Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 67/2024-A
Data da decisão: 2025-05-02  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Relações Jurídicas de Emprego Público – direito a subsídio de turno
Versão em PDF

 

 

 

DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório 

A..., portadora do cartão de cidadão n.º ... válido até 3 de agosto de 2031, contribuinte n.º ..., Inspetora da Carreira Especial de Investigação da Polícia Judiciáriaa prestar serviço no ... em regime de afetação funcional transitória, e residente na ... n.º..., ..., ...-... ..., nos termos dos artigos 180º n.º 1 alínea d) do C. Processo nos Tribunais Administrativos e artigos 8º e 10º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa, apresentou pedido arbitral para a resolução de litígio emergente de relação jurídica de emprego público

 

É Demandado MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, pessoa coletiva n.º 600017613, com sede na Praça do Comércio, 1149-019 Lisboa, 

 

Objeto:

O presente pedido arbitral tem como objeto a impugnação do ato administrativo que indeferiu o pedido da Demandante de 06-06-2024, pelo qual requereu a regularização da remuneração devida pelo suplemento de turno, no valor de 22% calculado sobre a remuneração base, a ser liquidado desde 11-11-2023.

 

A Demandante peticiona:

“Nestes termos e nos mais de direito, que v. exa. doutamente suprirá deve a presente ação ser julgada procedente por provada e consequentemente ser o despacho supra identificado anulado nos termos do disposto no artigo 163º do c. procedimento administrativo e substituído por outro que atribua à demandante suplemento previsto no artigo 4º alínea a) da portaria n.º 10/2014 de 17 de janeiro.”

 

Por exceção o Demandado alegou a incompetência do Tribunal Arbitral.

Por impugnação, o Demandado sustentou a improcedência da ação.

 

1.1. Tramitação processual

A Demandante apresentou, no dia 18-09-2024, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA), um pedido de constituição de tribunal arbitral, o qual foi aceite na mesma data pelo CAAD.

Nos termos do disposto no artigo 12.º do NRAA, o CAAD, através de ofício datado de 19.09.2024, citou o Demandado para contestar no prazo de 20 dias. 

A contestação foi apresentada no dia 09-10-2024 e juntou na mesma data o Processo Administrativo.

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, em 15-10-2024, com a aceitação do encargo por parte da árbitra signatária (que integra a lista de árbitros do CAAD, em matéria administrativa) e da sua notificação às partes (artigo 17.º do NRAA). 

Nos termos do artigo 18.º do NRAA, foi proferido o Despacho de 25-10-2024, com o seguinte teor:

Considerando que o Demandado apresentou defesa invocando a exceção de incompetência do presente Tribunal Arbitral a funcionar no CAAD, e no sentido de assegurar o contraditório da Demandante notifique-se esta para que no prazo de 20 dias se pronuncie quando à exceção invocada.”

A Demandante por requerimento de 07-11-2025 respondeu à exceção juntou um documento e, pugnou pela improcedência da exceção e reiterou que considera necessária a produção de toda a prova que requereu em sede de petição inicial.

Por requerimento de 13-11-2024 notificado a 14-11- 2024 o Demandado respondeu ao requerimento da Demandante de 07-11-2024.

Na mesma data a Demandante apresentou um requerimento pelo qual pede a alteração da instância.

 

2. Alteração da instância

A Demandante pede a alteração da instância por ter sido notificada da decisão proferida no Recurso hierárquico e da qual a sua mandatária foi notificada a 13 de dezembro de 2024.

 

2.1. Posição da Demandante

“A Mandataria da Demandante foi notificada a 13 de dezembro de 2024 do Despacho da Exma. Senhora Ministra da Justiça de 29 de Novembro de 2024, exarado na informação nº ...-SGMJ/2024/..., conforme documento um e dois que se junta e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

2.º

O sobredito despacho vem dar resposta ao recurso hierárquico que originou a proposição desta ação, indeferindo a pretensão da ora Demandada na sua totalidade.

3.º

Sucede, porém, que a fundamentação do indeferimento se baseia na mesma linha de pensamento que a Polícia Judiciária e que gerou a interposição do Recurso Hierárquico que fundamentou o pedido nos presentes autos.

Em suma, a fundamentação do despacho aponta na falta de preenchimento de requisitos para o acréscimo remuneratório requerido,

5.º

Entende o Ministério da Justiça no parecer anexo ao Despacho ora junto “emite-se parecer no recurso hierárquico em apreço, apresentado por A..., Inspetora da Polícia Judiciária e, nos termos do n.º 1 do artigo 197.º do CPA, confirme o despacho proferido pelo Diretor Nacional Adjunto da PJ de 16/05/2024, que determinou o indeferimento do pedido da Recorrente com fundamento na falta de enquadramento legal que o permita."

6.º

Considerando ainda que “A trabalhadora, ao contrário do que afirma, não se encontra a desempenhar funções em regime de trabalho por turnos permanente parcial para os efeitos do artigo 161.º da LTFP, pelo que não tem direito a qualquer suplemento remuneratório de turno, enquanto se encontrar a praticar este horário. “

7.º

Argumentando ainda que “A Portaria invocada pela Recorrente, apenas regula o regime retributivo do trabalho por turnos, que se encontra previsto nos n.os 2 e 3 do supratranscrito artigo 161.º da LTFP e nesse sentido, as condições previstas no n.º 1 da mesma norma não poderiam, nunca, ser afastadas pela invocada Portaria, pois tratam matéria diferente da prevista no art.º 4.º da Portaria n.º 10/2014, no caso, define o que se entende por turnos para efeitos daquela norma. “

8.º

Duvidas não restam que o recurso hierárquico manteve o indeferimento pelos mesmos motivos que a entidade recorrida, ou seja, em suma, que não é aplicável à Demandante o disposto na Portaria n.º 10/2014, mas sim o previsto no artigo 161º da Lei Geral de Trabalho em Funções Publicas,

9.º

Pelo que se dão por reproduzidos os factos alegados em sede de requerimento inicial, requerendo-se exatamente pelos mesmos motivos que o pedido da Demandante nos presentes autos seja deferido.

NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO REQUERER-SE QUE A PRESENTE ALTERAÇÃO DA INSTANCIA SEJAADMITIDA E A FINAL SEJA APRECIADO O PEDIDO FORMULADO PELA DEMANDANTE E JULGADA A PRESENTE AÇÃO INTEIRAMENTE PROCEDENTE.”

 

2.2. Posição do Demandado

A Demandante por requerimento de 28-01-2025, notificado a 29-01-2025, alegou o seguinte:

“1.ºA Demandante vem, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, do CPTA, requerer a alteração da instância, em virtude de ter sido notificada da decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico facultativo por si apresentado, tendo por objeto o mesmo ato administrativo aqui em crise.

2.º

No entanto, como a própria refere, a decisão da qual foi notificada determinou o indeferimento da sua pretensão, mantendo os “mesmos motivos que a entidade recorrida, ou seja, em suma, que não é aplicável à Demandante o disposto na Portaria n.º 10/2014, mas sim o previsto no artigo 161º da Lei Geral de Trabalho em Funções Publicas.” (art.º 8.º do Requerimento).

3.º

Raciocínio que nos conduz, inevitavelmente, à conclusão de que a decisão proferida em sede de recurso hierárquico é um ato confirmativo, pelo que, nos termos do artigo

53.º, n.º 1, do CPTA, é inimpugnável, sendo a requerida alteração, ou ampliação, da instância, um pedido sem qualquer utilidade.

Termos em que se pugna pelo indeferimento do requerimento da Demandante.”

 

2.3. Da informação constante do recurso hierárquico

Com base na informação constante do procedimento de recurso hierárquico a Exma. Senhora Ministra da Justiça, pelo despacho 228/MJ/2024 com data de 29-11-2024 decidiu:

Concordo com os fundamentos de facto e de direito constantes da presente informação, pelo que, nos termos do disposto no n.º 1 de artigo 197.º do Código do Procedimento Administrativo, não concedo provimento ao recurso hierárquico interposto por A..., e, consequentemente, confirmo o ato impugnado.

Notifique-se a Polícia Judiciária que, por sua vez, notificará a Recorrente.

Dê-se conhecimento à Secretaria-Geral do Ministério da Justiça.”

 

Da informação constante do recurso hierárquico consta, nomeadamente o seguinte:

a)         A Demandante apresentou recurso hierárquico a 20 de junho de 2024 em que requereu: “a anulação do ato do Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, de 16/05/2024, que indeferiu o seu pedido de regularização da remuneração devida pelo suplemento de turno, no valor de 22% calculado sobre a remuneração base, a ser liquidado desde 11/11/2023”.

b)         A Demandante no Recurso hierárquico impugnou o ato administrativo que indeferiu o seu pedido de 06/06/2024, pelo qual requereu a regularização da remuneração devida pelo suplemento de turno, no valor de 22% calculado sobre a remuneração base, a ser liquidado desde 11/11/2023.

c)          Para tanto, alegou que o pagamento do suplemento previsto no artigo 4.º alínea a) da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, não exige que um dos turnos seja coincidente com o período de trabalho considerado trabalho noturno (fundamento apresentado pela PJ para o indeferimento do requerido); (cfr. informação do Recurso de hierárquico).

“Considera a Recorrente que, a referida Portaria estabelecendo apenas que "O pessoal da Polícia Judiciária que trabalha em regime de turnos tem direito a um suplemento correspondente a um acréscimo de remuneração calculado sobre a sua remuneração base, de acordo com as seguintes percentagens: a) Regime de turnos permanente, parcial e total - respetivamente 22 % e 25 %, b) Regime de turnos semanal prolongado, parcial e total – respetivamente 20 % e 22 %; c) Regime de turnos semanal, parcial e total- respetivamente 15 % e 20 %" não obriga à verificação do critério que a PJ aplicou por via do disposto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, e que fundamentou o indeferimento.

Nos termos do disposto no Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária (Decreto- Lei n ° 138/2019, de 13 de setembro), mais especificamente, conforme o n.º 1 do art.º 4.º "É aplicável aos trabalhadores das carreiras especiais o regime em vigor para os trabalhadores em funções públicas, com vínculo de nomeação, em tudo o que não se encontre especialmente regulado no presente decreto-lei e respetiva regulamentação."

Uma vez que a regulamentação não o exige, não terá aqui aplicação o critério da coincidência de pelo menos um dos períodos de trabalho com o período noturno presente no art.º 161.º da LTFP e junta para o efeito e-mail de jurista da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, que adota essa posição.

Assim, trabalhando a Recorrente em dois turnos distintos: de manhã das 08:00 às 14:00 e de tarde das 12:00 às 18:00 se encontra em regime de trabalho por turnos permanente parcial e, portanto, deve ser remunerada com 22% do respetivo suplemento de turno.

Acrescenta, ainda, que uma vez que há trabalhadores em situação igual à da Recorrente e que se encontram a receber o suplemento, estará a PJ com esta orientação legal e respetiva conduta, a violar os Princípios da Igualdade e da Legalidade consagrados no art.º 13.º e no n.º 2 do art.º 266.º da Constituição da República Portuguesa – CRP”; (cfr. Informação recurso hierárquico).

d)         A entidade recorrida - PJ - pronunciou-se através do ofício n.º ..., de 09/07/2024, pugnando pela improcedência do recurso hierárquico e consequente confirmação do ato recorrido, por, no entender do Diretor Nacional Adjunto da PJ, não assistir razão à Recorrente. 

Indica a entidade recorrida que foi deferido à trabalhadora, nos exatos termos por si requeridos, a dispensa diária para amamentação e dispensa de prestação de trabalho no período noturno, ao abrigo dos direitos no âmbito do regime da parentalidade dos trabalhadores com vínculo de emprego público, que se encontram regulados no Código do Trabalho, por remissão da alínea f) do n.º 1 do artigo 4.º da LTFP anexa à Lei n.º 35/2014 de 20 de junho.

Adianta, ainda, que “(…) a Recorrente pratica o horário de trabalho, na modalidade de trabalho por turnos, em todos os dias da semana (inclui sábados, domingos e feriados), tendo-lhe sido atribuído o regime TTFMMMFTTFFTFMMMFTFFF, de acordo, conforme requerido, o seguinte horário: Turno da manhã - das 8:00 às 14:00; Turno da tarde – das 12:00 às 18:00; Turno da noite – substituição por tardes” 

Nesta senda, a PJ explicita que apesar do n.º 2 do art.º 65.º do CT prever que a dispensa para a amamentação não determina a perda de direitos para os trabalhadores, não se poderá olvidar as disposições constantes do art.º 60.º do CT que determinam que pode haver dispensa de prestação de trabalho no período noturno - entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte – e que condicionam objetivamente a materialização e a definição da prestação de trabalho da Requerente como sendo em regime de turnos.

Ora, com a dispensa de trabalho noturno, a trabalhadora passou a trabalhar apenas num intervalo horário das 08:00 às 18:00, conforme requerido pela mesma”;

Quanto à atribuição do subsídio de turno e o facto da Recorrente vir invocar essencialmente que as normas aplicadas à mesma, não são aplicáveis, a PJ começa por invocar o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 ele setembro, que aprovou o Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária (EPPJ), nos termos do qual "É aplicável aos trabalhadores das carreiras especiais o regime em vigor para os trabalhadores em funções públicas, com vínculo de nomeação, em tudo o que não se encontre especialmente regulado no presente decreto-lei e respetiva regulamentação.”

E ... que ao abrigo dos artigos 33.º e 34.º do EPPJ, o Diretor Nacional publicou o Regulamento que aprovou o horário de trabalho do pessoal da carreira de investigação criminal, em regime de afetação funcional transitória nos aeroportos e portos marítimos, em que a trabalhadora se insere, em conformidade com o regime de transição de trabalhadores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, previsto no Decreto-Lei n.º 40/2023, de 2 de junho, através do Despacho n.º 93-GADN/2023, de 19.12.2023, “(…) cujo horário de funcionamento é 24 horas/7 dias por semana, e que os horários de turno são: turno da manhã (M)- das 7h às 15h; turno da tarde (T) - das 15h às 23h; turno da noite (N)- das 23h às 7h.”

Acrescenta, ainda, que nos termos do n.º 1 do artigo 75.º do referido estatuto: "Os trabalhadores das carreiras especiais têm direito a suplementos de piquete, de prevenção ou de turnos, conforme aplicável, para compensar o trabalho prestado fora do horário normal, nos termos fixados por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, não sendo devida qualquer outra compensação remuneratório por trabalho suplementar ou prestado em feriados, dias de descanso semanal e complementar."

E nesse sentido, explica que uma vez que entretanto não foram aprovados quaisquer diplomas como previsto no referido estatuto “(…) mantém-se em vigor (com as necessárias adaptações, ou no que não contrariar essa legislação), por força do seu n.º 2 do artigo 104.º, a regulamentação existente quanto ao assunto em apreço: o Regulamento dos Serviços de Piquete e de Unidades de Prevenção ou Turnos de Funcionários (RSPUPTF), aprovado pelo Despacho n.º 248/MJ/96, do Ministro da Justiça (publicado no DR, 2.ª série, de 7 de janeiro de 1997); o Regulamento do Horário de Trabalho do Pessoal da Polícia Judiciária (R HTPP J), aprovado pelo Despacho Normativo n.º 18/2002, de 13 de março, do Secretário de Estado da Justiça; a Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro (Portaria).”

(...)

Reforça ainda os seus fundamentos com as remissões dos art.ºs 21.º e 9.º n.º 3, respetivamente, do Regulamento dos Serviços de Piquete e de Unidades de Prevenção ou Turnos de Funcionários (RSPUPTF), aprovado pelo Despacho n.º 248/MJ/96, do Ministro da Justiça (publicado no DR, 2.ª série, de 7 de janeiro de 1997) e do Regulamento do Horário de Trabalho do Pessoal da Polícia Judiciária (RHTPPJ), aprovado pelo Despacho Normativo n.º 18/2002, de 13 de março, do Secretário de Estado da Justiça RHTPPJ, para o regime de turnos previstos na lei geral.

A PJ indica, ainda, na sua pronúncia, que a portaria invocada pela Recorrente, apenas veio regular o regime retributivo do trabalho por turnos e que o direito à sua atribuição (condições) encontram-se ainda “regulados nos termos da lei geral (atualmente LTFP), conforme estabelecia o n.º 2 do artigo 92.º da LOPJ/2000, « 2 - O suplemento de turno a conferir ao pessoal que preste serviço nessa modalidade de trabalho é regulado nos termos da lei geral.” e que, portanto, o regime subsidiário aplicável é o do disposto na LTFP.

E finaliza, com um breve trecho sobre a hierarquia das fontes normativas (negrito e sublinhado nosso): “(…) uma Portaria, enquanto ato regulamentar do Governo, ocupa na hierarquia das fontes normativas uma posição inferior ao decreto-lei que visa regulamentar; sendo dele mero complemento, e a ele, necessariamente subalternizado, subordinado e vinculado, nunca, pois, a respetiva disciplina pode contrariar, como claramente resulta das disposições ínsitas sob os nºs. 1, 6 e 7 do artigo 112.º da CRP. 21. Pelo que, constituiria uma desconcertante perversão jurídica qualquer entendimento tendente à consideração de que o artigo 4.º da Portaria n.º 10/2024, de 17 de janeiro - com mera natureza regulamentar - teria a virtualidade de se sobrepor ao próprio diploma legislativo a cuja regulamentação precisamente se destinava (LOPJ/2000), subvertendo a própria ordem constitucional de hierarquia das fontes normativas e, ademais, por maioria de razão, a proibição expressa pelo n.º 5 do artigo 112.º da CRP - "Nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos ele outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos." -, fazendo com que, da sua aplicação, resultasse solução diferente do que o legislador pretendia ali regulamentar/disciplinar. 28. Portanto, não se sobrepondo uma Portaria à Lei, e aplicando-se subsidiariamente a LTFP através das remissões supramencionadas, invoca a PJ o disposto nos art.ºs 115.º e 116.º da LTFP que determinam o que se define como trabalho por turnos e os regimes de turnos, assim como o disposto no art.º 161.º da LTFP que define como requisito para o direito ao suplemento remuneratório de turno, o facto de um dos turnos ser total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho noturno (que conjugado com o art.º 233.º do CT é o período entre as 22h00 de um dia e 07h00 do dia seguinte) pelo que “(…) entende-se que a Recorrente não preenche o estabelecido pelo n. º 1 artigo 161.º da LTFP, pelo que não lhe é devido o suplemento remuneratório de turno ali previsto.”

Quanto ao princípio da igualdade e alegada violação, termina a PJ, dizendo na respetiva pronúncia, que a Recorrente se limita a invocar a sua violação, sem que materialize e identifique concretamente as situações a que se refere, pelo que a mesma desconhece tal violação, e perentoriamente invoca que enquanto entidade de cariz público, a sua conduta pauta-se pelo respeito por este princípio constitucional e a adequada aplicação do princípio da igualdade de retribuição por prestação de trabalho igual, conforme consagrado no art.º 59.º da CRP.

VI – APRECIAÇÃO

30. Na sequência do deferimento de horário de amamentação com dispensa de trabalho noturno, a trabalhadora passou a trabalharem dois turnos distintos: de manhã das 08:00 às 14:00 e de tarde das 12:00 às 18.00, ao abrigo dos artigos 47.º, 60.º e 65.º do Código do Trabalho, na sua versão em vigor (CT).

31. Conforme já explanado pela PJ, o respetivo estatuto prevê a aprovação de determinados diplomas que não existem até à data de hoje, nesse sentido, refira-se, mantêm-se em vigor o RSPUPTF e o RHTPPJ bem como a Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro - que fixa o valor dos suplementos de piquete e de prevenção, o valor-hora e o regime de turnos a que tem direito o pessoal da Polícia Judiciária.

32. Em causa, no procedimento em apreço, está o eventual direito a suplemento de turno por aplicação da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, que segundo a Recorrente, não exige que um dos turnos seja coincidente com o período de trabalho considerado trabalho noturno.

33. O invocado art.º 4. sob a epígrafe “Regime de Turnos” deste diploma dispõe o seguinte: “O pessoal da Polícia Judiciária que trabalha em regime de turnos tem direito a um suplemento correspondente a um acréscimo de remuneração calculado sobre a sua remuneração base, de acordo com as seguintes percentagens:

a) Regime de turnos permanente, parcial e total - respetivamente 22 % e 25 %;

b) Regime de turnos semanal prolongado, parcial e total - respetivamente 20 % e 22 %;

c) Regime de turnos semanal, parcial e total - respetivamente 15 % e 20 %.”

34. Por sua vez dispõe o art.º 161.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, sob a epígrafe “Suplemento remuneratório de turno” o seguinte (sublinhados e negritos nossos): “1 - Desde que um dos turnos seja total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho noturno, os trabalhadores por turnos têm direito a um acréscimo remuneratório cujo montante varia em função do número de turnos adotado, bem como da natureza

permanente ou não do funcionamento dos serviços.

2 - O acréscimo referido no número anterior, relativamente à remuneração base, varia entre:

a) 25 /prct. a 22 /prct., quando o regime de turnos for permanente, total ou parcial;

b) 22 /prct. a 20 /prct., quando o regime de turnos for semanal prolongado, total ou parcial;

c) 20 /prct. a 15 /prct., quando o regime de turnos for semanal total ou parcial.

3 - A fixação das percentagens, nos termos do número anterior, tem lugar em regulamento interno ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

4 - O acréscimo remuneratório inclui o que fosse devido por trabalho noturno, mas não afasta a remuneração por trabalho suplementar.”

35. Nos termos do Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária (EPPJ) - Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro - à trabalhadora são aplicáveis as normas constantes da legislação específica da PJ, e em tudo que as mesmas não regulam, aplica-se subsidiariamente a lei geral dos trabalhadores em funções públicas - n.º 1 do art.º 4.º EPPJ.

36. A Portaria invocada pela Recorrente, apenas regula o regime retributivo do trabalho por turnos, que se encontra previsto nos n.os 2 e 3 do supratranscrito artigo 161.º da LTFP e nesse sentido, as condições previstas no n.º 1 da mesma norma não poderiam, nunca, ser afastadas pela invocada Portaria, pois tratam matéria diferente da prevista no art.º 4.º da Portaria n.º 10/2014, no caso, define o que se entende por turnos para efeitos daquela norma.

37. E não restarão dúvidas de que só haverá lugar a um acréscimo remuneratório se um dos turnos for total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho noturno.

38. Ainda que assim não se entendesse, sempre se diria, tal como defendido pela entidade recorrida, que na hierarquia dos atos normativos, neste caso, uma Lei e um Decreto-Lei, enquanto atos legislativos, prevaleceriam sobre um ato regulamentar – a Portaria.

39. Vejamos então o enquadramento legal da situação em que a trabalhadora se encontra ao ver ser-lhe deferido o horário requerido.

40. Consultado o art.º 60.º do CT, verifica-se que a trabalhadora em regime de amamentação com dispensa de trabalho no período noturno, fica com uma dispensa de prestar trabalho numa janela temporal balizada entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte. 

41. A trabalhadora, ao prestar serviço apenas num intervalo horário das 08:00 às 18:00, permitido por dispositivo legal específico do regime da parentalidade, encontra-se com a dispensa de trabalho em período noturno, e, por conseguinte, não efetua nenhum dos seus turnos em período total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho considerado noturno.

42. Ora, como já supramencionado, nos termos do art.º 161.º da LTFP para que o suplemento remuneratório de turno seja devido, um dos turnos deverá ser “(…) total ou parcialmente coincidente com o período de trabalho noturno”3

43. Refira-se no entanto, que se para efeitos de preenchimento desta noção de trabalho noturno, dúvidas existissem que a trabalhadora não faz nenhum turno total ou parcialmente coincidente com o período noturno, estas ficam totalmente dissipadas, uma vez que a trabalhadora apenas se encontra de escala para prestar serviço num horário que varia entre as 08:00 e as 18:00, pelo que nem o regime do n.º 2 do art.º 223.º do CT que baliza o horário de trabalho noturno das 22:00 de um dia às 07:00 do dia seguinte, seria benéfico à trabalhadora para efeitos de recebimento de suplemento remuneratório de turno.

44. Assim, forçoso será de concluir que a trabalhadora não tem direito a receber o suplemento remuneratório de turno, uma vez que não preenche os requisitos legais, como supra explanado.

45. Acresce, porque manifestamente infundado, uma vez que não materializa ou concretiza a sua afirmação, jamais, o não pagamento de suplemento de turno, no caso em apreço, poderá considerar-se discriminatório e violador do princípio da igualdade. Está em causa um suplemento cujo pagamento está dependente da efetiva prestação de trabalho nos moldes estabelecidos legalmente.

46. Aliás, existe a possibilidade legal de aplicação do regime da amamentação às trabalhadoras, sem que haja necessariamente dispensa de trabalho noturno. Ora, o pagamento de igual modo a trabalhadoras a amamentar com dispensa de horário no período noturno, e a trabalhadoras que se encontram a amamentar sem dispensa de trabalho no período noturno, esse sim seria efetivamente discriminatório e contrário ao princípio da igualdade e ao princípio da igualdade de retribuição por trabalho igual.

47. A trabalhadora, ao contrário do que afirma, não se encontra a desempenhar funções em regime de trabalho por turnos permanente parcial para os efeitos do artigo 161.º da LTFP, pelo que não tem direito a qualquer suplemento remuneratório de turno, enquanto se encontrar a praticar este horário.

VII – CONCLUSÃO E PROPOSTA

Em face do exposto, emite-se parecer no sentido de Sua Excelência a Ministra da Justiça, não conceder provimento ao recurso hierárquico em apreço, apresentado por A..., Inspetora da Polícia Judiciária e, nos termos do n.º 1 do artigo 197.º do CPA, confirme o despacho proferido pelo Diretor Nacional Adjunto da PJ de 16/05/2024, que determinou o indeferimento do pedido da Recorrente com fundamento na falta de enquadramento legal que o permita. (cfr. informação recurso hierárquico).

 

Vejamos

 

Está em causa decidir a alteração da instância pedida pela Demandante e contestada pelo demandado.

Está em causa um recurso hierárquico facultativo, uma vez que o despacho do Exmo. Diretor Nacional da PJ é um ato diretamente impugnável, nos termos do artigo 185.º do CPA, que dispõe:

1 - As reclamações e os recursos são necessários ou facultativos, conforme dependa, ou não, da sua prévia utilização a possibilidade de acesso aos meios contenciosos de impugnação ou condenação à prática de ato devido.

2 - As reclamações e os recursos têm caráter facultativo, salvo se a lei os denominar como necessários.

 

O despacho da senhora Exma. Ministra da Justiça, de indeferimento do recurso hierárquico suprarreferido atribui efeito confirmativo ao seu despacho.

 

O Acórdão do STA de 10-03-2022, proferido no Processo 935/19.7BELSB refere no sumário:

“I – Se o ato administrativo decisor de uma impugnação administrativa se limita a confirmar o ato administrativo impugnado, deixando o impugnante na mesma situação em que se encontrava, o ato contenciosamente impugnável é, exclusivamente, o atoprimário, do subalterno, por imposição do disposto no nº 4 do art. 198º do CPA (aplicável quer aos “recursos hierárquicos” quer aos “recursos administrativos especiais” – estes por remissão do nº 5 do art. 199º do CPA), em aplicação da regra da inimpugnabilidade dos atos meramente confirmativos (cfr. art. 53º nº 1 do CPTA).

(...)

O Acórdão do STA de 24-09-2020, proferido no Processo n.º 940/12.4BESNT, no sumário menciona:

(...)

III. Estamos perante um ato confirmativo quando o mesmo é proferido no âmbito de um recurso hierárquico facultativo e nada veio inovar, mantendo integralmente o ato primário, de per si recorrível e lesivo, reiterando-o e assentando nos mesmos pressupostos de facto e de direito.

O Acórdão do TCAS de 04-07-2019, proferida no Processo 688/15.8BELSB:

“I. A decisão proferida no âmbito do procedimento administrativo de segundo grau, decidindo o recurso hierárquico facultativo no sentido do seu indeferimento, mantendo a decisão recorrida, constitui um ato meramente confirmativo do ato primário impugnado administrativamente.
“No caso sub iudice não subsistem quaisquer dúvidas que o recurso hierárquico interposto pela Autora tem natureza facultativa.

No que respeita à autoria, a mesma deve ser entendida com as devidas ressalvas, dado que nas situações de recurso hierárquico a distinta autoria orgânica constitui um pressuposto do respectivo procedimento, pelo que, a identidade relativa a este aspecto bastar-se-á com a integração do órgão ad quem na mesma pessoa colectiva ou ministério. Não assiste, assim, relativamente a este aspecto razão à Autora, quando aparentemente alega autoria distinta para fundamentar o carácter inovador do acto proferido pelo Vice-Presidente do Conselho Directivo da ED.

Conforme resulta dos factos assentes, este acto limitou-se a indeferir o recurso hierárquico interposto pela ora Autora e a confirmar o acto recorrido, sem que tenha introduzido qualquer alteração na esfera jurídica da Autora, não produzindo efeitos jurídicos novos na ordem jurídica; tal como, não possui lesividade autónoma, pois o acto que determinou a reposição da referida quantia foi o acto impugnado em sede de recurso hierárquico, sendo que, a decisão proferida sobre o mesmo limitou-se a repetir o conteúdo da decisão hierarquicamente impugnada, com idênticos pressupostos de facto e de direito.

Atenta a identidade dos pressupostos que sustentaram ambas as decisões, conclui-se pela natureza meramente confirmativa do acto praticado pelo Senhor Vice- Presidente do ISS, IP, em sede de recurso hierárquico, sendo de julgar procedente a suscitada excepção de inimpugnabilidade.

Face ao exposto – nos termos conjugados do disposto nos artigos 89.º, n.º 1, alínea c) do CPTA e 278.º, n.º 1, alínea e) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA –, verifica-se a existência da suscitada excepção de inimpugnabilidade do despacho do Senhor Vice-Presidente do ISS, IP, o que determina a absolvição da ED da instância, quanto ao pedido deduzido contra este despacho que indeferiu o recurso hierárquico interposto pela Autora.”.

A decisão ora recorrida é de manter, por proceder a uma correta interpretação dos factos e aplicação dos normativos de direito convocados.

O ato impugnado, de indeferimento do recurso hierárquico, mantém nos seus exatos termos a anterior decisão administrativa impugnada administrativamente, não lhe introduzindo qualquer modificação, por a confirmar.

Nestes mesmos termos, estabelece o n.º 1 do artigo 174.º do CPA, na redação vigente à data dos factos, que o órgão competente para conhecer o recurso pode confirmar ou revogar o ato recorrido.

No presente caso existiu essa confirmação pelo ato ora impugnado, que é assim meramente confirmativo do ato primário, sem lhe introduzir ou acrescentar nada de novo.

Acresce, com assaz relevância para o desfecho do presente caso, que o ato administrativo impugnado administrativamente pela Autora através de recurso hierárquico, era já ele próprio impugnável contenciosamente, tendo a Autora optado por usar uma impugnação administrativa facultativa, em que o ato final e lesivo, porque definidor da situação no caso concreto, era o ato primário.

De resto, a ora Recorrente não põe em crise o caráter facultativo do recurso hierárquico interposto, não existindo qualquer divergência quanto a este ponto.

Apenas se esse ato primário não fosse susceptível de imediata impugnação contenciosa, dele cabendo recurso hierárquico necessário ou obrigatório é que seria outro o desfecho quanto ao fundamento do recurso e da causa.

Nesse caso, precisamente porque o ato primário seria carecido de recurso hierárquico, seria o novo ato praticado no âmbito do procedimento administrativo de segundo grau, no âmbito do recurso hierárquico, que constituiria o ato final e lesivo e o único passível de ser impugnado contenciosamente.

Porém, é outro o caso configurado nos autos, pois tendo a Autora sido notificada do ato primário e sendo o mesmo imediatamente impugnável contenciosamente, por dele não caber recurso hierárquico e esse recurso não ser necessário, mas tendo optado por apresentar impugnação administrativa, não deixa de ser o ato primário o ato que define autoritariamente e com novidade os termos da situação jurídica, não sendo o ato que o confirma um ato inovador e impugnável contenciosamente.

Nestes termos, acolhendo-se in totum a fundamentação vertida na sentença recorrida, será de negar procedência ao fundamento do recurso, não ocorrendo qualquer erro de julgamento que a enferme, mantendo-se a decisão que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade do ato.

 

Pelo exposto, temos de concluir que a Requerente foi notificada do ato primário o qual era imediatamente impugnável contenciosamente, por dele não caber recurso hierárquico não ser necessário, e tendo optado por apresentar o presente pedido arbitral, não deixa de ser o ato primário o ato que define autoritariamente e com novidade os termos da situação jurídica, não sendo o ato que o confirma um ato inovador e impugnável contenciosamente.

 

Decide-se pela improcedência do pedido da Demandante com a consequente não alteração da instância.

 

3. Matéria de Facto

3.1. Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:

e)           A Demandante é trabalhadora da carreira de investigação criminal da Polícia Judiciária, tendo para aí transitado nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 40/2023 de 2 de junho, tendo ficado colocada na Diretoria do Centro (DCentro), em regime de afetação funcional transitória no ... (...), (cfr. despacho n.º 74/2023-GADN, de 25.10.2023; (facto não controvertido).

f)          De acordo com o Despacho 93-GADN/2023, os horários que são praticados no  ... são os seguintes:

TTFMMMFNNFFTTFMMMFNFFF

Tarde — 15:00 -23:00

Manhã — 6:00 — 14:00 (1.a manhã) e 7:00-15:00 as restantes

Noite — 23:00-7:00; (cfr. PI e PA)

 

g)          A Demandante beneficia da não prestação de trabalho no período noturno por ser uma trabalhadora lactante; (cfr.  doc. 5 junto com a PI).

h)         A Demandante afirma que teria direito ao suplemento de 22% calculado sobre a sua remuneração base por praticar o regime de turnos permanente parcial; (cfr. art. 16 da PI).

i)           Por requerimento apresentado ao Exmo. Senhor Diretor Nacional da Polícia Judiciária em 14-11-2023, a Demandante pediu a junção das duas horas de amamentação e proposto, considerando a dispensa diária para amamentação nos termos do n.°1 do artigo 47° do Código do Trabalho, o seguinte horário:

TTFMMMFTTFFTTFMMMFTFFF

Manhã — 08:00 — 14:00

Tarde — 12:00 — 18:00

Noites - substituição por tardes

 

j)          A Demandante pratica o horário de trabalho, na modalidade de trabalho por turnos, em todos os dias da semana (inclui sábados, domingos e feriados), tendo-lhe sido atribuído o regime TTFMMMFTTFFTFMMMFTFFF (em que T = Tarde, M = Manhã e F =Folga), conforme o seu requerimento de 14 de novembro de 2023, data em que solicitou dispensa do turno da noite enquanto amamentar, e a substituição pelo turno da tarde, nos termos do artigo 60.º do Código de Trabalho; bem como, dispensa diária para amamentação do seu filho Henrique Patrício dos Santos, nascido a 24-04-2023, e que se consubstanciou no seguinte horário:

• Turno da manhã – das 8:00 às 14:00;

• Turno da tarde – das 12:00 às 18:00;

• Turno da noite – substituição por tardes.

k)         Tendo o horário em apreço sido atribuído até à data em que o descendente completasse o 1º ano de vida, sem prejuízo da sua prorrogação, condicionada à apresentação de atestado médico por parte da progenitora.

l)           A Demandante em 13 de abril de 2024, apresentou requerimento a solicitar a prorrogação da dispensa (a fls. 18 do PA).

m)       A Demandante em 18 de abril de 2024, apresentou requerimento com pedido de regularização da remuneração devida a título de suplemento de turno no valor de 22% calculado sobre a remuneração base, referente ao período de 11-11-2023 até abril de 2024; (cfr. fls. 13 do PA).

n)         A 19 de maio de 2024, foi notificada de despacho proferido em 16-05-2024 pelo senhor Diretor Nacional Adjunto da PJ, que indeferiu a solicitada regularização, acolhendo a fundamentação de que, em virtude do horário praticado, a Demandante, não se encontra no âmbito de aplicação da norma que determina a atribuição de suplemento remuneratório de turno, no caso, prevista no artigo 161.º, n.º 1, da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP); (cfr. doc. 2 junto com a PI e fls. 5 do PA).

o)         Nesse despacho foi decidido que para auferir tal suplemento um dos turnos tem de coincidir com o período noturno (cfr. doc. 2 junto com o PI.

p)         A Demandante apresentou recurso hierárquico a 20 de junho de 2024 em que requereu: “a anulação do ato do Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, de 16/05/2024, que indeferiu o seu pedido de regularização da remuneração devida pelo suplemento de turno, no valor de 22% calculado sobre a remuneração base, a ser liquidado desde 11/11/2023”.

q)         Para tanto, alegou que o pagamento do suplemento previsto no artigo 4.º alínea a) da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, não exige que um dos turnos seja coincidente com o período de trabalho considerado trabalho noturno (fundamento apresentado pela PJ para o indeferimento do requerido); (cfr. informação do Recurso de hierárquico).

 

3.2. Factos não provados

Inexistem factos, com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados.

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

A fixação da matéria de facto foi efetuada com base nos documentos juntos aos autos, nos Processos Administrativos e as afirmações feitas pelas Partes nos articulados.

 

4. Da competência do Tribunal arbitral 

O Demandado defende a incompetência deste Tribunal para decidir sobre a matéria dos autos, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 1º da Portaria n.º 1120/2009 de 30 de setembro, alegando que o litígio com que nos deparamos emerge precisamente de questões relativas ao pagamento de remunerações e suplementos, especificamente, do suplemento remuneratório de turno.

Por seu lado, a Demandante, na Réplica, pugna pela legítima intervenção do CAAD, invocando o Despacho n.º 5580/2018, de 1 de junho vem alargar a competência material do CAAD em matéria administrativa.

 

Apreciação

O artigo 18.º da Lei da Arbitragem Voluntária (Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro) consagra que compete ao tribunal arbitral decidir sobre a sua própria competência (n.º 1), podendo fazê-lo mediante decisão interlocutória ou aquando da prolação da sentença sobre o fundo da causa (n.º 8).

O CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa – foi criado por Despacho n.º 5097/2009 de 27 de janeiro do Secretário de Estado da Justiça, sendo um centro de arbitragem especializado, com competência para a resolução de litígios de direito público na área administrativa e tributária.

No que concerne às relações de direito administrativo, o CAAD tem por objeto, além de outros, a resolução de litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público, de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou doença profissional – cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º e artigo 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e ainda artigo 1.º n.º 1 e 2 da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro.

A Demandante e o Demandado estão vinculados à jurisdição do CAAD, pela Portaria n.º 1120/2009 de 30 de setembro.

A matéria em causa nos autos constitui, matéria emergente de relação jurídica de emprego público, que a presente ação se enquadra dentro do limite de valor imposto, e que não resulta de acidente de trabalho nem de doença profissional, resta saber se estamos perante direitos indisponíveis alínea a) do n.º 2 do artigo 1.ºa) da Portaria.

Neste conspecto, acompanhando-se a jurisprudência do CAAD sobre a presente matéria, nomeadamente as Decisões Arbitrais proferidas nos processos n.º 117/2020-A de 10 de janeiro de 2021 e 161/2020-A de 29 de Junho de 2021 que transcrevemos:

«Na verdade, o que o legislador quis decididamente subtrair à jurisdição do CAAD foram, como se viu supra, por um lado, os litígios relativos a remunerações e suplementos de funcionários da carreira de investigação … e, por outro, todos os litígios tendo por objeto direitos absolutamente indisponíveis ou irrenunciáveis.

Ora, no caso, tratando-se de discutir a existência ou não do direito a subsídio de risco correspondente a uma parte ínfima [€ 11,80/mês1] da remuneração global dos trabalhadores representados pelo Sindicato autor, a indisponibilidade do respetivo direito não abrange esta parcela porquanto a mesma não ultrapassa notoriamente um terço da remuneração e, consequentemente, encontra-se tal parcela na esfera da disponibilidade de cada trabalhador à luz do que dispõe o artigo 175º, da LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – Lei nº 35/2014, de 20-6): “o trabalhador não pode ceder, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos a remunerações na medida em que estes sejam impenhoráveis”.

Relativamente aos salários, vencimentos ou remunerações dos trabalhadores em sentido amplo, a impenhorabilidade é, em regra, de dois terços (2/3), sendo limitada no máximo ao equivalente a três salários mínimos nacionais ou remunerações mínimas garantidas e, no mínimo, quando o trabalhador não tenha outros rendimentos, ao equivalente à remuneração mínima – Cfr. artigo 738º, do Código de Processo Civil.»

*

«Ora, no caso, tratando-se de discutir a existência ou não do direito a Subsídio de Risco, o Subsídio de Turno e o Trabalho Extraordinário correspondente da remuneração global dos trabalhadores representados pelos Demandantes, a indisponibilidade do respetivo direito não abrange estas parcelas porquanto a mesma não ultrapassa notoriamente um terço da remuneração e, consequentemente, encontra-se tal parcela na esfera da disponibilidade de cada trabalhador à luz do que dispõe o artigo 175º, da LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – Lei nº 35/2014, de 20-6): “o trabalhador não pode ceder, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos a remunerações na medida em que estes sejam impenhoráveis”.

Relativamente aos salários, vencimentos ou remunerações dos trabalhadores em sentido amplo, a impenhorabilidade é, em regra, de dois terços (2/3), sendo limitada no máximo ao equivalente a três salários mínimos nacionais ou remunerações mínimas garantidas e, no mínimo, quando o trabalhador não tenha outros rendimentos, ao equivalente à remuneração mínima – Cfr. artigo 738º, do Código de Processo Civil.»

Em face do exposto, estando em causa nos presentes autos o pagamento do suplemento de risco, cujo valor consiste numa percentagem sobre a remuneração base mensal (máximo de 20%), é manifesto que não é beliscada a indisponibilidade do direito, posto que não ultrapassa 1/3 da mesma (artigo 738º do Código do Processo Civil conjugado com o artigo 175º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).

Acresce, por seu turno, o n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009 de 30 setembro, que “tendo em conta a natureza do vínculo de nomeação da relação jurídica de emprego público e as funções em causa, o disposto no número anterior é aplicável aos litígios relativos às carreiras de inspeção da …, de investigação … e do pessoal do corpo da … da Direção-Geral dos Serviços … exceto no que respeita a: (…) c) Remunerações e suplementos; (…)”

Pelas próprias razões enunciadas neste normativo, a matéria de remunerações e suplementos (entre outras) só está excecionada (no que aqui importa referir) em relação à carreira de investigação criminal da … – alínea b) n.º 1 e n.º 3 do artigo 62º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 novembro.

Ora, o Demandante representa trabalhadores pertencentes a um grupo de pessoal distinto – o Grupo de Pessoal de Chefia de Apoio à … (cfr. alínea c) n.º 1 e n.º 4 do artigo 62º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 novembro).

Dos incisos legais enunciados, resulta claro que a intenção do legislador foi excecionar determinadas matérias naquelas carreiras específicas, pelo que não colhe, de todo, a tese do Demandado no sentido do aludido normativo dever ser interpretado de forma generalista para todas as carreiras da …. São vastas as Decisões Arbitrais proferidas sobre o Suplemento de Risco no âmbito das carreiras de Apoio à …, e, no que diretamente concerne à apreciação da matéria exceptiva invocada, ressaltam-se, por revelarem especial acuidade no presente domínio, as Decisões Arbitrais supra referidas (n.º 1297/2019-A de 03 de março de 2020 e n.º 117/2020-A de 10 de janeiro de 2021), e, bem assim, a apreciação preconizada pela Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 1284/2019-A, "a contrario sensu", que julgou a suscitada exceção de incompetência material procedente precisamente porque, naquele caso concreto, estava em causa uma carreira de …. O que, como destacado, não se observa na presente lide.” 

 

Nestes autos está em causa o pagamento do subsídio de turno, cujo valor consiste numa percentagem sobre a remuneração base mensal (22%) e a questão a decidir é saber se esse subsídio de turno é ou não devido à Demandante.

No âmbito das relações de direito administrativo, pode ser atribuída ao Tribunal Arbitral a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional (artigo 180.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro).

 

Conforme a Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, e na decorrência do artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, o Ministério da Justiça, que integra a Polícia Judiciária (o serviço central do Ministério relevante in casu), está vinculado à jurisdição do CAAD “para composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” (cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, da referida Portaria).

 

Considerando o valor da presente ação, e o seu objeto, a mesma integra-se no âmbito da referida vinculação do Ministério da Justiça à jurisdição do CAAD, pelo que o presente Tribunal Arbitral singular é competente para a apreciação e decisão da mesma e julga a alegada exceção improcedente.

 

5. Saneamento

Assim, o presente Tribunal Arbitral constituído no âmbito do CAAD, (centro de arbitragem institucionalizada nos termos do artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD e Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série - N.º 30 - 12 de Fevereiro de 2009, página 6113, e conforme a Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro), e na decorrência do artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, o Ministério da Justiça, que integra a Polícia Judiciária (o serviço central do Ministério relevante in casu), está vinculado à jurisdição do CAAD “para composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” (cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, da referida Portaria).

 

A Demandante integra a carreira de Inspetora da Carreira Especial de Investigação da Polícia Judiciáriaa prestar serviço no Aeroporto Humberto Delgado em regime de afetação funcional transitória do mapa de pessoal da Polícia Judiciária, enquadrando-se o objeto da sua pretensão no âmbito da vinculação à jurisdição do CAAD.

 

6. Thema dicidendum

Está em causa a análise da legalidade do despacho do Diretor nacional da PJ que indeferiu o pedido da Demandante para lhe ser pago o subsídio de turno no valor de 22% calculado sobre a remuneração base, desde 11-11-2023, durante o tempo em que gozou de licença de amamentação e dispensa de prestação de trabalho noturno.

 

A norma geral da função pública (artigo 116.º, n.º 1, a) da LGTFP), determina que é permanente o regime de turnos que é prestado todos os sete dias de cada semana (por contraposição a outros que o são apenas durante alguns dias da semana).

A Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro que “Fixa o valor dos suplementos de piquete e de prevenção, o valor-hora e o regime de turnos a que tem direito o pessoal da Polícia Judiciária e revoga a Portaria n.º 98/97 de 13 de fevereiro” determina no artigo 4.º:

“Regime de turnos

O pessoal da Polícia Judiciária que trabalha em regime de turnos tem direito a um suplemento correspondente a um acréscimo de remuneração calculado sobre a sua remuneração base, de acordo com as seguintes percentagens:

a) Regime de turnos permanente, parcial e total - respetivamente 22 % e 25 %;

b) Regime de turnos semanal prolongado, parcial e total - respetivamente 20 % e 22 %;

c) Regime de turnos semanal, parcial e total - respetivamente 15 % e 20 %.”

 

Ora este mencionado artigo 4.º da Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro, não faz qualquer referência à necessidade de coincidência de, pelo menos, um dos turnos praticados com o período de trabalho noturno para efeito de perceção do suplemento ali previsto, sendo que tal previsão legal apenas se encontra ínsita no artigo 161º, do anexo à Lei n.º 35/2014, de 20.06 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).

 

Dispõe o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro (Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária): 

“Artigo 4.º

Regime aplicável

1 - É aplicável aos trabalhadores das carreiras especiais o regime em vigor para os trabalhadores em funções públicas, com vínculo de nomeação, em tudo o que não se encontre especialmente regulado no presente decreto-lei e respetiva regulamentação.

 

2 - É aplicável aos trabalhadores das carreiras gerais o regime geral em vigor para os trabalhadores em funções públicas, sem prejuízo das especificidades consagradas no presente decreto-lei.

3 - Para efeitos dos números anteriores, é aplicável o disposto, designadamente:

a) Na LTFP;

b) No Código do Trabalho, aprovado em anexo à Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, na sua redação atual, e respetiva legislação complementar; 

(...)”

Assim, e de acordo com o artigo 4.º, n.º 1 e n.º 3, a), do referido Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária, a aplicação do regime em vigor para os trabalhadores em funções públicas, com vínculo de nomeação, aos trabalhadores das carreiras especiais apenas ocorre nos casos que não se encontrem especialmente regulados naquele estatuto e respetiva regulamentação, na qual se inclui a Portaria n.º 10/2014, de 17 de janeiro. 

Assim, nada sendo referido na portaria quanto ao critério da coincidência de, pelo menos, um dos períodos de trabalho com o período noturno, entende-se não haver lugar à aplicação do disposto no art.º 161º, do anexo à Lei nº 35/2014, de 20-06.

 

Pelo exposto, julga-se procedente o pedido da Demandante relativo ao pagamento do suplemento pela prestação de trabalho por turnos no valor de 22% a calcular sobre a remuneração mensal.

 

7. Decisão

Face ao exposto, decide-se julgar a ação totalmente procedente e em consequência:

a) Anular o despacho impugnado e ordenar a sua substituição por outro que atribua à demandante suplemento previsto no artigo 4º alínea a) da portaria n.º 10/2014 de 17 de janeiro desde 11-11-2023, durante o tempo em que a Demandante se encontre com dispensa de prestação de serviço noturno pelo facto de estar como lactante, no valor de 22% calculado sobre a remuneração base, a ser liquidado desde 11 de novembro de 2023 e enquanto se mantiver essa situação.

 

8. Valor do processo e encargos processuais

Fixa-se o valor da ação em € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), valor indicado pela Demandante na petição inicial. 

Os encargos são suportados nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do NRAAD do CAAD.

 

 

Notifique-se

Lisboa, 02 de maio de 2025. 

 

A Árbitra

 

_______________________

(Regina de Almeida Monteiro)