SUMÁRIO
Especialistas de Polícia Científica que não exercem funções de inspeção e identificação judiciária, não lhes pode ser atribuído o suplemento de missão de 13% nos termos do artigo 4.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, considerando-se correta a atribuição do referido suplemento de 12%, ao abrigo da alínea c) do mencionado artigo.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 29 de outubro de 2024, a ASSOCIAÇÃO SINDICAL DOS PERITOS FORENSES DA POLÍCIA JUDICIÁRIA, pessoa coletiva n.º 510 341 470, com sede na Rua Gomes Freire, nº 174, 1169-007 Lisboa, por si e em representação dos seus associados, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, pessoa coletiva de direito público com sede em Praça do Comércio, 1149-019 Lisboa, peticionando a atribuição aos associados da ora demandante o valor mensal do suplemento de missão de 13% nos termos do art.º 4.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 139-C/2023; e a reposição dos retroativos do suplemento de missão devidos aos associados da ora demandante, calculado com base na percentagem supra, desde janeiro de 2023
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 29/10/2024 e o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.
3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Demandante alega, em síntese, que:
3.1. Os associados da ora demandante são funcionários da Polícia Judiciária, estando integrados na carreira de especialistas de Polícia Científica a prestar funções no Laboratório de Polícia Científica (LPC) e apresentaram requerimentos ao Exmo. Sr. Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, Dr..., sobre a a atribuição de valor mensal de suplemento de missão, nos termos previstos no art.º 4º al. b) do DL nº 139-C/2023 e a consequente reposição de retractivos, desde janeiro de 2023, as quais foram requeridas pelos associados da Demandante.
3.2. O Exmo. Sr. Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, indeferiu o requerido pelos associados da Demandante centrando a questão na distinção estabelecida nas al. b) e c), do art.º 4.º do decreto-lei n.º 139-C/2023, entre trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, com e sem funções de inspeção e identificação judiciária.
Sendo que, para os primeiros o suplemento de missão será calculado, nos termos do normativo suprarreferido, com base em 13% sobre a remuneração base mensal estabelecida para o cargo de diretor nacional da PJ, e para os segundos com base em 12%. Afirmando, segundo a Demandante, que o critério para se estabelecer tal distinção terá de ”(…) ser aferido, sempre, pelo exercício efetivo das funções de inspeção e identificação judiciária.”
Fundamentando, segundo a Demandante, o Exmo. Sr. diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária que os requerentes associados da ora demandante não se encontram integrados no sector de criminalística e não exercem funções de inspeção e identificação judiciária. Negando, assim, a atribuição dos requeridos 13% como base de cálculo para o suplemento de missão e, consequentemente, mantendo os requerentes associados da ora demandante nos 12%.
O Demandante entende que os despachos violam a lei, desde logo, os princípios da legalidade, da Justiça e da razoabilidade. Subvertendo, por um lado, de forma infundada, não só as disposições do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, como o próprio espírito com que este normativo estabelece os critérios de atribuição do suplemento de missão em apreço e, por outro, ignorando o real conteúdo funcional dos associados da ora demandante.
Considerando a Demandante que a conexão estabelecida pelo normativo em causa entre um fator subjetivo - a função desempenhada – um fator objetivo - o risco que esta implica para o trabalhador - como único fator para a atribuição do suplemento em apreço – não prevendo a Lei qualquer outro critério para a sua atribuição.
3.3. No caso concreto, defende a Demandante que os associados estão integrados na carreira especial de especialistas de polícia científica (EPC), sendo que, nessa qualidade, e nos termos do quadro 2 do Anexo I do Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária (Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro)- de resto citado pelo próprio despacho em apreço- fazem parte do seu conteúdo funcional, nomeadamente: Realização de atos de inspeção em meio físico e identificação judiciária, designadamente, pesquisa, recolha, acondicionamento, tratamento de vestígios e outros elementos probatórios e recolha de elementos biométricos identificativos; Realização de exames ou perícias e elaboração dos respetivos relatórios, nas diferentes áreas forenses laboratoriais; Participação na identificação humana em catástrofes ou cenários de exceção;
Em tais diligências os trabalhadores em causa participam de processos de recolha, tratamento e comparação de elementos lofoscópicos e fotográficos, visando estabelecer a identidade de determinado indivíduo, bem como, realizam procedimentos técnico-científicas visando a obtenção de meios de prova através do exame de pessoas, lugares e objetos.
Tais atos são, nos termos da al. f) e i), do art.º 2.º da Lei n.º 67/2017, de 09 de agosto, qualificados como sendo de inspeção e identificação judiciária, acarretando, como tal, um manifesto potencial de risco, insalubridade e penosidade. Sendo que, quanto aos atos de inspeção e identificação judiciária, poderão estes ser realizados tanto em diligências externas como internas, podendo qualquer EPC ser chamado a desempenhar estas funções em ambos os contextos
3.4. Por outro lado, entende o Demandante que não poderá deixar de se salientar que o Decreto-Lei n.º 139-C/2023 não estabelece qualquer outro critério para atribuição do suplemento de missão que não seja o exercício de funções de inspeção e identificação judiciária por trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica; Independentemente de este ser exercido pelos trabalhadores em causa em contexto laboratorial ou noutro contexto pericial, nomeadamente, no âmbito de deslocações externas. Não podendo, segundo a Demandante, como tal, a PJ à margem de qualquer possibilidade normativa, estabelecer, adicionalmente, como critério para atribuição do presente suplemento, o facto dos associados da ora demandante integrarem a mencionada secção criminalística.
Os despachos em apreço, segundo a Demandante, ao não deferirem o requerido pelos associados da ora demandante, violam o disposto no quadro 2, do Anexo I, do decreto-Lei n.º 138/2019 de 13 de setembro - quanto ao conteúdo funcional dos especialistas de polícia científica - e nas alíneas f) e i), do art.º 2.º da Lei n.º 67/2017, de 09 de agosto - no que concerne às definições legais de inspeção e identificação judiciária.
3.5. Por outro lado, violando, igualmente, o Princípio da Legalidade, da Justiça e da Razoabilidade, previstos nos art.ºs 3.ºe 8.º do Código de Procedimento Administrativo.
4. A Demandada, citada para o efeito, apresentou a sua contestação, com o processo administrativo, a 19 de novembro de 2024.
4.1. Sumariamente a Demandada alega que,
Nos termos da lei aplicável, entende a Demandada que, o valor mensal do suplemento de missão é graduado e calculado por aplicação de percentagens atendendo aos ónus e condições específicas associados às respetivas carreiras e funções, no entanto, foi o próprio legislador que estabeleceu, de forma muito clara, a atribuição do suplemento de missão em função das carreiras e dentro destas as funções.
Sendo que, segundo a Demandada, a lei distingue, de entre os especialistas de polícia científica, os que têm funções de inspeção e identificação judiciária (aplicação de 13%), considerando o legislador que estes, a par dos elementos da carreira de investigação criminal, no exercício das suas funções assumem maior ónus, nomeadamente ao nível do risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados.
Assim, conclui que, ao contrário do entendimento da Demandante, nem todos os atos constantes do conteúdo funcional da carreira de EPC (previstos no mencionado quadro 2 do Anexo 1do EPPJ) estão abrangidos pelo conceito de “funções de inspeção e identificação judiciária”, caso contrário, o legislador não distinguiria os EPC com essas funções para atribuição de uma percentagem diferente do suplemento de missão (13%) face aos restantes EPC (12%).
A impugnação administrativa, interposta em 13.01.2023, foi indeferida, por despacho de Sua Excelência a Ministra da Justiça, de 24.05.2023, que lhe foi notificado em 01.06.2023.
4.2. Relativamente aos associados da Demandante, segundo a Demandada, as funções efetivamente exercidas por cada um deles, dentro da carreira da EPC, são:
Primeiramente é necessário identificar as unidades em que os mesmos se encontram colocados, informação constante das respetivas fichas biográficas: Unidade de Cooperação Internacional – Serviço de Tradução A... (fl.582 PA1); B... (fl.801 PA2); C... (fl.879 PA2); Laboratório de Polícia Científica – Área de Biotoxicologia – Setor de Biologia D... (fl.729 PA2). Laboratório de Polícia Científica – Área de Biotoxicologia - Setor de Drogas e Toxicologia E...(fl.94 PA1), F... (fl.273 PA1); G... (fl.547 PA1); H... (fl.654 PA1); I... (fl.996 PA2); J...(fl.1242 PA2). Laboratório de Polícia Científica – Área Criminalística - Setor de Balística e K... (fl.205 PA1); L... (fl.241 PA1); M...(fl. 471 PA1); N... (fl.510 PA1); O... (fl.958 PA2); P... (fl.1031 PA2); Q... (fl.1208 PA2) e R... (fl.1311 PA2). Laboratório de Polícia Científica – Área Físico- Documental S... (fl.131 PA1)¸ T... (fl.314 PA1) U... (fl.355 PA1), V... (fl. 431 PA1), W... (fl.620 PA1), X... (fl.690 PA2), Y... (fl.765 PA2)1 ; Z... (fl.842 PA2); AA... (fl. 919 PA2), BB... (fl.1067 PA2) e CC... (fl.1277 PA2). Laboratório de Polícia Científica – Setor de Físico-Química DD... (fl.59 PA1), EE... (fl.165 PA1), FF... (fl.390 PA1), GG... (fl.1102 PA2), HH... (fl.1137 PA2); II... (fl.1172 PA2).
Perante esta subsunção e inserindo as competências que estão definidas para as unidades onde se encontram integrados os referidos EPC, conclui a Demandada que os associados da Demandante, podemos constatar que os mesmos não exercem funções de inspeção e identificação judiciária, tal como se encontram definidas na primeira parte do Quadro 2 do Anexo 1do EPPJ. Aliás, acrescenta, analisadas as competências da Área Criminalística do Laboratório de Polícia Científica, mais concretamente do Setor de Inspeção Judiciária/Local do Crime (ponto 4.3.1 da Instrução Permanente de Serviço n.º .../2016 – fls.7 e 8 do PA1) e do Setor de Identificação Judiciária/Lofoscopia a (ponto 4.3.2 da referida IPS – fls. 9 e 10 do PA1).
4.2. Por outro lado, acrescenta a Demandada que, não entende que as funções exercidas pelos associados da Demandante se enquadram dentro do conteúdo funcional de EPC “tais atos são, nos termos da al. f) e i), do art.º 2º da Lei n.º 67/2017, de 09 de agosto, qualificados como sendo de inspeção e identificação judiciária, acarretando, como tal, um manifesto potencial de risco, insalubridade e penosidade”. A Lei n.º 67/2017, de 09 de agosto regula a identificação judiciária lofoscópica e fotográfica, adaptando a ordem jurídica interna às Decisões 2008/615/JAI e 2008/616/JAI do Conselho, de 23 de junho de 2008.
De facto, segundo a Demandada, no seu artigo 2.º, mais concretamente nas alíneas f) e i), encontramos a definição de identificação judiciária e de inspeção judiciária: “«Identificação judiciária» o processo de recolha, tratamento e comparação de elementos lofoscópicos e fotográficos, visando estabelecer a identidade de determinado indivíduo” e “«Inspeção judiciária» as diligências técnico –científicas levadas a cabo pelos órgãos de polícia criminal competentes, no âmbito de processo -crime, visando a obtenção de meios de prova através do exame de pessoas, lugares e objetos”. Primeiramente, salienta a Demandada que tais definições dizem respeito à lei em apreço, ou seja, à matéria relacionada com a identificação judiciária lofoscópica e fotográfica. Além disso, acrescenta a Demandada que nenhum dos EPC em apreço se encontra a exercer funções nos setores de Inspeção Judiciária/Local do Crime ou no Setor de Identificação Judiciária/Lofoscopia da Área de Criminalística, setores onde são desempenhadas as diligências de recolha, tratamento e comparação de elementos lofoscópicos e fotográficos, bem como as diligências técnico –científicas que visam a obtenção de meios de prova através do exame de pessoas, lugares e objetos.
4.3. Conclui ainda a Demandada que não se verifica a alegada violação dos princípios da legalidade, igualdade e justiça.
5. A signatária foi designada como árbitro e constituído o Tribunal Arbitral nos termos regulamentares, no dia 25 de novembro de 2025.
6. Após as partes se terem pronunciado sobre a produção de prova, mormente a requerida prova testemunhal, por despacho de 30 de dezembro de 2024 foi considerado que a produção da aludida prova não era relevante para a decisão da causa.
7. Considerando o teor do decidido e tendo em conta que as questões a decidir são, sobretudo de Direito, o processo será tramitado apenas por escrito, nos termos do art.º. 18.º do RAA.
8. As partes apresentaram as suas alegações. A Demandante em 13 de janeiro de 2025 e a Demandada em 16 de janeiro de 2025, mantendo, no essencial, as suas posições.
9. Foi fixado o dia 12 de abril de 2023 para a prolação da decisão final.
II – SANEAMENTO
O Tribunal é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas.
Não se verificam nulidades que cumpra conhecer.
Matéria de facto
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A. Os associados da Demandante são funcionários da Polícia Judiciária (PJ), encontrando-se integrados na carreira de Especialista Polícia Científica (EPC) do mapa de pessoal da Polícia Judiciária;
B. O conteúdo funcional da categoria de EPC encontra-se previsto no quadro 2 do Anexo 1 do EPPJ:

C. Os associados da Demandante exercem as seguintes funções:
1. Unidade de Cooperação Internacional – Serviço de Tradução – A... (fl.582 PA1); B... (fl.801 PA2); C... (fl.879 PA2)
2. Laboratório de Polícia Científica – Área de Biotoxicologia – Setor de Biologia – D... (fl.729 PA2).
3. Laboratório de Polícia Científica – Área de Biotoxicologia - Setor de Drogas e Toxicologia – E... (fl.94 PA1), F... (fl.273 PA1); G... (fl.547 PA1); H... (fl.654 PA1); I... (fl.996 PA2); J... (fl.1242 PA2).
4. Laboratório de Polícia Científica – Área Criminalística - Setor de Balística e Marcas – K... (fl.205 PA1); L... (fl.241 PA1); M... (fl. 471 PA1); N... (fl.510 PA1); O... (fl.958 PA2); P... (fl.1031 PA2); Q... (fl.1208 PA2) e R... (fl.1311 PA2).
5. Laboratório de Polícia Científica – Área Físico- Documental – S... (fl.131 PA1)¸ T... (fl.314 PA1) U... (fl.355 PA1), V... (fl. 431 PA1), W... (fl.620 PA1), X... (fl.690 PA2), Y... (fl.765 PA2)1 ; Z... (fl.842 PA2); AA... (fl. 919 PA2), BB... (fl.1067 PA2) e CC... (fl.1277 PA2).
6. Laboratório de Polícia Científica – Setor de Físico-Química – DD... (fl.59 PA1), EE.,.. (fl.165 PA1), FF... (fl.390 PA1), GG... (fl.1102 PA2), HH... (fl.1137 PA2); II... (fl.1172 PA2).
D. As competências definidas para as unidades onde se encontram integrados os referidos EPC [Processo Administrativo (fls.1 a 22 PA1)], são:
1. Unidade de Cooperação Internacional – Serviço de Tradução
2. Laboratório de Polícia Científica – Área de Biotoxicologia:


3. Laboratório de Polícia Científica – Área Criminalística - Setor de Balística e Marcas

4. Laboratório de Polícia Científica – Área Físico-Documental e o Setor de Físico-química


E. As competências da Área Criminalística do Laboratório de Polícia Científica, do Setor de Inspeção Judiciária/Local do Crime (ponto 4.3.1 da Instrução Permanente de Serviço n.º .../2016 – fls.7 e 8 do PA1) e do Setor de Identificação Judiciária/Lofoscopia (ponto 4.3.2 da referida IPS – fls. 9 e 10 do PA1), abarcam os atos de inspeção e identificação judiciária:

F. Os associados da Demandante não exercem funções de inspeção e identificação judiciária;
G. Os associados da Demandante apresentaram ao Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária requerimentos em que peticionavam que, nos termos do artigo 4.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, lhes fosse atribuído o valor mensal do suplemento de missão, calculado com base em 13% sobre a remuneração base mensal estabelecida para o cargo de Diretor Nacional da PJ, e ainda que lhes fossem repostos os retroativos do referido suplemento, desde janeiro de 2023;
H. Os pedidos não obtiveram diferimento considerando que a distinção estabelecida nas alíneas b) e c), do art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, entre trabalhadores da carreira especial de EPC, com e sem funções de inspeção e identificação judiciária, sendo que, para os primeiros o suplemento de missão será calculado, nos termos do normativo suprarreferido, com base em 13% sobre a remuneração base mensal estabelecida para o cargo de diretor nacional da PJ, e para os segundos com base em 12%;
I. A presente ação foi interposta em 29 de outubro de 2024.
Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.
Fundamentação da Fixação da Matéria de Facto
A matéria de facto foi fixada por este Tribunal Arbitral e a sua convicção ficou formada com base nas peças processuais e requerimentos apresentados pelas Partes, bem como nos documentos juntos pelas Partes.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado.
Matéria de Direito (fundamentação)
Face à posição assumida pelas partes, vertidas nas suas peças processuais, e os pedidos formulados pela Demandante, cabe ao Tribunal apreciar e decidir.
A Demandante pretende que seja atribuído aos seus associados, o valor mensal do suplemento de missão de 13% nos termos do artigo 4.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 139-C/2023; e a reposição dos retroativos do suplemento de missão devidos aos associados da Demandante, calculado com base na percentagem supra, desde janeiro de 2023.
Como fundamento alega que os seus associados são funcionários da Polícia Judiciária (PJ), encontrando-se integrados na carreira de Especialista Polícia Científica (EPC) do mapa de pessoal da Polícia Judiciária.
Entende, por isso, que – tal como requereram ao Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária - nos termos do artigo 4.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 139-C/2023, lhes fosse atribuído o valor mensal do suplemento de missão, calculado com base em 13% sobre a remuneração base mensal estabelecida para o cargo de Diretor Nacional da PJ. Entende a Demandante que da análise do n.º 1 do artigo 3.º do diploma supramencionado (condições de atribuição e graduação do suplemento em análise), bem como do n.º 2 do mesmo normativo (estabelece as condições específicas a considerar para que se gradue o suplemento de missão) resulta que o legislador, para efeitos de atribuição de tal suplemento, atende às condições específicas de trabalho inerentes aos conteúdos funcionais desempenhados pelos trabalhadores (os quais podem, ou não corresponder às suas respetivas carreiras profissionais); E que o art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 139-C/2023 estabelece a base de cálculo do suplemento em apreço, nomeadamente para os trabalhadores da carreira especial de EPC, com funções de inspeção e identificação judiciária, em 13 % sobre a remuneração base mensal estabelecida para o cargo de diretor nacional da PJ.
Acrescenta que, os seus associados estão integrados na carreira especial de EPC, sendo que, nessa qualidade, e nos termos do quadro 2 do Anexo I do Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária (Decreto-Lei n.0 138/2019, de 13 de Setembro), fazem parte do seu conteúdo funcional, nomeadamente: realização de atos de inspeção em meio físico e identificação judiciária, designadamente, pesquisa, recolha, acondicionamento, tratamento de vestígios e outros elementos probatórios e recolha de elementos biométricos identificativos; realização de exames ou perícias e elaboração dos respetivos relatórios, nas diferentes áreas forenses laboratoriais; participação na identificação humana em catástrofes ou cenários de exceção.
Acrescenta que, em tais diligências os trabalhadores em causa participam de processos de recolha, tratamento e comparação de elementos Iofoscópicos e fotográficos, visando estabelecer a identidade de determinado indivíduo, bem como, realizam procedimentos técnico-científicas visando a obtenção de meios de prova através do exame de pessoas, lugares e objetos, sendo tais atos, nos termos da al. f) e i), do art.º 2.º da Lei no 67/2017, de 09 de agosto, qualificados como sendo de inspeção e identificação judiciária, acarretando, como tal, um manifesto potencial de risco, insalubridade e penosidade.
Quanto aos atos de inspeção e identificação judiciária, poderão estes ser realizados tanto em diligências externas como internas, podendo qualquer EPC ser chamado a desempenhar estas funções em ambos os contextos e, o Decreto-Lei n.º 139-C/2023 não estabelece qualquer outro critério para atribuição do suplemento de missão que não seja o exercício de funções de inspeção e identificação judiciária por trabalhadores da carreira especial de EPC independentemente de este ser exercido pelos trabalhadores em causa em contexto laboratorial ou noutro contexto pericial, nomeadamente, no âmbito de deslocações externas.
Quanto a esta posição entende o Tribunal que a Demandante não tem razão, aderindo-se, desta forma, à posição da Demandada.
Assim, entende o tribunal que, tal como defende a Demandada:
O n.º 2 do artigo 36.º do EPPJ que “A carreira de especialista de polícia científica é unicategorial e de grau de complexidade 3”.
Por sua vez, o artigo 41.º do mencionado diploma, sob a epígrafe “Caracterização do pessoal das carreiras de apoio à investigação criminal” estabelecendo que “Os trabalhadores das carreiras especiais de apoio à investigação criminal desempenham funções de coadjuvação especial da investigação criminal, exercendo-as em regime de nomeação, sujeito a hierarquia, deveres funcionais e estatuto disciplinar próprio, sendo condição para ingresso habilitação académica superior ou secundária, consoante o caso, formação específica e aprovação no período experimental desenvolvendo-se nas carreiras previstas no artigo 36.º”.
O n.º 2 do artigo 75.º do EPPJ prevê que, com fundamento no regime especial de prestação de trabalho, nos ónus inerentes ao exercício das funções, bem como ao risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados e que se prolongam no tempo muito para além do exercício das funções, os trabalhadores das carreiras especiais têm direito a um suplemento remuneratório a fixar em diploma próprio.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 139-C/2023, de 29 de dezembro, veio regular a atribuição desse suplemento, definindo como objeto no seu artigo 1.º “o regime de atribuição do suplemento decorrente do regime especial de prestação de trabalho das carreiras especiais e carreiras subsistentes da Polícia Judiciária (PJ) e dos ónus inerentes ao cumprimento da sua missão, em especial o risco, a insalubridade e a penosidade que lhes estão associados, doravante «suplemento de missão de polícia judiciária”.
O artigo 3.° deste diploma (Condições de atribuição e graduação do suplemento), o suplemento de missão de Polícia Judiciária é atribuído aos trabalhadores das carreiras especiais e das carreiras subsistentes da Polícia Judiciária enquanto perdurem as condições específicas de trabalho que determinam a sua atribuição ou quando aqueles trabalhadores permaneçam sujeitos aos especiais ónus e deveres estatutários, incluindo nas situações previstas nos n.ºs 3 e 4 do artigo 83.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, na sua redação atual.
O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 139-C/2023 estabelece o valor mensal do suplemento: “O valor mensal do suplemento é determinado por referência à remuneração base mensal estabelecida para o cargo de diretor nacional da PJ, sendo graduado e calculado por aplicação das seguintes percentagens atendendo aos ónus e condições específicas associados às respetivas carreiras e funções: a) Trabalhadores da carreira especial de investigação criminal, 15 %; b) Trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, com funções de inspeção e identificação judiciária, 13 %; c) Demais trabalhadores da carreira especial de especialista de polícia científica, 12%; d) Trabalhadores da carreira especial de segurança, 10 %; e) Trabalhadores das carreiras subsistentes, 5 %.”.
A lei distingue, de entre os especialistas de polícia científica, os que têm funções de inspeção e identificação judiciária (aplicação de 13%), considerando o legislador que estes, a par dos elementos da carreira de investigação criminal, no exercício das suas funções assumem maior ónus, nomeadamente ao nível do risco, insalubridade e penosidade que lhes estão associados.
O conteúdo funcional da categoria de EPC encontra-se previsto no quadro 2 do Anexo 1 do EPPJ, sendo que estão definidos alguns os atos de inspeção e de identificação judiciária: “Realização de atos de inspeção, em meio físico e digital e de identificação judiciária, designadamente pesquisa, recolha, acondicionamento, tratamento de vestígios e outros elementos probatórios, recolha de elementos biométricos identificativos, captação e tratamento de imagem de locais, objetos e pessoas com recurso a procedimentos técnico-científicos e garantindo a custódia da prova, em coadjuvação direta à Investigação criminal, sem prejuízo da sua autonomia técnica e científica”.
Sendo que, a “Realização de exames ou perícias e elaboração dos respetivos relatórios, nas diferentes áreas forenses laboratoriais” e a “Participação na identificação humana em catástrofes ou cenários de exceção”, são atos constantes do conteúdo funcional de EPC e, que de acordo com a Demandante os trabalhadores em causa realizam, mas não se inserem no conceito de “funções de inspeção e identificação judiciária”.
Analisadas as competências das unidades onde estão colocados os associados da Demandante, podemos constatar que os mesmos não exercem funções de inspeção e identificação judiciária, tal como se encontram definidas na primeira parte do Quadro 2 do Anexo 1do EPPJ.
Alega a Demandante que as funções exercidas pelos seus associados se enquadram dentro do conteúdo funcional de EPC tais atos são, nos termos da al. f) e i), do art.º 2º da Lei n.º 67/2017, de 09 de agosto, qualificados como sendo de inspeção e identificação judiciária, acarretando, como tal, um manifesto potencial de risco, insalubridade e penosidade.
Nesta senda também concorda o tribunal com a interpretação da Demanada. A Lei n.º 67/2017, de 09 de agosto regula a identificação judiciária lofoscópica e fotográfica, adaptando a ordem jurídica interna às Decisões 2008/615/JAI e 2008/616/JAI do Conselho, de 23 de junho de 2008.
O seu artigo 2.º, mais concretamente nas alíneas f) e i), encontramos a definição de identificação judiciária e de inspeção judiciária: “«Identificação judiciária» o processo de recolha, tratamento e comparação de elementos lofoscópicos e fotográficos, visando estabelecer a identidade de determinado indivíduo” e “«Inspeção judiciária» as diligências técnico –científicas levadas a cabo pelos órgãos de polícia criminal competentes, no âmbito de processo -crime, visando a obtenção de meios de prova através do exame de pessoas, lugares e objetos”. Nenhum dos EPC em apreço se encontra a exercer funções nos setores de Inspeção Judiciária/Local do Crime ou no Setor de Identificação Judiciária/Lofoscopia da Área de Criminalística, setores onde são desempenhadas as diligências de recolha, tratamento e comparação de elementos lofoscópicos e fotográficos, bem como as diligências técnico –científicas que visam a obtenção de meios de prova através do exame de pessoas, lugares e objetos.
Desta forma, entende-se que a ação não pode proceder.
Por outro lado, invoca a Demandada a violação dos princípios da legalidade, igualdade e justiça.
Não se verifica qualquer violação ao princípio da legalidade, porquanto a lei está a ser aplicada in casu.
Também não se verifica qualquer violação ao princípio da igualdade porquanto os associados da Demandante associados sendo especialistas de Polícia Científica não exercem funções de inspeção e identificação judiciária, pelo que não lhes poderia ser atribuído o suplemento de missão de 13 % nos termos do artigo 4.º, alínea b) do Decreto-Lei n.º 139-C/2023.
Não se vislumbra qualquer tratamento discriminatório já que as diversas alíneas do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 139-C/2023 estabelecem percentagens do suplemento de missão distintas para carreiras distintas, bem como dentro da carreira de EPC, funções distintas.
Por fim, quanto ao princípio da justiça não se verifica nenhuma situação em que todo o demais ordenamento jurídico não proporciona uma resposta satisfatória.
Desta forma, entende-se que, também quanto a esta questão suscitada pela Demandante, a ação não pode proceder.
III – DECISÃO
Face ao exposto,
Julgam-se improcedentes os pedidos formulados pela Demandante e absolve-se a Demandada do pedido.
IV – VALOR
Fixa-se o valor da causa para efeitos de encargos processuais no montante € 30.000,01.
V – CUSTAS
Os encargos processuais serão liquidados de acordo com a tabela prevista para a arbitragem administrativa e suportados pelo Demandante.
Lisboa e CAAD, 15 de maio de 2025
A Árbitra,
(Marisa Almeida Araújo)