Sentença Arbitral
CAAD: Arbitragem Administrativa
Processo n.º 21/2015-A
1. Relatório
R..., com o cartão de cidadão nº ..., com o NIF nº ..., residente na rua ..., nº 116, 3º esq., ... Montijo instaurou, nos termos dos artigos 2º e 15º do Regulamento de Arbitragem do CAAD, ação para a resolução de litígio emergente de relação jurídica de emprego público, contra a Junta ..., contribuinte fiscal n.º ..., com sede no Largo do ..., ... Lisboa.
O Demandante e a Demandada aceitaram a convenção arbitral celebrada em 26 de março de 2015, conforme documento junto ao processo.
Prosseguindo o processo com citação da Demandada, não foi por esta apresentada contestação, nem foi junto processo administrativo ou quaisquer documentos respeitantes à matéria do processo (como se prevê nos n.ºs 1 e 4 do artº artigo 12.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD).
O Demandante pretende que seja reconhecida a existência do vínculo de contrato de trabalho em funções públicas da junto da Demandada, com as devidas consequências legais desse reconhecimento, nomeadamente, em matéria de mapa de pessoal, remunerações e proteção social.
Como fundamento da sua pretensão o Demandante alega, em suma que:
Celebrou com a Demandada um contrato de prestação de serviços, desde setembro de 2003 para o exercício de funções inerentes à carreira e categoria profissional de técnico superior;
O referido contrato durou até 28 de fevereiro de 2011;
Celebrou em 01.03.2011 um contrato de trabalho em funções públicas pelo prazo de um ano;
Este mesmo contrato foi sucessivamente renovado por períodos iguais;
No âmbito da execução dos referidos contratos tem desempenhado as funções inerentes à categoria profissional de técnico superior, nas áreas de ação educativa e desportiva, as funções de coordenador das atividades de enriquecimento curricular e coordenador das atividades desportivas, incluindo ainda, coordenador/treinador da Academia de Futsal da Demandada.
Em síntese, na tese apresentada pelo Demandante, existirá uma continuidade na sua atividade junto da Demandada, devendo ser-lhe reconhecido o direito a integrar o mapa de pessoal em categoria correspondente às funções exercidas, isto é, de técnico superior.
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Da parte da Demandada, como já se referiu, não foi apresentada qualquer contestação a esta tese.
Assim sendo, prossigamos:
O artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos estabelece que pode ser constituído tribunal arbitral para o julgamento de “litígios emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”, pelo que, alegando a Demandante existir uma relação deste tipo, não há obstáculo derivado desta norma ao recurso à arbitragem.
Por outro lado, o CAAD inclui no seu objeto a resolução de litígios emergentes de relações jurídicas de direito público (artigo 2.º do Regulamento de Arbitragem) e foi obtido compromisso arbitral já referido e datado de 28.03.15 cuja cópia foi junta aos autos.
O signatário foi designado árbitro pelo Conselho Deontológico do CAAD para apreciação do presente processo, tendo aceitado a designação.
O local da arbitragem é a sede do CAAD em Lisboa.
Não há nulidades, exceções ou qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
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2. Matéria de facto
Apesar de não ter sido apresentada contestação, nem qualquer processo administrativo, nos termos do artigo 12.º, nºs 6 e 7, do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD, a falta de contestação não implica aceitação das alegações da Demandante.
Por outro lado, em face do pedido e da suficiência da prova documental, o Tribunal Arbitral prescinde da prova testemunhal apresentada pelo Demandante.
Consideram-se, assim, provados os seguintes factos com relevo para a decisão do litígio:
a) A Demandada sucedeu nos direitos e obrigações da Junta de Freguesia da ..., aquando da reorganização legal das Freguesias do concelho de Lisboa;
b) O Demandante celebrou um contrato de prestação de serviços em 2003, conforme documento junto ao processo;
c) Este contrato foi sucessivamente renovado até Fevereiro de 2011, conforme documento junto ao processo.
d) O Demandante celebrou um contrato de trabalho em funções públicas com termo resolutivo a tempo parcial em 01.03.2011;
e) A Demandada renovou este contrato em 01.03.2012, conforme documento junto ao processo;
f) O Demandante exerceu a sua atividade ao longo dos últimos anos, tendo, inclusive participada em diversas reuniões em representação da Demandada, usando instalações, equipamentos e inclusive correio eletrónico com endereço profissional.
g) O Demandante desempenhou as suas funções com base neste último contrato até 28.12.2014;
h) O Demandante tem neste momento uma avença (contrato de prestação de serviços) com a Demandada, conforme documento junto ao processo;
i) O Demandante aufere, atualmente, honorários no valor mensal de € 830,00, conforme documentos juntos processo.
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A convicção formada, relativamente aos fatos dados como provados, resulta da força probatória dos documentos juntos ao processo.
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3. Fundamentação de direito
De harmonia com o disposto no artigo 5.º, nº 1. al. f) do Regulamento de Arbitragem, constitui um dos Princípios do CAAD “o julgamento de acordo com o direito constituído”
O Demandante pretende que sejam “considerados” o contrato de prestações de serviços, mais o contrato de trabalho em funções públicas, mais o atual contrato de prestação de serviços que foi, entretanto, celebrando com a Demandada, como reconhecimento da existência do vínculo de trabalho em funções públicas do junto da mesma e a sua respetiva “reintegração no mapa de pessoal desta, afeta à divisão de desporto e juventude na carreira e na categoria de técnico superior, prevista no regime geral da função pública
No entanto, constata-se, como resulta da matéria de facto fixada, que apesar de já ter existido entre si um contrato de trabalho em funções públicas, atualmente apenas está em vigor entre Demandante e Demandada, um contrato de prestação de serviço, na modalidade de avença, e não qualquer contrato de trabalho em funções públicas.
Aliás, esse contrato trabalho em funções públicas, a existir, estaria sempre à forma escrita, sob pena de nulidade conforme estabelece o artigo 40º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada Lei 35/2014 de 20 de junho, conjugado com o 61º, nº2, al) g do novo Código do Procedimento Administrativo).
Por isso, o único contrato aqui hoje em vigor será o de prestação de serviços, conforme atrás se deu como provado.
Para além disso, vigoram no ano de 2015, as regras sobre o recrutamento de trabalhadores para autarquias locais que constam do artigo 65.º, nºs 5 e 7 da Lei do Orçamento do Estado para 2015 (Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro) que estabelecem o seguinte:
5 — São nulas as contratações e as nomeações de trabalhadores efetuadas em violação do disposto nos números anteriores, sendo aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos nºs 5 a 7 do artigo 47.º
7 — O disposto no presente artigo tem caráter excecional e prevalece sobre todas as disposições legais, gerais ou especiais, contrárias.
Ou seja, também por esta razão, o recrutamento do Demandante para integrar o quadro da Demandada, por conversão do contrato de prestação de serviços até agora existente é inadmissível à face do regime previsto neste artigo e no mais da Lei do OE para 2015.
Por outro lado, este novo regime da Lei Geral do Trabalho Funções Públicas contido na Lei nº 35/2014 de 20 de junho também é claro quanto à não possibilidade de conversão desta forma de vínculo naquela objeto do pedido da ora Demandada, ainda que o respetivo contrato fosse nulo.
Com efeito, diz o:
“Artigo 10º
Prestação de serviço
1 - O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas é celebrado para a prestação de trabalho em órgão ou serviço sem sujeição à respetiva disciplina e direção, nem horário de trabalho.
2 - O contrato de prestação de serviço para o exercício de funções públicas pode revestir as seguintes modalidades:
a) Contrato de tarefa, cujo objeto é a execução de trabalhos específicos, de natureza excecional, não podendo exceder o termo do prazo contratual inicialmente estabelecido;
b) Contrato de avença, cujo objeto é a execução de prestações sucessivas no exercício de profissão liberal, com retribuição certa mensal, podendo ser feito cessar, a todo o tempo, por qualquer das partes, mesmo quando celebrado com cláusula de prorrogação tácita, com aviso prévio de 60 dias e sem obrigação de indemnizar.
3 - São nulos os contratos de prestação de serviço para o exercício de funções públicas em que exista subordinação jurídica, não podendo os mesmos dar origem à constituição de um vínculo de emprego público.
4 - A nulidade dos contratos de prestação de serviço não prejudica a produção plena dos seus efeitos durante o tempo em que tenham estado em execução, sem prejuízo da responsabilidade civil, financeira e disciplinar em que incorre o seu responsável.”
Aliás, ainda que no domínio de legislação anterior, o Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar contra a hipótese de conversão, por entender que esta violaria o princípio da igualdade no acesso à função pública previsto no artº 47º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (Ac. TC nº 683/99, publicado na 1º série do DR de 03.02.2000)[1].
Em suma e pelo exposto na presente fundamentação, a ação deve ser julgada improcedente.
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4. Decisão
De harmonia com o exposto, julga-se a ação improcedente e absolve-se a Demandada do pedido.
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5. Valor da ação
Fixa-se à ação o valor de € 30.000,01, que é o adequado a uma causa de valor indeterminável, com é o caso desta (artigo 34.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, artigo 6.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 24.º, n.º 1, da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, na redação do DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, a que corresponde o art. 31.º, n.º 1, na Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD).
Custas pelo Demandante
Notifique-se
Lisboa, 28 de setembro de 2015
O Árbitro único
José Conde Rodrigues
[1] Corroborando este entendimento, embora propondo a sua alteração em sede legislativa ou a sua eventual inconstitucionalidade, pode ver-se o recente Comentário à Lei do Trabalho em Funções Públicas, Vol. 1, de Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, Coimbra: Coimbra Editora, 2014, pp. 126 e ss.