DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
No dia 04.06.2024, A... (“Autora/Demandante”), melhor identificada a fls. 1 da Petição Inicial (“PI”) por si apresentada nos autos, instaurou, junto deste CAAD, uma Acão Administrativa, identificando como Réu/Demandado o Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., melhor identificado nos autos, formulando os seguintes pedidos:
i) Que seja “declarada nula ou anulada a decisão do Exmo. Senhor Dr. ..., Vogal do Conselho Diretivo I.P., de 05.03.2024.”;
ii) Que seja “o IRN condenado a pagar à A. o montante que foi reduzido à sua remuneração mensal, em cerca de €836,00/mês, acrescidos dos aumentos percentuais atribuídos à remuneração da função pública em 2023 e 2024, desde dezembro de 2021, até à prolação de sentença, perfazendo o montante global de € 38.726,50, acrescido de juros de mora à taxa legal”;
O Réu/Demandado foi citado para contestar a presente Ação através de Ofício datado de 07.06.2024, remetido através de Carta Registada com Aviso de Receção com a identificação CTT RL...PT, o qual foi recebido a 11.06.2024.
Tempestivamente, a 01.07.2024, o Réu/Demandado apresentou/deduziu Contestação, em termos que infra melhor se apreciarão.
Na sequência do Despacho de 06.09.2024, o Réu/Demandado, em 19.09.2024, e a Autora/Demandante, em 20.09.2024, prescindiram da Prova por Declarações de Parte e da Prova Testemunhal indicada/requerida nos respetivos Articulados.
Em face do Despacho de 29.09.2024, a Autora/Demandante, em 15.10.2024, propôs o seguinte Objeto do Litígio:
“1º. Saber se a decisão do Demandado IRN, de 05.03.2024, correspondente ao ato de indeferimento de pagamento do acréscimo remuneratório, é nula ou anulável tendo em conta os vícios invocados;
2º. Saber se assiste à Demandante o direito ao pagamento dos valores reclamados (€38.726,50), acrescidos de juros de mora à taxa legal;”
O Réu/Demandado, a 17.10.2024, propôs idêntico Objeto do Litígio, ainda que o identificando como “Temas de Prova”.
Em ambos esses Requerimentos, as Partes apresentaram a sua Proposta de Factos Assentes.
Na sequência do Despacho de 31.10.2024, o Réu/Demandado, em 11.11.2024, e a Autora/Demandante, em 12.11.2024, concordaram na apresentação de Alegações Finais Escritas, o que lhes foi determinado por Despacho de 15.11.2024.
A Autora/Demandante apresentou as suas Alegações Finais Escritas a 28.11.2024, enquanto o Réu/Demandado o fez a 09.12.2024.
Por Requerimento datado de 28.01.2025, a Autora/Demandante recordou este Tribunal Arbitral da Decisão proferida no âmbito do Processo n.º 395/2022-A – da qual o Demandado não recorreu –, e, bem assim, deu nota que junto do CAAD correm termos 4 (quatro) outros Processos, aí identificados, com identidade de pedido e de causa de pedir relativamente ao presente.
II. SANEAMENTO DO PROCESSO
Nos termos da aplicação conjugada do disposto nos artigos 8.º-A, n.º 1 e n.º 2, e 9.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de ora em diante abreviadamente designado por “CPTA”), a Autora/Demandante é dotada de Personalidade e Capacidade Judiciária, bem como de Legitimidade Ativa.
Por seu turno,
O Réu/Demandado é dotado de Personalidade e Capacidade Judiciária, bem como de Legitimidade Passiva nos termos do disposto nos artigos 8.º-A, n.º 3, e 10.º, n.º 2 e n.º 4, do CPTA.
Este Tribunal Arbitral é competente, atento o disposto na Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro.
Nos termos da aplicação conjugada do disposto nos artigos 31.º e 32.º, n.º 1, do CPTA, fixa-se à presente Ação Arbitral o valor de € 38.726,50 (trinta e oito mil, setecentos e vinte e seis euros e cinquenta cêntimos).
III. DECISÃO
A. QUESTÕES A DECIDIR
Atentos os pedidos formulados pela Autora/Demandante na sua PI, cabe a este Tribunal Arbitral apreciar e decidir se o Ato Administrativo Impugnado e acima identificado padece dos Vícios de:
i) Violação do Princípio da Irredutibilidade Salarial;
ii) Violação do Princípio da Igualdade;
iii) Violação do Princípio da Legalidade, do Princípio da Boa-Fé, do Princípio da Segurança Jurídica e do Princípio da Confiança;
iv) Violação dos Princípios da Justiça e da Razoabilidade;
v) Violação do Princípio da Proporcionalidade;
vi) Inconstitucionalidade (não suficientemente densificado pela Autora/Demandante e inadequadamente invocado/alegado).
B. FACTOS PROVADOS
Com relevância para a Decisão Arbitral a proferir atentas as “Questões a Decidir” acima identificadas, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A Autora/Demandante ingressou na Carreira de Conservador, como Conservadora da Conservatória de Registo Civil e Predial de ..., conforme Termo de Posse datado de 22.10.2004, exercendo funções públicas na modalidade contratual, à data, de Nomeação por Tempo Indeterminado.
2. Por Despacho datado de 15.09.2006 do, então, Diretor-Geral dos Registos e Notariado, a Autora/Demandante foi nomeada para o lugar de Conservadora Interina da ... Conservatória do Registo Predial de ..., em virtude de a Conservadora Titular, B... e, se encontrar a exercer, em Regime de Requisição, as Funções de Inspetora-Extraordinária no S.A.I. dessa Direção-Geral.
3. Essa situação de interinidade cessou aquando da Aposentação da Conservadora Titular daquela ... Conservatória do Registo Predial de ..., com efeitos a 01.11.2008, data a partir da qual a Autora/Demandante passou a exercer Funções naquela ... Conservatória do Registo Predial de ... através de Nomeação em Regime de Substituição, situação que se manteria até ao provimento do respetivo lugar.
4. Por Despacho datado de 30.06.2009, a Autora/Demandante foi nomeada Conservadora em Regime de Mobilidade na Categoria e em Substituição Legal na ... Conservatória do Registo Predial de ..., a partir de 02.07.2009, Mobilidade, esta/essa, que foi sendo prorrogada, por motivos de conveniência de serviço, e que se manteve após o processo de fusão promovido pela Portaria n.º 1406/2009, de 11 de Dezembro, nos termos do qual foram extintas as nove Conservatórias do Registo Predial de ..., sendo fundidas numa única Conservatória do Registo Predial de ... .
5. A Autora/Demandante mantém o exercício dessas Funções até à presente data.
6. Por Deliberação do Conselho Diretivo do Réu/Demandado datada de 20.11.2014, a Autora/Demandante foi designada para o Cargo de Diretora da Conservatória do Registo Predial de ..., que mantém ininterruptamente até ao dia de hoke.
7. No âmbito do Concurso para Preenchimento de Lugares de Conservador de Registos, publicitado sob a Ref.ª .../2019-DRH/SPFQ, a Autora/Demandante ficou colocada na Conservatória do Registo Predial de ... (1.ª Classe), lugar que aceitou (com efeitos a 01.11.2021, data da produção de efeitos do primeiro Contrato de Trabalho em Funções Públicas, para ocupação do referido Posto de Trabalho), tendo permanecido em Mobilidade e em Substituição Legal na Conservatória do Registo Predial de ..., e com a Direção da referida Conservatória desde 01.10.2014.
8. Na sequência da referida Colocação, veio a Autora/Demandante, por correio eletrónico datado de 12.10.2021, endereçado à Exma. Senhora Presidente do Conselho Diretivo do Réu/Demandado, requerer a Prorrogação em Mobilidade na Categoria, em Substituição Legal.
9. A Autora/Demandante foi notificada, em 29.10.2021, que, por Despacho de 14.10.2021, da Exma. Sra. Presidente do Conselho Diretivo do Réu/Demandado, havia sido autorizada a referida Prorrogação em Mobilidade na Categoria, em Substituição Legal.
10. Por correio eletrónico datado de 05.11.2021, a Autora/Demandante requereu esclarecimentos quanto à sua situação de substituição legal, nos termos que do mesmo constam e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, por economia processual.
11. Através das mensagens de correio eletrónico datadas de 29.11.2021 e 05.01.2022, a Autora/Demandante reiterou o seu pedido de 05.11.2021.
12. A Autora/Demandante foi nomeada por Concurso com a Ref.ª .../2021-DRH/SPFQ, como Conservadora da Conservatória do Registo Predial e Comercial de ..., tendo, no entanto, mantido o exercício das suas Funções na Conservatória do Registo Predial de ... em Regime de Mobilidade, ocupando o lugar de Conservadora da ex-... Conservatória do Registo Predial de..., em Regime de Substituição, acumulando as referidas Funções com a Direção da Unidade Orgânica, sem qualquer tipo de acréscimo remuneratório.
13. A Autora/Demandante foi nomeada por Concurso com a Ref.ª .../2022-DRH/SPFQ, como Conservadora da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de..., tendo, no, entanto mantido o exercício das suas Funções na Conservatória do Registo Predial de ... em Regime de Mobilidade, ocupando o lugar de Conservadora da ex-... Conservatória do Registo Predial de ..., em Regime de Substituição, acumulando as referidas Funções com a Direção da Unidade Orgânica, sem qualquer tipo de acréscimo remuneratório.
14. Em 06.01.2022, o Réu/Demandado notificou e informou a Autora/Demandante da “deliberação oportunamente tomada relativamente à questão das acumulações em substituição” para as Carreiras Especiais de Conservador e Oficial de Registos.
15. Em face da comunicação do Réu/Demandado acima identificada, a Autora/Demandante, em 15.03.2022, remeteu, via Correio Eletrónico, um Requerimento endereçado à Exma. Sra. Presidente do Conselho Diretivo do Réu/Demandado, aí requerendo o pagamento do diferencial relativo ao subsídio de natal, ou, caso assim não se entendesse, a criação de solução por parte do Réu/Demandado com vista a ultrapassar as questões de erro nos pressupostos que inquinam o Contrato celebrado, face à redução de vencimento aí plasmada.
16. Perante a ausência de resposta do Réu/Demandado a esse Correio Eletrónico de 15.03.2022, em 05.11.2023, a Autora/Demandante veio, novamente, requerer o Acréscimo Remuneratório respeitante à diferença do vencimento de exercício correspondente ao lugar do Conservador titular da ex-... Conservatória do Registo Predial de ..., acréscimo, esse, no seu entender, devido pelo exercício de Funções em Substituição Legal, uma vez que se mantinha a exercer funções em Substituição Legal ininterruptamente, desde 27.10.2006, sendo que, desde Novembro de 2021, esse Acréscimo Remuneratório deixou de ser processado no seu vencimento.
17. No dia 11.12.2023, a Autora/Demandante foi notificada da Proposta de Indeferimento do Pedido de Reposição de Acréscimo Remuneratório, bem como para se pronunciar em sede de Audiência Prévia sobre essa Proposta de Indeferimento.
18. Na sequência da referida notificação, a Autora/Demandante pronunciou-se em sede de Audiência Prévia no dia 21.12.2023, nos termos que da mesma constam e que aqui se dão por integralmente reproduzidos e articulados, por economia processual.
19. No dia 05.03.2024, a Autora/Demandante foi notificada da Decisão Final proferida pelo Exmo. Senhor Dr. ..., Vogal do Conselho Diretivo do Réu/Demandado – Ato Administrativo Impugnado –, através da qual foi indeferido o Requerimento apresentado pela Autora/Demandante a 05.11.2023.
C. FACTOS NÃO PROVADOS
A. A redução da remuneração causou e continua a causar graves prejuízos à Autora/Demandante e à sua organização financeira familiar, prejudicando compromissos já assumidos, o pagamento atempado das suas obrigações, bem como o planeamento financeiro estabelecido.
D. DA DECISÃO STRICTO SENSU
A questão a decidir nos presentes autos assenta, em suma, em saber se andou bem o Réu/Demandado ao indeferir o Pedido, da Autora/Demandante, de Reposição do Pagamento do Suplemento Remuneratório (“Acréscimo de Participação Emolumentar”) que lhe vinha sendo pago pelo Réu/Demandado desde 27.10.2006, mas que a Autora/Demandante deixou de auferir a partir de Novembro de 2021 e que entende ser-lhe devido.
A data de 01.11.2021 corresponde à data de início da produção de efeitos do Contrato de Trabalho em Funções Públicas celebrado pela Autora/Demandante na sequência do Procedimento Concursal (Ref.ª .../2019-DRH/SPFQ), na sequência do qual a Autora/Demandante ficou “colocada” na Conservatória do Registo Predial de ... (1.ª Classe).
É a partir desse momento temporal correspondente a 01.11.2021 que o Réu/Demandado entende que não é devido à Autora/Demandante o Pagamento desse Suplemento Remuneratório, pelo que foi a partir dessa data de 01.11.2021 que deixou de ser processado no Vencimento da Autora/Demandante o Pagamento do Suplemento Remuneratório (Acréscimo de Participação Emolumentar) que lhe vinha sendo pago pelo Réu/Demandado desde 27.10.2006.
Dos factos resulta que, desde 27.10.2006, que a Autora/Demandante vem exercendo, ininterruptamente, Funções de Conservadora na Conservatória do Registo Predial de ..., primeiro de forma Interina, na sequência do Despacho de 15.09.2006, em virtude da então Conservadora Titular se encontrar a exercer outras funções em Regime de Requisição, e, subsequentemente, através de Nomeação em Regime de Substituição pelo menos desde 01.11.2008, em face da aposentação da então Conservadora Titular.
Conforme o Réu/Demandado reconhece nos artigos 11.º e seguintes, da Contestação, a Mobilidade Interna em Regime de Substituição da Autora/Demandante vem sendo prorrogada desde a Vacatura do Lugar e “por motivos de conveniência de serviço” desde 02.07.2009 e “até provimento do lugar de conservador daquela conservatória”, embora já o viesse sendo desde 01.11.2008, sendo que tal tem sido feito por conveniência para o Réu/Demandado – e de que este beneficia –, como este reconhece nos artigos 16.º e 17.º, da Contestação.
Entende o Réu/Demandado, em suma, que a 01.11.2021 se verificou uma “modificação da situação jurídico funcional motivada por alteração do posto e do local de trabalho” em face do enunciado Procedimento Concursal (Ref.ª .../2019-DRH/SPFQ) em que a Autora/Demandante ficou colocada na Conservatória do Registo Predial de ... (1.ª Classe).
No artigo 23.º, da Contestação, o Réu/Demandado defende que com a celebração do Contrato de Trabalho decorrente da colocação da Autora na Conservatória do Registo Predial de ... (1.ª Classe) “cessou a situação de mobilidade” com base na qual a Autora/Demandante vinha exercendo, desde 02.07.2009 (em rigor, desde 01.11.2008), Funções de Conservadora na Conservatória do Registo Predial de ... (provinda da Conservatória do Registo Civil e Predial de ..., onde tomou posse a 22.10.2004), tendo sido essa a razão pela qual, no entender do Réu/Demandado, terá sido proferido Despacho pela Presidente do Conselho Diretivo do Réu/Demandado em 14.10.2021, através do qual foi autorizada a Mobilidade da Autora/Demandante da Conservatória do Registo Predial de ... para a Conservatória do Registo Predial de ... .
Não obstante essa “colocação” a 01.11.2021, verifica-se uma “continuidade” da/na Mobilidade e Substituição Legal, pela Autora/Demandante, na Conservatória do Registo Predial de ... desde pelo menos 02.07.2009.
Essa continuidade resulta evidente, incontestável e incontroversa do facto de a Autora/Demandante deter a Direção dessa Conservatória do Registo Predial de ..., de forma ininterrupta, desde a Deliberação de 20.11.2014.
Contrariamente ao que é alegado pelo Réu/Demandado no artigo 22.º, da Contestação, apenas formalmente houve uma alteração do “local de trabalho” da Autora/Demandante, já que esta nunca exerceu Funções em ..., nem em..., nem em ..., mas sempre em ... .
E também apenas formalmente “cessou a situação de mobilidade” como o Réu/Demandado defende no artigo 23.º, da Contestação, pois que a intenção do Réu/Demandado sempre foi a de “manter”, ou seja, perpetuar, a situação de Mobilidade, como acaba por ser reconhecido no artigo 24.º, da Contestação, e se veio, e vem, a verificar, desde 29.10.2021.
Ou seja, ainda antes da data de 01.11.2021 – corresponde à data de início da produção de efeitos do Contrato de Trabalho em Funções Públicas celebrado pela Autora/Demandante na sequência do Procedimento Concursal (Ref.ª .../2019-DRH/SPFQ), no âmbito do qual a Autora/Demandante ficou colocada na Conservatória do Registo Predial de ... (1.ª Classe) – se determinou a Mobilidade da Autora/Demandante para o exercício de Funções na Conservatória do Registo Predial de ..., como consta do Despacho da Presidente do Conselho Diretivo do Réu/Demandado de 14.10.2021.
E foi isso que se verificou sempre, não obstante os subsequentes Procedimentos Concursais, com as Ref.ª .../2021-DRH/SPRH(CR) e .../2022-DRH/SPRH(CR), pois que a Autora/Demandante manteve sempre, e mantém, o exercício das Funções de Conservadora na Conservatória do Registo Predial de..., em Regime de Mobilidade, pelo que, materialmente, a Mobilidade nunca cessou verdadeiramente desde o seu início, nem nunca o Réu/Demandante pretendeu que a mesma cessasse, pois que sempre foi seu intuito que a Autora/Demandante permanecesse no exercício de Funções como Conservadora da Conservatória do Registo Predial de ..., onde detém a Direção da Conservatória desde a Deliberação de 20.11.2014.
Resulta do artigo 75.º, da Contestação, que o Réu/Demandado defende que em virtude da Colocação da Autora/Demandante na Conservatória do Registo Predial de ..., procedeu-se à revisão do seu Posicionamento Remuneratório de acordo com o preceituado nos artigos 3.º e 10.º, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro.
Entende o Réu/Demandante que “para todos os efeitos legais existiu uma alteração de situação jurídica e uma alteração da conservatória de origem, mesmo não existindo uma alteração da conservatória de destino.”, razão pela qual, no seu entender, “deixaram de poder ser aplicadas normas transitórias que previam a manutenção da possibilidade de pagamento dos montantes em questão (artigo 11.º, 1, do Decreto-Lei n.º 145/2019).”
A questão reside assim – face ao que resulta do Ato Administrativo Impugnado, e não aquilo que, ex novo, tenha sido invocado pelo Réu/Demandado na sua Contestação, uma vez que tal não faz parte da Fundamentação do Ato Administrativo Impugnado – na aplicabilidade à Autora/Demandante do disposto no artigo 11.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro.
Vejamos.
O Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de Dezembro (“DL 115/2018”), veio estabelecer “o regime das carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos, procedendo à revisão das atuais carreiras de conservador, de notário, de ajudante e de escriturário dos registos e notariado”.
Sob a epígrafe “Situações remuneratórias”, o artigo 43.º, desse DL 115/2018, estabeleceu-se que:
“1 - Até à entrada em vigor do diploma previsto nos artigos 6.º e 19.º, mantém-se a situação remuneratória dos trabalhadores que transitam para as carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos.
2 - Até à entrada em vigor do diploma referido no número anterior, os atuais adjuntos de conservador que, nos termos do artigo 41.º, transitem para lugar de conservador de registos, e que não se encontrem em regime de substituição, têm direito a auferir o vencimento da categoria correspondente ao 1.º escalão remuneratório da carreira de conservador de 3.ª classe e o vencimento de exercício de igual montante.”
O “diploma previsto nos artigos 6.º e 19.º” do DL 115/2018, veio a consubstanciar-se no Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro (“DL 145/2019”).
Esse DL 145/2019 veio estabelecer “o regime remuneratório das carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos”.
Esse DL 145/2019 entrou em vigor a 28.09.2021 (5 dias após a sua publicação), mas apenas veio a produzir efeitos a 01.01.2020, conforme preceituado no respetivo artigo 15.º, n.º 1.
Em matéria de Disposições Transitórias e Finais (“Capítulo IV”), dispõe o artigo 11.º, desse DL 145/2019, em matéria de “Substituições e Acumulações”, que:
“1 - Os trabalhadores que, à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, exercem funções em regime de mobilidade em substituição ou em acumulação mantêm o direito à respetiva remuneração, caso esta seja superior à que resulta da aplicação do artigo anterior, e enquanto se mantiverem na situação de substituição ou acumulação.
2 - Enquanto não for revista a lei orgânica dos serviços de registo, a remuneração a que se refere o número anterior continua a ser determinada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, na sua redação atual.
3 - O disposto no n.º 1 também é aplicável às situações a que se refere o n.º 2 do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, na sua redação atual." (destacado nosso).
À data de 28.09.2021, a Autora/Demandante exercia Funções em Regime de Mobilidade em Substituição.
Entende este Tribunal que essa situação não se alterou a 01.11.2021, data correspondente à data de início da produção de efeitos do Contrato de Trabalho em Funções Públicas celebrado pela Autora/Demandante na sequência do Procedimento Concursal (Ref.ª .../2019-DRH/SPFQ), na sequência do qual a Autora/Demandante ficou “colocada” na Conservatória do Registo Predial de ... (1.ª Classe).
Até porque, ainda antes da data de 01.11.2021 – corresponde à data de início da produção de efeitos do Contrato de Trabalho em Funções Públicas celebrado pela Autora/Demandante na sequência do Procedimento Concursal (Ref.ª .../2019-DRH/SPFQ), no âmbito do qual a Autora/Demandante ficou colocada na Conservatória do Registo Predial de ... (1.ª Classe) – se determinou a Mobilidade da Autora/Demandante para o exercício de Funções na Conservatória do Registo Predial de ..., como consta do Despacho da Presidente do Conselho Diretivo do Réu/Demandado de 14.10.2021.
Ou seja, a 01.11.2021, manteve-se a Situação de Substituição, o que releva para fins de preenchimento do pressuposto constante da última parte do n.º 1, do artigo 11.º, do DL 145/2019.
Como acima se antecipou,
Não obstante essa “colocação” a 01.11.2021, verifica-se uma “continuidade” (manutenção da situação de substituição) da/na Mobilidade e Substituição Legal, pela Autora/Demandante, na Conservatória do Registo Predial de ... desde pelo menos 02.07.2009.
Essa continuidade resulta evidente, incontestável e incontroversa do facto de a Autora/Demandante deter a Direção dessa Conservatória do Registo Predial de ..., de forma ininterrupta, desde a Deliberação de 20.11.2014.
Contrariamente ao que é alegado pelo Réu/Demandado no artigo 22.º, da Contestação, apenas formalmente houve uma alteração do “local de trabalho” da Autora/Demandante, já que esta nunca exerceu Funções em ..., nem em ..., nem em ..., mas sempre em ... .
E também apenas formalmente “cessou a situação de mobilidade” como o Réu/Demandado defende no artigo 23.º, da Contestação, pois que a intenção do Réu/Demandado sempre foi a de “manter”, ou seja, perpetuar, a situação de Mobilidade, como acaba por ser reconhecido no artigo 24.º, da Contestação, e se veio, e vem, a verificar, desde 29.10.2021.
Em face do exposto, e contrariamente ao que defende o Réu/Demandado, a partir de 01.11.2021 não deixou de se poder aplicar o disposto no artigo 11.º, n.º 1, do DL 145/2019.
Atento o exposto, entende este Tribunal que o Réu/Demandado errou na interpretação, integração e aplicação do disposto no artigo 11.º, n.º 1, do DL 145/2019, com o que o Ato Administrativo Impugnado padece do Vício de Violação de Lei, por Erro na Interpretação e (indevida) Aplicação da Regra de Direito (Erro de Direito), ou seja, Erro-Vício entre o conteúdo do Ato Administrativo Impugnado e as normas jurídicas que lhe são aplicáveis (o mencionado artigo 11.º, n.º 1, do DL 145/2019).
Em face da procedência do acima identificado Vício de Violação de Lei, fica prejudicado o conhecimento dos demais Vícios invocados pela Autora/Demandante.
Assim,
Determina-se a Ação procedente, condenando-se o Réu/Demandado nos termos peticionados pela Autora/Demandante, no que vier a ser liquidado em incidente de liquidação.
Custas pelo Réu/Demandado.
25 de Março de 2025
O Árbitro,
Diogo Pereira da Costa