Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 73/2024-A
Data da decisão: 2025-05-29  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 29.714,04
Tema: Relação jurídica de emprego público; atribuição de suplemento de missão
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Decisão Arbitral

 

A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 25 de novembro de 2024, em que são Demandantes A..., portadora do cartão de cidadão n.°..., válido até 29/03/2028, com o NIF..., com domicílio na..., n.°..., ..., ..., ...-... ..., B..., portadora do cartão de cidadão n.°..., válido até 17/10/2029, com o NIF..., com domicílio na ..., n.°..., ...-... ... e C..., portadora do cartão de cidadão n.°..., válido até 27/08/2029, com o NIF..., com domicílio na Rua ..., ..., ..., ...-... Lisboa, e em que é Demandado o Ministério da Justiça, com sede na Praça do Comércio, 1149-019 Lisboa, cuja vinculação, bem como dos organismos que funcionam no seu âmbito, como é o caso da Polícia Judiciária, à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa, resulta do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, e do n.º 2 do artigo 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), designadamente nas ações cujo objeto se prende com questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, como se verifica na situação em análise nos presentes autos, decide nos termos que se seguem:

 

I.              RELATÓRIO

 

As Demandantes apresentaram, no dia 01.10.2024, ao abrigo e nos termos do disposto nos artigos 10.° e ss. do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA), a petição inicial de um pedido de pronúncia arbitral, o qual foi aceite na mesma data pelo CAAD.

 

Na mesma data, e nos termos do disposto no artigo 12.º do NRAA, o CAAD citou o Demandado para contestar no prazo de 20 dias. A contestação veio a ser apresentada no dia 21.10.2024.

 

No dia 25.11.2024, o CAAD, nos termos do disposto no artigo 17.º do NRAA, notificou as Partes da constituição do Tribunal a da nomeação da signatária como árbitro do processo. 

 

No dia 04.02.2024, o Tribunal proferiu despacho acerca do valor da causa, convidando as Partes a pronunciar-se sobre a questão do critério adotado para a sua determinação, uma vez que não parecia ser de adotar o critério residual do valor indeterminável da ação, mas sim o critério geral, previsto no artigo 32.º, n.º 1 do CPTA. A Autora pronunciou-se contra a alteração do referido critério, embora com argumentos que o Tribunal não considera procedentes, no essencial, o de que, quando é apresentada a ação, não é possível quantificar o valor do pedido porque o Demandado não aceita a atribuição do subsídio no montante peticionado pelas Demandantes (o valor de 12%, e não de 5%, da remuneração mensal do cargo de Diretor Nacional da Polícia Judiciária a título de subsídio de missão). Ora, é da natureza dos litígios, e também daqueles que são submetidos aos tribunais arbitrais constituídos junto do CAAD, a litigiosidade entre as Partes, nomeadamente consubstanciada na não aceitação, pelo Demandado, do que é peticionado pelo(a), pelos(as) Demandante(s). Se seguíssemos esse argumento à letra, então o pedido nunca seria quantificável no momento em que é submetido ao tribunal e o critério geral previsto no artigo 32.º, n.º 1, do CPTA, nunca teria aplicação. A questão da quantificação do pedido não pode, portanto, depender do acordo entre as Partes sobre o direito a uma determinada quantia, mas sim da possibilidade de essa quantia ser calculada e corresponder a um montante certo no momento em que a ação é submetida ao tribunal. E, no presente caso, não parece a este Tribunal que existam dúvidas sobre a possibilidade de quantificação de uma parte do pedido que é submetido ao Tribunal e que constitui a utilidade económica imediata do pedido: quando as Demandantes peticionam a atribuição de um subsídio no valor de 12% da remuneração mensal do cargo de Diretor Nacional da Polícia Judiciária, a título de subsídio de missão, ao invés dos 5% que vêm sendo pagos, pedindo ao Tribunal que reconheça o direito àquele primeiro montante, por parte de três pessoas, desde janeiro de 2023 a outubro de 2024, deduzido do montante que tem vindo a ser pago, simples operações aritméticas permitem chegar a um valor certo: 

(i)             Em 2023, o a remuneração base mensal estabelecida para o cargo de diretor nacional da PJ foi de € 6.646,28 e no ano de 2024 foi de € 6.845,68;

(ii)           12% de € 6.646,28 são € 797,55;

(iii)         12% de € 6.845,68 são € 821,48;

(iv)          € 797,55 x 12 meses são € 9.579,60;

(v)           € 821,48 x 9 meses são € 7.393,32;

(vi)          5% de € 6.646,28 são € 332,31;

(vii)        5% de € 6.845,68 são € 342,28;

(viii)      € 332,31 x 12 meses são € 3.987,72;

(ix)          € 342,28 x 9 meses são € 3.080,52;

(x)           € 9.579,60 – € 3.987,72 são € 5.591,88;

(xi)          € 7.393,32 – € 3.080,52 são € 4.312,80;

(xii)        € 5.591,88 x 3 = € 16.775,64

(xiii)      € 4.312,80 x 3 = € 12.938,40

(xiv)       € 16.775,64 + € 12.938,40 = € 29.714,04

Assim, podemos concluir que as Requerentes peticionam uma quantia que é perfeitamente quantificável à data da apresentação do pedido arbitral: € 29.714,04, a par de outra que é indeterminada, traduzida no direito a receber, a título de subsídio de missão, o valor correspondente a 12% do valor da remuneração mensal do cargo de Diretor Nacional da Polícia Judiciária, de ora em diante, em vez dos 5% que têm vindo a receber desde janeiro de 2023.

Nestes casos, de acordo com a norma prevista no n.º 1 do artigo 32.º do CPTA e com a norma prevista no n.º 2 do artigo 297.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 26.º, n.º 2 do NRAA, o valor da presente ação deve ser corrigido para € 29.714,04.

Posição das Demandantes:

Através do pedido de pronúncia arbitral apresentado, as Demandantes peticionam a atribuição de um subsídio no valor de 12% da remuneração mensal do cargo de Diretor Nacional da Polícia Judiciária, a título de subsídio de missão, ao invés dos 5% que vêm sendo pagos, pedindo ao Tribunal que reconheça o direito àquele primeiro montante, por parte das três, desde janeiro de 2023 a outubro de 2024, deduzido do montante que tem vindo a ser pago, e, ainda, que reconheça esse mesmo direito para o futuro, ou seja, o direito a receber, a título de subsídio de missão, o valor correspondente a 12% do valor da remuneração mensal do cargo de Diretor Nacional da Polícia Judiciária, de ora em diante, em vez dos 5% que têm vindo a receber desde janeiro de 2023.

 

Sustentam o pedido nos seguintes argumentos:

- as três demandantes estão integradas na carreira subsistente de especialista superior, desempenhando funções, a primeira, na especialidade forense de documentos, área físico-documental do laboratório de polícia científica, a segunda, no Gabinete de Apoio Especializado do LPC e a terceira no setor de físico-química, área físico-documental do LPC. 

- por requerimentos datados de 28.02.2024, dirigiram um pedido ao Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, nos termos do artigo 4.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, no sentido de lhes ser atribuído o valor mensal do subsídio de missão, calculado com base em 12% da remuneração base estabelecida para o cargo de diretor nacional da PJ e de lhes serem repostos os retroativos respetivos, desde janeiro de 2023.

- entendendo as demandantes que, embora estando integradas na carreira subsistente de especialista superior, o exercício das suas funções no Laboratório de Polícia Científica implica o mesmo conteúdo funcional dos seus colegas da carreira de especialista de polícia científica, tal como previsto no quadro 2 do Decreto-Lei 138/2019, de 13 de setembro, estando, como tal, sujeitas aos mesmos riscos, insalubridade e penosidade que os demais trabalhadores da carreira de especialista de polícia científica que o suplemento visa compensar.

- sustentam, ainda, que o conteúdo funcional a que estão adstritas é o mesmo que o dos colegas especialistas de polícia científica, nomeadamente: (i) realização de atos de inspeção em meio físico e identificação judiciária, designadamente, pesquisa, recolha, acondicionamento, tratamento de vestígios e outros elementos probatórios e recolha de elementos biométricos identificativos; (ii) realização de exames ou perícias e elaboração dos respetivos relatórios, nas diferentes áreas forenses laboratoriais; (iii) participação na identificação humana em catástrofes ou cenários de exceção.

- acrescentam que, no âmbito das suas funções, realizam, nomeadamente, perícias forenses de âmbito exclusivo da Polícia Científica da Polícia Judiciária, com recolha de vestígios e sua respetiva análise pericial, elaboração de relatórios, validação de relatórios periciais de EPCs, pareceres e esclarecimentos de âmbito científico-forense, sendo formadores em diversas instituições, nomeadamente, no IPJCC, CEJ. GNR, PSP, representando a PJ em reuniões e grupos de trabalho internacionais, deslocando-se, também e sempre que para tanto são solicitadas, a tribunal quer na qualidade de testemunhas, quer de peritos.

- entendendo assim que, em virtude do exercício destas funções, estão sujeitas aos mesmos riscos, insalubridade e penosidade que os demais trabalhadores da carreira de especialista de polícia científica que o suplemento visa compensar.

- salientam que, até dezembro de 2023, data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 139-C/2023 e, nos termos do n.º 4 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 302/98, de 7 de outubro, era atribuído às requerentes suplemento de risco de montante igual ao fixado para os trabalhadores da carreira de investigação criminal e EPCs a desempenhar funções periciais no LPC.

- concluem que os despachos impugnados são contrários ao normativo aplicável porquanto, muito embora estando as demandantes sujeitas aos mesmos riscos, insalubridade e penosidade que os seus colegas do LPC, pelo facto de, formalmente, pertencerem à carreira subsistente, não teriam direito de receber o suplemento de missão calculado com base na mesma percentagem desta categoria, mas sim inferior.

 

Posição do Demandado:

 

O Demandado veio defender-se nos seguintes termos:

 

Foi o próprio legislador que estabeleceu a atribuição do suplemento de missão em função das carreiras e, dentro destas, das funções. O Decreto-Lei n.º 139-C/2023, apenas distingue, de entre os especialistas de polícia científica, os que têm funções de inspeção e identificação judiciária (aplicação de 13%), considerando o legislador que estes, a par dos elementos da carreira de investigação criminal, no exercício das suas funções, assumem maior ónus, nomeadamente ao nível do risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados. 

 

Assim, ao contrário do que alegam as Demandantes, o artigo 4.º daquele diploma, relativamente à carreira em que se inserem as Demandantes (carreira subsistente de Especialista Superior), o valor mensal do suplemento de missão é determinado aplicando-se a percentagem de 5% por referência à remuneração base mensal, estabelecida para o cargo de diretor nacional da PJ.

 

Não está em causa, portanto, as funções e tarefas que as Demandantes especificamente exerçam, mas sim o facto de estarem integradas numa carreira subsistente, à qual o legislador atribui especificamente um suplemento de missão na percentagem de 5%, nos termos da alínea e) do citado artigo 4.º. Em suma, na presente legislação, não existe norma jurídica que equipare ou permita reconhecer às Demandantes o direito ao suplemento de missão no montante igual ao fixado para os demais trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, ou seja, 12%; as Demandantes estão integradas na carreira subsistente de especialista superior, para a qual foi estabelecido o suplemento de missão na percentagem de 5%, nos termos da alínea e) do citado artigo 4.º

 

Quanto à alegada violação dos princípios da legalidade, igualdade e justiça, sustenta que não ocorreu porquanto a lei foi aplicada corretamente à situação de facto, não sendo possível, a essa luz, a pretendida aplicação do subsídio de missão de 12%; por outro lado, no que diz respeito ao princípio da igualdade, o mesmo não resulta violado do tratamento diferenciado de situações distintas, que foi justamente o que ocorreu em cumprimento da legislação aplicável e, quanto ao princípio da justiça, considera que o mesmo nem é aplicável in casu, mas apenas em casos muito residuais em que todo o ordenamento jurídico não proporciona uma resposta satisfatória.

 

 

II.            FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental junta aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:

 

II.1 Factos provados

A.   A primeira demandante, A..., é funcionária da Polícia Judiciária desde 31.08.2001, estando integrada na carreira subsistente de especialista superior, desempenhando funções na Especialidade Forense de Documentos, Área Físico-Documental do Laboratório de Polícia Científica (LPC).

B.    A segunda demandante, B..., é funcionária da Polícia Judiciária desde 19.12.2000, estando integrada na carreira subsistente de especialista superior, desempenhando funções, atualmente, no Gabinete de Apoio Especializado do LPC;

C.    A terceira demandante, C..., é funcionária da Polícia Judiciária desde 20.01.1997, estando integrada na carreira subsistente de especialista superior, desempenhando funções no Setor de Físico-Química, Área Físico-Documental do LPC.

D.   Por requerimentos datados de 28.02.2024, dirigidos ao Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, as demandantes pediram que, nos termos do artigo 4.º, alínea c) do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, lhes fosse atribuído o valor mensal do suplemento de missão, calculado com base em 12% da remuneração base mensal estabelecida para o cargo de diretor nacional da PJ e, ainda, que fossem repostos os retroativos desse mesmo suplemento desde janeiro de 2023, descontado o valor dos suplementos efetivamente recebidos.

E.    Por despacho de 04.07.2024, o Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária indeferiu o requerimento apresentado pelas demandantes, invocando a inexistência de norma que permitisse a atribuição do suplemento nos termos requeridos.

 

II.2 Factos não provados

 

Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.

 

II.3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

 

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e o de discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 26.º do NRAA). 

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 26.º do NRAA).

 

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. Por outro lado, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

III.          FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

O Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, que estabelece o estatuto profissional do pessoal da Polícia Judiciária (PJ), bem como o regime das carreiras especiais de investigação criminal e de apoio à investigação criminal, prevê, no n.º 2 do seu artigo 75.º que, com fundamento no regime especial de prestação de trabalho, nos ónus inerentes ao exercício das funções, bem como ao risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados e que se prolongam no tempo muito para além do exercício das funções, os trabalhadores das carreiras especiais têm direito a um suplemento remuneratório a fixar em diploma próprio.

 

O Decreto-Lei n.º 139-C/2023, de 29 de dezembro, veio regular a atribuição  desse suplemento.

 

No respetivo preâmbulo, é possível ler que “Entre os elementos que exercem funções de coadjuvação aos trabalhadores da carreira de investigação criminal cumpre destacar e distinguir, de entre os especialistas de polícia científica, os que têm funções de inspeção e identificação judiciária, por serem estes, a par dos elementos da carreira de investigação criminal – e em razão de fazerem parte do núcleo essencial da missão da PJ – os que no exercício das suas funções assumem maior ónus, nomeadamente ao nível do risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados.


Por outro lado, os trabalhadores da PJ integrados nas carreiras subsistentes estão também sujeitos aos especiais ónus e condições de atividade que justificam a perceção do suplemento a que se refere o n.º 2 do artigo 75.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro.”

 

Valendo apenas como elemento interpretativo das normas que o diploma estabelece, o preâmbulo não deixa de ter importância enquanto auxiliar na identificação do conteúdo normativo das previsões do referido diploma. E, logo aí, é possível constatar uma diferenciação, enunciada de forma clara pelo legislador, entre os especialistas de polícia científica que têm funções de inspeção e identificação judiciária, “por serem estes, a par dos elementos da carreira de investigação criminal (...), os que assumem maior ónus, nomeadamente ao nível do risco, insalubridade e penosidade” e os demais, referindo-se, depois, o legislador aos trabalhadores da PJ integrados nas carreiras subsistentes. O legislador não deixou de considerar que, em todos os casos, se justifica a atribuição de um suplemento remuneratório, razão pela qual contempla os diversos casos na previsão normativa desse mesmo suplemento, mas entendeu também que o montante desse suplemento deve ser diferente consoante os casos. Ainda no preâmbulo, é possível recolher informação acerca do que ditou essa diferenciação: considerou-se que “em razão de fazerem parte do núcleo essencial da missão da PJ”, os especialistas de polícia científica que têm funções de inspeção e identificação” são aqueles que “no exercício das suas funções, assumem maior ónus, nomeadamente ao nível do risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados.” Não deixa de entender que “os trabalhadores da PJ integrados nas carreiras subsistentes estão também sujeitos aos especiais ónus e condições de atividade que justificam a perceção do suplemento”, mas entendeu que haveria que distinguir as situações, atribuindo um valor suplementar diferenciado, na medida da diferença que entendeu ser relevante.

 

Com este enquadramento, vejamos, agora, o quadro normativo estabelecido pelo diploma em análise:

 

- o artigo 1.º define o objeto do diploma: estabelecer “o regime de atribuição do suplemento decorrente do regime especial de prestação de trabalho das carreiras especiais e carreiras subsistentes da Polícia Judiciária (PJ) e dos ónus inerentes ao cumprimento da sua missão, em especial o risco, a insalubridade e a penosidade que lhes estão associados, doravante «suplemento de missão de polícia judiciária”. 

 

- o artigo 3.º define as condições de atribuição e graduação do suplemento, estabelecendo que o suplemento de missão de Polícia Judiciária é atribuído aos trabalhadores das carreiras especiais e das carreiras subsistentes da Polícia Judiciária enquanto perdurem as condições específicas de trabalho que determinam a sua atribuição ou quando aqueles trabalhadores permaneçam sujeitos aos especiais ónus e deveres estatutários, incluindo nas situações previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 83.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, na sua redação atual. 

 

- o artigo 4.º estabelece o valor mensal do suplemento nos seguintes termos: “O valor mensal do suplemento é determinado por referência à remuneração base mensal estabelecida para o cargo de diretor nacional da PJ, sendo graduado e calculado por aplicação das seguintes percentagens atendendo aos ónus e condições específicas associados às respetivas carreiras e funções

a) Trabalhadores da carreira especial de investigação criminal, 15 %; 

b) Trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, com funções de inspeção e identificação judiciária, 13 %; 

c) Demais trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, 12%; 

d) Trabalhadores da carreira especial de segurança, 10 %; 

e) Trabalhadores das carreiras subsistentes, 5 %.”.

 

O quadro normativo define, portanto, o universo de trabalhadores aos quais deve ser atribuído o suplemento de missão – “trabalhadores das carreiras especiais e das carreiras subsistentes da Polícia Judiciária enquanto perdurem as condições específicas de trabalho que determinam a sua atribuição ou quando aqueles trabalhadores permaneçam sujeitos aos especiais ónus e deveres estatutários, incluindo nas situações previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 83.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, na sua redação atual” – definindo depois, dentro desse universo, a medida concreta do suplemento a atribuir em função do que o legislador entendeu ser o critério adequado de diferenciação dentro desse amplo grupo de trabalhadores. Daí que, logo no artigo 3.º, se refiram as condições de atribuição e graduação do suplemento: o legislador não se limita a definir as condições de atribuição do suplemento; além disso, define as condições de graduação desse mesmo suplemento. E, quanto a essas, entendeu utilizar como critério inicial de diferenciação as carreiras em que os trabalhadores se encontram inseridos e, num caso apenas, dentro da carreira, o tipo de função. Assim, quanto às carreiras, distinguiu diversas carreiras especiais, assim como carreiras subsistentes:

(i)    os trabalhadores da carreira especial de investigação criminal;

(ii)  os trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica 

(iii)                  os trabalhadores da carreira especial de segurança;

(iv) os trabalhadores das carreiras subsistentes, 5 %.”.

 

Adicionalmente, e apenas dentro da carreira especial de especialista de polícia científica, distinguiu entre os trabalhadores com funções de inspeção e identificação judiciária, para os quais se prevê um suplemento de 13%, e os demais trabalhadores dessa carreira especial, para os quais se prevê um suplemento de 12%.

 

Ora, integrando-se as ora demandantes numa carreira subsistente, não há dúvidas de que o valor do suplemento remuneratório que lhes deve ser atribuído com base neste diploma é de 5% e não, como peticionam as demandantes, de 12%. Este valor de suplemento está previsto apenas para os trabalhadores de uma carreira especial – e não de uma carreira subsistente – e, dentro dessa carreira especial, de uma forma residual – para aqueles que não tiverem “funções de inspeção e identificação judiciária”.  

 

A eventual sobreposição, ainda que parcial, de funções com os trabalhadores integrados na carreira especial, não foi considerada, pelo legislador, como critério relevante para a definição do valor do suplemento remuneratório dos trabalhadores das carreiras subsistentes porque, nesse caso, o único critério que releva para a atribuição do suplemento é a pertença à carreira subsistente.

 

Por conseguinte, é, na verdade, ao nível da previsão normativa, que as demandantes entendem existir uma injustiça, ou desigualdade, no tratamento da sua situação, nomeadamente em contraste com a situação de outros colegas de outras carreiras (e até em contraste com a situação existente até há pouco tempo atrás) e não ao nível da aplicação da lei. Mas, sendo assim, seria a própria norma o objeto da sua discussão – e eventual impugnação – mas não o ato administrativo que, aplicando corretamente a lei, não merece censura. É que, ao aplicador, o legislador não deixou margem de discricionariedade: integrando-se os trabalhadores, ou, no caso, trabalhadoras, na carreira subsistente, esse é o único critério que deverá ser atendido para a definição do valor do suplemento remuneratório. Nem, tão-pouco, permitiriam os princípios jurídicos invocados pelas demandantes chegar a conclusão diferente: a sua situação foi especificamente regulada pelo legislador, que ponderou os valores em causa, nomeadamente a despesa que poderia realizar com a atribuição deste suplemento, com a necessidade de compensar trabalhadores que exercem funções com determinados ónus e encargos, tendo chegado à conclusão que verteu no texto normativo e que o aplicador aplicou corretamente. 

 

IV. DECISÃO

 

Em face de tudo o que antecede, julgam-se improcedentes os pedidos formulados pelas Demandantes e absolve-se o Demandado do pedido.

 

V. VALOR DA CAUSA 

 

Fixa-se o valor da ação nos € 29.714,04, (vinte e nove mil, setecentos e catorze euros e quatro cêntimos) nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do CPTA e no n.º 2 do artigo 297.º do CPC, aplicáveis ex vi artigo 26.º, n.º 2, do NRAA, sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos legais.

 

Custas pelas Demandantes.

 

Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD.

 

Lisboa, 29 de maio de 2025

 

A Árbitro,

 

 

Raquel Franco