Decisão Arbitral
I. Relatório
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A Demandante, A… (doravante, “Demandante”), apresentou petição inicial nos termos do artigo 15.º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, “Regulamento do CAAD”) contra o Demandado, Ministério da … (doravante, “Demandado”).
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Nesse articulado, peticionou a Demandante, a final, que “(…) deve o acto impugnado ser julgado contrário à lei e inválido sendo declarado nulo ou anulado”.
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De acordo com a Demandante, o pedido formulado no âmbito do presente processo arbitral decorre do seguinte quadro fáctico e legal:
a. A Demandante encontra-se provida em lugar do Mapa de Pessoal da B… na carreira de Especialista Auxiliar;
b. A Demandante faltou justificadamente, por doença, no período compreendido entre 13/10/2014 e 11/02/2015;
c. Por referência ao ano de 2014, a Demandante tinha, ainda, dias de férias vencidos e não gozados;
d. A Demandante não concorda com o entendimento sufragado pelo Demandado quanto aos efeitos da suspensão do seu vínculo, devido a impedimento por doença, sobre as férias;
e. Em particular, entende a Demandante que não lhe são aplicáveis as disposições legais constantes da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (doravante, abreviadamente designada “LGTFP”), que disciplinam o direito a férias, mas apenas os normativos inseridos na Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprova a LGTFP;
f. Ademais, defende a Demandante que o entendimento propugnado pelo Demandado, no sentido da aplicação à Demandante do regime jurídico da LGTFP, afetou o seu direito a férias, em violação do disposto no artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho;
g. Por último, reiterando a inaplicabilidade das normas disciplinadoras do direito a férias constantes da LGTFP, defende a Demandante que se verifica “(…) a existência de uma lacuna a ser preenchida por aplicação de regra análoga à que resultava do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto Lei n.º 100/99, de 30/03”.
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Notificado para contestar, veio o Demandado defender-se por impugnação, pugnando pela total improcedência da acção e, em consequência, pela sua absolvição do pedido. Em concreto, o Demandado pugnou pela aplicabilidade à Demandante, no que respeita ao gozo de férias após regresso da situação de baixa médica, dos dispositivos legais constantes da LGTFP.
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Finda a fase dos articulados, não existindo questões que obstassem ao conhecimento do objeto do processo, não tendo as partes requerido a realização de diligências probatórias, nem tal se afigurando necessário, não existindo matéria de facto controvertida e não tendo as Partes renunciado à apresentação de alegações escritas, por despacho datado de 22 de julho de 2015, foram as partes notificadas para, querendo, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 91.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi do artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD, apresentarem alegações escritas.
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As partes regularmente notificadas não apresentaram alegações escritas.
II. Matéria de Facto:
Com base nos documentos juntos ao processo e por corresponderem a afirmações da Demandante que não foram contrariadas pelo Demandado, dão-se como provados os seguintes factos:
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A Demandante é funcionária pública desde 1984;
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A Demandante encontra-se provida em lugar do Mapa de Pessoal da B…, na carreira de Especialista Auxiliar;
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No período compreendido entre 13/10/2014 e 11/02/2015, a Demandante faltou justificadamente ao trabalho, por doença;
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Por referência ao ano de 2014, a Demandante tinha, ainda, dias de férias vencidos e não gozados;
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Por e-mail datado de 10 de fevereiro de 2015, remetido pela Diretora da Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da B… ao Diretor da Diretoria do Norte da B…, foi transmitido o entendimento jurídico quanto aos efeitos da suspensão do vínculo de emprego público da Demandante sobre o seu direito a férias;
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A Demandante foi notificada, no dia 11 de fevereiro de 2015, do despacho do Diretor da Diretoria do Norte da B…, bem como do e-mail identificado no ponto anterior.
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A Demandante interpôs recurso hierárquico do referido despacho, o qual mereceu resposta, através de Informação de Serviço da Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da B…, na qual foi exarado despacho de concordância do Diretor Nacional Adjunto da B…, que confirmou o entendimento expresso em 10 de fevereiro de 2015;
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No dia 16 de março de 2015, foi a Demandante notificada do despacho do Diretor Nacional Adjunto da B... .
III. Matéria de Direito:
A questão decidendi reconduz-se a aferir da alegada ilegalidade da pronúncia do Demandado, através de despacho de concordância do Diretor Nacional Adjunto da B…, exarado em Informação de Serviço, na sequência de requerimento apresentado pela Demandante, relativamente aos efeitos da suspensão do vínculo de emprego público sobre o seu direito a férias no ano da cessação de impedimento prolongado.
Para apurar da existência da ilegalidade apontada pela Demandante, importa dar resposta às seguintes questões fundamentais:
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Qual o regime jurídico aplicável à Demandante quanto ao gozo de férias após regresso da situação de impedimento prolongado por doença;
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Quais os efeitos da suspensão do contrato por impedimento prolongado sobre as férias.
Analisaremos, de seguida e em separado, cada uma destas questões.
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Regime jurídico aplicável à Demandante quanto ao gozo de férias após regresso da situação de impedimento prolongado por doença
A Demandante alega que os preceitos mobilizados pelo Demandado – artigos 278.º, 129.º e 127.º, n.º 3, todos da LGTFP – não são suscetíveis de aplicação, já que, ao prever, no n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que “a falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes”, “(…) o legislador afastou expressamente o regime constante da LGTFP no que respeita a efeitos das faltas sobre direitos do trabalhador e, designadamente, sobre o direito a férias”.
Sustentando que o regime constante da LGTFP foi expressamente afastado pelo legislador, a Demandante conclui que, quando aos efeitos da suspensão do seu vínculo no direito a férias, motivada pela ausência por doença, existe uma lacuna “(…) a ser preenchida por aplicação de regra análoga à que resultava do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 100/99, de 31/03”.
Conforme consta da factualidade considerada provada, a Demandante é funcionária pública desde 1984, encontrando-se sujeita, por força do disposto na Lei n.º 4/2009, de 29 de janeiro, à aplicação do regime de proteção social convergente. Por sua vez, ressalta do artigo 14.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho que “o disposto nos artigos 15.º a 41.º é aplicável aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente”.
Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho “a falta por motivo de doença devidamente comprovada não afeta qualquer direito do trabalhador, salvo o disposto nos números seguintes”, sendo, ao longo dos diversos números, enunciados os efeitos das faltas por doença “sem prejuízo de outras disposições legais (…).” (cfr. n.º 2 do artigo 15.º da referida lei).
Note-se que, nos artigos 15.º a 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, o legislador procurou prever o regime de faltas por doença aplicável aos trabalhadores integrados no regime de proteção social convergente, regulando os efeitos remuneratórios, de antiguidade, contributivos, regras de justificação da situação de doença e respetivos meios de prova. A disciplina destas matérias quanto aos trabalhadores integrados no regime geral da segurança social consta da LGTFP, nos artigos 136.º a 143.º.
Verifica-se, pois, que o legislador regulou, em dois locais diferentes – num diploma legal e no seu anexo –, o regime de faltas por doença dos trabalhadores inseridos no regime de proteção social convergente e o regime de faltas por doença aplicável aos demais trabalhadores públicos integrados no regime geral de segurança social, sendo certo que estes regimes apresentam notórias diferenças.
Apesar da existência deste dois regimes, disciplinados em locais diferentes, não se pode concordar com a Demandante quando afirma que a previsão de um regime de faltas por doença no diploma preambular preclude a aplicação de quaisquer outros normativos constantes da LGTFP relativos a matérias que possam estar ligadas às faltas por doença.
A simples análise dos artigos 15.º a 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho permite concluir que nem todas as implicações das faltas por doença sobre o vínculo de emprego público se encontram reguladas no diploma preambular. Nem é suposto que assim seja. Conforme supra referido, nos artigos 15.º a 41.º do diploma que aprova a LGTFP apenas se disciplina questões de natureza remuneratória, contributiva, de antiguidade, regras de justificação da situação de doença e respetivos meios de prova, entre outras. Ora, estas são precisamente as matérias em relação às quais o regime aplicável diverge consoante se trate de um trabalhador abrangido pelo regime de proteção social convergente ou de um trabalhador integrado no regime geral de proteção social.
Quanto ao mais, isto é, quanto às normas disciplinadoras da relação jurídica de emprego público, em concreto quanto aos preceitos relativos aos efeitos da suspensão prolongada do vínculo, por motivo de doença, sobre as férias, deverá reconhecer-se a aplicabilidade das normas constantes da LGTFP, independentemente do regime de proteção social do trabalhador.
Em conclusão, no que respeita aos efeitos da suspensão do seu vínculo por força de impedimento prolongado, o regime aplicável à Demandante consta da LGTFP, mais precisamente dos seus artigos 278.º, 129.º e 127.º, n.º 3. Pelo que, quanto a esta questão, o Tribunal considera que o entendimento sufragado pelo Demandado não merece reparo.
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Efeitos da suspensão do contrato por impedimento prolongado sobre as férias
Conforme resulta da matéria de facto provada, no período compreendido entre 13/10/2014 e 11/02/2015, a Demandante faltou justificadamente, por doença [facto enunciado no ponto 3. b) dos factos provados].
Ora, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 278.º da LGTFP, “determina a suspensão do vínculo de emprego público o impedimento temporário por facto não imputável ao trabalhador que se prolongue por mais de um mês, nomeadamente doença”.
Pelo que, de acordo com esta norma, dever-se-á reconhecer que, no hiato temporal compreendido entre um mês após o início do impedimento da Demandante e o seu regresso, o vínculo de emprego público se suspendeu.
Tendo em vista a concretização do direito a férias reconhecido à Demandante após a cessação do impedimento prolongado, importa aferir dos efeitos da suspensão do vínculo de emprego público sobre as férias.
De acordo com o disposto no artigo 129.º, n.º 1 da LGTFP, “no ano da suspensão do contrato por impedimento prolongado, respeitante ao trabalhador, verificando-se a impossibilidade total ou parcial do gozo do direito a férias já vencido, o trabalhador tem direito à remuneração correspondente ao período de férias não gozado e respetivo subsídio” (sublinhado nosso).
Relativamente ao direito a férias no ano da cessação do impedimento prolongado, o n.º 2 do artigo 129.º da LGTFP remete para o artigo 127.º do mesmo diploma legal, o qual dispõe, no seu n.º 1, que “o trabalhador cuja duração total do vínculo não atinja seis meses tem direito a gozar dois dias úteis de férias por cada mês completo de duração do contrato”. O n.º 3 do artigo 127.º da LGTFP estabelece que, “nos vínculos cuja duração total não atinja seis meses, o gozo das férias tem lugar no momento imediatamente anterior ao da cessação, salvo acordo das partes”. O n.º 3 do artigo 129.º prevê, por seu turno, que “no caso de sobrevir o termo do ano civil antes de decorrido o prazo referido no número anterior [ou seja, o prazo previsto no artigo 127.º por remissão do n.º 2 do artigo 129.º] ou antes de gozado o direito a férias, pode o trabalhador usufruí-lo até 30 de abril do ano civil subsequente”.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 127.º, dúvidas não restam que o trabalhador que regresse de uma situação de impedimento prolongado tem direito a gozar dois dias úteis de férias por cada mês completo de trabalho.
Questão diferente é a de saber quando é que o trabalhador pode gozar essas férias. Ora, o artigo 127.º da LGTFP não contém uma resposta a esta questão ou, pelo menos, não tem uma resposta para os casos em que o vínculo excede os seis meses, já que apenas disciplina o momento do gozo de férias em vínculos cuja duração total não seja superior a seis meses (cfr. n.º 3). Apesar de a LGTFP não consagrar um prazo mínimo de execução do contrato após impedimento prolongado[1], nem fixar um limite ao número de dias de férias a gozar pelo trabalhador no ano da cessação do impedimento, considera-se que, atenta a remissão do artigo 126.º, n.º 1 da LGTFP para o regime consagrado no Código do Trabalho, no caso de um impedimento prolongado iniciado em ano anterior, as férias apenas poderão ser gozadas após seis meses de execução do contrato.
Com efeito, de acordo com o artigo 126.º, n.º 1 da LGTFP, “o trabalhador tem direito a um período de férias remuneradas em cada ano civil, nos termos previstos no Código do Trabalho e com as especificidades dos artigos seguintes.” (sublinhado nosso). O direito a férias segue, assim, o regime do Código do Trabalho com as especificidades previstas na LGTFP. Ora, se o direito a férias segue o regime consagrado no Código do Trabalho com as especificidades constantes da LGTFP e, quanto a esta matéria, não se vislumbra a existência de qualquer especificidade na LGTFP que derrogue ou impeça a aplicação das regras previstas no Código do Trabalho, dever-se-á entender que valem aqui os limites previstos no artigo 239.º, números 1 e 2 do Código do Trabalho (aplicáveis por remissão do n.º 6 do mesmo artigo).
Pelo que, se entende que a posição sufragada pelo Demandado quanto aos efeitos da suspensão do vínculo no direito a férias da Demandada não merece qualquer censura.
IV. Decisão
De harmonia com o exposto, decide-se julgar improcedente a ação, uma vez que o entendimento sufragado pelo Demandado, no que respeita ao regime jurídico aplicável à Demandante e aos efeitos da suspensão do vínculo de emprego público sobre as férias, não padece de qualquer ilegalidade.
Notifique-se as partes, com cópia, e deposite-se o original da decisão no Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD (artigo 23.º, n.º 3 do Regulamento de Arbitragem Administrativa);
Fixa-se o valor da causa para efeitos de encargos processuais no montante € 30.000,01, por aplicação do artigo 34.º do CPTA, ex vi do artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa.
Fixam-se os encargos processuais na importância de € 175,00 por cada sujeito processual, nos termos da tabela aplicável.
Lisboa, 06 de janeiro de 2016.
O Árbitro,
(Luís Verde de Sousa)
[1] No sentido de que, no ano da cessação do impedimento prolongado, o direito a férias apenas se vence ao fim de seis meses de trabalho, veja-se Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, Comentários à Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, 1.º volume, Artigos 1.º a 240.º, Coimbra Editora, 1.ª edição, Novembro de 2014, p. 416.