Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 24/2014-A
Data da decisão: 2015-04-19  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Audiência prévia – Mobilidade interna
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Decisão Arbitral

 

 

 

Demandante: SINDICATO A… (em representação da associada B…)

 

Demandada: INSTITUTO C…

 

Relatório

Veio o Demandante, A…, em representação da associada B… propor neste tribunal arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) uma ação administrativa contra a Demandada, C…, I.P..

 

Para o efeito, o Demandante alegou, em síntese, que a sua associada B… havia requerido a mobilidade interna na categoria, por um período de 18 meses, para qualquer outro serviço daquele instituto público mais próximo da sua área de residência, a qual lhe foi negada, pelo menos duas vezes, com fundamento nas necessidades do serviço de origem. Mais alega o Demandante que tal decisão não só viola várias disposições constitucionais, como também o artigo 61.º,n.º 1 in fine e n.º 8, alínea b) da lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (“LVCR”). O Demandante alegou, também, um vício de forma, no caso concreto, a preterição de audiência prévia, tendo requerido ao Tribunal o seguinte:

A) Anular o despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do C… de 10/04/2014, subsequentemente confirmado por deliberação do Conselho Diretivo daquele instituto público, por violação do disposto nos art. 61.º, n.º 1 in fine e n.º 8, al. b) LVCR e consequentemente, condenar o C… a autorizar a mobilidade interna na categoria da associada no Demandante para serviço próximo da sua área de residência (como sejam os serviços de Albergaria-a-Velha, Estarreja, Oliveira de Azeméis, Ovar, Santa Maria da Feira ou São João da Madeira) ou para o Centro … de …. e … da D….

Ou

B) Anular o despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do C… de 10/04/2014, subsequentemente confirmado por deliberação do Conselho Diretivo daquele instituto público, por erro grosseiro quanto aos seus pressupostos ou, em qualquer caso, por violação do disposto nos arts. 13º, 17.º, 18.º, n.º 1 e 2, 59.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, al. c), 64.º, n.º 2, al. b) e 266.º, n.º 2 CRP e, portanto, das injunções constitucionais de igualdade (na vertente de discriminação positiva) e proporcionalidade na restrição de direitos fundamentais de natureza análoga, como são os direitos da associada do Demandante à proteção na doença e à conciliação da vida profissional e familiar e consequentemente, condenar o C… a autorizar a mobilidade interna na categoria da associada no Demandante para serviço próximo da sua área de residência (como sejam os serviços de Albergaria-a-Velha, Estarreja, Oliveira de Azeméis, Ovar, Santa Maria da Feira ou São João da Madeira) ou para o Centro …. de … e … da D….

C) Anular o despacho do Exmo. Senhor Vice-Presidente do C… de 10/04/2014, subsequentemente confirmado por deliberação do Conselho Diretivo daquele instituto público, por violação do disposto nos arts. 267.º, n.º 5 CRP e 100.º CPA, com fundamento em preterição de formalidade essencial.

 

Devidamente notificado da Petição Inicial do Demandante, veio a Demandada contestar, contrariando, no essencial, a interpretação de direito feita pelo Demandante.

 

 

Questão Prévia

O Demandante baseia, em parte, a sua pretensão no alegado desrespeito, pela Demandada, do disposto na LVCR. Porém, como se sabe, a Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, revogou a LVCR, com exceção aos artigos 88.º a 115.º (inaplicáveis ao caso concreto).

 

Embora nenhuma das Partes tenha levantado esta questão, para que dúvidas não subsistam, o Tribunal considera que a lei aplicável ao presente litígio é a LVCR, na medida em que, apesar de o artigo 9.º da Lei n.º 35/2014 dispor que “ficam sujeitos ao regime previsto na LTFP aprovada pela presente lei os vínculos de emprego público e os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho constituídos ou celebrados antes da sua entrada em vigor”, a mesma expressamente ressalva os “efeitos de factos ou situações totalmente anteriores àquele momento”, como parece ser o caso (na medida em que a existir um direito da associada do Demandante a ser colocada em mobilidade este constituiu-se, totalmente, em momento anterior à entrada em vigor da nova lei.

 

 

Fatos Provados

Como referido em anterior despacho, as Partes estão de acordo quanto aos factos em disputa, circunscrevendo-se a sua disputa à interpretação da lei. Assim, do cortejo do alegado pelas Partes e do procedimento administrativo (“PA”), dão-se por assentes os seguintes factos:

 

  1. B… é associada do Demandante e trabalhadora do C…, tendo a categoria de escriturária e pertence ao quadro da …:
  2. Em 25/02/2014, B… requereu ao Senhor Vice-Presidente do C…, com competências delegadas pelo Conselho Diretivo nos termos do ponto 2.1, ii), al. c) da Deliberação n.º …/2013, publicada na II Série do DR em …, se dignasse autorizar a sua mobilidade interna na categoria, por um período de 18 meses, para qualquer outro serviço daquele instituto público mais próximo da sua área de residência;
  3. Em 14/04/2014, B… foi notificada de decisão final do Senhor Vice-Presidente que indeferiu o pedido formulado;
  4. A referida decisão foi notificada ao Demandante sem que previamente tivesse tido oportunidade de se pronunciar sobre qualquer projeto de decisão;
  5. Já em 20/05/2011, B… havia requerido que fosse autorizada a sua mobilidade para a … de …, tendo esta sido indeferida.

 

A Aplicação do Direito

Ao acto impugnado são, em síntese, assacados dois vícios: por um lado, o mesmo encontrar-se-ia eivado de erro sobre os pressupostos de direito (seja por aplicação directa da lei seja por aplicação de princípios que também se reconduzem ao vício de violação de lei); por outro lado, o acto seria ainda inválido por ausência de audiência prévia.

 

Adiante-se, desde já que o Demandante não pode deixar de ter razão.

 

Com efeito, começando pelo vício formal que vem assacado ao vício, tenha-se desde logo em conta que as Partes se encontram de acordo quanto à ausência de realização de audiência prévia. E, na verdade, como decorre dos factos provados, a decisão de 14 de Abril de 2014, foi tomada sem prévia audiência dos interessados, no caso da associada do Demandante.

 

O artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), na versão anterior ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro dispunha que “concluída a instrução, e salvo o disposto no artigo 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta”, pelo que a audiência dos interessados consiste num autêntico direito dos particulares, apenas susceptível de ser afastada nos específicos casos previstos no artigo 103.º do CPA.

 

Ora, nem o caso concreto se insere em nenhuma das circunstâncias que permitem a inexistência ou a dispensa de audiência prévia, nem tal circunstância foi devidamente alegada e explicitada, como deveria ser.

 

Assim, não há qualquer dúvida que o acto em crise violou o artigo 100.º do CPA, inquinando-o com um vício procedimental que conduz, por via de regra, à sua invalidade.

 

Diz-se por via de regra na medida em que, de facto, em certas circunstâncias permite-se ao Tribunal que, não obstante o vício em causa – que sempre existirá, como, manifestamente, existe no caso concreto –, afaste o seu efeito invalidante, por recurso ao princípio do aproveitamento do acto.

 

A este propósito as Partes alegam, por um lado, que tal apenas seria possível no âmbito de poderes estritamente vinculados, enquanto a Demandada defende que também no âmbito de poderes discricionário poderá o Tribunal afastar a relevância invalidante do acto.

 

Ora, quanto a este concreto segmento decisório, não se pode deixar de concordar com a Demandada, embora, evidentemente, o Tribunal deva actuar com especiais deveres de cautela no âmbito de atos com teor discricionário.

 

Acresce ainda que é entendimento do Tribunal – e tem sido da doutrina e da jurisprudência – que a dispensa de efeito invalidante à ausência de audiência prévia apenas deverá ser decidida em casos concreto muito específicos, sob pena de transformar uma autêntica garantia dos particulares (para muitos um direito fundamental), num mero rito procedimental, sem relevância substantiva, o que parece ser admissível.

 

Assim, do nosso ponto de vista, mais relevante do que saber se estamos perante um acto vinculado ou discricionário, o relevante será determinar se é possível afirmar que, independentemente do que a Demandada dissesse em audiência prévia, não haveria a mínima hipótese de alterar o sentido da decisão.

 

Quanto a esta questão – que nos parece ser a determinante – a Demandada limita-se alegar, de forma conclusiva, em 77.º que o “incumprimento da norma do art.º 100 do CPA em nada modificaria o conteúdo do acto”, para consequentemente afirmar que já anteriormente diversos pedidos de destacamento/mobilidade haviam sido indeferidos.

 

Como é evidente, não é o facto de ter havido outros pedidos indeferidos que podem consistir base para indeferir, também, o presentemente efetuado: as circunstâncias subjetivas da associada da Demandante podem alterar-se, tal como se podem alterar as circunstâncias dos serviços. Acresce que a Demandada várias vezes escusa o indeferimento no facto de a Demandante não ter comprovado devidamente a sua incapacidade física, o que manifestamente justificaria a abertura de uma fase de audiência prévia para que a Demandada pudesse, querendo, juntar ao procedimento outros documentos ou arrolar outros meios de prova. O que manifestamente não é possível é, ao mesmo tempo, afirmar-se que com ou sem audiência prévia a decisão seria a mesma e que a decisão (apenas ou também, é indiferente) é aquela devido à ausência de comprovação de certos factos.

 

Assim, deverá o acto em causa ser anulado, devendo a Demandada retomar o procedimento na fase em que se encontrava (isto é, submetendo o projeto de decisão à consideração dos interessados), anulando todo o remanescente.

 

Embora já se tenha decidido anular o acto em crise por preterição de audiência prévia, parece-nos que o Tribunal não deverá, sobretudo no âmbito de um Tribunal Arbitral do qual se espera que contribua activamente para pacificar as relações em crise, deixar de conhecer o vício de conteúdo, até com vista obter a solução mais definitiva possível para o litígio em causa.

 

Acresce que, de acordo com o número 2 do artigo 95.º do CPTA, “nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas” e, quando tenha sido pedida a condenação da Administração “deve explicitar as vinculações a observar pela Administração.

 

Impõe-se, por isso, conhecer do vício de fundo com uma dupla função: quer porque o Tribunal deverá sempre conhecer de todos os vícios quer para poder explicitar as vinculações a que a Administração estará sujeita quando levar a cabo o seu projeto de decisão.

 

A principal divergência entre as Partes prende-se com a interpretação do artigo 61.º, n.º 1 e 8 da LVCR.

 

Assim sendo, comecemos por ver a letra da lei (de acordo com a redação dada pela Lei n.º 66/2012, de 31 de dezembro).

1 – Em regra, a mobilidade interna depende do acordo do trabalhador e dos órgãos ou serviços de origem e de destino, podendo ser promovida pelas entidades empregadoras públicas ou requerida pelo trabalhador.

8 – No âmbito dos serviços referidos nos n.os 1 e 2 do artigo 3º, é dispensado o acordo do serviço de origem para efeitos de mobilidade interna, em qualquer das suas modalidades, quando:

a) Se opere para serviço ou unidade orgânica situados fora das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto;

b) Tiverem decorrido seis meses sobre recusa de acordo, numa situação de mobilidade interna relativa ao mesmo trabalhador e ainda que para outro serviço de destino.

 

Da simples leitura do n.º 1 concluiu-se que a mobilidade, naquela data, tanto poderia ser promovida pelas entidades públicas, como requerida pelo Trabalhador. Ou seja, embora o artigo 59.º condicione a mobilidade às situações que “haja conveniência para o interesse público, designadamente quando a economia, a eficácia e a eficiência dos órgãos ou serviços o imponham”, a verdade é que o artigo 60.º expressamente permite que sejam os Trabalhadores a requerer a sua própria mobilidade.

 

Acresce ainda que, de acordo com o número 8 do mesmo artigo, em determinadas circunstâncias deixa de ser necessário o acordo do serviço de origem. Em concreto, assim será quando a mobilidade é requerida para “serviço ou unidade orgânica situados fora das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto”, (o que bem se compreende dada a dificuldade acrescida de recrutamento fora dessas áreas metropolitanas), ou quando “Tiverem decorrido seis meses sobre recusa de acordo”.

 

A este propósito a entidade Demandada refere, por uma banda, que o “âmbito de aplicação [do n.º 8 do artigo 61.º] abrange apenas a mobilidade interna entre diferentes organismos da administração directa e indirecta do Estado e não entre serviços desconcentrados que integram o mesmo organismo”; por outra banda, que o n.º 14 do mesmo artigo ao regular que “o disposto no presente artigo não prejudica a existência de outros regimes de mobilidade, nomeadamente os regimes próprios de carreiras especiais”, daria guarida ao regime (interno) instituído pelo Despacho n.º …/2012.

 

Vejamos:

 

Embora o n.º 8 do artigo 61.º possa ser discutível do ponto de vista de iure condendo (na medida em que, de uma interpretação conjugado do n.º 1 com o n.º 8 daquele artigo 61.º, após um período de seis meses, deixará de ser necessário obter o consentimento do serviço de origem e o trabalhador não poderá deixar de beneficiar da mobilidade por razões atinentes ao serviço de origem (o que, na prática, implicará que após um primeiro pedido o serviço em causa fique sempre na iminência perder um dos seus funcionário)), nenhuma outra conclusão se pode retirar daquele artigo que não tenha quer ver com política legislativa (por contraposição ao direito constituído).

 

Na verdade, tal como se referia, embora tal norma possa ser discutível do ponto de vista de iure condendo, já não nos parece que seja admissível a distinção efetuada, no sentido de que aquela apenas seria aplicável às relações entre diferentes organismos, pelas seguintes ordens em razão.

 

Em primeiro lugar e sobretudo, a letra da lei não autoriza qualquer distinção quanto ao âmbito de aplicação. Pelo contrário, a letra da lei parece ser o mais inclusiva possível, na medida em que expressamente se refere à mobilidade interna “em qualquer das suas modalidades”.

 

Em segundo lugar, do ponto de vista sistemático ou teológico, não nos parece ser admissível a referida restrição no sentido de que aquela apenas seria admissível quando referente a mobilidade interna entre diferentes organismos. Com efeito, do ponto de vista dos serviços – em sentido amplo – será mais conflituante com a sua organização a mobilidade de um organismos para outros (entre organismos da administração direta e indireta do Estado), do que entre serviços desconcentrados, onde em número geral o número de trabalhadores se mantém. Ou seja, do ponto de vista racional, parece-nos que tal restrição apenas teria uma razão de ser precisamente no sentido inverso (quando houvesse transferência entre diferentes organismos). Nessa hipótese talvez fosse de considerar se a letra da lei não seria demasiado ampla, mas não no caso concreto.

 

Por último, sem prejuízo das competências próprias de organização interna, consubstanciadas no Despacho n.º …/2012, a verdade é que este não e subsumível no disposto no número 14 do artigo 8.º, porquanto, não reveste a natureza de regime próprio de carreiras especiais e não pode implicar que, pura e simplesmente, deixe de poder haver mobilidade a requerimento do trabalhar, faculdade que lei expressamente lhe confere e que não pode ser postergado por mero despacho.

 

Da Decisão

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, julgar procedente a acção devendo a Demandada elaborar um projecto de decisão que deverá ser sujeito a audiência prévia da interessada, condenando-se a Demandada, ainda, a ter em consideração no referido projecto de decisão o disposto na alínea b) do n.º 8 do artigo 61.º da LVCR, nos termos atrás expostos.

 

Fixa-se à causa, tal como indicado pelo demandante sem oposição da demandada, o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).

 

Custas a cargo da Demandada.

 

Publique-se, notifique-se com cópia esta decisão arbitral às partes, depositando-se o original e, oportunamente, arquive-se o processo

 

Espinho, 19 de Abril de 2015

 

 

O Árbitro

Diogo Duarte de Campos