2 do mesmo diploma para valores indetermináveis (que dizem respeito àquelas situações em que estejam em causa ou se discutam bens, utilidades, posições jurídicas ou interesses insusceptíveis de avaliação económica ou pecuniária directa ou imediata i.e., interesses imateriais, cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de abril de 2013, processo n.º 09667/13, CA – 2.º Juízo). Logo, atendendo aos pedidos formulados pela Demandante, há que reconhecer que o presente processo tem um valor indeterminável e, como tal, considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo. Por seu turno, o n.º 4 do artigo 6.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro) determina que “a alçada dos tribunais centrais administrativos corresponde à que se encontra estabelecida para os tribunais da Relação”. Por fim, o artigo 44.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26 de Agosto) determina que, “em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000. Nestes termos, há que fixar o valor da ação em 30.000,01 €, porquanto se trata de uma causa com valor indeterminável, sendo-lhe por isso atribuído um valor económico superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo.

 

Apurado o valor dos presentes autos arbitrais, cumpriria agora proferir decisão quanto à competência deste Tribunal Arbitral face ao valor dos autos (30.000,01€) e a medida da convenção de arbitragem, a arbitrabilidade aqui em apreciação, dada pelo limite de 30.000 € que se definiu para essa, específica, competência arbitral.”

 

Antes de proferir decisão, nos termos do artigo 5º nº 1 al. d) do Regulamento do CAAD, considerando o princípio da utilidade do processado e do favor arbitrationis, a arbitrabilidade material do litígio e a admissão em termos gerais que decorre do artigo 4º nº 1 “in fine” e nº 3 da LAV e do artigo 9º do RCAAD, concluiu-se no referido Despacho Inicial de 28 de Março de 2016 no sentido de:       

1.      Fixar o valor do processo em 30.000,01 € (trinta mil euros e um cêntimo), devendo nos termos do artigo 2º nº 2 do RCAAD ser registado este valor como o da causa.

2.      Notificar as partes para, em 30 dias, se pronunciarem sobre o valor fixado aos presentes autos e impacto do mesmo na definição da competência deste Tribunal Arbitral e, nisso vendo ambas interesse, utilidade e tendo ambas capacidade e competência própria, juntar compromisso arbitral que, especificamente, atribua competência ao CAAD para apreciação deste litígio, devidamente assinada, em formato original, e produzindo os seus efeitos na data do primeiro pedido de constituição deste tribunal arbitral.

 

No cumprimento do Despacho Inicial vieram, no dia 27 de Abril de 2016, o demandante e (as duas) demandadas apresentar nos autos requerimento conjunto, não se opondo ao valor fixado e atribuindo expressamente competência a este Tribunal Arbitral para apreciação dos presentes autos.

 

Verificou, no entanto, este Tribunal que o referido requerimento conjunto atribuidor de competência, se mostrava apenas assinado pelo demandante e seu mandatário e pelo mandatário, apenas, da demandada B…, na medida em que não se mostrava junta Procuração da Demandada C… a favor daquele Ilustre Advogado.

Verificou-se ainda que da Procuração emitida pelo B…, além dos poderes judiciais, constava apenas o especial de celebrar transacção na data em que a mesma procuração foi emitida, data esta posterior ao pedido de constituição do Tribunal Arbitral pelo demandante.

Verificou-se também que o C… não havia sido notificado do Despacho Inicial de 28 de Março de 2016.

 

Considerando quanto resultou desta análise do requerimento conjunto foi, em 16 de Maio de 2016, proferido Despacho, notificado a todas as partes, no sentido de serem notificadas as Demandadas (no caso do C… com cópia do Despacho Inicial que não lhe havia sido notificado) para que, em dez dias, cada uma, juntasse Procuração com Ratificação, expressa, do Requerimento conjunto de 27 de Abril de 2016.

 

No dia 27 de Maio de 2016 veio (apenas) a Demandada B… juntar Procuração, ratificando expressamente aquele Requerimento Conjunto e requerer a rectificação do requerimento conjunto apresentado nos autos, alegando ter sido lapso a indicação do C…  como outorgante do mesmo.

 

Não foi proferido Despacho no sentido de ser admitida tal rectificação, apenas pedida por uma das partes, atenta a inutilidade, nesses termos, de tal Requerimento. Com efeito, tendo o processo arbitral sido intentado contra ambas as Demandadas, mostrando-se ambas notificadas (tendo o C… optado pelo silêncio que nos termos do artigo 12º nº 6 do RCAAD não tem qualquer efeito operante), e não tendo o Tribunal conhecido da ilegitimidade do C… por importar conhecer, de forma prévia, da competência do Tribunal, a fim de sanar a incompetência decorrente do valor, que decorre do Regulamento anexo ao Despacho nº …/2011, publicado no DR Série II, Nº …, de … de … de 2011, pág. …, e do Despacho inicial que o fixa em 30.000,01 €, sempre todas as intervenientes teriam que, de forma expressa, atribuir competência específica a este Tribunal para apreciar o litígio. O que, apesar do esforço que o referido princípio do favor arbitrationis mereceu, não se logrou alcançar.

 

Assim, considerando quanto decorre da fundamentação, em especial o disposto nos artigos 1º e 8º do RCAAD, 18º da LAV e 89º nº 2 e 4 do CPTA, importa julgar incompetente o Tribunal Arbitral do CAAD, em função do valor que se fixou em 30.000,01 €, absolvendo da presente instância arbitral os Demandados.

 

Não se podendo fixar critério diferente de repartição, deverão os encargos ser suportados nos termos previstos no nº 5 do RCAAD.

 

Deposite-se, registe-se e notifiquem-se as partes, com cópia, alterando-se o valor do processo em conformidade.

 

 

 

 

O ÁRBITRO

 

Nuno Pereira André

 

 

Lisboa, 16 de Junho de 2016