Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 21/2024-A
Data da decisão: 2024-10-28  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Relação jurídica de emprego publico.
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DECISÃO ARBITRAL

 

1. Relatório 

A..., NIF..., residente na Rua ... n.º ..., ..., ...-..., ...-..., (doravante Demandante A) 

B..., NIF ..., residente na ..., n.º ..., ..., ...-... -..., (doravante Demandante B) deduziram em 27-03-2024 a presente ação arbitral em que é Demandado 

o Ministério da Justiça, com morada na Praça do Comércio, 1149-019 Lisboa, peticionando, a final, que o Demandadoseja condenado a proceder à alteração do posicionamento remuneratório dos Demandantes em consonância com as avaliações de serviço pelos mesmos obtidas nas Forças Armadas. 

 

Ministério da Justiça é demandado por força do artigo 10.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) enquanto pessoa coletiva de direito público. 

 

1.1. Do pedido 

Os Demandantes peticionam:

“a) Serem anulados, com fundamento em ilegalidade os despachos proferidos pelo Senhor Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária notificados em 08.11.2023, que indeferiram as pretensões deduzidas pelos Demandantes;

b) Serem anuladas, com fundamento em ilegalidade, as decisões proferidas pela Exma. Senhora Ministra da Justiça em 21.02.2024 e 28.02.2024, que julgaram improcedentes

os recursos hierárquicos interpostos pelos Demandantes.

c) Ser o Demandado condenado na prática do acto legalmente devido, ou seja, na contabilização das avaliações obtidas pelos Demandantes nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, para efeitos de atribuição de posição remuneratória nas carreiras de especialista de polícia científica em que actualmente se encontram integrados.”

 

1.2. Tramitação processual

O presente Tribunal Arbitral é composto pela árbitra signatária, que integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa conforme previsto nos artigos 15.º, n.º 2, e 17.º do Regulamento da Arbitragem (cfr. “Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa”), aplicável à arbitragem em matéria administrativa que decorre no CAAD.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 20.05.2024 data da aceitação do encargo e da sua notificação às partes (artigo 17.º do RCAAD).

 

Em 28.05.2024 foi proferido o seguinte despacho arbitral:

Considerando que: o Tribunal é competente e foi validamente constituído; as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas; a representação das partes por mandatários está conforme; inexiste matéria a decidir quanto ao âmbito acima indicado;

Decide-se:

Em cumprimento do disposto no artigo 18º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (doravante NRAA), notifique-se as Partes se pronunciarem quanto ao mecanismo de adequação formal, simplificação e agilização processual aí proposto, designadamente quanto à dispensa de realização de audiência de prova e de qualquer outra prova que não documental, bem como quanto à dispensa de realização de audiência de julgamento e alegações finais.”

 

O Demandado por requerimento de 03.06.2024 e os Demandantes por requerimento de 07.06.2024 pronunciaram-se no sentido da dispensa da audiência prévia, da audiência de julgamento e alegações finais.

 

2. Saneamento

As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade processual, e encontram-se devidamente representadas por mandatário regularmente constituído.

Considerando o valor da presente ação e o seu objeto, a mesma integra-se no âmbito da referida vinculação do Ministério da Justiça à jurisdição do CAAD, sendo este Tribunal Arbitral competente para o julgamento da mesma.

Os Demandantes integram a carreira especial de especialista de polícia científica da Polícia Judiciária, enquadrando-se o objeto da sua pretensão no âmbito da vinculação à jurisdição do CAAD.

Assim, o presente Tribunal Arbitral constituído no âmbito do CAAD, (centro de arbitragem institucionalizada nos termos do artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD e Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série - N.º 30 - 12 de Fevereiro de 2009, página 6113, e conforme a Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro), e na decorrência do artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, o Ministério da Justiça, que integra a Polícia Judiciária (o serviço central do Ministério relevante in casu), está vinculado à jurisdição do CAAD “para composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” (cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, da referida Portaria).

 

3. Matéria de facto

3.1. Factos provados

Demandante A

a)     O Demandante prestou serviço militar em regime de contrato no Exército português entre 09.10.2002 e 01.05.2009 como cabo adjunto, na classe de Praças.

b)    Em 10.08.2010, após procedimento concursal, ingressou na Administração Pública, na carreira/categoria de assistente operacional do mapa de pessoal do Exército português em regime de contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado.

c)     Em 01.12.2014, após procedimento, ingressou na PJ na carreira/categoria de assistente operacional.

d)    Em 03.01.2019, após procedimento concursal, o Demandante ingressou na categoria de especialista adjunto da carreira de apoio à investigação criminal.

e)     O Demandante transitou para a carreira de especialista adjunto de escalão 1, de polícia científica por Despacho de 11.03.2020 do Exmo. Diretor Nacional-Adjunto da Polícia Judiciária, com efeitos a 07.03.2020.

f)     Em 01.06.2023, o Demandante requereu, ao abrigo do disposto no art.º 22.º da LOE2021, a contabilização das avaliações por si obtidas enquanto militar e que as mesmas fossem convertidas para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório.

g)     Em 18.09.2023, o Demandante foi notificado da intenção de indeferimento da pretensão deduzida,

h)    No projeto de decisão notificado ao Demandante, a pretensão deduzida seria recusada por a contabilização das avaliações de serviço ter de ser processada na carreira ou categoria de ingresso na Administração Pública, nos termos do ponto 3. da orientação técnica da DGAEP n.º .../2023.

i)      O Demandante apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia.

j)     Em 08.11.2023, o Demandante foi notificado do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, que indeferiu a sua pretensão; (cfr. doc. 1 junto com o Pedido Arbitral).

k)    A 05.12.2023, o Demandante interpôs recurso hierárquico para a Ministra da Justiça

l)      Em 21.12.2023, o recurso hierárquico interposto pelo Demandante foi enviado para a Senhora Ministra da Justiça.

m)  Em 27.02.2024, o Demandante foi notificado da decisão da Senhora Ministra da Justiça que julgou improcedente o recurso interposto com o fundamento de não haver correspondência entre as funções desempenhadas enquanto militar e as funções que o Demandante exerce enquanto especialista de polícia científica (cfr. doc. 2 junto com o Pedido Arbitral).

 

Demandante B

a) A Demandante prestou serviço militar em regime de contrato na Força Aérea entre 17.01.2007 e 13.12.2013, como Praça.

b)    Em 01.02.2017, após procedimento concursal, ingressou na categoria de agente municipal, 2.ª classe, da carreira de Polícia Municipal do mapa de pessoal da Câmara Municipal de ..., em regime de contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado.

c)  Em 03.01.2019, após procedimento concursal, a Demandante ingressou na categoria de especialista adjunto da carreira de apoio à investigação criminal da Polícia Judiciária.

d)    Com efeitos a 07.03.2020, a Demandante transitou para a carreira de especialista de polícia científica (art. 101.º do DL 138/2019, de 13 de Setembro).

e)  Em 13.04.2023, a Demandante requereu, ao abrigo do disposto no artigo 22.º da LOE2021, a contabilização das avaliações por si obtidas enquanto militar e que as mesmas fossem convertidas para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório.

f) Em 18.09.2023, a Demandante foi notificada da intenção de indeferimento da pretensão deduzida

g) Nos termos do projeto de decisão notificado à Demandante, a pretensão deduzida seria recusada por a contabilização das avaliações de serviço ter de ser processada na carreira ou categoria de ingresso na Administração Pública, nos termos do ponto 3. da orientação técnica da DGAEP n.º .../2023.

h)    A Demandante apresentou pronúncia em sede de audiência prévia.

i)   Em 08.11.2023, a Demandante foi notificada do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, que indeferiu a sua pretensão.

j) A decisão de indeferimento assenta no ponto 3. da orientação técnica da DGAEP n.º .../2023, com o seguinte teor: “A contabilização das avaliações de serviço processa-se na carreira ou categoria de ingresso na Administração Pública, sem prejuízo de eventuais repercussões na carreira e categoria atuais”.

k)    Em 06.12.2023, a Demandante interpôs recurso hierárquico para a Ministra da Justiça.

l)  Em 22.12.2023, o recurso hierárquico interposto pela Demandante foi enviado para a Senhora Ministra da Justiça.

m)  Em 01.03.2024, a Demandante foi notificada da decisão da Senhora Ministra da Justiça que julgou improcedente o recurso interposto foi notificado da decisão da Senhora Ministra da Justiça que julgou improcedente o recurso interposto com o fundamento de não haver correspondência entre as funções desempenhadas enquanto militar e as funções que a Demandante exerce enquanto especialista de polícia científica.

 

3.2. Factos não provados

 

Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos. 

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

A fixação da matéria de facto foi efetuada com base nos documentos juntos aos autos, nos Processos Administrativos e as afirmações feitas pelas Partes nos articulados. 

 

4. Do Direito

Posição das partes

4.1. Posição dos demandantes

Em síntese, os Demandantes A e B alegam que são ex-militares, atualmente integrados na carreira de Especialista de Polícia Científica da Polícia Judiciária.

Em 2023 apresentaram requerimentos ao Demandado, solicitando a contabilização do tempo de serviço militar para efeitos de atribuição de posição remuneratórias no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP).

As decisões finais de indeferimento da pretensão dos Demandantes, confirmadas pelas decisões ministeriais, têm como fundamento o facto de os mesmos não se encontrarem já na carreira e categoria de ingresso na Administração Pública.

Assentam tal conclusão nas diretrizes veiculadas pela orientação técnica n.º .../2023 da DGAEP e nos esclarecimentos constantes da Nota Ref.ª n.º .../2023 SGMDN DRHDN.

Mais concretamente, é invocado o vertido no ponto 3 da Orientação técnica da DGAEP, nos termos do qual “A contabilização das avaliações de serviço processa-se na carreira ou categoria de ingresso na Administração Pública, sem prejuízo de eventuais repercussões na carreira e categoria atuais”.

 

Entendem os Demandantes que o facto de não se encontrarem integrados na carreira de ingresso na Administração Pública não obsta ao direito de verem as avaliações obtidas enquanto ex-militares refletidas na carreira em que se encontram integrados.

Entendem os Demandantes que a expressão “após ingresso”, não pode deixar de significar que é esse o momento a partir do qual o ex-militar tem direito à contabilização.

E, se o legislador pretendesse restringir a contabilização das avaliações obtidas aos ex-militares que se mantivessem na carreira de ingresso da Administração Pública, teria expressado tal intuito utilizando a fórmula “Na carreira de ingresso”.

De notar ainda que o legislador não previu qualquer limite temporal para o exercício de tal direito, pelo que, para beneficiar da contabilização das avaliações obtidas enquanto ex-militar, basta que o trabalhador se encontre integrado na Administração Pública.

Se fosse intenção do legislador conferir o direito à contabilização das avaliações apenas aos ex-militares que se mantivessem na carreira e categoria de origem na Administração Pública, o mesmo não teria deixado de a expressar, estabelecendo que as avaliações como ex-militares são contabilizadas na primeira carreira e categoria de ingresso na Administração Pública, sem repercussões na carreira e categoria atual.

Consideram ainda os Demandantes que “as decisões impugnadas, ao interpretarem a norma constante do art. 22.º da LOE 2021, unicamente com base na orientação difundida pela DGAEP, que não tem na letra da norma o mínimo de correspondência verbal, violaram as normas e as regras da interpretação da Lei, previstas no artigo 9.º do Código Civil, procedendo a uma errada interpretação do disposto no art. 22.º da LOE 21, e violando tal norma legal.

A norma constante do art. 22.º da LOE não faz qualquer alusão à equiparação ou correspondência das funções exercidas como militar às funções exercidas na Administração Pública, sendo comummente aceite que não existe uma equiparação entre as categorias das Forças Armadas e as carreiras/categorias na Administração Pública ou entre aquelas e os graus de complexidade funcional da Administração Pública”.

 

3.2. Posição do Demandado

Alega o Demandado que: “Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 254.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 90/2015, de 29 de maio (na sua versão atual), para a categoria de Praças exige-se o curso do ensino básico, pelo que corresponderá ao grau de complexidade 1, na classificação prevista no artigo 86.º da LTFP.

Na verdade, para ultrapassar a dificuldade de equiparar carreiras e funções parece ajuizado o recurso ao regime previsto no artigo 86.º da LTFP que faz uma classificação das carreiras por grau de complexidade funcional:

“1 - Em função do nível habilitacional exigido, em regra, em cada carreira, estas classificam-se nos seguintes graus de complexidade funcional:

a) Grau 1, quando se exija a titularidade de escolaridade obrigatória, ainda que acrescida de formação profissional adequada;

b) Grau 2, quando se exija a titularidade do 12.º ano de escolaridade ou de curso que lhe seja equiparado; c) Grau 3, quando se exija a titularidade de licenciatura ou de grau académico superior a esta. (…)”

 

4. Apreciação 

A questão a apreciar e decidir nos presentes autos consiste em determinar se os Demandantes têm o direito àcontabilização das avaliações obtidas nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, para efeitos de atribuição de posição remuneratória nas carreiras de especialista de polícia científica em que atualmente se encontram integrados.

 

O artigo 22.º da Lei 75-B/2021, de 31 de dezembro dispõe: 

“Após ingresso na Administração Pública, as avaliações de serviço obtidas pelos ex-militares nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, Avaliação da Administração Pública (SIADAP), com as devidas adaptações.”

De mencionar também o disposto no Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro (especialmente no artigo 30.º, n.º 7) e, depois de revogado pelo do Decreto-Lei n.º 76/2018, de 11 de outubro (no artigo 42.º): 

“Artigo 30.º

Ingresso na função pública

7 - O tempo de serviço efectivo prestado em área funcional correspondente à do concurso a que o militar se candidata conta como experiência profissional, bem como para determinação do escalão de integração no caso de concurso. 

Artigo 42.º

Cumprimento dos incentivos 

O presente regulamento não pode determinar a perda de quaisquer direitos adquiridos ao abrigo de regimes de incentivos anteriores.” 

De referir ainda a Recomendação n.º 1/A/2022 da Provedora de Justiça (Microsoft Word - Recomendação 1_A_2022 (provedor-jus.pt) e pela resposta do Chefe de Gabinete do Ministro da Defesa Nacional (disponível para consulta em doc.pdf (parlamento.pt) , a matéria em causa tem um alcance transversal a toda a Administração Pública, dado que os ex-militares abrangidos pela norma aprovada na LOE 2021 poderão ingressar em qualquer órgão ou serviço da administração Pública, bem como em qualquer carreira, cabendo a cada uma das entidades empregadoras dar cumprimento à norma citada, designadamente no que respeita à transposição e contabilização das avaliações obtidas e respetivos efeitos.

Nos termos da recomendação da Provedora de Justiça “Em razão do novo regime de evolução remuneratória na carreira, agora dependente da acumulação de pontos obtidos na avaliação do desempenho, e não em função de tempo de serviço, os ex-militares deixaram de poder ver refletido na nova situação funcional, e no plano remuneratório, aquele tempo em que prestaram serviço militar”.

É de fazer ainda uma referência à missão da DGAEP, e segundo a informação disponibilizada pelo próprio organismo: “A DGAEP é o organismo da Administração Pública com responsabilidades no domínio da gestão dos recursos humanos. A sua lei orgânica, Decreto Regulamentar n.º 27/2012, de 29 de fevereiro, estabelece-lhe como missão apoiar a definição das politicas para a Administração Pública nos domínios da organização e da gestão, dos regimes de emprego e da gestão de recursos humanos, assegurar a informação e dinamização das medidas adotadas e contribuir para a avaliação da sua execução. É um serviço transversal da Administração Direta do Estado, e integrado na área de governo da Presidência, dotado de autonomia administrativa, com funções de estudo, conceção, coordenação e apoio técnico ao governo na definição das políticas que respeitam à Administração Pública”.

 

Em 26-01- 2023, a DGAEP emitiu a “Orientação para apoio aos órgãos e serviços integrados na administração direta e indireta do Estado relativa à contabilização da avaliação obtida pelos(as) ex-militares das Forças Armadas que prestaram serviço no regime de contrato (RC) e de contrato especial (RCE), após ingresso na Administração Pública:

O artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2021 (LOE 2021), prevê que seja contabilizada a avaliação obtida pelos(as) ex-militares das Forças Armadas após ingresso na Administração Pública para efeitos de atribuição de posição remuneratórias no âmbito do Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP), aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, na sua atual redação, com as devidas adaptações.

A norma é exequível por si mesma, podendo ser aplicada diretamente sem necessidade de regulamentação adicional que a complemente. De resto, nesta altura, alguns órgãos e serviços já́ o terão feito. Não obstante, considerando: 

a) a natureza transversal da questão relativamente à generalidade dos órgãos e serviços da Administração Pública e a necessidade de imprimir uma atuação uniforme na interpretação e aplicação da referida norma que salvaguarde os direitos e garantias dos trabalhadores abrangidos; 

b) e que a adaptação do referido preceito pressupõe a conversão da avaliação operada pelo Sistema de Avaliação do Mérito dos Militares das Forças Armadas (SAMMFA), aprovado pela Portaria n.º 301/2016, de 30 de novembro (sistema de avaliação anual, com cinco menções), e a sua conformação com o SIADAP, afigura-se útil a emissão de uma linha interpretativa que auxilie os órgãos e serviços na aplicação de referida disposição legal, nos seguintes termos: 

1. Compete ao órgão ou serviço onde os(as) trabalhadores(as) se encontram a desempenhar funções, proceder à reconstituição das carreiras daqueles(as) que pretendam beneficiar da avaliação de serviço obtida durante a prestação de serviço militar, mediante requerimento do(a) próprio(a). 

2. Para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, relevam as avaliações de serviço obtidas pelos(as) ex-militares, durante a prestação de serviço militar, a partir de 1 de janeiro de 2004.

3. A contabilização das avaliações de serviço processa-se na carreira ou categoria de ingresso na Administração Pública, sem prejuízo de eventuais repercussões na carreira e categoria atuais. 

4. As avaliações de serviço obtidas pelos(as) ex-militares das Forças Armadas são convertidas em pontos, atento o disposto no n.º 1 do artigo 85.º da Lei SIADAP, nos termos do mapa anexo à presente orientação. 

5. A possibilidade de conversão de pontos não é aplicável aos(às) ex-militares que tenham ingressado na Administração Pública em data anterior a 23 de janeiro de 2009, e beneficiado do incentivo previsto nos n.os 2 e 7 do artigo 30.º do Regulamento de Incentivos à Prestação do Serviço Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/2004, de 21 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 320/2007 de 27 de setembro. 

6. Quando da aplicação da norma resulte uma alteração de posicionamento remuneratório que se reporte aos anos em que se registaram proibições de valorizações remuneratórias (até 31.12.2017), deverá ser aplicado aos pontos em excesso o disposto no n.º 6 do artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (LOE 2018), para efeitos de futura alteração obrigatória de posicionamento remuneratório.

7. Para efeitos de equiparação das categorias das carreiras militares a carreiras ou categorias de grau 3, 2 ou 1 de complexidade funcional, a DGRDN emite declaração contendo as avaliações obtidas como militar, indicando qual o grau de complexidade funcional (1, 2 ou 3) a que as respetivas funções correspondem. 

8. O artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, produz efeitos a 1 de janeiro de 2021. 

 

Vejamos

 

Entende-se que pela interpretação da letra do citado artigo 22.º da mencionada Lei de Orçamento de Estado de 2021, que o legislador conferiu aos ex-militares um verdadeiro direito a ver contabilizadas, para efeitos de posição remuneratória, as avaliações de serviço obtidas nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas.

O mesmo legislador não subordinou, condicionou ou fez depender a sua aplicação a outro desenvolvimento legislativo / administrativo (Portaria, Despacho, etc.). 

Esta convicção é resultante da análise dos motivos que levou à introdução do referido artigo 22.º na Lei de Orçamento de Estado de 2021. Este normativo é o resultado da Petição n.º 560/XIII/4, de 31 de outubro de 2018 e da Resolução da Assembleia da República n.º 229/2019. 

Na exposição de motivos da nota de admissibilidade da petição deixasse claro os motivos dos peticionários: “explicam que os ex-militares que entraram na administração pública por via de concurso público usufruem de um regime de incentivos nem sempre claro para todos, pois, segundo os peticionários, em alguns organismos não lhes está a ser contado o tempo de trabalho no Ministério da Defesa Nacional como tempo de carreira nem para efeitos remuneratórios”. 

A Resolução mencionada expressa o seguinte: “A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que contabilize a avaliação obtida pelos ex-militares, nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, após ingresso na Administração Pública, para efeitos do sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP).”

Este aclaramento das origens da inscrição do artigo 22.º da Lei de Orçamento de Estado de 2021 conflui com a ideia que apresentamos acima: a contabilização das avaliações é um direito que assiste aos ex-militares e deve ser aplicado por todos serviços ou organismos da Administração Pública. 

Consideramos que as questões de operacionalidade, aplicação e enquadramento desta norma e de potenciais dificuldades de articulações com o disposto no SIADAP (Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública – Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro) são resolvidas pela própria letra do SIADAP: 

“Artigo 85.º

Avaliações anteriores e conversão de resultados

1 - Nas situações previstas na lei em que seja necessário ter em conta a avaliação de desempenho ou a classificação de serviço e, em concreto, devam ser tidos em conta os resultados da aplicação de diversos sistemas de avaliação, para conversão de valores quantitativos é usada a escala do SIADAP, devendo ser convertidas proporcionalmente para esta quaisquer outras escalas utilizadas, com aproximação por defeito, quando necessário.” 

O referido artigo 22.º consubstancia a previsão que, atendendo à sua natureza, é relativa ao estatuto remuneratório dos ex-militares que ingressaram na Administração Pública. Está enquadrada no âmbito do sistema de incentivos à prestação de serviço militar - no qual, aliás, ou até em diploma autónomo, poderia ter sido consagrada. 

Mais recentemente, veio a DGAEP, cuja missão e atribuições são as que tivemos oportunidade de suprarreferir e agora recuperamos, aclarar qualquer dúvida existente quanto à natureza e interpretação do artigo 22.º da Lei de Orçamento de Estado de 2021. 

Pelo exposto consideramos que não procedem os argumentos invocados pelo Demandado, especialmente quanto à exequibilidade (ou inexequibilidade) do artigo 22.º da Lei de Orçamento de Estado de 2021.

 

Consideramos que o artigo 22.º da Lei de Orçamento de Estado para 2021 tem exequibilidade e aplicação direta e deve ser aplicada pelos serviços da Administração Pública.

Assim, não assiste razão ao Demandado, ao invocar para fundamentar o indeferimento dos pedidos dos Demandantes, o facto de os mesmos não se encontrarem já na carreira e categoria de ingresso na Administração Pública, considerando válidas a posição expressa pelos Demandantes na Petição Inicial.

De salientar, que a Lei do Orçamento do Estado para 2021, entrou em vigor numa altura em que os Demandantes já tinham ingressado na Polícia Judiciária e progredido na carreira. Ora se se na data da entrada em vigor do mencionado artigo 22.º tivessem sido admitidos numa categoria de ingresso função pública e/ou ainda aí se mantivessem, nada impediria o computo das avaliações obtidas enquanto ex-militares.

Assim, e considerando o espírito da norma, supramencionado carece de sentido a distinção entre os ex-militares que se mantêm integrados na carreira e categoria de origem na Administração Pública e aqueles que, entretanto, vieram a alterar a sua situação integrando outra carreira e categoria.

A situação dos Demandantes, enquadra-se nas normas acima transcritas, e mais concretamente no artigo 22.º da Lei do Orçamento de Estado de 2021 e os Demandantes têm direito a que as avaliações de serviço por eles obtidas nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas sejam contabilizadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do SIADAP.

 

Pelo exposto, decide este Tribunal Arbitral que o pedido dos Demandantes é procedente e o Demandado é condenado a contabilizar as avaliações de serviço obtidas pelos Demandantes enquanto ex-militares e tais avaliações devem ser consideradas nas suas posições remuneratórias nos termos peticionados.

 

5. Decisão 

Nestes termos, decide-se julgar a ação totalmente procedente e declarar:

a)             a anulação com fundamento em ilegalidade dos despachos proferidos pelo Senhor Director Nacional Adjunto da Polícia Judiciária notificados em 08.11.2023, que indeferiram as pretensões deduzidas pelos Demandantes;

b)             a anulação, com fundamento em ilegalidade, das decisões proferidas pela Exma. Senhora Ministra da Justiça em 21.02.2024 e 28.02.2024, que julgaram improcedentes os recursos hierárquicos interpostos pelos Demandantes.

c)             Ao abrigo do artigo 66.º do CPTA, condena-se o Demandado a contabilização das avaliações obtidas pelos Demandantes nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, para efeitos de atribuição de posição remuneratória nas carreiras de especialista de polícia científica em que atualmente se encontram integrados.

d)             Fixar à presente ação arbitral o valor de € 30.000,01, nos termos das disposições conjugadas do artigo 31.º, n.º 1 e do artigo 34.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA e do artigo 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, bem como do artigo 29.º do Regulamento do CAAD;

e)             Os encargos da presente ação são suportados nos termos do artigo 29.º, n.º 5 do RCAAD.

 

6. Responsabilidade pelos Encargos processuais

Por aplicação do disposto no artigo 29.º, n.º 5 do “Regulamento do CAAD”, tendo a presente arbitragem por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, não haverá lugar a fixação do critério de repartição de encargos processuais, sendo estes pagos por ambas as partes em função do valor fixado na tabela de encargos processuais. 

 

Notifique-se

Lisboa, 28 de outubro de 2024.

 

 

A Árbitra

 

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(Regina de Almeida Monteiro