Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 62/2024-A
Data da decisão: 2025-11-18  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.095,96
Tema: Pagamento de Trabalho Extraordinário
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SUMÁRIO:

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Aos 28 dias do mês de agosto de 2024 veio A..., melhor identificado nos autos, na qualidade de Demandante, proporação administrativa contra o Ministério da Justiça, com morada na Praça do Comércio, 1149-019 Lisboa, que aqui surge como Demandado, pela sua vinculação à jurisdição do CAAD, de acordo com o disposto no art. 187.º, n.º 1 e 2 do CPTA, conjugado com o disposto no art. 1.º, alínea d) da Portaria 1120/2009, de 30 de Setembro.

A razão da presente ação tem na sua origem os factos e fundamentos que enunciamos de forma sucinta:

1.     O Demandante integra a carreira especial de especialista de polícia científica da Polícia Judiciária, e pretende com a presente ação:

·      Impugnar, com fundamento em ilegalidade, a decisão proferida pelo Senhor Coordenador de Piquete que ordenou que o Demandante, integrado no serviço de prevenção, e tendo já atingido os limitesremuneratórios previstos no art. 3.º, n.º 3 da Portaria n.o 10/2014, de 17 de janeiro, na sua atual redação, prestasse trabalho no âmbito de uma nova ocorrência – decisão que pretende ver anulada porquanto entende estar ferida de ilegalidade;

·      Condenar o Demandado na reparação dos danos causados ao Demandante com a atuação supramencionada, nos termos e para os efeitos do Regime Jurídico da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado;

 

 

·      Condenar o Demandado a abster-se de emitir ordens no sentido de o Demandante, quando integrado em serviço de prevenção e já tenha atingido o limite remuneratório previsto no art. 3.º, n.º 3 da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, na sua atual redação, seja chamado a prestar de trabalho na sequência de nova ocorrência que determine a ativação do serviço de prevenção.

 

I – Das questões legais prévias

Antes de proceder à análise do caso concreto, ao seu enquadramento legal e aferição da licitude e eventual procedênciados pedidos, cumpre esclarecer as questões previas que este caso suscita e cuja clarificação é essencial para a presente análise.

 

A – O regime legal da atribuição de suplementos remuneratórios ao pessoal integrado na carreira do Demandante

Considerando a natureza especial da carreira do Demandado, impõe-se aqui a análise dos seus deveres gerais e especiais para perceber em que medida lhe pode ser exigido a prestação de trabalho que exceda os tempos médios do tempo de trabalho. Decorre do Estatuto Profissional do pessoal da Polícia Judiciária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de outubro, a consagração de deveres especiais do pessoal da Policia Judiciaria, como é o caso do dever de disponibilidade, consagrado no artigo 28.º, do qual decorre que os trabalhadores das carreiras especiais –como é o caso do Demandante - devem manter permanente disponibilidade para o serviço, razão pela qual os trabalhadores devem residir na localidade onde normalmente exerce funções, ou noutro local que diste até 50 km daquela, comunicando e mantendo permanentemente atualizado o registo profissional do local da sua residência efetiva e das formas pelas quais podem ser contactados, só podendo residir fora deste perímetro em casos verdadeiramente excecionais e desde que devidamente autorizados pelo diretor nacional.

Este dever de disponibilidade é, pois, uma exigência das carreiras especiais da PJ - carreira de investigação criminal (categoria de coordenador superior de investigação criminal, o coordenador de investigação criminal, o inspetor-chefe e o inspetor), carreira de especialista de polícia científica (em que o Demandante se insere) e a carreira de segurança– que resulta

 

 

da necessidade destes trabalhadores estarem disponíveis para assegurar o cabal cumprimento da missão, atribuições e competências da PJ.

Decorre deste dever de disponibilidade que o serviço na PJ tem caráter permanente e obrigatório (cfr. art. 33.º, n.º 1), não obstante no que concerne às restantes materias aqui não previstas a titulo de exceção, aos respetivos trabalhadores dascarreiras especiais se aplique, de acordo com o disposto no artigo 44.º do respetivo Estatuto, o regime de duração do período normal de trabalho estabelecido para os trabalhadores com vínculo de emprego público, na modalidade de nomeação, salvo no que concerne à natureza de disponibilidade permanente que consiste na especificidade mais marcante destas carreiras e que determinam, de acordo com o art. 44.º, n.º 2 a obrigatoriedade da sua prestação durante o dia ou noite, incluindo os dias de descanso semanal, complementar e feriados.

De acordo com o disposto no n.º 3 desta norma, o serviço permanente é assegurado, fora do horário normal de trabalho, através de serviços de piquete, nas unidades orgânicas de investigação em que se justifique, e de umsistema de turnos e de prevenção, cuja organização e funcionamento consta de regulamento submetido pelo diretor nacional da PJ a homologação do membro do Governo responsável pela área da justiça.

Cabe ao dirigente máximo fixar o número de serviços de piquete e de prevenção, assim como o número de trabalhadores e a respetiva rotatividade.

Em complemento a esta norma, decorre do Decreto-Lei n.º 10/2014, de 17 de janeiro que o pessoal da PJ tem direito a um suplemento de piquete (cfr. art. 1.º1) e a um suplemento de prevenção (cfr. art. 2.º2) nada referindo quantoao pagamento do trabalho suplementar,

 

 
 

 

1 Artigo 1.º Suplemento de piquete

1 - O suplemento de piquete a que tem direito o pessoal da Polícia Judiciária é fixado em percentagens do índice 100 da escala salarial do pessoal de investigação criminal:

a) Dias úteis:

Coordenadores de Investigação Criminal - 9,3 %; Inspetores-chefe - 8,5 %;

Inspetores e outro pessoal - 8,3 %;

b)  Sábados, domingos e feriados:

Coordenadores de Investigação Criminal - 11,6 %; Inspetores-chefe - 10,7 %;

Inspetores e outro pessoal - 10,5 %.

2 - Os montantes resultantes do cálculo das percentagens fixadas nos números anteriores são arredondados para as décimas de euros imediatamente superiores.

2 Artigo 2.º

 

 

referindo apenas no artigo 3.º que a prestação efetiva de trabalho por parte do pessoal que integra o serviço deunidades de prevenção é remunerada em função do valor-hora calculado de acordo com a fórmula seguinte:

Valor do correspondente suplemento de piquete/12

Complementarmente, refere o artigo 75.º do Estatuto Profissional do Pessoal da PJ que os trabalhadores das carreiras especiais têm direito a suplementos de piquete, de prevenção ou de turnos, conforme aplicável, para compensar o trabalho prestado fora do horário normal, nos termos fixados por portaria dos membros do Governoresponsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, não sendo devida qualquer outra compensaçãoremuneratória por trabalho suplementar ou prestado em feriados, dias de descanso semanal e complementar.Parece, por isso, bastante claro – atento o princípio de que a norma especial afasta a norma geral – que aos trabalhadores da PJ não é aplicável o regime do trabalho suplementar previsto na LTFP, atenta a existência de uma normaespecial que resulta do regime dos suplementos previstos no artigo 75.º do EPPPJ conforme consagrados naPortaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro.

 

B – Da aplicação supletiva da Lei do Trabalho em Funções Públicas e do Código do Trabalho

Efetivamente, decorre do artigo 4.º da Lei n.º 138/2019, de 13 de outubro que é aplicável aos trabalhadores das carreiras especiais o regime em vigor para os trabalhadores em funções públicas, com vínculo de nomeação, em tudo o que não se encontre especialmente regulado no presente decreto-lei e respetiva regulamentação, designadamenteo disposto, naquilo que aqui nos interessa:

a)  Na LTFP;

b)  No Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual, e respetiva legislação complementar;

Resulta assim desta norma a aplicação subsidiária da LTFP e do Código do Trabalho, não só por força da remissãodo art. 4.º, n.º 3, alínea b) deste diploma mas também por força dos

 

Suplemento de prevenção

O suplemento de prevenção é fixado em 40 % dos valores obtidos nos termos dos números anteriores.

 

 

artigos 4.º, n.º 1, j) e art. 101.º da LTFP todavia, tal aplicação é meramente supletiva, ou seja, apenas no que não se encontre expressamente previsto em sede de regulamentação especial.

 

C – Da consagração e respeito pelo direito ao descanso

Pautando-se a nossa Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) pela Dignidade da Pessoa Humana e sendo o direito ao descanso, no que aos trabalhadores respeita, um dos mais corolários desse princípio, o artigo 59.º, n.º 1, alínea d), garante a todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas o direito:

d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;

O mesmo artigo, no seu n.º 2, incumbe o Estado de assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:

b) A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho;

Ora, no que respeita à definição dos limites da duração do trabalho, o EPPPJ não só nada refere como consagra o princípio da disponibilidade permanente (devidamente compensada pelo pagamento dos suplementos remuneratóriosprevistos na Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro) pelo que, será justamente neste ponto que fará sentido perscrutar oque resulta da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (doravante LTFP) – Lei n.º 35/2024, de 20 de junho – relativamente a esta matéria.

Em face da remissão operada para este diploma e, por sua vez, para o Código do Trabalho são estabelecidos limites aotrabalho suplementar, regime que não se encontra previsto na Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, nos artigos 120.º e seguintes, dos quais decorre que aos trabalhadores com vínculo de emprego público, aplica-se com as necessáriasadaptações e sem prejuízo do disposto no presente artigo e nos artigos seguintes, o regime do Código do Trabalho em matéria de trabalho suplementar, estando este sujeito, por trabalhador, aos seguintes limites:

a)   150 horas de trabalho por ano –limite que, por força do n.º 4 deste preceito, pode ser aumentado até 200 horas por ano, por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho;

 

 

b)  Duas horas por dia normal de trabalho;

c)   Um número de horas igual ao período normal de trabalho diário, nos dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar, e nos feriados;

d)   Um número de horas igual a meio período normal de trabalho diário em meio dia de descanso complementar.

Estes limites podem, porém, ser ultrapassados, desde que não impliquem uma remuneração por trabalho suplementar superior a 60 % da remuneração base do trabalhador:

a)  Quando se trate de trabalhadores que ocupem postos de trabalho de motoristas ou telefonistas e de outros trabalhadores integrados nas carreiras de assistente operacional e de assistente técnico, cuja manutenção ao serviço paraalém do horário de trabalho seja fundamentadamente reconhecida como indispensável;

b)  Em circunstâncias excecionais e delimitadas no tempo, mediante autorização do membro do Governo competente ou, quando esta não for possível, mediante confirmação da mesma entidade, a proferir nos 15 dias posteriores à ocorrência.

E não obstante o regime do trabalho suplementar não se encontre previsto no EPPPJ nem na Portaria n.º 10/2014, de 17de janeiro, que apenas consagra o valor dos suplementos de piquete e de prevenção, o valor-hora e o regime de turnos a que tem direito o pessoal da Polícia Judiciária, quer no LTFP quer na Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro éconsagrado um limite ao valor máximo que pode resultar da prestação do trabalho suplementar, no caso da LTFP e, com o mesmo propósito, ao valor máximo devido a titulo da prestação efetiva de trabalho por parte do pessoal queintegra o serviço de unidades de prevenção, no caso das carreiras especiais da Polícia Judiciaria, conforme previsto na Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro.

Todavia, dever-se-á aqui ter em consideração não só a letra da lei em ambos os diplomas – LTFP e Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro - como também a ratio de ambas as normas na medida em que, nos dois casos o limite que écolocado respeita não ao número de horas que podem ser prestadas mas apenas ao limite de remuneração admissível para a sua compensação.

 

D – Do superior interesse que representam as funções desenvolvidas pelo Demandante

 

 

Pelo facto de o demandante integrar uma carreira com caraterísticas muito especiais e distintas das dos trabalhadores que integram as carreiras gerais da Administração Pública e, por esse motivo, estar abrangido por um Estatuto próprio - Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária, previsto no Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de outubro - do qual resultam não só direitos mas também deveres especiais que complementam os deveres gerais dos trabalhadores emfunções públicas, como é o caso do dever de disponibilidade e da prestação do trabalho em regime de permanência, este regime de exceção – atenta igualmente a especial natureza e missão do órgão Polícia Judiciária – prevalece sobre o regime regra previsto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (doravante LTFP).

Efetivamente, a consagração deste especial dever tem em conta a missão, atribuições e competências da PolíciaJudiciária, bem como a valor jurídico e social da Missão levada a cabo por esta, facto que deve ser tido em conta nanatureza verdadeiramente excecional dos serviços prestados pelos trabalhadores que, nomeadamente como sucede com o Demandante, integram uma carreira especial cujas funções são essenciais para a prossecução das finalidades da PolíciaJudiciária.

A PJ, enquanto corpo superior de polícia criminal, é integrada por trabalhadores que desempenham funções com conteúdos funcionais específicos e mais exigentes, dotados de particular especialização técnica e científica, sendo, por isso, justificada a existência de um regime estatutário próprio que consagra, entre outros, o dever de disponibilidade que é mais forte do que o dever geral dos trabalhadores em funções publicas de exercício das mesmas em regime de exclusividade, a qual admite algumas exceções.

Não podemos, pois, de deixar de ponderar nesta análise, não só a natureza especial e essencial para assegurar a função da justiça que é reconhecida à Polícia Judiciária, mas também o papel e o estatuto especial dos trabalhadores da carreira de investigação criminal, bem como todos aqueles que exercem funções intimamente ligadas às de investigação criminal, como é o cada do Demandante. Resulta assim da ponderação destes dois elementos que os deveres impostos aos trabalhadores da PJ que integram carreiras especiais, como sucede com o Demandante, são essenciais para que a PJ possa prosseguir com a sua missão.

 

II – Do enquadramento factual do caso em apreço

 

 

O caso que foi submetido à análise deste Tribunal tem a sua origem nas ordens dadas ao Demandante pelo Senhor Coordenador de Piquete, as quais, no seu entendimento, violam o disposto no art. 3.º, n.º 3 da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, o seu direito ao descanso e ainda o Despacho pelo Diretor Nacional da Polícia Judiciária, que estabeleceu um regime excecional para a prestação de serviços de Piquete e Prevenção de Lisboa no apoio aos Serviços de Piquete e Prevenção do DIC de Setúbal e da ULIC de Évora.

O Demandante é especialista de polícia científica da Polícia Judiciária, colocado no Departamento de Investigação Criminal de Setúbal (DIC de Setúbal) e, pela qualidade de trabalhador da carreira especial de especialista de polícia científica, está adstrito ao dever de permanência, consubstanciado na obrigação de integrar o serviço de prevenção doGabinete de Perícia Criminalística do DIC de Setúbal.

Sucede porém, como resulta das alegações e da prova documental e testemunhal produzida, que na elaboração dasescalas para o serviço de prevenção do Gabinete de Perícia Criminalística do DIC de Setúbal, apenas é indicado umtrabalhador da carreira especial de especialista de polícia científica, razão pela qual, foi solicitado ao demandado que, nopassado dia 21 de abril de 2024 se deslocasse ao local do crime, tendo realizado exame pericial e inspeção judiciária ecom isto prestando 7 horas de trabalho efetivo (das 10h30 às 18h30 do dia 21 de abril, conforme de encontra devidamente comprovado pela prova testemunhal junta aos autos e foi também comprovado pela prova testemunhal.

Efetivamente, no passado dia 21 de abril de 2024, a Dra. ... era a chefe de piquete e recorda-se de ter recebido um emailpor parte do demandante a dizer que tinha excedido o limite diário da remuneração, tendo informado quem estava a coordenar o piquete para que este decidisse quem deveria chamar em caso de urgência.

Não obstante o conhecimento de que já tinha sido atingido o limite de remuneração possível, ainda assim, o SenhorCoordenador do Piquete, chamou o Demandante a prestar serviço quando já integrava o serviço de prevenção do Gabinete de Perícia Criminalística, encontrando-se de escala desde as 8h30m do dia 21de abril às 8h30 do dia 22 de abril, sendo que no mesmo dia estava também ao serviço o Inspetor ... .

Efetivamente, uma das funções do Coordenador de Piquete consiste precisamente em coordenar todas as pessoas queestão disponíveis, razão pela qual considera o Demandado que, nesse dia,

 

 

tendo em conta o limite de remuneração já atingido, podia ter sido destacado outro trabalhador, como o Inspetor ... que também estava de prevenção juntamente com o demandado (A...).

No dia 21 de abri, foi ativado o serviço de prevenção do Gabinete de Perícia Criminalística pelas 10h30, para realização de diligências no âmbito do processo de inquérito NUIP .../24...GCALM e, em obediência a esta ordem, oDemandante deslocou-se, ao local do crime, a fim de realizar exame pericial e inspeção judiciária, o que implicou a prestação de trabalho efetivo das 10h30 às 18h30 do dia 21 de abril.

Pelas 18h39 do dia 21 de abril, o Demandante transmitiu por email ao Coordenador de Piquete, Inspetor Chefe ..., quecom a prestação deste serviço já tinha sido excedido o limite remuneratório diário máximo, estabelecido por referência ao valor do suplemento de piquete, tendo esta comunicação sido remetida com o conhecimento do Diretor do DIC deSetúbal (...), do Chefe do Gabinete de Perícia Criminalística do DIC de Setúbal (...) e do Chefe de Piquete do DIC de Setúbal (...), e recebida pelos respetivos destinatários.

Todavia, não obstante esta informação, no dia 22 de abril de 2024, pelas 01h10, por ordem do Coordenador dePiquete, Inspetor Chefe ..., foi ativado novamente o serviço de prevenção do Gabinete de Perícia Criminalística para a realização de diligências no âmbito processo de inquérito com o NUICP .../24...GBSXL tendo o Demandante sido chamado a deslocar-se ao local para realização de diligências solicitadas pelo Inspetor ... . Pelas 18h39 do dia 21 de abril, o Demandante transmitiu ao Coordenador de Piquete, Inspetor Chefe ..., que com a prestação de tal serviço,havia sido excedido o limite remuneratório diário máximo, estabelecido por referência ao valor do suplemento de piquete, conforme comunicação enviada por correio eletrónico que se juntou aos autos.

Mais uma vez estava o Demandado escalado para esse dia, tendo prestado trabalho efetivo no âmbito do serviço de prevenção das 01h10 às 03h30 do dia 22 de abril.

Considerando que havia sido ultrapassado, mais uma vez o limite de remuneração previsto para o trabalho efetivo, no dia 24 de abril, o Demandante comunicou o sucedido ao Diretor do DIC de Setúbal tendo remetido esta comunicação foi remetida com o conhecimento do Diretor do DIC de Setúbal (...), do Chefe do Gabinete de Perícia Criminalística doDIC de Setúbal

 

 

(...) e do Chefe de Piquete do DIC de Setúbal (...), e recebida pelos destinatários

Não obstante o teor desta comunicação, ainda assim, foi ativado o serviço de prevenção para a realização de diligências no âmbito processo de inquérito com o NUICP .../24...GBSXL e o Demandante foi chamado a deslocar-se ao local para realização de diligências solicitadas pelo Inspetor ... .

No dia 24 de abril, o Demandante comunicou o sucedido ao Diretor do DIC de Setúbal, conforme ficou devidamente comprovado nos autos através de prova documental, sem que tenha tido qualquer resposta à sua reclamação tendo prestado 7 horas de trabalho não remunerado.

Por não se tratar de um caso isolado, pela frequência com situações como a descrita se têm vindo a verificar, a Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFIC/PJ) interpelou o Diretor Nacional da Polícia Judiciária no sentido de serem emitidas diretrizes junto da Direção de cada Unidade para que os superiores hierárquicos se abstivessem de exigir a prestação de trabalho quando a mesma implicasse que fossemexcedidos os limites remuneratórios previstos na Portaria e de serem instaurados processos disciplinares aos dirigentesou responsáveis que, exercendo funções de chefia, determinassem a prestação de trabalho gratuito.

Através do Despacho 41/2023 GADN de 06.06.2023, da autoria do Diretor Nacional foi prevista a possibilidade de “os serviços de Piquete e de Prevenção de Lisboa poderem ser chamados em regime de complementaridade”, admitindo-seassim, expressamente o recurso ao serviço de prevenção da área de criminalística da Diretoria de Lisboa.

No entanto, já com essa Orientação em vigor, o Demandante voltou a receber ordem no sentido de prestar trabalho para além dos limites remuneratórios, quando integrava o serviço de prevenção do Gabinete de Perícia Criminalística das8h30 do dia 3 de janeiro de 2024 às 8h30 do dia 4 de janeiro de 202 e foi ativado o serviço de prevenção no dia 3 dejaneiro pelas 23H15 e terminando às 03h30 do dia 4 de janeiro, para a prática de diligências no âmbito do NUIPC .../24...GBASL. Pelas 03h45, o serviço de prevenção foi ativado e o Demandante novamente chamado à prestação detrabalho pelo Inspetor Chefe em Coordenação de Piquete, ...

 

 

, que ordenou a sua deslocação ao local do crime, no âmbito do NUIPC .../24...PBBRR, tendo o Demandante prestado, nesse dia, 8 horas de trabalho não remunerado.

Após terminar o serviço realizado no âmbito do NUIPC .../24...GBASL, o Demandante deslocou- se para o D.I.C. deSetúbal da Polícia Judiciária, tendo informado o Chefe de Piquete de que havia excedido o limite remuneratório diário máximo estabelecido no art. 3.º, n.º 3 da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, informação que foi transmitida pelaASFIC/PJ à Direção Nacional da Polícia Judiciária.

Para além destes casos aqui descritos – e que se encontram devidamente documentados, resultando ainda da prova testemunhal - o Demandante voltou a receber ordens no sentido de prestar trabalho não remunerado no âmbito do serviço de prevenção ativa ao longo de 2023 e de 2024 mesmo depois de ter atingido os limites de remuneração legalmente admissíveis e de ter dado conhecimento superior desse facto (cfr. Mapas de Prevenção anexos aos Autos).

De facto, independentemente das intervenções da ASFIC/PJ, o Demandante continuou a receber ordens no sentido de prestar trabalho para além dos limites remuneratórios legalmente estabelecidos sendo esta uma prática reiterada e recorrente no DIC de Setúbal o que leva o Demandante a acreditar fundadamente que se voltará a repetir no futuro.

Pelo facto de o Demandado, enquanto trabalhador em funções públicas, embora inserido em carreira especial, estarsujeito ao dever de obediência, não se pode recusar ao cumprimento das ordens emitidas pelos seus superioreshierárquicos nem delas pode reclamar previamente à sua execução como é prerrogativa do art. 177.º, n.º 2 da LTFP, na medida em que estao em causa ordens no sentido da prestação de trabalho efetivo no âmbito do serviço de prevençãopara além dos limites remuneratórios estabelecidos por lei, que exigem, por força da natureza das diligências em causa, o seu imediato cumprimento.

Porque já avisou e alertou as chefias quanto à ultrapassagem do limite fixado no art. 3.º, n.º 3 da Portaria n.º 10/2014, sem que estas situações deixassem de se verificar e uma vez que não assiste ao Demandado o direito de se opor à prestação do trabalho solicitado, considera o Demandado que deve a presente tribunal determinar que esta situação não se volte a verificar. Para cabal esclarecimento de todas as questões em analise, foi solicitada a realização de audiênciade testemunhas, com entrega posterior de Alegações Escritas, a qual se realizou nas

 

 

instalações do CAAD, no passado dia 16 de junho de 2025, pelas 10h00 tendo sido ouvidas as seguintes testemunhas:

1.             Inspetor Chefe...– coordenador de piquete

2.             Inspetor ...– Inspetor

3.             Diretor do Departamento de Investigação Criminal de Setúbal, ...

4.             Inspetora ... – inspetora da policia judiciária

Da prova testemunhal produzida foi possível esclarecer algumas questões quanto ao procedimento de elaboração do serviço de prevenção, à composição do mesmo e consequente necessidade de solicitar a intervenção de trabalhador de modo excepcional – não tendo, contudo, ficado provado que tal era uma pratica recorrente - bem como à regularidade e/ou frequência com que tal ocorre, não tendo resultado provado que se trate de uma pratica regular e frequente mas sim que tal apenas ocorre em casos verdadeiramente excecionais em que tal necessidade se revela premente.

 

 

Fundamentação da decisão

O Demandado, enquanto trabalhador que integra a carreira especial de especialista de Polícia Científica da Polícia Judiciaria tem como dever especial, o dever de disponibilidade, consagrado no art. 28.º do EPPPJ, que consiste nadisponibilidade para prestar trabalho durante o dia ou noite, incluindo os dias de descanso semanal, complementar ouferiados (cfr. art. 44.º, n.º 2 EPPPJ).

Como forma de compensar os trabalhadores por esta disponibilidade, o legislador consagrou, na Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro (cfr. art. 1.º) :

-  o suplemento devido pelos serviços de piquete (cfr. art. 2.º);

-  o suplemento devido pelo serviço de prevenção e ainda,

-  o direito ao pagamento pela prestação efetiva de trabalho por parte do pessoal que integra o serviço de unidades de prevenção (cfr. art. 3.º).

E se é verdade que não existe qualquer problema na atribuição dos dois primeiros, a questão aqui em apreço coloca-sepelo facto de o pagamento pela prestação efetiva de trabalho por parte

 

 

do pessoal que integra o serviço de unidades de prevenção estar limitado a um teto de valor máximo previsto no art. 3.º, n.º 3:

3 - Em caso algum o montante total auferido em função do disposto nos artigos 2.º a 4.º pode exceder o do correspondente suplemento de piquete.

Todavia, contrariamente ao entendimento do Demandante, é nosso entendimento que este limite apenas consubstancia um limite ao valor que pode ser pago, não consubstanciando nenhuma limitação absoluta à prestação de trabalho. Aliás, se alguma relação tem essa norma com a efetiva prestação de trabalho é no sentido de dar uma orientação nãovinculativa/recomendação relativamente ao número de horas a prestar quando em serviço de piquete, de formasemelhante ao que sucede no regime de Isenção de Horário de Trabalho em que o suplemento atribuído visa compensara prestação do trabalho para além do PNT medio, sem que tal seja considerado trabalho suplementar. Por outro lado, não só não existe nenhuma proibição à prestação de trabalho efetivo por parte dos trabalhadores em serviço de piquete, como tal realização não pode, em regra, ser pedida aos trabalhadores que não se encontrem em serviço de piquete como é entendimento do Acórdão do Tribunal Central Administrativo no Processo 79/24.0BCLSB (https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/79-2024-930500475).

Em suma, consideramos que o limite resultante do art. 3.º, n.º 3 da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, apenas se coloca ao valor da remuneração e não consubstancia qualquer proibição do recurso à prestação do trabalho por parte dos trabalhadores os quais já se encontram a ser remunerados pelo serviço de piquete e de prevenção e que, apenas quando chamados a prestar serviço efetivo, acumulam este suplemento com a remuneração do trabalho efetivamente prestado nos termos do art. 3.º, n.º 1.

Aliás, esta é justamente a razão para a criação dos serviços de piquete e de prevenção, para que possam assegurar a necessidade de serviço permanente da Polícia Judiciária fora do horário normal de trabalho.

De facto, o serviço de prevenção funciona durante o espaço de tempo não abrangido pelo horário normal de trabalho e caracteriza-se pelo facto de o pessoal não estar obrigado a permanecer fisicamente nas instalações, mas ficar permanentemente contactável e disponível para acorrer às necessidades do serviço quando para tal seja solicitado, decorrendo do art. 14.º

 

 

do Regulamento aprovado pelo Despacho n.º 248/MJ/96, publicado no D.R., II Série, no 5, de 07/01/199 que se entende por Serviço de Unidades de Prevenção aquele em que o pessoal, não estando obrigado a permanecer fisicamente nas instalações, fica permanentemente contactável e disponível para acorrer às necessidades do serviço quando para tal seja solicitado, sendo o pessoal integrado no serviço de Unidades de Prevenção através de prévia designação, de acordo com os artigos 15.º a 17.º do regulamento aprovado pelo Despacho n.º 248/MJ/96) .

De acordo com o artigo 3.º deste mesmo Regulamento compete ao inspetor de piquete (atualmente correspondente àcategoria de Coordenador), ordenar a intervenção dos elementos do grupo de pessoal de apoio à investigação o quesignifica que, sempre que chegue ao serviço de Piquete a notícia de uma situação que, pela sua gravidade e urgência, reclame a intervenção imediata de trabalhador da carreira de investigação criminal ou de trabalhador que exerça funções de inspeção judiciária e/ou lofoscopiacompete-lhe determinar a ativação do serviço de prevenção para que sejam realizadas as diligências de cujo adiamento possa

resultar irremediável prejuízo para o sucesso da investigação.

A própria natureza do serviço de prevenção tem como pressuposto que os trabalhadores que integrem esta escala possam ser chamados em caso de necessidade razão pela qual, a simples disponibilidade é remunerada com umsuplemento de prevenção, no montante de 40% dos valores obtidos para o cálculo do suplemento de piquete, valor que é pago independentemente da prestação de serviço efetivo.

Adicionalmente, sempre que prestem trabalho efetivo, acresce a este suplemento a remuneração prevista no artigo 3.º da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, cuja redação atual reza assim: Artigo 3.º

Remuneração do valor-hora

1 - A prestação efetiva de trabalho por parte do pessoal que integra o serviço de unidades de prevenção é remunerada em função do valor-hora calculado de acordo com a fórmula seguinte:

Valor do correspondente suplemento de piquete/12

 

 

2 - O valor da hora de trabalho prestado a partir das 24 horas sofre um acréscimo de 100 % relativamente ao fixado no número anterior.

3 - Em caso algum o montante total auferido em função do disposto nos artigos 2.º a 4.º pode exceder o do correspondente suplemento de piquete.

4 - O montante mensal dos pagamentos referidos nos números anteriores, auferido por qualquer trabalhador que integre o pessoal da Polícia Judiciária, não pode ultrapassar um terço da respetiva remuneração base.

O Demandante infere, do limite à remuneração devida por trabalho efetivamente prestado estabelecido no art. 3.º, n.º 3 da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro que não lhe poderia ter sido solicitada a prestação de mais trabalho quando omesmo tivesse sido atingido, socorrendo- se da interpretação por analogia do disposto no art. 163.º n.º 2 da LGTFP que refere, relativamente aos limites remuneratórios por prestação de trabalho suplementar determina, que “Os trabalhadores nomeados não podem, em cada mês, receber por trabalho suplementar mais do que um terço daremuneração base respetiva, pelo que não pode ser exigida a sua realização quando exceda aquele limite”. Reforça aindaa sua posição referindo que uma interpretação do art. 3.º, n.º 3 da Portaria à luz da Constituição levaria a concluir que a limitação dos limites remuneratórios impostos pela Portaria consubstanciaria uma proibição de exigir trabalho suplementar para alem desses limites, sob pena de, sabendo-se que esse trabalho não pode ser remunerado, estarmos a validar a exigência ao trabalhador da prestação de trabalho gratuito, o que poe em causa o direito ao descanso(abordado nas considerações iniciais) enquanto um dos pilares da dignidade da pessoa humana, mais concretamente do trabalhador, como se encontra consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alíneas a) e d) da Constituição da República Portuguesa.

E é, pois, com base nestes argumentos de facto e no seu enquadramento normativo que o Demandante solicita a anulação da decisão impugnada, por violação do art. 3.º, n.º 3 da citada portaria, a condenação na reparação dosdanos causados pelo ato ilegal e o direito a ser indemnizado pelos danos morais que sofreu em consequência condutaacima descrita, adoptada pelo Demandado no exercício da função administrativa, como resulta do art. 22.º da CRP e o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

 

 

É ainda com base nos mesmos argumentos que o Demandante solicita a condenação na reparação dos danos causados pelo ato ilegal e o direito a ser indemnizado pelos danos morais que sofreu em consequência conduta acima descrita, adoptada pelo Demandado no exercício da função administrativa, como resulta do art. 22.º da CRP e o regime daresponsabilidade civil extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro.

 

1.     Relativamente ao primeiro pedido - para que seja anulada, com fundamento em ilegalidade, a decisão proferida pelo Senhor Coordenador de Piquete que ordenou que o Demandante, integrado no serviço de prevenção, e tendo já atingido os limites remuneratórios previstos no art. 3.º, n.º 3 da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, na sua atual redação, voltasse a prestar trabalho no âmbito de uma nova ocorrência - consideramos que esta Ordem não padece de qualquer ilegalidade porquanto o art. 3.º, n.º 3 não consagranenhuma proibição absoluta à requisição para a prestação de trabalho aos trabalhadores integrados em serviço deprevenção, mas apenas e só um limite à sua remuneração. Aliás, não só a prestação efetiva de trabalho, sempreque se verifique uma situação verdadeiramente urgente excecional e quando não existam trabalhadores ao serviço, em numero suficiente para o fazer, não deve ser solicitado a quem não se encontre em serviço de prevenção – esta é a razão de ser do serviço de prevenção - como também se pressupõe que a colocação de umtrabalhador em serviço de prevenção tem precisamente esta finalidade de assegurar a disponibilidade permanente dos trabalhadores. Por outro lado, sendo este serviço compensado mesmo nos casos em que não se verifique a prestação de trabalho efetivo, consideramos que tal suplemento visa compensar eventuais situações de prestação de trabalho que excedam os limites remuneratórios do art. 3.º, n.º 3 da Portaria. Ainda assim, uma vez que efetivamente se verificou a prestação de trabalho para além destes limites – trabalho esse que apenas foi requisitado por se tratar de situações excecionais, urgentes e estritamente essenciais – deve o trabalhador ser indemnizado relativamente a essas horas de acordo com a fórmula do art. 3.º, a que acrescem juros vencidos e vincendos, calculados à taxa legal desde até integral pagamento.

 

 

Este pagamento – e não indemnização – destina-se a compensar o Demandante pelas horas efetivamente prestadas e garantir que não existe nenhuma situação de trabalho gratuito e garantia de que não houve qualquer enriquecimento sem justa causa da Demandada.

 

2.     No que respeita ao segundo pedido – condenação da entidade Demandada ser condenada a abster-se de emitirordens dirigidas ao Demandante no sentido de o mesmo voltar a prestar trabalho efetivo no âmbito do serviço de prevenção quando, por força de anterior ocorrência, o mesmo tenha já tenha atingido o limite remuneratórioprevisto no art. 3.º, n.º 3 da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, na sua atual redação – sendo certo que a Demandada deve solicitar a prestação de serviço efetivo preferencialmente a quem se encontra em serviço de prevenção (conforme entendimento defendido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul – Proc.79/24.0BCLSB já referido) por ser este o regime desta modalidade de horário, ainda assim somos deentendimento que o pedido de prestação efetiva de serviço deve ser devidamente ponderado e proporcional,apenas podendo ser accionados em caso de absoluta necessidade e de impossibilidade de recorrer a outros meios. Não consubstanciando este entendimento uma condenação da Demandada de se abster de fazer tal pedido, pois entendemos que estes quando são feitos são em casos verdadeiramente excecionais, urgentes e em que não existe outra alternativa, apelamos à Demandada para que diligencie no sentido de organizar a escala de prevenção com um maior numero de trabalhadores para que o pedido de prestação de trabalho efetivo possa sersolicitado aos vários trabalhadores e se consiga respeitar o direito ao descanso de todos, sem haver uma sobrecarga muito grande de nenhum.

 

3.     Relativamente ao terceiro pedido - Condenar o Demandado na reparação dos danos causados ao Demandantecom a atuação supra mencionada, nos termos e para os efeitos do Regime Jurídico da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado – consideramos que não se verifica o circunstancialismo de facto e de direito para que a Demandada seja condenada a ressarcir o Demandante pelos danos causados com tal ordem, porquanto não só não consideramos tal ordem ilegal, na medida em que o art. 3.º, n.º 3 não consubstancia uma proibição da realização das horas de trabalho efetiva

 

 

mas apenas um limite ao seu pagamento, como também entendemos que, ainda que tenha sido posto em causa o direito ao descanso do Demandante, Demandada agiu norteada pelo superior interesse de assegurar o normal e correto funcionamento do serviço com vista à garantia do superior interesse da realização da justiça no âmbitoda missão, atribuições e competências da Polícia Judiciaria.

 

Apreciando o pedido indemnizatório que assenta nos alegados danos patrimoniais – alegados, mas nãoprovados! – do demandado e sem prejuízo de considerarmos que não houve aqui um facto ilícito, importaverificar se os demais pressupostos em que asseba a responsabilidade civil extracontratual do Estado, nos termos e para os efeitos da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, a saber:

-  o facto, comportamento ativo ou omissivo voluntário;

-  a ilicitude, traduzida na violação de disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou na infração de regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos;

-  a culpa, nexo de imputação ético-juridico do facto ao agente ou juízo de censura ela falta de diligencia exigida a um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor;

. a existência de um dano, ou seja, a lesão de ordem patrimonial ou não patrimonial; e

-  o nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Considerando que não existe qualquer ilicitude nesta ordem e que a mesma foi dada em obediência a uma situação de absoluta excecionalidade e necessidade de prestação de serviço efetivo recaindo a escolha do trabalhador no que se encontrava em serviço de prevenção – como é o objetivo destes – todos os restantes pressupostos ou não foram provados ou não estão preenchidos, com exceção do facto, não condenamos a Demandada a indemnizar o Demandante por considerarmos que não estão preenchidos os requisitos de tal pedido.

 

IV – Decisão

 

 

Nestes termos, decide-se julgar parcialmente procedente a presente acção, condenando-se a demandada a pagar as horas de serviço efetivamente prestado de acordo com a fórmula do art. 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro e absolvendo-se dos demais pedidos.

 

18 de novembro de 2025

 

A Árbitra

 

(Filipa Matias Magalhães)