DECISÃO ARBITRAL
DEMANDANTE: Associação ...
DEMANDADO: Ministério da Justiça
I. RELATÓRIO
A. Identificação das partes e objeto do litígio
1. A Demandante, Associação ... (doravante, “Demandante”), apresentou petição inicial nos termos do artigo 10.º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante, abreviadamente, designado por “RACAAD”) contra o Demandado, Ministério da Justiça, (doravante, “Demandada”), estando as partes suficientemente identificados nos autos, e pedindo o Demandante a apreciação da alteração do estatuto remuneratório aplicável aos seus associados, tendo por base o acordo alcançado em sede de negociação coletiva com o Demandado, com efeitos retroativos a 01/01/2023.
2. Distribuído o processo, foi o Demandado citada para contestar, tendo, nesse seguimento, pugnado pela improcedência da ação, por não provada, e, em consequência, a sua absolvição do pedido, com todos os devidos e legais efeitos.
*
3. Nos termos do RACAAD, foi o signatário designado como árbitro para o processo, considerando-se o Tribunal Arbitral constituído, após aceitação do aqui signatário, em 15.02.2024.
*
B. Despacho Inicial
4. Findo os articulados foi proferido Despacho Inicial, em 13.05.2024, pronunciando-se o Tribunal Arbitral sobre os pressupostos processuais, mantendo-se, no presente, todos os pressupostos de regularidade e validade da instância que presidiram à prolação daquele Despacho, nada obstando ao conhecimento do mérito.
5. Por via do mesmo Despacho, e atendendo a que se verificava, quanto ao requerimento de diligências probatórias pelas Partes, que a Demandante indicava prova testemunhal, foi esta notificada para, no prazo de 10 (dez) dias, e ao abrigo do princípio da cooperação (cf. artigo 8.º, n.º 1, do CPTA), vir aos autos indicar, de forma circunstanciada e por remissão para artigos do seu articulado inicial, os concretos factos a que pretendia que cada uma das testemunhas por si arroladas seja inquirida, com exclusão daqueles factos que, por sua natureza, devam ser demonstrados ou provados, unicamente, através de documentos.
6. Não tendo a Demandante apresentado, no prazo concedido, qualquer resposta à sobredita notificação, e não tendo as Partes requerido a realização de demais diligências probatórias, e não tendo as Partes renunciado à apresentação de alegações escritas, por despacho de 02.09.2024 foi proposta a a adoção de mecanismo de adequação formal, simplificação e agilização processual.
7. Notificadas as Partes do despacho prolatado nestes autos, em 02.09.2024, para, querendo, se pronunciarem quanto ao mecanismo de adequação formal, simplificação e agilização processual proposto, maxime quanto à dispensa de realização de qualquer outra prova que não documental, bem como quanto à dispensa de realização de audiência de julgamento e de alegações finais, verifica-se que:
(i) Por requerimento, datado de 11.09.2024, veio o Demandado informar que «nada tem a opor a que o processo seja decidido com a dispensa de realização de audiência de julgamento, e, com dispensa de apresentação de alegações finais, sendo o processo decidido com base na prova documental apreciada ao abrigo da legislação aplicável»;
(ii) Por requerimento, datado de 13.09.2024, veio a Demandante informar que «[c]umpre ao Mandatário ora subscritor, antes de mais, penitenciar-se pela omissão de resposta ao douto despacho prolatado na data de 13 de Maio de 2024 (…) Sucede, porém, que a Autora não pode deixar de entender que, no âmbito dos presentes autos, a prova testemunhal é efetivamente dotada de relevo para a prova do fundamento dos mesmos e, igualmente, do devido enquadramento em que tiveram lugar os factos que estão na sua origem (…) Nesse sentido, e sem prejuízo do devido respeito, que é muito, pela posição sufragada pelo Tribunal, não pode a Autora concordar com a proposta dispensa de realização das diligências probatórias requeridas». Culimando por peticionar que seja «agendada audiência de julgamento para audição das testemunhas indicadas na petição inicial, sendo ambos os depoimentos a incidir, em concreto, sob os artigos 10.º a 21.º e 26.º a 28.º da petição inicial».
8. Considerando que, a realização das diligências instrutórias, como a produção de prova testemunhal, pressupõe a sua utilidade, com vista ao esclarecimento da factualidade alegada e relevante para a decisão da causa e tendo presentes os poderes de gestão, adequação, simplificação e agilização do processo consagrados no artigo 7.º-A, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, poderes estes de gestão processual a que este Tribunal se vincula na procura de ajudar a solucionar a “equação processual”, ou seja, a alcançar uma decisão justa do processo – e analisada a informação aportada aos autos pela Demandante quanto à prova testemunhal, nomeadamente a concretização de forma circunstanciada dos factos a que pretende que cada uma das testemunhas por si arroladas seja inquirida, entendeu o Tribunal, por despacho de 19.09.2024, em face dessa explicitação, que a diligência de prova requerida pela Demandante não é inútil nem dilatória, antes se afigura necessária e pertinente à boa decisão da causa e a uma justa composição do litígio. Pelo que, deferiu e a produção de prova testemunhal indicada pela Demandante, a realizar em sede de audiência.
9. Notificadas as Partes do despacho prolatado nestes autos, em 19.09.2024, verificou-se que:
(i) Por requerimento, datado de 25.09.2024, veio o Demandado, ao abrigo do que invocou ser o seu direito de contraditório apresentar «pronúncia sobre o requerimento do Demandante com a indicação dos artigos da PI, sobre os quais pretende a prova testemunhal», peticionando, em síntese, que, (i) o «Despacho datado de 19-09-2024, deve ser dado sem efeito, e ser substituído por outro que, analise concretamente os artigos 10.º, 21.º, 26.º e 28.º da PI e a prova documental constante do processo e que não admita a prova testemunhal indicada»; (ii) em caso de assim não se entender, manifesta a disponibilidade para a realização da audiência no dia 02.10.2024, pelas 14h30; (iii) já sobre a realização de alegações finais, pronuncia-se no sentido de serem apresentadas por escrito, em prazo a fixar pelo Tribunal;
(ii) Por requerimento, igualmente datado de 25.09.2024, veio a Demandante informar que, nada tem a opor (i) a que a audiência decorra no dia 02.10.2024, pelas 14:30h, por meios telemáticos, conforme sugerido pelo Tribunal; (ii) e que as alegações finais sejam feitas oralmente e na sequência da produção da prova em sede de audiência.
10. Nesse seguimento, por despacho de 27.09.2024, foi determinado o seguinte:
«(…)
A) Da produção de prova testemunhal
1. Contrariamente ao sustentado pelo Demandado, não se registou qualquer violação do princípio do contraditório, como atesta, desde logo, o próprio requerimento apresentado nos autos, ora em apreciação, em que o Demandado teve a oportunidade de se pronunciar sobre os termos do nosso despacho de 19.09.2024.
2. Compete ao Tribunal examinar se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas Partes, em face das normas que disciplinam a admissibilidade desse meio de prova, e, no caso afirmativo, aferir da relevância da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, só podendo dispensar essa prova no caso de concluir que ela é manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.
3. Ora, in casu, é inequívoco que se colocam questões de facto, desde lodo relacionadas com as circunstâncias e termos em como decorreu o processo negocial entre a Demandante e o Demandando, que não nos permitem afirmar, sem mais, que a produção da prova testemunhal é inútil, nem se podendo afiançar que a inquirição das testemunhas não tem interesse para a boa decisão da causa.
4. Outrossim, verificando-se que a prova documental irá incidir, em concreto, sob os artigos 10.º a 21.º e 26.º a 28.º da Petição Inicial, compulsados os mesmos não eflui que deles apenas constem conclusões ou que esteja afastado quanto aos mesmos outro meio de prova que não documental.
5. Neste sentido, reitera-se a admissão da produção da prova testemunhal oferecida, nos termos já constantes nos autos, a realizar em sede de audiência.
B) Das alegações finais escritas
6. Notificadas as Partes para se pronunciarem quanto à proposta do Tribunal de, finda a produção de prova, em sede de audiência, serem realizadas alegações finais, orais, manifesta a Demandante a sua anuência e o Demandando a sua intenção de serem apresentadas por escrito, em prazo a fixar pelo Tribunal.
7. Isto posto, ouvidas as Partes, e tendo subjacente a garantia de “uma igualdade de armas” entre as mesmas, determina o Tribunal que as alegações finais sejam apresentadas por escrito, no prazo de 2 (dois) dias após a conclusão da audiência».
C. Audiência e Alegações Finais
11. No dia 02.10.2024, pelas 14h30, realizou-se a audiência prevista no artigo 23.º do RACAAD, sendo que, e tendo as Partes manifestado a impossibilidade de alcançar uma conciliação, foi produzida a prova testemunhal requerida pela Demandante, com inquirição das testemunhas A... e B... .
12. Finda a audiência, foram concedidos 2 (dois) dias para apresentação das alegações finais, por escrito, tendo Demandante e Demandado apresentado as mesmas em 04.10.2024.
II. Questões a decidir
13. Constitui objeto do litígio nos presentes autos a apreciação do pedido da Demandante de alteração do estatuto remuneratório aplicável aos seus associados, tendo por base o acordo alcançado em sede de negociação coletiva com a Demandada, com efeitos retroativos a 01.01.2023.
III. Fundamentos de Facto
14. Analisados os articulados, é convicção deste Tribunal Arbitral que devem dar-se por assentes os seguintes factos, não havendo factos controvertidos e matéria por provar:
1) No final de 2022, foi encetado um processo negocial entre a Demandante e o Demandado;
2) No contexto desse processo negocial foi realizada, entre Demandante e Demandado, no Ministério da Justiça, uma reunião negocial em 11.11.2022.
3) Dessa reunião foi lavrada Ata, devidamente subscrita pelos representantes de Demandante e Demandado, onde consta o seguinte:
«(…)
Ata da primeira reunião entre o Ministério da Justiça e a Associação Sindical dos Seguranças da Polícia Judiciária, de 11 de novembro de 2022.
No dia 11 de novembro de 2022, pelas 17 horas, no Salão Nobre do Ministério da Justiça, sito na Praça do Comércio, em Lisboa, realizou-se a presente reunião, no âmbito do processo de negociação coletiva setorial sobre as medidas de valorização salarial dos trabalhadores em funções públicas alteração da estrutura remuneratória da carreira de segurança da Polícia Judiciária, nos termos dos artigos 350.º e seguintes da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, entre o Ministério da Justiça e a Associação Sindical dos Seguranças da Polícia Judiciária (ASSPJ).
Em representação do Ministério da Justiça estiveram presentes:
o O Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Dr..., que coordenou o processo negocial em representação da Sra. Ministra da Justiça, conforme previsto no n.5 do artigo 349.0 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas;
o O Chefe do Gabinete da Srª. Ministra da Justiça, Dr. ...
o A Chefe do Gabinete do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Ora.
Fátima Consciência;
o A Técnica Especialista, Ora. ...;
o A Técnica Especialista, Ora. ...;
o A secretariar a reunião, Dra. ...;
Em representação do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública esteve presente a Ora. ..., Técnica Especialista do Gabinete da Secretária de Estado da Administração Pública.
Em representação do membro do Governo responsável pela área das finanças esteve presente o Dr. ..., Técnico Especialista do Gabinete da Secretária de Estado do Orçamento.
Em representação da Associação Sindical dos Seguranças da Polícia Judiciária estiveram:
o O Presidente da Direção, Dr. ...;
o O Vice-Presidente da Direção, Dr. ....
Pelo Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça (SEAJ) foram apresentados cumprimentos a todos os presentes, tendo de seguida indicado os elementos que compõem a presente mesa negocial.
Seguidamente, referiu a razão da convocatória - negociação da valorização salarial das carreiras/categorias pressionadas pela base remuneratória da Administração Pública, no que à carreira de segurança da PJ diz respeito - numa ótica de melhoria do estatuto profissional dos trabalhadores, sendo uma das componentes dessa melhoria e dessa dignificação a valorização ou revalorização remuneratória de cada classe e de cada categoria profissional.
Mais referiu que nessa valorização existe uma componente fixa para todos os trabalhadores, isto é, um aumento mínimo para todos de 52,11 € e, para alguns outros, há, também, um adicional de mais 52,11€, isto é, existirá, já em 2023, um aumento global de 104,00€ (como é o caso da carreira especial da segurança da policia judiciária).
Sendo que nos restantes anos, até 2026, também irão beneficiar do aumento de 52,11
€ em cada ano.
Foi dada a palavra à Dra. ... que, no essencial, salientou que a proposta aqui apresentada visa, não só o aumento dos 52,11€, que é transversal, mas o aumento adicional de um nível remuneratório da TRU que pretende dar resposta a um problema que ao longo dos anos foi ficando cada vez mais evidente, e que resulta do aumento da base remuneratória da Administração Pública em linha com o aumento da retribuição mínima mensal garantida e que foi criando uma compressão nas carreiras de grau de complexidade funcional 2.
Tenta-se agora, com este acordo plurianual, entre outras medidas, resolver esta questão da compressão com uma tentativa de diferenciação das carreiras especiais e gerais de grau de complexidade funcional 2.
Pretende-se, assim, assegurar o equilibrio na diferenciação entre as carreiras gerais de assistente técnico e assistente operacional, de grau de complexidade distintos (2 e 1, respetivamente), e simultaneamente a valorização e diferenciação da carreira de segurança da PJ, da carreira geral de assistente técnico, através da atribuição adicional de um nível da TRU, para além do aumento transversal de 52,11€ que irá abranger todos os trabalhadores da Administração Pública, atendendo a que se trata de uma carreira especial.
Dada a palavra aos representantes dos Gabinetes (GSEAP e GSEO), a Dra. ... corroborou a intervenção da Dra. ... e, no mais, nada tiveram a acrescentar.
Tendo sido dada a palavra à ASSPJ, pelo Presidente da Direção, Dr. ..., foi dito que a medida agora apresentada não desagrada completamente. Ainda assim, manifestou preocupação pelo facto de a carreira de segurança ser uma carreira que consideram ter remunerações baixas e, simultaneamente ser a mais penalizada em virtude de no projeto de diploma que consagra a avaliação do desempenho dos trabalhadores das carreiras da PJ, prever um sistema de diferenciação de desempenho com a fixação de quotas, diferentemente do que sucede na carreira de investigação criminal, questão que gostariam de ver revertida.
Mais acrescentou que uma das preocupações da Associação é a do salário dos funcionários da carreira de segurança da PJ, tendo em vista a projeção da inflação.
Fez ainda referência à perda de elementos que possuem a habilitação académica de licenciados que, face à sobrecarga de trabalho e ao facto de a remuneração não ser atrativa, acabarem por ir para outras entidades.
Salientando que não foi para isso que se investiu na formação e que é de evitar que se volte a verificar a saída de elementos depois de já terem entrado.
Neste sentido, e como forma de reter recursos humanos (o quadro devia ser de 250, e tem menos de metade), defendeu que a estrutura remuneratória da carreira deveria prever um intervalo de 3 níveis remuneratórios da TRU, à semelhança do que sucede na carreira de especialista de polícia científica em vez da alteração que agora é proposta, reafirmando a questão da reversão da previsão de um sistema de diferenciação de desempenho, através da fixação de quotas como igualmente importante.
Pelo Vice-Presidente da ASSPJ, Dr. ..., foi referido que o regime de exclusividade a que estão sujeitos não lhes permite auferir qualquer tipo de remuneração (por exemplo, a título de formadores), como acontece com outros órgãos de polícia criminal.
Pelo Senhor Chefe do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça, Dr. ..., foi referido que, em relação à 1ª reunião havida, estamos a trabalhar proativamente em todas as vertentes apresentadas, - na questão da avaliação, bem como na regulamentação do estatuto profissional, - mas tendo em conta este contexto especifico, são matérias que não devem ser tratadas nesta sede.
Frisa que a proposta apresentada implica a aproximação à carreira de especialista de polícia científica da PJ, em termos percentuais e reais, já que no ano de 2023, a 1. ª posição remuneratória da carreira de segurança irá corresponder ao valor de 955,37€.
O Vice-Presidente da ASSPJ respondeu, discordando da referência à aproximação em termos reais, em virtude da inflação.
Por último, os dois elementos da ASSPJ reconheceram saber que não estão sozinhos, mas que têm obrigação de defender os seus interesses.
Tendo sido dada a palavra aos presentes, não houve manifestações nesse sentido.
Ouvidas as preocupações e comentários da ASSPJ, o Senhor SEAJ referiu que o Ministério da Justiça está, naturalmente, preocupado com as questões expostas, pese embora as preocupações sejam abrangentes a todas as classes. A proposta ora apresentada pela Associação vai para além da que está em cima da mesa e traria um efeito de arrastamento de outras carreiras porque estão em causa outros Ministérios e outras carreiras (Administração Interna, Defesa e Saúde) e há que manter um equilíbrio em termos de justiça para todas as categorias profissionais.
Referiu igualmente que existe um quadro geral delimitado de até onde se pode ir - que é de 104 € (52 + 52). Para já, disse, enfrentaremos 2023 com esta valorização, sem prejuízo de ponderar todas as contrapropostas.
Disse ainda ser este um caminho progressivo em que existe a garantia de que em 2023 (bem como nos anos subsequentes até 2026) haverá um aumento real, enquanto a inflação é uma estimativa.
Vincou ainda que existe da parte deste Ministério um esforço suplementar através de um animus para quem está na base e com retribuições mais baixas. Acrescenta que está a ser feita uma radiografia transversal de tudo o que tem a ver com recursos humanos. Olhamos para todo o universo da justiça mas este olhar específico vai para quem mais precisa.
Afirma que houve intenção de estabelecer diálogo de forma gradual e proporcionada e reitera que este diálogo vai continuar
Por último, o Senhor Chefe do Gabinete da Senhora Ministra da Justiça, Dr. ..., solicitou aos representantes da ASSPJ que enviem a sua contraproposta, a fim de ser analisada antes da próxima reunião.
Após conjugação de agendas, foi designado o próximo dia 16 de novembro, pelas 17,30 horas, para a segunda ronda negocial.
Finalmente, pelas 17 horas e 40 minutos, pelo Senhor SEAJ foi encerrada a reunião.
Nada mais havendo a tratar foi lavrada a presente Ata, que depois de lida e achada conforme, vai ser assinada pelos representantes das duas partes «(…)».
4) Ainda no contexto do processo negocial foi realizada, entre Demandante e Demandado, no Ministério da Justiça, uma reunião negocial em 16.11.2022.
5) Dessa reunião foi lavrada Ata, devidamente subscrita pelos representantes de Demandante e Demandado, onde consta o seguinte:
«(…)
Ata da segunda reunião entre o Ministério da Justiça e a Associação Sindical dos Seguranças da Polícia Judiciária, de 16 de novembro de 2022.
No dia 16 de novembro de 2022, pelas 17 horas e 35 minutos, no Salão Nobre do Ministério da Justiça, sito na Praça do Comércio, em Lisboa, realizou-se a presente reunião, no âmbito do processo de negociação coletiva setorial sobre as medidas de valorização salarial dos trabalhadores em funções públicas - alteração da estrutura remuneratória da carreira de segurança da Polícia Judiciária, nos termos dos artigos
350.º e seguintes da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei n.0 35/2014, de 20 de junho, entre o Ministério da Justiça e a Associação Sindical dos Seguranças da Polícia Judiciária (ASSPJ).
Em representação do Ministério da Justiça estiveram presentes:
o O Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Dr. ..., que coordenou o processo negocial em representação da Sra. Ministra da Justiça, conforme previsto no n.º 5 do artigo 349.0 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas;
o O Chefe do Gabinete da Sra. Ministra da Justiça, Dr. ...;
o A Chefe do Gabinete do Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, Ora.
...;
o A Técnica Especialista, Dra. ...;
o A Técnica Especialista, Dra. ...;
o A secretariar a reunião, a Técnica Especialista, Dra. ...;
Em representação do membro do Governo responsável pela área da Administração Pública esteve presente a Dra. ..., Técnica Especialista do Gabinete da Secretária de Estado da Administração Pública.
Em representação do membro do Governo responsável pela área das finanças esteve presente a Dra. ..., Adjunta do Gabinete do Ministro das Finanças (que compareceu apenas no decurso da mesma, não tendo existido qualquer objeção por parte da ASSPJ em se iniciar a reunião sem a sua presença)
Em representação da Associação Sindical dos Seguranças da Polícia Judiciária estiveram:
o O Presidente da Direção, Dr. ...;
o O Vice-Presidente da Direção, Dr. ....
No início da reunião pelo Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça (SEAJ) foram apresentados cumprimentos a todos os presentes, agradecendo novamente a presença de todos, dando nota de se que encontra finalizada a ata da 1ª reunião negocial, para verificação e, em caso de concordância, serem recolhidas as respetivas assinaturas.
Indicou que foram recebidos os contributos/proposta enviados pela ASSPJ, os quais agradece.
Referiu que foi analisada a proposta e reitera o que foi dito na primeira reunião, o
Ministério da Justiça está empenhado em valorizar e dignificar o estatuto de todos os trabalhadores no âmbito do Ministério. Esta negociação é muito específica, muito particular, e o facto de ter um desfecho que possa não corresponder aos anseios e legítimas expectativas da ASSPJ, não significa que haja uma suspensão no tempo e que não voltemos a falar nos próximos tempos.
A proposta foi avaliada pelo Ministério da Justiça, reafirmando que existe uma real preocupação de valorizar as categorias/carreiras.
Seguidamente, foi dada a palavra ao Presidente da Direção, Dr. ..., que reitera o que foi abordado na 1.ª reunião: idealmente seria de existirem 3 níveis de diferenciação entre cada posição remuneratória da carreira, porque efetivamente foram muito prejudicados até aqui, conforme se encontra a sua estrutura remuneratória.
Reconhecem e agradecem o esforço feito, mas conforme propõem, os dois níveis remuneratório trariam, de facto, alguma motivação, principalmente para os elementos mais novos numa ótica de alento para o futuro.
De facto, a carreira dos SPJ é muito horizontal, começa-se como segurança e acaba se como segurança, razão pela qual alguns colegas procuram outras carreiras, perdendo-se elementos e o investimento feito, atendendo a que consideram a carreira de técnico superior mais aliciante, sobretudo face às recentes valorizações das carreiras gerais.
Será difícil manter os elementos, se não for feita uma atualização que permita diminuir o fosso que se verifica com as restantes carreiras da PJ que é bastante acentuado, a que acrescem as quotas, e ao tempo que se demora até chegar ao topo da carreira, que é, basicamente, comparável ao que é o início das outras carreiras.
É essencialmente nestes pontos que se pretende sensibilizar.
Em resposta, o Senhor SEAJ mencionou que, neste momento, temos este enquadramento muito específico, ao qual não se pode "fugir", por isso, não podemos perder o horizonte do futuro, mesmo que hoje não possamos ir ao encontro da proposta da ASSPJ. Como é sabido, o que aqui se tem discutido foi tratado numa articulação entre a área governativa da justiça e os membros do governo responsáveis pela Administração Pública e Finanças, é um trabalho a três, pelo que não podemos ir além do que já se propôs.
Este é o quadro atual, mas existirá sempre espaço para ouvir as vossas preocupações e legítimas aspirações, até porque reconhece que o conteúdo funcional destes trabalhadores não se cinge ao mero e simples desempenho de funções de segurança, como recentemente teve oportunidade de ouvir por parte dos responsáveis, e é por isso que importa manter este diálogo.
Após, pelo Senhor Chefe do Gabinete da Sra. Ministra da Justiça, Dr. ..., foi referido que a margem negocial não pode ir além disto.
O aumento proposto para 2023 será de 120,73€ (+9,2%) face à situação remuneratória atual (2022), considerando a remuneração base e a inerente atualização do respetivo suplemento de risco.
Tendo em conta a progressividade dos aumentos propostos para 2024, 2025 e 2026, é de referir que um segurança da Polícia Judiciária que entre nesta carreira em 2026 auferirá uma remuneração superior à atual em cerca de 316,00€, ou seja, um aumento superior a 24% face à situação remuneratória atual.
Teríamos todo o gosto de hoje chegar a um consenso, gostaríamos de ir ao encontro das vossas propostas, mas não podemos fazê-lo.
O Vice-Presidente da Direção, Dr. ..., agradeceu que o Senhor SEAJ tenha visto e dada a devida atenção ao conteúdo funcional da carreira de segurança da polícia judiciária, sendo que haverá outras decisões e questões que podem ser melhoradas para o total dos 120 funcionários (SPJ).
O Senhor SEAJ referiu estar ciente da diferenciação salarial entre carreiras na PJ.
Há que tornar as carreiras mais atrativas, ainda que não seja apenas pelo nível salarial, existem outras áreas ou circunstâncias nas quais se pode trabalhar para melhorar e dignificar a carreira, pois é igualmente importante.
Pelo Presidente da Direção, Dr. ..., foi mencionado estar a encontrar as pessoas motivadas (seus colegas), como já não viam há muito tempo, mesmo com cansaço, fruto das formações a decorrer neste momento no IPJCC, ainda que não sejam, totalmente, as pretendidas.
Mais referiu que é premente a realização de Planos de Emergência e que os mesmos que sejam implementados em vários edifícios, a nível nacional.
Por fim, disse não concordar com a proposta apresentada, ainda que compreenda as questões até agora referidas pelo Senhor SEAJ.
Neste momento, o Senhor SEAJ indicou que a associação está no direito de não aceitar a proposta, no entanto, não serão alterados os moldes em que a mesma foi apresentada. Podem, ainda assim, caso entendam, avançar com um pedido de uma negociação suplementar. Será benéfico que esta proposta seja implementada o quanto antes, para o diploma poder ser aprovado no próximo dia 24 e para que possam em tempo ser desenvolvidas todas as diligências ligadas às questões procedimentais de parametrização e processamento de remunerações, que permitam que, em janeiro de 2023, todos os trabalhadores possam auferir as suas remunerações atualizadas.
Os representantes da associação sindical indicaram prescindir dessa negociação suplementar.
Finalmente, o Senhor SEAJ agradeceu a lisura e frontalidade demonstrada pelos elementos da ASSPJ, assinalando a disponibilidade da tutela para receber a Associação Sindical sempre que tal seja necessário.
Quando eram 18 horas e 06 minutos, foi declarada encerrada a reunião e apresentada a ata da 1.ª reunião negocial que, após verificação e concordância, foi assinada.
Nada mais havendo a tratar foi lavrada a presente Ata, que depois de lida e achada conforme, vai ser assinada pelos representantes das duas partes (…)».
6) Na sequência dos procedimentos de negociação coletiva decorrentes da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, entre os quais a negociação supra referida, foi aprovado o Decreto-Lei n.º 84-F/2022, de 16 de dezembro.
15. A fixação da matéria de facto baseou-se nos documentos juntos pelas Partes, e na prova testemunhal produzida em sede de audiência, bem como na aplicação dos princípios e regras em matéria de ónus de alegação e de prova.
16. Sendo que, a convicção e motivação do Tribunal Arbitral para a prova dos sobreditos factos, que se afiguram ser os pertinentes para a boa decisão da causa, resulta dos factos articulados pelas Partes e, sobretudo, da análise crítica da prova documental produzida (as duas Atas respeitantes ao procedimento de negociação coletiva), que, saliente-se, a prova testemunhal produzida não põe em crise – porquanto as duas testemunhas ouvidas não infirmam o que foi feito constar das Atas, apresentando, isso sim, interpretação distinta (da do Demandado) quanto aos termos do acordo que resultou do aí feito consignar –, tendo sido, ainda, tomados em consideração os factos instrumentais para a compatibilização de toda a matéria de facto tida por adquirida. Neste conspecto, importa salientar que as Partes juntaram documentos com os seus articulados que, na sua globalidade, foram submetidos ao pleno contraditório das partes, não tendo sofrido impugnação – maxime as duas Atas do processo de negociação coletiva. Também se verifica que nos articulados das Partes, embora a interpretação dos factos não seja coincidente, a subsunção jurídica efetuada radica na apreciação dos mesmos documentos. Assim, a controvérsia em análise assenta, essencialmente, na interpretação dos factos e das normas legais pertinentes e não tanto em torno de uma divergência, por ser inexistente, acerca dos factos (essenciais e instrumentais) documentalmente corporizados, já que as Partes os aceitam.
IV. Fundamentos de Direito
17. O thema decidendi situa-se no diferente entendimento que a Demandante e o Demandado retiram do acordo celebrado em sede do processo de negociação coletiva setorial sobre as medidas de valorização salarial dos trabalhadores em funções públicas – alteração da estrutura remuneratória da carreira de segurança da Polícia Judiciária, nos termos dos artigos 350.º e seguintes da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP) –, e consignado nas Atas de 11.11.2022 e 16.11.2022, designadamente no que tange aos trabalhadores, associados da Demandante, integrados em posições remuneratórias não consagradas na Tabela Remuneratória Única (TRU), tendo presente a aplicação do Decreto-Lei n.º 84-F/2022.
18. Em síntese:
(i) A Demandante sustenta que o acordado em sede de negociação coletiva foi a existência de um aumento remuneratório de € 104,00, a partir de 2023, aplicável a todos os trabalhadores integrados na carreira de segurança, independentemente da sua antiguidade e da posição remuneratória em que se encontrassem inseridos (e, ainda, de se encontrarem num nível remuneratório previsto na TRU ou não);
Ao passo que,
(ii) O Demandado sustenta que o acordado em sede de negociação coletiva foi a existência de um aumento remuneratório para todos de 52,11 €, e apenas para alguns outros (in casu traduzir-se-ia nos trabalhadores da carreira de segurança integrados nas duas posições remuneratórias inferiores da TRU), um adicional de 52,11 €, com um aumento global de 104,00 €.
19. Em face dos factos assentes, importa aplicar o Direito, passando pela apresentação das questões jurídicas em apreço e do seu respetivo enquadramento jurídico.
A) Da negociação coletiva
20. Dispõe o artigo 347.º da LTFP que é garantido aos trabalhadores com vínculo de emprego público – a todos os trabalhadores sejam nomeados ou contratados1 – o direito de negociação coletiva nos termos da presente lei [n.º 1]; visando a negociação coletiva [n.º 3]
a) Obter um acordo sobre as matérias que integram o estatuto dos trabalhadores em funções públicas, a incluir em atos legislativos ou regulamentos administrativos aplicáveis a estes trabalhadores;
b) Celebrar um instrumento de regulamentação coletiva convencional aplicável a trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas.
21. No caso em apreço o quadro normativo convocado é o da negociação coletiva sobre o estatuto dos trabalhadores em funções públicas [cf. artigos 350.º a 354.º], em particular a matéria de remuneração e outras prestações pecuniárias, incluindo a alteração dos níveis remuneratórios e do montante pecuniário de cada nível remuneratório [cf. al. f) do n.º 1 do artigo 350.º da LTFP].
22. No que releva para o caso vertente, em matéria de procedimento negocial, estatui o n.º 6 do artigo 351.º da LTFP que «[d]as reuniões havidas são elaboradas atas, subscritas pelas partes, donde consta um resumo do que tiver ocorrido, designadamente os pontos em que não se tenha obtido acordo» (sublinhado nosso).
23. Dispondo o n.º 1 do artigo 352.º da LTFP que «[t]erminado o período de negociação sem que tenha havido acordo, pode abrir-se uma negociação suplementar, a pedido das associações sindicais, para resolução dos conflitos».
24. Culminando o artigo 354.º da LTFP, referente ao acordo decorrente da negociação, com a previsão de que o acordo a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 347.º «obriga o Governo a adotar as medidas legislativas ou administrativas adequadas ao seu integral e exato cumprimento, no prazo máximo de 180 dias, devendo, nas matérias que careçam de autorização legislativa, submeter as respetivas propostas de lei à Assembleia da República, no prazo máximo de 45 dias» [n.º 1], sendo que no caso de se finda a negociação suplementar sem obtenção de acordo «o Governo toma a decisão que entender adequada» [n.º2].
B) Do regime previsto no Decreto-Lei n.º 84-F/2022, de 16 de dezembro
25. O Decreto-Lei n.º 84-F/2022, de 16 de dezembro, aprovou medidas de valorização dos trabalhadores da Administração Pública, entre as quais a alteração da estrutura remuneratória da carreira de segurança dos trabalhadores da Polícia Judiciária [vide a al. k) do n.º 1 do artigo 1.º], procedendo à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, que estabelece o estatuto profissional do pessoal da Polícia Judiciária, bem como o regime das carreiras especiais de investigação criminal e de apoio à investigação criminal [vide a al. g) do n.º 2 do artigo 1.º].
26. Sendo que, o Decreto-Lei n.º 84-F/2022, de 16 de dezembro, surge na sequência dos «procedimentos de negociação coletiva decorrentes da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas» e «[n]o uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 180.º da Lei n.º 12/2022, de 27 de junho, e nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 347.º, da alínea f) do n.º 1 do artigo 350.º e do n.º 1 do artigo 354.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual, e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição» [vide Preâmbulo] (ênfase gráfico nosso).
27. Prevê o artigo 4.º do diploma legal em glosa, sob a epígrafe «Atualização das remunerações base na Administração Pública» que «[a] remuneração base mensal dos trabalhadores que auferem uma remuneração até (euro) 709,47 é atualizada para o valor da BRAP» [n.º 2) e que «[a] remuneração base mensal dos trabalhadores que auferem uma remuneração entre (euro) 709,48 e (euro) 2612,03 é atualizada em (euro) 52,11» [n.º 3].
28. Mais preconizando o artigo 18.º daquele diploma, sob a epígrafe «Alteração da estrutura remuneratória da carreira de segurança da Polícia Judiciária», que «[o} anexo iii a que se referem o n.º 2 do artigo 67.º, o n.º 1 do artigo 68.º, o artigo 69.º, o n.º 1 do artigo 96.º e o n.º 4 do artigo 101.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, é alterado com a redação constante do anexo xiv ao presente decreto-lei e do qual faz parte integrante».
29. Por fim, o artigo 20.º, n.º 2, do citado diploma contém uma disposição de salvaguarda, por via da qual «[a]os trabalhadores inseridos nas carreiras e categorias objeto de valorização que se encontrem posicionados em nível remuneratório automaticamente criado, não pode resultar, em ulterior alteração da posição remuneratória, uma posição inferior àquela que lhe seria devida, por força da aplicação das regras do reposicionamento remuneratório e do normal desenvolvimento da carreira, vigentes à data de entrada em vigor do presente diploma».
30. Ainda com interesse para a decisão do caso vertente, o artigo 96.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, preceitua que «[n]a transição para as carreiras de investigação criminal, de especialista de polícia científica e de segurança, os trabalhadores são reposicionados na posição remuneratória das tabelas, constantes dos quadros 1 a 3 do anexo III ao presente decreto-lei, a que corresponda nível cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base [n.º 1], sendo que «[n]a aplicação do número anterior, em caso de falta de identidade, os trabalhadores são reposicionados em posição remuneratória automaticamente criada, cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário a considerar para efeitos de reposicionamento na data da entrada em vigor do presente decreto-lei» [n.º 2] – ou seja, em “posição virtual”.
C) Do procedimento de negociação entre Demandante e Demandado
31. Como decorre da materialidade de facto dada como assente, o procedimento de negociação coletiva setorial sobre as medidas de valorização salarial dos trabalhadores em funções públicas, conducente à alteração da estrutura remuneratória da carreira de segurança da Polícia Judiciária, seguiu o regime previsto nos artigos 350.º a 354.º da LTFP, maxime:
(i) Tendo das reuniões havidas sido elaboradas atas – apud Atas das duas reuniões ocorridas entre Demandante e Demandado, em 11.11.2022 e 16.11.2022, juntas como Doc. n.º 1 e 2 (respetivamente) com a P.I. –, subscritas pelas partes, donde consta um resumo do que ocorreu, designadamente os pontos em que não se obteve acordo [in casu, não houve acordo quanto há criação de 3 níveis de diferenciação entre cada posição remuneratória da carreira, como atesta a Ata de 11.11.2022 «(…) Tendo sido dada a palavra à ASSPJ, pelo Presidente da Direção, Dr. ..., foi dito que a medida agora apresentada não desagrada completamente (…) Neste sentido, e como forma de reter recursos humanos (o quadro devia ser de 250, e tem menos de metade), defendeu que a estrutura remuneratória da carreira deveria prever um intervalo de 3 níveis remuneratórios da TRU, à semelhança do que sucede na carreira de especialista de polícia científica em vez da alteração que agora é proposta, reafirmando a questão da reversão da previsão de um sistema de diferenciação de desempenho, através da fixação de quotas como igualmente importante»; e a Ata de 16.11.2022 «dada a palavra ao Presidente da Direção, Dr. ..., que reitera o que foi abordado na 1.ª reunião: idealmente seria de existirem 3 níveis de diferenciação entre cada posição remuneratória da carreira, porque efetivamente foram muito prejudicados até aqui, conforme se encontra a sua estrutura remuneratória» (…) «Neste momento, o Senhor SEAJ indicou que a associação está no direito de não aceitar a proposta, no entanto, não serão alterados os moldes em que a mesma foi apresentada. Podem, ainda assim, caso entendam, avançar com um pedido de uma negociação suplementar. Será benéfico que esta proposta seja implementada o quanto antes, para o diploma poder ser aprovado no próximo dia 24 e para que possam em tempo ser desenvolvidas todas as diligências ligadas às questões procedimentais de parametrização e processamento de remunerações, que permitam que, em janeiro de 2023, todos os trabalhadores possam auferir as suas remunerações atualizadas»];
(ii) E terminado o período de negociação não foi aberta qualquer fase de negociação suplementar, a pedido da Demandante, para resolução dos conflitos, o que só sucederia em caso de terminar o período de negociação sem a existência de uma plataforma de acordo (veja-se, nesse sentido, a Ata de 16.11.2022, «[o]s representantes da associação sindical indicaram prescindir dessa negociação suplementar»);
(iii) Na sequência do acordo alcançado no procedimento de negociação, o Governo, tendo em vista aquilo que a Lei define como o «integral e exato cumprimento» do acordo adotou as medidas legislativas expressas no Decreto-Lei n.º 84-F/2022 (supra reproduzidas).
D) Da interpretação do acordo alcançado entre Demandante e Demandado
32. Conforme atrás deixámos expresso, a divergência entre as Partes assenta no diferente entendimento que retiram do acordo celebrado em sede do processo de negociação coletiva setorial sobre as medidas de valorização salarial dos trabalhadores em funções públicas: (i) A Demandante sustenta que o acordado em sede de negociação coletiva foi a existência de um aumento remuneratório de € 104,00, a partir de 2023, aplicável a todos os trabalhadores integrados na carreira de segurança, independentemente da sua antiguidade e da posição remuneratória em que se encontrassem inseridos (e, ainda, de se encontrarem num nível remuneratório previsto na TRU ou não); (ii) O Demandado sustenta que o acordado em sede de negociação coletiva foi a existência de um aumento remuneratório para todos de 52,11 €, e apenas para alguns outros um adicional de 52,11 €, com um aumento global de 104,00 €.
33. Estamos, portanto, confrontados com um problema de interpretação do acordado entre as Partes no procedimento de negociação coletiva havido no âmbito das medidas de valorização salarial dos trabalhadores em funções públicas, em concreto a alteração da estrutura remuneratória da carreira de segurança da Polícia Judiciária.
34. As partes não contestam o que fizeram constar das Atas do procedimento de negociação que subscreveram, todavia têm diferente interpretação quanto ao integral e exato conteúdo do acordado, e, concomitantemente, divergem quanto a se as medidas legislativas adotadas pelo Governo, na sequência desse procedimento de negociação coletiva (no caso sub judice, o Decreto-Lei n.º 84-F/2022), são adequadas ao «integral e exato cumprimento» do acordado, como exigido pelo n.º 1 do artigo 354.º da LTFP.
35. Aqui chegados, como auxiliar de interpretação daquilo que foram os exatos termos do acordo alcançado em procedimento de negociação coletiva teremos de atender às regras atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil, visto os efeitos desse acordo se traduzirem na adoção de medidas legislativas por parte do Governo, ou seja os termos desse acordo serão refletidos em normas dotadas de generalidade e abstração e serão suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros2.
36. Isto posto, a apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma "tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal" (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).
37. Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).
38. O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
39. O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
40. O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
41. Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
42. Em síntese, recordando os princípios que devem ser observados na interpretação da lei, como na interpretação de qualquer norma, de acordo com a doutrina:
«A lei deve ser entendida como se atrás dela estivesse não a entidade real histórica - indivíduo ou grupo de indivíduos que a produziu -, mas um certo legislador abstracto, convencional - um legislador razoável, quer na recolha da substância legal, quer na sua formulação técnica», no entender de Manuel de Andrade, Ensaio sobre a Teoria da Interpretação das Leis, 2.ª ed., p. 103.
«O sentido decisivo da lei coincidirá com a vontade real do legislador, sempre que esta seja clara e inequivocamente demonstrada através do texto legal, do relatório do diploma ou dos próprios trabalhos preparatórios da lei», como escrevem Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, 1.º vol., 1967, p. 16.
«No que respeita à interpretação jurídica, dissemos que ela visa também, através de uma exteriorização, apurar um sentido. Há de característico a exteriorização de que se parte sem uma fonte, e o resultado que se procura atingir representar uma norma. Estamos no domínio daquilo que Betti chama interpretação em função normativa», de acordo com José de Oliveira Ascensão, em O Direito - Introdução e Teoria Geral, 2.ª ed., p. 342.
43. Procuraremos agora interpretar o feito consignar nas Atas do procedimento de negociação coletiva em discussão, amparados pela orientação resultante da doutrina citada.
44. Sustenta a Demandante que o acordado em sede de negociação coletiva foi a existência de um aumento remuneratório de € 104,00, a partir de 2023, aplicável a todos os trabalhadores integrados na carreira de segurança, independentemente da sua antiguidade e da posição remuneratória em que se encontrassem inseridos (e, ainda, de se encontrarem num nível remuneratório previsto na TRU ou não).
45. Todavia, na tarefa interpretativa do acordado entre as Partes – dos integrais e exatos termos acordados como requer a LTFP –, o elemento gramatical ou literal surge como uma barreira inultrapassável à interpretação da Demandante, porquanto, como consta logo na Ata de 11.11.2022, foi aceite o seguinte:
«Pelo Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça (SEAJ) foram apresentados cumprimentos a todos os presentes, tendo de seguida indicado os elementos que compõem a presente mesa negocial.
Seguidamente, referiu a razão da convocatória - negociação da valorização salarial das carreiras/categorias pressionadas pela base remuneratória da Administração Pública, no que à carreira de segurança da PJ diz respeito - numa ótica de melhoria do estatuto profissional dos trabalhadores, sendo uma das componentes dessa melhoria e dessa dignificação a valorização ou revalorização remuneratória de cada classe e de cada categoria profissional.
Mais referiu que nessa valorização existe uma componente fixa para todos os trabalhadores, isto é, um aumento mínimo para todos de 52,11 € e, para alguns outros, há, também, um adicional de mais 52,11€, isto é, existirá, já em 2023, um aumento global de 104,00€ (como é o caso da carreira especial da segurança da policia judiciária). Sendo que nos restantes anos, até 2026, também irão beneficiar do aumento de 52,11 € em cada ano» (sublinhado nosso).
46. Ou seja, o argumento literal não nos permite concluir que foi acordado um aumento remuneratório de € 104,00, a partir de 2023, aplicável a todos os trabalhadores integrados na carreira de segurança da Polícia Judiciária, pelo contrário, o que é dito, expressamente, é que para todos os trabalhadores haveria um aumento mínimo de 52,11 €, e que apenas para alguns haveria um adicional de mais 52,11€.
47. Ademais, não curou a Demandante de fazer constar nas Atas do procedimento de negociação coletiva a determinação de quem seriam esses outros “alguns”, tanto mais que a única divergência que levou a Demandante a uma segunda reunião foi, como já mencionámos, a pretensão de existirem 3 níveis de diferenciação entre cada posição remuneratória da carreira.
48. Outrossim, convocando, com as devidas adaptações, os elementos lógicos interpretativos, (a) o sistemático, que tem em conta a unidade do sistema jurídico; (b) o histórico, constituído por precedentes normativos, trabalhos preparatórios e occasio legis; e (c) o teleológico, que é a justificação social da lei, não avultam nos registos do procedimento negociação coletiva em causa elementos que, com esses fundamentos lógicos, nos permitam sufragar a tese interpretativa da Demandante de que foi acordado um aumento de € 104,00, a partir de 2023, aplicável a todos os trabalhadores integrados na carreira de segurança da Polícia Judiciária.
49. Nesse sentido, não nos é permitido concluir que o regime jurídico presente nas medidas legislativas que se seguiram ao procedimento de negociação coletiva, o regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84-F/2022, desrespeite o acordo alcançado.
50. Dito de outro modo, a interpretação de que por força do artigo 4.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 84-F/2022, em conjugação com o artigo 96.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, os trabalhadores, que se encontravam integrados em 31-12-2022 na carreira especial de segurança, posicionados em posição remuneratória automaticamente criada, ou seja, em “posição virtual”, beneficiam apenas da atualização do montante de € 52,11, sendo posicionados, caso continue a não existir identidade com o nível remuneratório da carreira, em posição virtual, não desrespeita o acordado – desde lodo, por ser convergente com o expresso nas Atas de que apenas para alguns haveria um adicional dos referidos mais 52,11€.
V. Decisão
Tendo por fundamento as razões de facto e de direito acima aduzidas, julga-se o pedido totalmente improcedente, por não provado, porquanto, não se verifica a existência de fundamento legal que condene o Demandado a proceder à alteração, com efeitos retroativos a 01.01.2023, do estatuto remuneratório aplicável aos associados da Demandante, nos termos e com as consequências do que esta entende ser o acordo alcançado em sede de negociação coletiva.
*
Valor do processo: Por ser esse o valor indicado pela Demandante, sem oposição por parte da Demandada (mais se tratando de valor consentâneo com o preceituado nos artigos 31.º a 34.º, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), fixa-se o valor da ação em €16.604,80 (dezasseis mil seiscentos e quatro euros e oitenta cêntimos).
*
Relativamente às custas processuais, resulta do disposto no artigo 29.º, n.º 5, do RACAAD, que nas arbitragens que tenham por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público não há lugar a fixação do critério de repartição de encargos processuais, pagando-se em função do valor fixado nas tabelas de encargos processuais.
Tendo presente o valor fixado à presente causa, e atendendo ao disposto na tabela I anexa ao referido Regulamento, fixam-se os encargos processuais devidos e presentes nessa tabela de acordo com o correspondente “Valor da Causa para Ações de defesa dos direitos e interesses coletivos legalmente protegidos dos trabalhadores que representam” e o “N.º de Trabalhadores representados” (no caso da Demandante, mais de 50), conforme essa tabela, nesse montante se imputando os eventuais preparos ou adiantamentos que cada um deles haja já realizado na presente arbitragem.
*
Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do RACAAD.
CAAD, 10/10/2024
O Árbitro
Vasco Cavaleiro
1 Vide Pires, Miguel Lucas, Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, Anotada e Comentada, Coimbra: Almedina, 2.ª Edição, 2016, p. 398.
2 Em lugar paralelo, veja-se o entendimento constante do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2014 de 02-06-2014 publicitado no Diário da República n.º 105/2014, série I de 2014-06-02, "(...) na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções colectivas de trabalho regem as regras atinentes à interpretação da lei, consignadas, em particular, no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem susceptíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros”.