SENTENÇA
1. RELATÓRIO
A..., titular do cartão de cidadão ..., NIF..., residente na Rua..., ..., ..., ..., ...-... ..., adiante o Demandante, distribuiu neste Centro de Arbitragem Administrativa (adiante, o CAAD) acção administrativa de condenação contra INSTITUTO SUPERIOR DE ENGENHARIA DO PORTO (ISEP), NIPC 501540709, situado na Rua António Bernardino de Almeida, 431, 4200-072 Porto, adiante o Demandado, pedindo que aquele Instituto seja condenado a pagar ao Demandante a quantia de € 10.077,12, referente ao valor das mensalidades da bolsa de investigação que se teriam vencido entre 4 de Março de 2024 e a data de distribuição da acção. Arrolou uma testemunha e ofereceu um documento como prova dos factos alegados.
Regularmente citado, o Demandado apresentou contestação, em que se defendeu por excepção e por impugnação, pugnando pela procedência das excepções por si invocadas, com a consequente absolvição da instância, ou, caso assim se não entendesse, pugnado pela total improcedência da acção, condenando-se o Demandado em custas e demais encargos legais. Não arrolou testemunhas e apresentou um documento para prova dos factos por si alegados.
O pedido foi aceite pelo CAAD em 21 de Outubro de 2024 e o Tribunal foi constituído, por árbitro único, em 25 de Novembro de 2024, actos de que foram ambas as partes notificadas.
Notificado pelo Tribunal para esse efeito, o Demandante respondeu às excepções em 3 de Dezembro de 2024.
Em síntese, o Demandante alega que, em 3 de Março de 2024, o contrato de bolsa de investigação por si celebrado com o Demandando, ao abrigo do Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI), em 3 de Março de 2023, foi renovado pelo Demandado, sendo irrelevante a comunicação por si recebido do seu orientador, o Sr. Professor Dr. B..., em 19 de Março de 2024, de que assim não tinha realmente ocorrido “porque o pedido de admissão de despesa da bolsa tinha sido indeferido”. Arguiu, ainda, a falta de notificação pelo Demandado a si mesmo da referida não renovação e defendeu, também, que o contrato se havia renovado tacitamente (“automaticamente”, na expressão que usa no ponto 23 da resposta às excepções) na data por si invocada, 3 de Março de 2024.
Pelo seu lado, o Demandado defendeu-se, por impugnação, e em síntese, no sentido de a referida renovação não ocorreu porque nenhum dos procedimentos de renovação dos contratos do tipo daquele que consta dos autos, e que estão descritos no Regulamento de Bolsa de Investigação do ISEP, foi observado, sendo mesmo certo que o Demandado comunicou ao Demandante, em 26 de Março de 2024, que aquela renovação não tivera lugar.
2. QUESTÕES PRELIMINARES
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente, nos termos nº 1 do artigo 1º da Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária), do artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e da Convenção de Arbitragem constante do contrato firmado pelas partes em 3 de Março de 2023, que é o documento 3 junto com a petição inicial.
O Tribunal considera-se constituído no dia 25 de Novembro de 2024, tendo ambas as partes sido notificadas pelo secretariado desse facto.
As partes são legítimas e dotadas de personalidade jurídica e judiciária e encontram-se regularmente representadas em juízo.
O valor da causa é o indicado na petição inicial, sem oposição do Demandado, isto é, € 10.077,12 (dez mil e setenta e sete euros e doze cêntimos).
O Tribunal julgou, por decisão interlocutória proferida em 4 de Dezembro de 2024, todas as excepções invocadas pelo Demandado, entendendo que são, todas, improcedentes, nos termos que constam do despacho saneador então proferido, que se dão aqui por inteiramente reproduzidos.
Nessa decisão, o Tribunal fixou o objecto da lide – eventual renovação, em 3 de Março de 2024, do Contrato de Bolsa de Investigação Financiado que se encontra junto aos autos como documento 3 apresentado com a petição inicial – e o tema de prova – por que forma e em que condições, designadamente de novo prazo, pode ter sido eventualmente renovado, em 3 de Março de 2024, o Contrato de Bolsa de Investigação Financiado que se encontra junto aos autos como documento 3 apresentado com a petição inicial.
Não tendo o Demandando junto voluntariamente o processo instrutor, em cumprimento do disposto no art.º 12.º, n.º 4, do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa, o Tribunal notificou-o, com o despacho saneador, para proceder à sua junção em 5 dias.
Apenas em 17 de Dezembro de 2024, fora de prazo, o Demandado juntou aos autos o processo instrutor, tendo o Tribunal ordenado o seu desentranhamento, por extemporaneidade, em 17 de Dezembro de 2024.
Com o despacho saneador, o Tribunal notificou as partes para aditarem ou alterarem os respectivos róis de testemunhas, mas nenhuma das partes fez qualquer alteração relativamente ao indicado nos articulados.
Em 26 de Dezembro de 2024, o Tribunal notificou o Demandado para juntar aos autos o Regulamento de Bolsas do ISEP, que referira na contestação como estando disponível num sítio de internet entretanto inacessível, junção que veio a ter lugar, depois de nova insistência do Tribunal, apenas em 4 de Janeiro de 2025. Aquela junção foi admitida, sem oposição do Demandante.
A data de realização da sessão de julgamento para inquirição da testemunha arrolada e apresentação de alegações orais foi fixada por despacho de 8 de Janeiro de 2025, tendo esta sido alterada, em consequência de justificadas razões médicas invocadas pelo Ilustre Mandatário do Demandado, para ser definitivamente fixada, por despacho de 17 de Janeiro de 2025, para o dia 5 de Fevereiro de 2025, pelas 14h30m, nas instalações do CAAD de Lisboa.
O julgamento teve lugar no dia 5 de Fevereiro de 2025, tendo sido ouvida, a partir do CAAD do Porto, a testemunha arrolada pelo Demandante, o Sr. Professor Dr. B..., e produzidas as alegações orais das partes, como consta da respectiva acta. No decurso da audiência, o Demandante requereu a junção aos autos de uma troca de mails que ocorreu em 6 de Março de 2024 e 19 de Março de 2024 entre as pessoas neles indicadas, o que foi deferido após ter sido indicado pelo Demandado que não se opunha à junção e que prescindia do prazo de vista.
3. PROVA
O Tribunal entende que ficou provado, com base na prova testemunhal e documental que consta dos autos, que:
a) Em 3 de Março de 2023, Demandante e Demandado outorgaram um contrato de bolsa de investigação ao abrigo do Estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI), aprovado pela Lei n.º 40/2004, de 18 de Agosto, do Regulamento nº 950/2019, de 16 de Dezembro, e do Regulamento de Bolsas de Investigação do Instituto Superior de Engenharia do Porto n.º 495-A/2020, publicado no Diário da República, II Série, Parte E, de 25 de Maio de 2020, fls. 195-(2), conforme cópia desse contrato que foi junta como documento 3 com a petição inicial;
b) O Professor Doutor B... assumiu as funções de orientador científico do bolseiro, aqui Demandante;
c) O valor inicial da bolsa concedida foi de € 1.199,64 mensais;
d) A bolsa, e o contrato dos autos, tiveram o seu início em 3 de Março de 2023 e foi contratada para vigorar pelo período de seis meses, eventualmente renovável, até ao limite máximo previsto no artigo 6º, n.º 4, do Regulamento nº 950/2019, de 16 de Dezembro;
e) Esse limite era, no caso do Demandado, que tem a qualificação escolar de mestre, de dois anos, nos termos da alínea b) do referido artigo 6º, n.º 4, do Regulamento nº 950/2019, de 16 de Dezembro;
f) A bolsa, e o contrato, foram renovados em 3 de Setembro de 2023, em circunstâncias, nomeadamente quanto ao respectivo procedimento de renovação, que não foi possível apurar com suficiente detalhe;
g) A bolsa, e o contrato, cessam, nos termos, designadamente, da sua cláusula 6ª, n.º 1, alínea d), com o decurso do prazo pelo qual aquela é atribuída e aquele é contratado, salvo renovação;
h) Em 6 de Março de 2024, o Sr. Professor Dr. B... dirigiu mail à Sra. Presidente do ISEP em que indicou que “Conforme solicitado pelos RH, venho pela presente requerer a renovação da Bolsa de Investigação Científica (Mestre) do Bolseiro A..., no âmbito do Projeto..., por um período de 6 meses. Apesar de ainda não ter sido aprovado o financiamento pelo IAPMEI, julgo que a situação está muito próximo de ser desbloqueada, conforme tenho dado conhecimento aos SEF do ISEP”, conforme documento junto em audiência de julgamento.
i) Em 19 de Março de 2024, pelas 14h e 03m, a Directora de Recursos Humanos do ISEP dirigiu sobre o mail referido no facto anterior um outro mail à Sra. Presidente do ISEP, indicando que a “renovação da bolsa só pode ser realizada quando se verificar a existência de financiamento aprovado”, conforme o mesmo documento;
j) Ainda no mesmo dia 19 de Março de 2024, pelas 17h e 06m, a Sra. Presidente do ISEP lavrou no documento junto em audiência de julgamento “Indeferido” e “De acordo com o parecer anexo”;
k) Em 26 de Março de 2024, por e-mail que foi junto aos autos pelo Demandado como documento 1 com a contestação, o Demandado, através de uma funcionária do seu Departamento de Recursos Humanos, a Sra. ..., comunicou ao Demandante – com cópia, entre outras pessoas, para o Sr. Professor Dr. B..., que “o requerimento de renovação da sua bolsa foi indeferido, pelo que a mesma não poderá ser renovada”;
l) O Sr. Professor Dr. B... não conhecia o Regulamento de Bolsas do ISEP, designadamente o seu art.º 35.º.
4. FACTOS NÃO PROVADOS
Não foi apresentada pelo Demandante, ou pelo Demandado, prova, testemunhal ou documental, que permita concluir pela verificação de outros factos alegados e com interesse para a causa.
5. MOTIVAÇÃO
O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base nos documentos juntos aos autos, cuja veracidade, autoria e datas não foram questionadas por qualquer das partes, e com base no depoimento do Sr. Professor Dr. B..., em especial quanto aos factos provados h) e l).
6. ENQUADRAMENTO
O dissenso exposto nos autos é de enorme simplicidade e consiste em saber se, e por que forma, isto é, observadas que formalidades, o contrato de 3 de Março de 2023, renovado em 3 de Setembro desse ano, poderá ter sido renovado por uma segunda vez em 3 de Março de 2024 e, em caso afirmativo, por que prazo e em que termos e condições.
7. O DIREITO
Também no direito o dissenso dos autos não apresenta dificuldades significativas.
Com efeito, seja o Regulamento nº 950/2019, de 16 de Dezembro (art.º 15), seja o Regulamento de Bolsas de Investigação do Instituto Superior de Engenharia do Porto n.º 495-A/2020 (art.º 15.º), dispõem, de forma claríssima, qual é o procedimento aplicável à renovação dos contratos do tipo daquele que se encontra nos autos.
O primeiro, estatui em síntese que as bolsas podem ser renovadas por períodos adicionais até ao limite máximo previsto no aviso de abertura ou no contrato, não podendo ser renovadas após ser atingido o limite temporal aplicável, constante do Regulamento, e que a renovação depende sempre, no caso dos autos, de pedido apresentado pelo bolseiro, nos 60 dias úteis anteriores à data de início da renovação, acompanhado do documento previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 14.º do mesmo Regulamento, devidamente actualizado, competindo aos orientadores e às entidades de acolhimento a emissão de pareceres sobre o acompanhamento dos trabalhos do bolseiro e a avaliação das suas actividades e a previsão do cumprimento, pelo bolseiro, do plano de trabalhos acordado e a conveniência de renovação da bolsa, acrescentando que a renovação da bolsa não requer a assinatura de um novo contrato e é comunicada, por escrito, ao bolseiro, pela entidade financiadora.
O segundo, estatui pelo seu lado um regime muito semelhante, dispondo que as bolsas podem ser renovadas por períodos adicionais até ao limite temporal máximo aplicável, previsto no aviso de abertura ou no contrato, não podendo ser renovadas após ser este atingido e que a renovação depende sempre de pedido apresentado pelo orientador, através de requerimento dirigido à Presidência do ISEP até 30 dias úteis antes da data de início da renovação, acompanhado do documento previsto na alínea f) do n.º 1 do artigo 14.º, devidamente actualizado, competindo ao orientador responsável a emissão de parecer sobre o acompanhamento dos trabalhos do bolseiro e a avaliação das suas actividades, que devem integrar o pedido de renovação da bolsa e serem transmitidos ao ISEP e, se aplicável, à entidade financiadora, contendo a previsão do cumprimento, pelo bolseiro, do plano de trabalhos acordado e a conveniência de renovação da bolsa, acrescentando que a renovação da bolsa não requer a assinatura de um novo contrato e é comunicada, por escrito, ao bolseiro, pelo ISEP, dispondo, adicionalmente, que a não renovação da bolsa é comunicada com uma antecedência de 30 dias úteis, no caso de bolsas com duração inferior a 12 meses, como é o caso.
A divergência entre os dois regimes é mínima e reside, analisados os textos regulamentares, (i) na diferente autoria do pedido de renovação da bolsa – o próprio bolseiro, no caso do Regulamento mencionado no Contrato dos autos; o orientador, no caso do Regulamento do ISEP – e (ii) no prazo de antecedência com que a renovação da bolsa/contrato deve ser solicitada – 60 ou 30 dias úteis, respectivamente. Adicionalmente, apelas o Regulamento do ISEP prevê a notificação ao bolseiro da não renovação da bolsa/contrato.
Pois bem, no caso dos autos, é absolutamente manifesto que nenhum dos prazos e procedimentos previstos em qualquer um dos dois Regulamentos foram cumpridos, seja pelo Demandante, seja pelo seu orientador.
Com efeito, o documento junto em audiência de julgamento comprova para além de qualquer dúvida razoável que apenas 3 dias depois de o contrato/bolsa ter cessado por esgotamento do seu prazo o orientador do Demandado enviou um pedido de renovação da bolsa deste à Presidente do ISEP, de resto absolutamente desacompanhado dos documentos que qualquer um dos Regulamentos determina que devem instruir aquele pedido.
O mesmíssimo facto foi confirmado pela testemunha arrolada pelo Demandado, autor dessa comunicação, que indicou expressamente que nunca, antes de 6 de Março de 2024, havia submetido qualquer pedido de renovação do contrato/bolsa do Demandante que tinha com prazo de termo 3 de Março de 2024.
Por outro lado, o Demandado não alegou sequer (e, por isso, não fez prova) que tinha ele próprio tomado a iniciativa de requerer a prorrogação do seu contrato/bolsa junto do ISEP.
Ora, os prazos de vigência de contratos que se encontrem já esgotados não podem, nos termos gerais do direito mas, também, nos dos Regulamentos aplicáveis, ser prorrogados.
Assim é que, nos termos de qualquer um dos Regulamentos aplicáveis, resulta claro dos autos que não foram cumpridos atempadamente os requisitos procedimentais necessários para que o contrato/bolsa fosse renovado em Março de 2024 e tanto basta para que, em razão da estrita aplicação do disposto na cláusula 6.ª, n.º 1, alínea d), do contrato dos autos, se deva considerar que este cessou a sua vigência em 3 de Março de 2024, não tendo sido então renovado.
Note-se, de resto, que é absolutamente inútil determinar qual dos dois Regulamentos é aplicável ao caso dos autos, porque nenhum dos dois foi, de facto, cumprido na realidade que resulta exibida pela prova.
É seguramente criticável que o orientador do Demandado desconheça os Regulamentos que regem a atribuição e renovação das bolsa dos seus orientados, o tenha afirmado em Tribunal sem aparente arrependimento, atribuindo ao departamento de recursos humanos do ISEP uma culpa que, em rigor, é sua, ao menos nos termos do Regulamento do próprio Instituto em que lecciona e onde orienta bolseiros desde 1995, como indicou, e tenha praticado actos que alegadamente visariam a renovação do contrato/bolsa do Demandante que são extemporâneos e absolutamente desacompanhados de um mínimo de cumprimento dos requisitos formais relativos à documentação que deve acompanhar o pedido de renovação.
O mesmo se deve dizer, de resto, do Demandante, cuja ausência de comportamentos activos junto do ISEP visando a renovação do contrato/bolsa faz, também, decair a sua pretensão.
Enfim se dirá que é igualmente criticável que o Demandado tenha incumprido de forma claríssima o dever de comunicar ao bolseiro o termo/não renovação do contrato/bolsa, como determina o seu próprio Regulamento.
Esse comportamento pode, porventura, gerar alguma sorte de responsabilidade da Demandada que estes autos não podem curar de apreciar, desde logo porque não foi peticionada pelo Demandante, mas não tem por efeito, como este pretende, a renovação “automática” do contrato/bolsa, pela razão simples de que não resulta da legislação aplicável que a ausência dessa comunicação signifique a prática de um acto de renovação tácita deste; ao invés, o contrato ( e os Regulamentos) dispõe de forma clara que este cessa pelo decurso do seu prazo – disposição que o Demandante conhecia, por ser nele outorgante –, não contendo (nem os Regulamentos) nenhuma regra que pudesse fundamentar uma qualquer renovação tácita.
8. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, o Tribunal julga totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência absolve a Demandada do pedido, condenando o Demandante na totalidade das custas.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2025
O Tribunal Arbitral
Pedro Leite Alves