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DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., portadora do cartão de cidadão n.º..., contribuinte fiscal n.º ..., com morada na ..., ..., ...-... ..., representada pela mandatária, Dra. B..., apresentou petição inicial, sendo autora na presente acção, nos termos do artigo 10.º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, Reg CAAD) contra o demandado, Instituto dos Registos e Notarial, I. P. (IRN), NIPC 508184258, com sede na Avenida D. João II, Lote 1.08.01, Edifício H, Parque das Nações, 1990-097 Lisboa, representado pelos mandatários, Dra..., Dra..., Dra. ..., Dra. ..., Dra. ..., Dra. ... .
2. Em 7 de Agosto de 2024, a demandante dirigiu um pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentando a Petição Inicial, pedido que foi aceite no dia seguinte.
3. Em 20 de Setembro de 2024, a demandada, após citação, apresentou a respectiva contestação ao pedido do autor.
4. Nos termos do Reg CAAD, foi o signatário designado como árbitro para o processo pelo conselho deontológico do CAAD, considerando-se o Tribunal Arbitral constituído em 18 de Outubro de 2024.
5. Em 28 de Outubro de 2024, foi proferido o Despacho n.º 1, propondo um mecanismo de agilização processual, aceite pelas partes, pronunciando-se a autora, porém, pela necessidade de existirem alegações escritas.
6. Em 20 de Dezembro de 2024, foi proferido o Despacho n.º 2, solicitando o tribunal que as partes apresentassem as alegações finais escritas.
7. Em 10 de Fevereiro de 2025, o tribunal profere o Despacho n.º 3, convidando a autora a substituir a petição inicial e a corrigir o alcance do pedido.
8. Em 21 de Fevereiro de 2025, vem a autora, após corrigir a Petição Inicial, apresentar novo articulado com um pedido “para a prática de ato legalmente devido, nos termos e para os efeitos dos artigos 37.º n.º 1 b) e 66.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos”. Solicitando, por sua vez e em suma, que o Demandado deve ser “condenado à prática de ato legalmente devido, ou seja, emitir decisão que reconheça o direito ao acréscimo remuneratório, previsto para o exercício de funções em regime de mobilidade em substituição, considerando- se a ilegalidade da decisão do ato administrativo de 08.05.2024, e consequentemente ser o IRN condenado a pagar à Demandante o montante que foi reduzido à sua remuneração mensal, em cerca de 300,00 Euros/mês, acrescido de juros legais”.
9. Em 7 de Março de 2025, vem o Demandado, em conformidade com as alterações à Petição Inicial, apresentar nova Contestação.
10. O tribunal é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. A presente acção não é, conforme se verá, tempestiva.
II. Matéria de facto
Analisados os articulados e os meios de prova apresentados pelas partes, bem como pela aceitação genericamente pelas partes de factos dados como provados, é convicção deste tribunal arbitral deverem ser considerados provados os seguintes factos:
1. Em 31 de Janeiro de 2022, a Autora tomou posse no lugar de conservadora dos Registos Civil e Predial de ...;
2. Em 21 de Maio de 2024, a Autora foi nomeada conservadora interina da Conservatória do Registo Comercial de ...;
3. A Autora exerce, desde Julho de 2004, funções na Conservatória do Registo Comercial de ..., num primeiro momento como conservadora interina e, desde Março de 2017, após regresso do respectivo titular do cargo, em regime de mobilidade e substituição legal;
4. Após concurso para preenchimento de lugares de conservador de registos, com a Ref.ª .../2019-DRH/SPFQ (CR), a Autora obteve colocação na Conservatória do Registo Predial de ...;
5. Em 13 de Outubro de 2021 foi celebrado contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, ocupando, desde 11 de Novembro de 2021, a Autora o posto de trabalho no mapa de pessoal da Conservatória do Registo Predial e Comercial de ...;
6. Nos termos da cláusula sexta do referido contrato, a Autora passou a auferir o vencimento de 5.797,10€;
7. Após a celebração do referido contrato e do posicionamento salarial, desde Novembro de 2021 que a Autora passou a não ver processado no vencimento acréscimo respeitante à diferença da comparticipação emolumentar correspondente ao lugar do conservador titular, sendo-lhe, na sequência de integrar o mapa de pessoal da Conservatória do Registo Predial e
Comercial de..., fixada, conforme previamente referido, a remuneração base de 5.797,10€;
8. Atendendo ao procedimento concursal com a Ref.ª .../2021/DRH/SPRH (CR), a Autora obteve colocação na Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de ..., tendo sido celebrada uma adenda ao contrato em 21 de Dezembro de 2022;
9. Após procedimento concursal com a Ref.ª .../2022/DRH/SPRH (CR), a Autora obteve colocação na Conservatória do Registo Civil e Predial de ..., tendo a Autora celebrado uma adenda ao contrato em 18 de Outubro de 2023.
10. A Autora foi, em diversas circunstâncias, autorizada para continuar em regime de mobilidade na Conservatória do Registo Comercial de ....
11. Em 26 de Outubro de 2023, dirigiu um requerimento à Presidente do Conselho Directivo do IRN
peticionando a reposição dos valores não processados desde Novembro de 2021;
12. Em 11 de Dezembro de 2023, foi a Autora notificada da proposta de indeferimento do pedido de reposição em causa de acréscimo remuneratório, bem como para se pronunciar em sede de audiência prévia;
13. A Autora pronunciou-se em sede audição prévia no dia 21 de Dezembro de 2023, requerendo, neste contexto, a reapreciação do projeto de decisão de indeferimento de 11 de Dezembro de 2023;
14. Em 08 de Maio de 2024, a Autora foi notificada da decisão final proferida pelo Vogal do Conselho Diretivo do IRN, Dr. ..., e que veio indeferir o requerimento da Autora;
III. Do Direito
Da caducidade do direito de acção
Cumpre, antes de ser ponderada uma decisão sobre o mérito da causa, discutir se existe caducidade do direito de acção da demandante. Como é sabido, a pretensão do particular formulada através da acção administrativa, prevista no artigo 37.º do CPTA – aplicável ao presente processo nos termos do artigo 181.º, n.º 1, do CPTA –, pode, consoante a natureza da mesma, suscitar a aplicação de um regime jurídico diferenciado no que concerne aos prazos de caducidade da acção1.
Por outro lado, importa referir a particular complexidade que, em geral, comporta o tópico do processamento de salários e da reposição de categorias2, designadamente no que concerne à qualificação, em concreto, do acto de processamento de salários como um autêntico acto administrativo. Não sendo o propósito discutir a construção dogmática desta realidade, cabe, todavia, analisar em que medida, é possível configurar o processamento de salários aqui em discussão como uma realidade reconduzível a um acto administrativo3.
É jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (STA) que “os actos de processamento de remunerações, na medida em que contenham uma definição voluntária, por parte da Administração, no exercício do seu poder de autoridade, da situação jurídica do administrado, são verdadeiros actos administrativos”4, acrescentando-se, ainda, que esses actos administrativos “se vão sucessivamente firmando na ordem jurídica, se não forem objecto de oportuna impugnação ou revogação”5.
No caso em apreço não poderia estar em causa a possibilidade de existir somente um reconhecimento de um determinado posicionamento salarial (e respectivo processamento)6,
1 Segue-se aqui de perto (ainda que parcialmente e com alterações) o que decidimos no processo n.º 40/2018-A.
2 Denotando precisamente esta dificuldade, cfr. MARIA FERNANDA MAÇAS, “Dever de reposição e direito a não repor”, in Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0 (Novembro-Dezembro 1996), p. 61.
3 Sobre a noção de acto administrativo, v. ARTUR FLAMÍNIO DA SILVA, Comentário ao Código do Procedimento Administrativo, Coimbra, Almedina, 2024, pp. 378 e ss.
4 Cfr., a síntese, no acórdão de 1 de Junho de 2016 do STA, processo n.º 0300/14.
5 V. o acórdão de 6 de Dezembro de 2005 do STA, processo n.º 672/05. Reafirmando esta jurisprudência, v., mais recentemente, o acórdão de 22 de Novembro de 2011 do STA, processo n.º 0547/11.
6 Valem aqui as conclusões, embora no âmbito de requerimento com vista ao reconhecimento de atribuição de uma pensão, do STA quando afirma que: “[e]ndereçado à Administração, pelo interessado, um requerimento para reconhecimento do direito à reforma e à consequente atribuição de pensão, invocando o preenchimento dos
desde logo, por não ser adequado formular essa pretensão “quando o direito que se pretende ver reconhecido se não encontre definido na norma administrativa com um mínimo de clareza ou precisão e careça ainda da formulação dum juízo valorativo próprio do exercício da função administrativa ou apenas possa ser efetivado através de um pedido do interessado dirigido à Administração”7.
Por este motivo, visto não estarmos perante uma situação em que norma administrativa em disputa é suficientemente clara ou precisa (o que se retira, desde logo, da necessidade de interpretação da vinculação da Administração v. g. a princípios constitucionais ou administrativos), seria sempre necessária a prática de um acto administrativo que posicione a Autora em determinado patamar salarial. Nestes termos, deve entender-se como adequado solicitar, a este tribunal, a condenação à prática do acto devido, afastando-se a presente situação da que existiu e foi decidida, a título de exemplo, no processo n.º 40/2018-A.
Não obstante, importa mencionar que o que a autora verdadeiramente pretende obter, e que, como vamos ver, já não é possível, um resultado em que consegue condenar a Administração a posicioná-la retroactivamente quando o prazo para impugnar – ou condenar a Administração a praticar o acto devido – o posicionamento (e consequente processamento) salarial já foi generosamente ultrapassado. Na verdade, o que estaria, neste contexto, em causa seria, caso o tribunal o aceitasse, o disposto no n.º 2, do artigo 38.º do CPTA, o qual determina que: “não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”8.
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requisitos legais, o meio processual próprio e adequado para reagir à recusa ou ao silêncio da Administração é a ação administrativa para obter a condenação à prática de ato devido, regulada nos artigos 66º a 71º do CPTA, devendo para o efeito serem observados os prazos definidos no artigo 69º do mesmo Código.” V. o sumário do Acórdão de 25 de Novembro de 2021, processo n.º 01147/16.7BEBRG.
7 MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2021, p. 269.
8 Aliás, mesmo afirmando-se no pedido da Autora que pretende condenar a Demandada à prática do acto devido, fixa toda a sua argumentação na ilegalidade do acto de indeferimento de 8 de Maio de 2024. Essa impugnação poderia ter ocorrido, mas deveria ter ocorrido, caso viesse a ser essa a estratégia processual da Autora, quando ocorreu o posicionamento da Autora numa determinada categoria no âmbito da celebração do contrato de trabalho em funções públicas em 13 de Outubro de 2021 (e consequentes processamentos salariais em Novembro de 2021) e não quanto ao acto de indeferimento de 8 de Maio de 2024, o qual não fixa inovatoriamente nenhuma alteração no ordenamento jurídico. Poderia também a Autora ter condenado a Administração a posicioná-la, no seu entendimento, nos termos legais, de modo que o processamento salarial fosse o que viesse a entender como devido, após o posicionamento salarial em 2021. Tal não sucedeu.
Conforme aceita o STA, estando no preciso “momento caducado o direito de propor aquela acção, é também impossível à A. obter o efeito que estava legalmente reservado ao uso daquele meio processual através de um pedido de reconhecimento de um direito, pelo que procede a verificação da excepção inominada do n.º 2 do artigo 38.º do CPTA”9.
Neste sentido, importa recordar que, desde Novembro de 2021, após celebração do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado em 13 de Outubro de 2021, e, como vimos, ocupando, desde Novembro de 2021, a Autora o posto de trabalho no mapa de pessoal da Conservatória do Registo Predial e Comercial de ..., foi a mesma posicionada em determinada categoria salarial e, consequentemente, deixou de existir o processamento da comparticipação emolumentar com o salário e seria, no entendimento deste tribunal, este o momento relevante para calcular o prazo em que a autora poderia intentar a presente acção.
De facto, querendo a Autora solicitar ao tribunal a condenação a um acto administrativo devido, seria aquele que a posicionou em determinada categoria ou patamar salarial e que, no entendimento da Autora, não deveria ser o que fora adoptado, mas outro acto administrativo que viesse a reputar por ser legalmente devido.
Recorda-se, neste contexto, que o prazo para condenar a Administração a praticar o acto devido varia, nos termos dos n.ºs. 1 e 2, do artigo 69.º do CPTA, entre um ano (caso da omissão, tal como previsto no n.º 1) e, em regra, três meses (em “casos de indeferimento, de recusa de apreciação do requerimento ou de pretensão dirigida à substituição de um ato de conteúdo positivo”, conforme previsto no n.º 2). Tais prazos já foram, efectivamente, ultrapassados.
De acordo com a aplicação em conjugação dos n.ºs 1, 2 e alínea k) do n.º 4, do artigo 89.º do CPTA, deve absolver-se a instância por ser procedente uma excepção dilatória por caducidade do direito de acção (“Intempestividade da prática do ato processual”).
Nestes termos, a condenação à prática do acto de posicionamento salarial “devido” (posicionamento datado de 13 de Outubro de 2021) e respectivo processamento (a partir de Novembro de 2021) quando já não era possível, visto dever considerar-se, conforme explicitado, o direito de acção caducado.
9 Cfr. Acórdão do STA de 12 de Janeiro de 2023, processo n.º 03103/14.0BEBRG.
IV. Decisão
Assim, pelos fundamentos acima expostos, decide este tribunal arbitral absolver a instância por ser procedente excepção dilatória de caducidade do direito de acção.
V. Valor da causa e encargos
Fixa-se o valor da causa em 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do artigo 32.º do CPTA e os encargos processuais nos termos do artigo 29.º, n.º 5, do Reg CAAD.
VI. Notificação e publicidade
Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, após o trânsito em julgado, nos termos do disposto no artigo 185.º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do artigo 5.º, n.º 3, do Reg CAAD.
Lisboa, 20 de Março de 2025.
O Árbitro,
Artur Flamínio da Silva
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