DECISÃO ARBITRAL
I. Das partes, do tribunal arbitral, do objeto e saneamento processual
O Demandante, A..., NIF..., residente na ... n.º... ...-... ..., ..., a exercer funções na Polícia Judiciária, na carreira de ...,
apresentou o pedido de constituição de tribunal mediante requerimento nos termos do artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (““Regulamento do CAAD”), dele fazendo constar a sua p.i.
contra, o Demandado,
Ministério da Justiça, com sede na Praça do Comércio, 1149-019 Lisboa.
O Ministério da Justiça[1] é Demandado, por força do n.º 2 do artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), enquanto pessoa coletiva de direito público.
A presente arbitragem integra a área administrativa, versa sobre matéria de relações jurídicas de emprego público, conforme registo #10987, da plataforma utilizada por este Centro de Arbitragem[2]. Não oferece qualquer hesitação a legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada[3], conforme decorre do Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, publicado no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de fevereiro de 2009, nem a possibilidade de vinculação prévia à sua jurisdição, in casu, administrativa.
De acordo com o disposto do artigo 187.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”) a vinculação de cada Ministério à jurisdição deste CAAD depende da Portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça[4] e daquele competente em razão da matéria, para estabelecer o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
Nessa medida, por decorrência da referida portaria, tanto o Demandante Ministério da Justiça, como o Instituto de Registos e Notariado, I.P estão vinculados a esta jurisdição[5], porquanto:
“a composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto: questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” (negrito nosso).
Seja pelo valor da presente ação (€ 30.000,01), seja pelo objeto do litígio, a mesma integra-se inequivocamente no âmbito da referida vinculação deste CAAD, é este Tribunal competente, cuja aceitação do pedido ocorreu a 03/08/2023 e na mesma data a sua constituição, seguindo de perto o Regulamento da Arbitragem, em particular, o sentido dos artigos 15.º n.º 2 e n.º 3 e 16.º n.º 1 e o Código Deontológico[6].
Atenta a orientação do direito constituído, iremos proferir decisão em consonância com os artigos 5.º n.º 1 alínea f) e 26.º n.º 1 do Regulamento da Arbitragem[7].
Antes disso, pelo despacho arbitral proferido 10/11/2023, à Demandante foi concedido o prazo de 10 dias para “relativamente à testemunha por si arrolada, informar o Tribunal se mantém o interesse no seu depoimento, em caso afirmativo, indicar quais os concretos pontos da sua petição inicial e/ou factos serão objeto de prova testemunhal e indicar a previsão temporal para a tomada do depoimento indicado”.
Ainda nos termos do referido despacho arbitral, findo o prazo inicial, este Tribunal concedeu às partes 10 dias para estas, querendo, “juntar aos autos (novos) documentos, eventuais correções e esclarecimentos de questões suscitadas nas peças processuais, nomeadamente, processo administrativo, devidamente numerado (“PA”)”, “informarem os autos pela oportunidade e /ou utilidade de realizar-se tentativa de conciliação” e “informar o tribunal da pretensão de ver a(s) audiência(s) de prova gravada(s), se aplicável”.
O Demandante, dentro do prazo concedido por este Tribunal, veio responder, em pleno, à solicitação do Tribunal (quanto à prova testemunhal) e, ao mesmo tempo, aditar a inquirição de outra testemunha. Por usa vez, o Demandado, por requerimento de 30/11/2023, pugnou pela não admissão da prova testemunhal, pela impossibilidade de conciliação das partes e pela gravação da audiência de prova.
Mais tarde, por requerimento datado de 12/12/2023, o Demandado, juntou o processo administrativo ordenado e numerado, aludido no seu requerimento anterior.
Posteriormente, por despachos proferidos em 03/01/2024, 05/01/2024 e 11/01/2024, procedeu-se ao agendamento da audiência de prova e alegações orais, dando-se expressão ao disposto no artigo 151.º do CPC e solicitou-se às partes a indicação do modo de realização das inquirições das testemunhas arroladas. A audiência de prova e alegações orais tiveram lugar a 31/01/2024.
Posto isto, trespassada a fase instrumental, em apelo à alínea b) do art.º 5.º do Regulamento CAAD compete-nos a “Autonomia do tribunal na condução do processo e na determinação das regras aplicáveis”.
Em consonância com o artigo 30.º, n.º 3 da Lei da Arbitragem Voluntária quando não sejam definidas regras processuais aplicáveis à presente arbitragem, supletivamente, serão aplicadas os conceitos e regras decorrentes, em primeira linha, do CPTA e depois do Código de Processo Civil (CPC) em consonância com o artigo 206.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Chegados aqui, saneado o processo, cumpre decidir:
o Tribunal é competente e foi validamente constituído;
as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas;
a representação das partes por mandatários está conforme;
inexiste matéria a decidir quanto ao âmbito acima indicado;
não subsistem nulidades processuais, havendo, porém, de decidir sobre a questão-prévia da caducidade do direito de ação, será esta apreciada prioritariamente.
Atribui-se à causa o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Como predecessora à decisão a consignar, resulta da tramitação o entendimento quanto ao objeto do litígio e de questão decidenda, não obstante se reportar na sua extensão, à matéria de direito. Releva-se e foram valorados os meios de provas, designadamente a prova documental junta pelas partes durante a fase dos articulados e a prova testemunhal arrolada e produzida (pelo Demandante).
A tentativa de conciliação foi dispensada tendo-se realizado a audiência e prova e produzido alegações orais, dando-se como reproduzidas, tal qual constam no ficheiro constante na plataforma do CAAD, da diligência ocorrida a 31/01/2024.
Inexiste novos elementos documentais, correções ou esclarecimentos suscitados.
II – Do objeto da presente ação e das posições das Partes:
O Demandante integra a carreira de ... da Polícia Judiciária, no exercício daquelas funções, em 15/03/2022, foi notificado da proposta de avaliação de desempenho reportada a 2020. Em tal proposta, o Demandante “foi classificado com a pontuação final de 8,28 valores e classificação de “Bom”, equivalente a desempenho “Adequado”.”
O Demandante, atempadamente, exerceu o direito de audiência prévia quanto a tal proposta de classificação, porém, a decisão manteve o sentido da proposta. O Demandante interpôs recurso hierárquico, dirigido à Srª. Ministra da Justiça, contudo, a 26/05/2023, o recurso apresentado foi indeferido.
Pela ação intentada, “pretende o Autor, enquanto trabalhador integrado na carreira de ... da Polícia Judiciária, colocar em crise o ato administrativo que homologou a avaliação do seu desempenho respeitante ao ano de 2020”, já que considera a avaliação pejada de ilegalidades e assente em pressupostos de facto improcedentes, em consequência, “não só tal ato deve ser anulado na presente instância arbitral, como, para além disso, que uma justa decisão da sua situação concreta impõe que se conclua por uma avaliação totalmente distinta da que lhe foi atribuída, com todos os efeitos decorrentes para a sua situação laboral.”
Tudo isto conduz ao pedido formulado a final (sic):
a) “deve a presente ação ser julgada procedente e, em consequência, anular-se o ato impugnado e condenar-se o Réu a avaliar o Autor com uma pontuação final de 9,5 valores e uma classificação final de Muito Bom.”
b) Se assim não se entender: “anulando-se o ato impugnado e condenando-se o Réu a avaliar o Autor sem reincidir nos vícios acima identificados.”
c) Em qualquer dos casos: “Deve ser condenado o Réu a indemnizar o Autor pelos prejuízos resultantes da prática do ato impugnado em quantia a apurar em execução de sentença.”
Para tanto, em síntese, o Demandante alega:
a) “O Autor encontra-se integrado na carreira de ... da Polícia Judiciária.”
b) No “(…) dia 15.3.2022 foi o Autor notificado da proposta de avaliação de desempenho referente ao ano de 2020.”
c) Consta de tal proposta, “(…) o Autor foi classificado com a pontuação final de 8,28 valores e classificação de “Bom”, equivalente a desempenho “Adequado”.”
d) O Demandante foi notificado para exercer o direito de audiência prévia (25/08/2022), tendo-o exercido (05/09/2022).
e) A decisão final foi notificada ao Demandante a 06/01/2023, pela qual lhe foi atribuída a “classificação de Bom, 8,28”.
f) O Demandante, inconformado “interpôs recurso hierárquico dirigido à Ministra da Justiça”.
g) A decisão da impugnação administrativa foi conhecida pelo Demandante a 26/05/2023, uma decisão de indeferimento do recurso.
Esta é a factualidade na base do petitório da Demandante, cujo Demandado acompanha, não havendo discência sobre esta mesma base factual, porém, acrescentando-lhe factos, os quais, a seu tempo, faremos notar.
O objeto da ação, do que resulta da petição inicial e da contestação, prende-se com uma solução iminentemente de direito e da sua (correta) interpretação e aplicação.
A esta factualidade, o Demandante acrescentou considerações de direito, as quais podem, perfeitamente, ser elencadas da seguinte forma, a que reconduzimos o núcleo essencial da posição da Demandante:
a) “Um dos argumentos (quiçá o principal) para não atribuir ao Autor uma classificação superior reside na existência das vulgarmente designadas “quotas” para as classificações mais elevadas.”
b) A progressão da carreira, “de acordo com o artigo 75.º da Lei 66-B/2007 de 28 de dezembro (vide o Despacho n.º 4812O22-GADN)“, é sujeita às vagas a fixar anualmente, para as menções de Desempenho Adequado e Desempenho Relevante, serão, respetivamente, de 25% e de 5%;
c) O sistema de quotas “(…) é, de facto, um sistema que não visa a promoção do mérito dos trabalhadores em funções públicas, desvirtuando absolutamente toda a valia profissional demonstrada”;
d) Tal sistema “introduz diferenciações ilegítimas entre os trabalhadores da mesma entidade, que são claramente desconformes com os princípios constitucionais da igualdade, da justiça, do mérito, ínsitos aos artigos 13.º, 266.º n. º 2 e 47.º n. º 2 da CRP.“
e) De facto, “a aplicação e interpretação cega e estritamente vinculada que delas é feita, viola em concreto os princípios constitucionais de igualdade, justiça e mérito, resultando em concreto numa avaliação eivada de ilegalidade agravada por inconstitucionalidade (cf. 13.º, 266.º n. º 2 e 47.º n. º 2 da CRP).”
f) O atual Estatuto Profissional do Pessoal da PJ (EPPJ) (Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro), determinou a criação de um novo sistema de avaliação de desempenho adaptado aos trabalhadores da PJ;
g) Não subsistindo até esta data tal Portaria, manteve-se em vigor a anterior, “desde que não contrária ao EPPJ e com as necessárias adaptações, nomeadamente o Regulamento de Classificações e Louvores da PJ.”
h) O quadro normativo vigente foi conciliado pelo “Despacho n.º 4812O22-GADN, que concretizou as regras aplicáveis ao período avaliativo relativo ao ano de 2020.”
i) Este Despacho, “consagra dois aspetos não integralmente coincidentes com a Lei do SIADAP, a saber: a) cria uma avaliação de desempenho que não tem paralelo no SIADAP (mau), com uma nota negativa, hipótese também não contemplada na Lei do SIADAP (v. art.º 50.º, n.º 4 ); b) estabelece critérios de desempate não inteiramente coincidentes com os previstos na Lei do SIADAP (art.º 84.º).”
j) Como tal, na parte em que contraria uma norma legal imperativa, é ilegal, “por violação do art.º 3.º do CPA e do art.º 266.º, n.º 1, da Constituição.”
k) “E o ato aqui impugnado, contanto incorpora e adere aos aludidos vícios, os quais se encontram inscritos na respetiva fundamentação, deve igualmente conceber-se como ilegal à luz do disposto nos artigos 152.º e 153.º do CPA.”
l) Assaca-se ainda ao ato impugnado o vicio de “ostensiva falta de fundamentação ou, mesmo, de ininteligibilidade.“
m) De acordo com a posição do Demandante, “o destinatário da avaliação, ou qualquer outro destinatário médio, não consegue alcançar as razões jurídicas e factuais que levaram o avaliador a atribuir as concretas pontuações que dele constam.”
n) Limitou-se “o avaliador e o titular do órgão que homologou essa classificação a afirmar meros juízos conclusivos que não correspondem a uma fundamentação clara, suficiente e coerente (…)” e, na falta dos “elementos comparativos da avaliação dos demais trabalhadores reentrantes no mesmo universo, não é possível demonstrar a justiça relativa da classificação atribuída ao recorrente.”
o) Da resposta à pronúncia do Demandante, limitou o Demandado a: “a) que o recorrente obteve uma classificação menos boa em alguns dos itens avaliados, sem concretizar os motivos que justificaram essas classificações; b) que as classificações dos anos anteriores (nomeadamente de 2019) não conferem nenhum direito à sua manutenção nos anos seguintes, mas sem esclarecer em que medida o alegado menos bom desempenho do recorrente em 2020 contribuiu para uma classificação inferior neste mesmo ano; c) que o regime das quotas impede que todos os trabalhadores, ainda que porventura o justifiquem, possam obter a classificação mais elevada.”
p) Na perspetiva do Demandante, esta resposta ficou aquém da densificação exigível pois: “a) o trabalhador continuou, em 2020, a desempenhar as suas funções em termos absolutamente idênticos aos de 2019, mas sendo-lhe atribuída uma classificação inferior; b) outros trabalhadores da mesma carreira, objeto de processos disciplinares, obtiveram nesta mesma avaliação classificação superior (sendo que o recorrente não foi objeto de qualquer processo ou sanção disciplinar desde que exerce funções).”
q) Por tudo isto: “Encontra-se, assim, violado o dever de fundamentação que recai sobre a Administração, especificamente nestes procedimentos, tal como previsto no art.º 56.º, n.º 1, al. f), da Lei n.º 66-B/2007 e segundo o qual o avaliador deve “Fundamentar as avaliações de Desempenho relevante e Desempenho inadequado, para os efeitos previstos na presente lei”.”
r) Por fim, alega o Demandante, a violação das regras da Lei do SIADAP.
s) Quanto a este fundamento, aduz o Demandante, “Não foram fixados quaisquer objetivos ao Autor, em sede de avaliação do desempenho.”
t) A fixação de objetivos “constitui uma obrigação imposta inequivocamente pelo art.º 67.º, alínea a), da Lei do SIADAP.”
u) E, acrescenta: “o avaliador nunca teve contato profissional direto com o avaliado” e “a decisão que materializou a classificação atribuída ao Autor, assim como a posterior homologação, padecem do vício de violação de lei, por ofensa ao disposto no n.º 1 do art.º 56.º da Lei do SIADAP.”
v) Vícios estes, reconduzidos pelo Demandante, “à respetiva anulabilidade (art.º 163.º, n.º 1, do CPA (…)”.
w) Como tal, tudo conduz à conclusão “o Autor que foi injustamente avaliado num conjunto de tais parâmetros” e, “é possível concluir que a justa avaliação impunha que lhe fosse atribuída a pontuação final de 9,5 valores e a classificação final de Muito Bom.”
Regularmente citado, o Demandado deduziu o seu articulado, apresentou defesa por exceção e impugnação da interpretação da matéria de direito convocada para o litígio.
Da emergente factualidade enunciada pelo Demandando traz à colação, em síntese que:
a) Em primeiro lugar, a caducidade do direito de ação, pois que “verifica-se a exceção da intempestividade da prática do ato processual, prevista no art.º 89.º, n.º 4, alínea k), do CPTA, a qual dá lugar à absolvição da instância, nos termos do n.º 2 do citado preceito do CPTA.”
b) Depois, quanto às quotas, o Demandado aduz não assistir razão ao Demandante, já que, por apelo ao princípio da igualdade “são admitidas situações fundamentadas de tratamento desigual, radicadas em critérios de justiça, que atinjam objetivos legítimos e sejam proporcionadas no preenchimento desses objetivos.”
c) “Pelo que não se alcança em que medida a existência de quotas para atribuição de menções mais elevadas de avaliação pode constituir violação daquele princípio, nem o Demandante consegue demonstrar a sua alegação.”
d) E, quanto à violação do “estatuído no n.º 2 do artigo 47.º da CRP, há que ter presente que aquela norma constitucional mais não faz do que estabelecer o direito de acesso à função pública para todos os cidadãos”, “(…) não foi impedido de aceder à função pública”, “pelo que, também nesta sede, improcedem as alegações do Demandante.”
e) Da violação do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, afirma o Demandado, “mais uma vez o Demandante não apresenta factos que, concretamente, permitam inferir a existência de violação da legalidade plasmada naquela norma constitucional.”
f) “Tendo-se limitado a Polícia Judiciária a aplicar as normas do EPPJ, concretamente, a alínea c), do artigo 69.º, o n.º 3 do artigo 70.º, o n.º 1 do artigo 99.º e o n.º 2 do artigo 104.º”
g) No tocante à ilegalidade do Despacho n.º 4812022-GADN, de toda a sua fundamentação, o Demandado, conclui “não se vislumbra a existência de qualquer ilegalidade no referido Despacho.”
h) Este despacho não é violador do princípio da legalidade vertido no artigo 3.º do CPA, nem o disposto no princípio da prossecução do interesse público, vertido no n.º 1 do artigo 266.º da CRP.
i) Segundo o Demandante: “O EPPJ estabelece que se aplica “aos trabalhadores das carreiras especiais o regime em vigor para os trabalhadores em funções públicas, com vínculo de nomeação, em tudo o que não se encontre especialmente regulado no presente decreto-lei e respetiva regulamentação”, através, nomeadamente, do disposto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (artigo 4.º do EPPJ).”
j) E: “O mesmo Estatuto, remete para normas do Sistema de Avaliação de Desempenho da Administração Pública, designadamente no que respeita a critérios de diferenciação de desempenhos, quando no n.º 3 do artigo 70.º relativamente a alteração obrigatória de posicionamento remuneratório, se remete para a necessidade de o trabalhador obter 10 pontos nas avaliações de desempenho, “de acordo com o estabelecido no sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública, aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, na sua redação atual””
k) Isto é, “prevê a diferenciação de desempenho, com a criação de quotas máximas para as menções qualitativas mais elevadas, devendo as mesmas ser distribuídas de forma proporcional por todas as carreiras.”
l) Ora, prossegue-se, “a avaliação de desempenho relativa ao ano de 2020 dos trabalhadores afetos à Polícia Judiciária, não foi realizada nos termos do SIADAP, mas sim, de acordo com o Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária, aprovado por Despacho Normativo n.º 233/80, publicitado no DR, I Série, n.º 179, de 5 de agosto (RCLPJ) com as adaptações necessárias decorrentes do estipulado no EPPJ – conforme se dispõe no n.º 2 do artigo 104.º do EPPJ; por sua vez, o artigo 9.º do RCLPJ prevê a classificação “Mau” para pessoal da investigação criminal e pessoal auxiliar da investigação criminal, bem como para o restante pessoal da Polícia Judiciária.”
m) Daqui que, se preveja a atribuição de pontuação negativa e critérios de desempate, nos termos dos despachos n.º 07/2021-GADN, de 01.03.2021, n.º 32/2021-GADN, de 29.09.2021 e n.º 48/2022-GADN, de 08.08.2022.
n) Do que se refere à assacada falta de fundamentação, o Demandado, acentua: “Até à aprovação dos diplomas e regulamentos referidos no número anterior, mantém-se em vigor, com as necessárias adaptações, a regulamentação atualmente aplicável, desde que não contrarie o disposto no presente decreto-lei.”
o) Por referência ao anterior, aplicando-se o RCLPJ: “Assim, encontra-se clara e perfeitamente fundamentada cada uma das notações atribuídas ao Demandante, bem como a notação final, uma vez que essa fundamentação resulta, desde logo, do cruzamento da pontuação atribuída com o texto que lhe corresponde na ficha de notação, revelando, coerentemente, qual o iter cognoscitivo percorrido pelos notadores.”
p) Nestes termos, “(…) a margem de intervenção discricionária do notador está circunscrita à opção entre as hipóteses típicas facultadas pela ficha de notação, não podendo alterar a ponderação relativa dos diversos fatores, nem atribuir notas que não sejam as predefinidas na ficha, nem expressar autonomamente fundamentação para cada uma das suas opções, exorbitando da fundamentação que tipicamente a lei consignou a cada opção classificativa.”
q) E, do cruzamento das notações atribuídas ao Demandante, com a descrição na ficha de notação, correspondente àquela notação, extrai-se qual o iter cognoscitivo percorrido pelos notadores.
r) Continuando, o Demandado, da alegada não fixação de objetivos e da competência para avaliar, diz: sendo aplicável o RCLPJ e “não tendo sido aplicado o SIADAP à avaliação de desempenho de 2020, não havia qualquer obrigação de contratualizar ou fixar objetivos.”
s) O mesmo quanto ao titular da avaliação, ora, aplicando-se o RCLPJ, “determina-se no n.º 1 do artigo 5.º do referido Regulamento que “A competência para notar pertence, conjuntamente, aos superiores hierárquicos imediato e do segundo nível do notado.”
t) Isto para se concluir, à luz do RCLPJ, estes argumentos pereceram por falta de fundamento.
u) O mesmo quanto ao item da justa avaliação do Autor, segundo o Demandado, “também nesta sede não lhe assiste razão, conforme se passa a demonstrar. “
v) Isto, pois, sendo o “ato proferido ao abrigo dos poderes discricionários, fundamentado em valorações próprias do exercício da função administrativa, é jurisdicionalmente insindicável, exceto em casos de erro manifesto, de utilização de critérios desacertados ou inaceitáveis, ou desvio de poder.”
w) Conclusão semelhante quanto ao pedido de indemnização, uma vez que “a responsabilidade por factos ilícitos e culposos depende, da verificação dos pressupostos previstos para o instituto homólogo da responsabilidade civil regulado no Código Civil (cfr. artigo 483.º) – facto voluntário, ilícito, culposo, traduzido na imputação do facto ao lesante, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano, na perspetiva de que o facto é causa adequado do dano.”
x) Será o mesmo improcedente, atentos os pressupostos para efetivação do pedido de indemnização, “sendo os referidos requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, cumulativos, bastará não existir ilicitude e culpa para não se justificar o pedido de condenação ao pagamento de indemnização apresentado.”
Com estas alegações (não dissecadas exaustivamente, apenas extraídas as essenciais), termina e conclui o Demandadopela absolvição da instância e que deve a ação ser julgada absolutamente improcedente, devendo o Tribunal absolvê-lo do pedido.
Ainda na fase dos articulados, em sede de réplica, em resposta à invocada exceção de caducidade do direito de ação, o Demandante, pugna pela improcedência de tal exceção. Para efeitos de síntese, a posição do replicante é a seguinte:
a) A fundamentação, apesar da mesma situação fáctica, reporta-se a fundamentos distintos, de tal forma que, “o ato impugnado não corresponde a um ato meramente confirmativo do ato contido na decisão antecedente.”
b) “O acto confirmativo é apenas aquele que mantém o sentido e o conteúdo da decisão anterior, sem alterar a respectiva fundamentação, sem nada acrescentar ou retirar ao conteúdo do acto administrativo anterior.”
c) Não é caso destes autos, antes, não há coincidência dos fundamentos, “ou seja e numa palavra, entre ambas decisões diremos que só existe coincidência no sentido das mesmas.”
d) O prazo, tal como dito pelo Demandante, conta-se “a partir da data da decisão do recurso hierárquico.”
e) Por outra, em todo o caso, “os vícios que se assacam à conduta da Administração no caso vertente, pela sua gravidade, configuram verdadeiras nulidades e não meras anulabilidades, motivo pelo qual a ação não estará sujeita a qualquer prazo nos termos do artigo 58.º do CPTA.”
f) Estando diante da ofensa de direitos fundamentais, “ato de exclusão da candidatura será nulo de harmonia com o disposto no artigo 161.º, n.º 2, alínea d) do CPA e que fulmina com nulidade quaisquer atos «que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental».”
Terminada a fase dos articulados, com o confronto dos requerimentos probatórios, como indicado pela Demandante e Demandado nas respetivas peças processuais (cfr. art. 20.º, n.º 1 do “Regulamento CAAD”), verifica-se que as partes indicaram prova documental.
Quanto ao Demandante, registam-se os seguintes elementos:
· Documento n.º 1 – Classificação de Serviço;
· Documento n.º 2 – Notificação para exercício de Audiência Prévia;
· Documento n.º 3 – Audiência Prévia;
· Documento n.º 4 - Decisão de Classificação Final;
· Documento n.º 5 – Recurso Hierárquico;
· Documento n.º 6 – Ofício Decisão de Indeferimento do Recurso; e
· Documento n.º 7 - Decisão de Indeferimento do Recurso
Já pelo Demandado, ao abrigo do disposto no artigo 12.º do Regulamento do CAAD, foi junto o processo administrativo.
Chegados aqui,
considera-se produzida a prova testemunhal através dos 2 (dois) depoimentos prestados pelas testemunhas do Demandante: B... e C... .
Assente as considerações anteriores, cumpre apreciar e decidir ao abrigo do art. 25.º do Regulamento CAAD “descrição concisa da base factual, probatória e jurídica que a fundamenta.”
III - Da Fundamentação de Facto:
O Tribunal dá como provada a seguinte factualidade:
A – Factos provados:
-
O Demandante encontra-se integrado na carreira de ... da Polícia Judiciária;
-
A 15/03/2022 o Demandante foi notificado da proposta de avaliação de desempenho referente ao ano de 2020;
-
Nessa mesma data, o Demandante assinalo na ficha-resumo pretender apresentar reclamação;
-
Em 19/03/2022, o Demandante apresentou reclamação dirigida aos Notadores, a qual foi indeferida, por Despacho do Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária, de 18/07/2022;
-
O Demandante foi classificado com a pontuação final de 8,28 valores e classificação de “Bom”, equivalente a desempenho “Adequado”.
-
A 25/08/2022, o Demandante foi notificado da proposta de classificação e para exercer o direito de audiência prévia;
-
O direito de audiência prévia foi exercido em 05/09/2022;
-
A 06/01/2023, o Demandante veio notificado da decisão de classificação final, com a classificação de Bom, 8,28;
-
O Demandante interpôs recurso hierárquico dirigido à Srª. Ministra da Justiça; e
-
A 26/05/2023, o Demandante foi notificado da decisão de indeferimento do recurso hierárquico.
B – factos não provados:
Não se regista nenhum facto.
C – fundamentação da matéria dada como provada e não provada:
Para a fixação da matéria de facto, tanto a dada como provada, como a não provada, concorreu a invocação factual das partes (por acordo e resultante, em abundancia da prova documental), a prova documental junta, sem descurar a prova testemunhal, aquela indicada pelo Demandante.
Cumpre destacar os depoimentos prestados por B... e C...: o primeiro, declarou que trabalha diariamente com o Demandante, sendo responsável pela área, é profissional dedicado e disponível, relatou situações profissionais concretas e não notou diferenças entre o desempenho profissional entre 2019 e 2020; o segundo, declarou que trabalha diariamente com o Demandante desde 2020, numa equipa composta por 12 colaboradores, mostra disponibilidade e iniciativa.
IV – Da fundamentação de direito:
Como vimos acima, como questão-prévia, a qual não nos podemos evadir, invocou o Demandado a exceção de caducidade do direito de ação, importará, pois, exercer pronúncia sobre esta matéria (artigo 608º n.º1 do CPC).
A caducidade do direito de ação consubstancia uma exceção dilatória. A proceder, obstará ao prosseguimento do processo e conduzirá à absolvição do Demandado da instância, nos termos do artigo 89.º, n.º 1, 2 e 4, alínea k) do CPTA, conjugado com os artigos 278.º, n.º 1, al. e), 576.º, n.º 2 e 577.º todos do CPC, ex vi, artigo 1.º do CPTA.
Alega o Demandado, esta ação, interposta a 31/07/2023, considerando a tramitação procedimental anterior, é intempestiva. Já o Demandante, na sua réplica, alega não se verificar tal exceção, por um lado, por o ato impugnado não corresponder a um ato (meramente) confirmativo e, por outro, “os vícios que se assacam à conduta da Administração no caso vertente, pela sua gravidade, configuram verdadeiras nulidades e não meras anulabilidades, motivo pelo qual a ação não estará sujeita a qualquer prazo nos termos do artigo 58.º do CPTA.”
Ora, quanto a esta última alegação, nos termos do disposto no artigo 58.º do CPTA, os atos nulos não estão sujeitos a prazo de impugnação, já os atos anuláveis estão sujeitos ao prazo de 3 meses. Tal prazo será contado nos termos do CPTA e, por remissão deste, também do artigo 279.º do CC, ou seja, o prazo corre continuamente, não se suspendendo aos fins-de-semana, feriados e férias judiciais, inicia-se no dia seguinte ao da notificação do ato impugnado e transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte se terminar em domingo, dia feriado ou férias judiciais.
Pela sua natureza, é um prazo substantivo, de caducidade e perentório, cujo decurso determina a extinção do direito a propor a ação impugnatória (cfr. artigo 139.º n.º 3 do CPC).
O Demandante invoca a anulabilidade do ato administrativo em crise e, na réplica apresentada, a nulidade do mesmo.
Como vimos, já descartando a questão da natureza do vicio do ato administrativo, o Demandante assenta a tempestividade, no entendimento de que, entre o despacho do Senhor Diretor Nacional Adjunto da Polícia Judiciária de 14/12/2022, notificado a 06/01/2023 e o de Sua Excelência, a Ministra da Justiça, de 12/05/2023, que lhe foi notificado em 01/06/2023, não existe coincidência de fundamentos, como tal, “não corresponde a um ato meramente confirmativo do ato contido na decisão antecedente.” Vejamos,
Dita o artigo 53.º do CPTA “Não são impugnáveis os atos confirmativos, entendendo-se como tal os atos que se limitem a reiterar, com os mesmos fundamentos, decisões contidas em atos administrativos anteriores.”
Sendo assim, “importa reter que para se poder falar num ato meramente confirmativo não nos poderemos bastar com uma identidade de decisão, isto é, que os efeitos jurídicos produzidos sejam idênticos, ou que exista urna identidade de assunto, já que mesmo levando a idêntica decisão a esta se pode chegar mediante a invocação ou utilização de diferentes fundamentos, na certeza de que essa diversa fundamentação será suficiente para alterar e modificar os pressupostos da decisão e afastar a qualificação do ato como meramente confirmativo.”[8]
É assim porque o ato confirmativo não tem a virtualidade de abrir qualquer novo prazo, ou seja, se o ato anterior foi notificado ao seu destinatário e este não o tiver impugnado - tempestivamente -, pois não é um ato administrativo, pela falta de capacidade de produzir efeitos jurídicos inovatórios.
É quase unânime na jurisprudência, a verificação, cumulativa, dos seguintes requisitos para estarmos diante de um ato meramente confirmatório: o ato confirmativo seja lesivo, este ato seja do conhecimento do interessado e haja identidade de sujeitos, de objeto e de decisão entre o ato confirmado e o ato confirmativo.
Aplicando o acabado de tecer, o ato administrativo confirmativo é aquele, sem inovação relativamente ao ato confirmado, mantendo o sentido do anterior. E não será um ato confirmativo, a alteração de um dos elementos acima, para já não pudermos falar da aplicação do disposto no artigo 53.º do CPTA.
Completando o entendimento acima, na medida em que, apesar de se manter o sentido da decisão, esta assente em fundamentação diversa ou não coincidente, estamos, em qualquer dos casos, perante um novo ato.
Dito isto e sem mais, revertendo as nossas atenções para os atos administrativos invocados nestes autos, temos que, em bom rigor, entre o despacho de 14/12/2022 e o de Sua Excelência, a Ministra da Justiça, de 12/05/2023, não podemos afirmar que estão reunidos os pressupostos acima expendidos.
Na perspetiva deste Tribunal, comparando os despachos de 14/12/2022 e o subsequente de 12/05/2023, consta deste fundamentação diferente, sendo esta diversa fundamentação bastante para afastar os pressupostos supra indicados e afastarmos a possibilidade de qualificarmos este ato como meramente confirmativo.
Para concluir, perante as evidências, concluímos, pela não verificação da exceção dilatória de caducidade do direito de ação, prosseguimos para nos pronunciarmos sobre os argumentos empregues pela Demandante.
Como o põe o Demandante, “com a presente ação administrativa pretende o Autor, enquanto trabalhador integrado na carreira de ... da Polícia Judiciária, colocar em crise o ato administrativo que homologou a avaliação do seu desempenho respeitante ao ano de 2020.”
O Estatuto Profissional do Pessoal da Polícia Judiciária (EPPJ) (Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro), em matéria de avaliação de desempenho, remete para “o estabelecido no sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública, aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, na sua redação atual” (artigo 70.º do EPPJ).
Mais, transcorre do mesmo EPPJ, no seu artigo 76.º o seguinte:
1 - O regime de avaliação de desempenho dos trabalhadores das carreiras especiais é fundado nos princípios gerais do sistema de avaliação da Administração Pública compatíveis com a natureza da missão e com as atribuições da PJ, assentando em critérios objetivos, claros, transparentes e previamente conhecidos pelos trabalhadores.
2 - O sistema de avaliação de desempenho adaptado é aprovado, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, no prazo de 90 dias a partir da data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
3 - A notação final do processo de avaliação de desempenho é expressa em menções qualitativas de «Excelente», «Relevante», «Adequado» e «Inadequado», em função das pontuações de cada um dos parâmetros de avaliação, a definir na portaria referida no número anterior.
Para se concluir, nos termos do artigo 104.º do mesmo EPPJ:
1 - Salvo disposição legal em contrário, a legislação e regulamentação previstas no presente decreto-lei devem ser aprovadas no prazo de 180 dias a contar da data da sua entrada em vigor.
2 - Até à aprovação dos diplomas e regulamentos referidos no número anterior, mantém-se em vigor, com as necessárias adaptações, a regulamentação atualmente aplicável, desde que não contrarie o disposto no presente decreto-lei.
Quer-se com isto dizer, nos termos dos citados artigos, não havendo sido aprovados tais diplomas de adaptação, mantém-se em vigor, com as necessárias adaptações, a regulamentação atualmente aplicável, no caso, o Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária, aprovado por Despacho Normativo n.º 233/80.
Estas necessárias adaptações, reportam-se ao disposto no SIADAP e ao Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária.
Daí que, com respaldo no referido artigo 104.º do EPPJ, tenha sido necessário proceder-se à adaptação do Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária à letra do EPPJ, da LTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas) e do SIADAP.
Assim, pelos Despacho n.º 7-2021/GADN, de 01/03/2021, Despacho n.º 32/2021-GADN, de 29/12/2021 e Despacho n.º 48/2022-GADN, de 08/08/2022, procedeu-se à adaptação daquele Regulamento com o disposto no EPPJ.
O Despacho n.º 7-2021/GADN determinou a aplicação do Regulamento à avaliação do ano de 2020 e as necessárias adaptações ao SIADAP e à LTFP, no qual se previram as quotas de avaliação, classificada como Muito Bom e Relevante.
O Despacho n.º 32/2021-GADN despoletou a segunda fase de avaliação e publicitou o mapa de distribuição das percentagens de desempenho.
E, o Despacho n.º 48/2022-GADN, na sequência dos anteriores, determinou-se a notificação dos interessados nos termos dos artigos 121.º e 122.º do CPA (Código do Procedimento Administrativo), para tanto, dando-se conta do conteúdo do Relatório Avaliação de Desempenho 2020 aos avaliados, assim como, a atualização dos mapas de distribuição provisória dos trabalhadores pelas diferentes carreiras e pelas percentagens de diferenciação de desempenho.
Parece-nos, salvo melhor opinião, tendo a avaliação sido precedida dos atos acima mencionados e descritos, será este o quadro legal aplicável, ficando já este estabelecido.
Das ilegalidades assacadas à avaliação do Demandante, diz-nos este, “um dos argumentos (quiçá o principal) para não atribuir ao Autor uma classificação superior reside na existência das vulgarmente designadas “quotas” para as classificações mais elevadas.”
Concluindo, “a aplicação e interpretação cega e estritamente vinculada que delas é feita, viola em concreto os princípios constitucionais de igualdade, justiça e mérito, resultando em concreto numa avaliação eivada de ilegalidade agravada por inconstitucionalidade (cf. 13.º, 266.º n. º 2 e 47.º n. º 2 da CRP).”
A respeito do sistema de quotas, este sistema desde cedo levantou as maiores dúvidas, quanto à sua legalidade e / ou constitucionalidade, já que, a introdução de quotas e a avaliação em tais modos, levanta sérias questões de que tais avaliações deixam de ser iguais, pois limitadas por quotas de desempenho.
Dito de outra forma, avaliações de mérito elevadas, merecedoras das mesmas notações, não serão avaliadas na mesma medida, apenas pela existência de quotas.
A respeito de normas do mesmo género, já o Tribunal Constitucional se pronunciou, dizendo que a limitação nas notas mais elevadas, não é constitucionalmente ilegítima. A este respeito disse o TC[9]:
“Ora, sendo certo que a avaliação dos docentes, com base na diferenciação em função do mérito, nada tem de arbitrário, não pode recusar-se que o sistema de quotas instituído pela norma questionada se apresenta como um instrumento de gestão de recursos humanos adequado à diferenciação do desempenho dos docentes.
Importa acrescentar que não compete ao Tribunal avaliar o mérito, e nos termos em que é feito, da utilização, neste contexto, de um sistema de quotas. Trata‑se do exercício de escolhas de ordem política que o Governo faz, enquanto órgão de condução da política geral do país e órgão superior da Administração Pública (cf. artigo 182.º da Constituição).
Tal como se disse no já mencionado Acórdão n.º 142/85, não cabe ao Tribunal substituir-se ao legislador, na tarefa de encontrar a solução justa, mas apenas averiguar se a solução por este escolhida possui uma suficiente justificação objectiva e racional: «[o] que cabe, portanto, fazer, na referida sede [de controlo da proibição do arbítrio] não é ‘substituírem-se’ os órgãos de controlo ao legislador, e aferirem da justificação ou racionalidade da solução legislativa pela sua própria ideia do que seria, no caso, a solução ‘justa’ (…) o que cabe a esses órgãos é tão somente averiguar se a norma que têm diante de si possui uma suficiente justificação objectiva; o que lhes cabe, por outras palavras, é ‘cassar’ unicamente ‘as soluções legais de todo o ponto insusceptíveis de credenciar‑se racionalmente’». (Acórdão nº 142/85, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 6.º, pp. 127-8).”
Transcorrendo o caso dos autos, verificamos a previa fixação dos contingentes (Despacho n.º 7-2021/GADN, depois, completado pelos despachos subsequentes), a amplitude ou escala, de 1 a 10, a correspondência da escala à menção qualitativa, de Mau a Muito Bom (mesmo Despacho n.º 7-2021/GADN), o coeficiente de ponderação (Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária) e o critério de desempate entre trabalhadores com a mesma classificação. Tudo elementos definidos a priori pelo Demandado e, todos, do conhecimento dos avaliados, retirando assim qualquer carga de arbitrariedade à avaliação a efetuar.
Na pegada do mesmo acórdão do TC:
“Daí decorre que uma avaliação séria e rigorosa levará a dispersar as classificações atribuídas pelos diversos graus da escala, diminuindo a probabilidade de os avaliados com classificação superior a Bom serem em número superior ao das quotas fixadas.
(…)
A avaliação é um acto vinculado, desenrolando-se de acordo com um procedimento legalmente definido e orientando-se por princípios de justiça, designadamente o princípio da igualdade (sendo os avaliadores agentes administrativos, aplica-se-lhes o disposto no artigo 266.º, n.º 2, da Constituição).”
Revertendo para o caso dos autos, afirmou o Demandante o seguinte: “o Autor com a menção de Bom é uma forma de subjugar este a um patamar não correspondente com a qualidade demonstrada no exercício das suas funções, assistindo, por sua vez, a uma progressão de carreira condicionada por critérios completamente alheios ao mérito, mérito este que é (ou deveria ser) o único fator a considerar na avaliação de qualquer desempenho.”
Como tal, em jeito de conclusão, apelando a tudo o quanto se disse e quanto às quotas, terão de improceder as alegações do Demandante, pois, não se vislumbra, a violação dos princípios indicados por este ou porque, no caso concreto, não ficou demonstrado a restrição daqueles princípios ou que a avaliação do Demandante tenha sofrido alguma restrição por intermédio das quotas.
Depois, assaca-se a ilegalidade do Despacho n.º 48/2O22-GADN, em 2 aspetos: cria uma avaliação de desempenho que não tem paralelo no SIADAP (mau), com uma nota negativa, hipótese também não contemplada na Lei do SIADAP (v. art.º 50.º, n.º 4 ); e estabelece critérios de desempate não inteiramente coincidentes com os previstos na Lei do SIADAP (art.º 84.º) .
Estes aspetos do Despacho são os pontos 6.º e 7.º (critérios de desempate), sendo que, quanto à nota negativa, Mau,segundo a nossa pesquisa, tal consta do Despacho n.º 7-2021/GADN. Apreciando,
Como vimos acima, o EPPJ apontou para a elaboração de um sistema de avaliação de desempenho adaptado. Tal sistema seria aprovado por Portaria – porém -, ainda não viu a luz do dia[10], pelo que, também, de acordo com o disposto no EPPJ, no seu artigo 104.º, até à aprovação daquela portaria, “mantém-se em vigor, com as necessárias adaptações, a regulamentação atualmente aplicável, desde que não contrarie o disposto no presente decreto-lei.”, neste caso o Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária.
Por outra via, não resultou da aprovação do EPPJ, a revogação do teor do Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária. Somos levados a concluir, este Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária, permanece aplicável, com as devidas adaptações.
Ainda o artigo 70.º do EPPJ, remete da seguinte forma para o SIADAP: “A alteração obrigatória do posicionamento do trabalhador da carreira de especialista de polícia científica e da carreira de ... depende da obtenção de, pelo menos, 10 pontos nas avaliações de desempenho referido às funções exercidas durante o posicionamento remuneratório em que se encontra, de acordo com o estabelecido no sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública, aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, na sua redação atual.”
Desta feita, resulta da conjugação, um sistema intrincado, com inputs de vários diplomas, isto é, do SIADAP, do EPPJ, da LTFP e do Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária, sobre os quais cabe a delicada tarefa de os conjugar, respeitando e conjugando-os entre si, apelando sempre à adoção de soluções congruentes com todo o bloco de legalidade aplicável e com os princípios orientadores a eles aplicáveis. Tal tarefa, concretizada pelos Despachos, não obstante o alegado pelo Demandante, foi logrado.
Está claro para nós, os critérios de desempate e a referência à nota negativa, Mau, estão, ambos, dentro do disposto e âmbito, seja do SIADAP, EPPJ, LTFP e Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária ou da adaptação resultante da conjugação destes Diplomas, já que, reconhecendo a especificidade da avaliação dos trabalhadores da Policia Judiciária, inexistindo, por ora, Portaria a adaptar os termos do SIADAP às carreiras da PJ, é concedida alguma margem na adaptação da avaliação e, claro esta, na definição dos critérios na base de tal avaliação.
Dentro desta margem, confiamos, por tudo o quanto se disse, inclusive, quanto às quotas, na avaliação promovida ao Demandante e seus demais Colegas, ficaram salvaguardados os princípios constitucionais de igualdade, justiça e mérito.
O mesmo se diga quanto à aventada violação de regras da Lei do SIADAP, pela não fixação de objetivos e pela competência para a avaliação. Como se disse e ficou patente à saciedade, as regras a observar na avaliação para o ano de 2020, são as emergentes da conjugação do EPPJ, do SIADAP, da LTFP e do Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária.
Ora, atendendo ao disposto no artigo 104.º do EPPJ, mantém-se aplicável o Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária, até ser aprovada a respetiva Portaria, a adaptar o SIADAP às novas exigências do EPPJ.
Além do mais, como decorre do EPPJ, artigo 76.º, “O regime de avaliação de desempenho dos trabalhadores das carreiras especiais é fundado nos princípios gerais do sistema de avaliação da Administração Pública compatíveis com a natureza da missão e com as atribuições da PJ, assentando em critérios objetivos, claros, transparentes e previamente conhecidos pelos trabalhadores.”
Depois, argumenta-se a falta de fundamentação, quanto ao ato de 26/05/2023, o que cumpre, por ora, analisar. Desde já, podemos afirmar o seguinte[11]: “Um ato estará suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o ato em causa, possa ficar ciente do sentido da decisão nele prolatada e das razões que a sustentam, permitindo-lhe optar conscientemente entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação.”
E, por outra banda, “Resultando adquirido que o ato administrativo em crise, do qual faz parte integrante, per remissionem, a ficha de avaliação do R.A., identifica as razões que estão na base da decisão tomada, deve entender-se que se mostra satisfeita a enunciada exigência de fundamentação.”
Isto para se dizer o seguinte: como decorre do processo administrativo (fls. 6 e ss), consta do mesmo a ficha de notação / ficha de avaliação, pelo que, diante deste cenário e por referência à ficha de notação / ficha de avaliação, é compreensível o iter de raciocínio condutor da atribuição da avaliação ao Demandante, pelo que, por esta razão, o ato administrativo encontra-se devidamente fundamentado.
Por fim, no capítulo da justa avaliação do Autor, propõe o Demandante “ter ficado demonstrado, tudo somado, no caso do Autor, é possível concluir que a justa avaliação impunha que lhe fosse atribuída a pontuação final de 9,5 valores e a classificação final de Muito Bom.”
Este derradeiro argumento, propõe a sindicabilidade judicial do ato impugnado, e retém-se com a avaliação de desempenho, quando se refere à concreta razão de ter sido atribuída determinada valoração e não outra, cinge-se à apreciação da existência de erro notório ou grosseiro e não à bondade da valoração atribuída.
A intervenção deste Tribunal deverá ater-se, nestes casos, a situações de erro notório ou grosseiro, porque, doutro modo, estaria este Tribunal a entrar no âmbito da decisão e da discricionariedade, marca de água da atividade administrativa.
Aproveitamos este tema para introduzir as declarações prestadas pelas testemunhas oferecidas pelo Demandante, quando introduzidas de acordo com o poder de sindicância deste Tribunal – restritos à apreciação do erro notório ou grosseiro.
Da nossa leitura das declarações das testemunhas, não nos parece estarmos na presença de erro notório ou grosseiro na avaliação do Demandante.
Assim dito, revela-se oportuno ainda centrar na retoma das considerações iniciais: ainda que a nossa resposta à alegação anterior fosse diferente, parece-nos assertivo, teria sempre de improceder. Porquanto,
No escopo do processo avaliativo do desempenho do trabalhador encontramos e não podemos excluir uma componente discricionária do avaliador, na qual não estamos legitimados a nos imiscuir, porque fora da nossa esfera.
Vimos, o nosso veredito é confinado ao controlo do erro notório ou grosseiro (ou contradição evidente que fosse) na avaliação. Não compete a este Tribunal arbitral alterar a classificação, antes, apenas, indícios demonstrativos da existência de erro notório e/ou grosseiro ou uma avaliação contrária aos princípios legalmente aplicáveis.
Como tal, sem necessidade de mais considerandos, por manifestamente desnecessários e, mesmo, inúteis, importa a este Tribunal, tão-só, sindicar os aspectos vinculados dos actos praticados.
Quanto aos outros - não vinculados-, ou seja, os praticados no exercício das faculdades discricionárias, em zonas e momento de avaliação puramente subjetiva, os Tribunais não podem sindicar a avaliação de mérito, salvo em casos de erro manifesto ou ostensivamente inadmissível.
Em princípio, só ao Demandado pertence a tarefa de valorar o desempenho do Demandante, sem prejuízo de, nas instâncias próprias, se sindicar qualquer erro de apreciação flagrante e ostensivo, causando a invalidade do ato de avaliação, condição que aqui não se verifica, dado que do que resulta dos autos, bem assim, do probatório, não resulta aparente, expresso ou patente erro grosseiro e manifesto que caiba ao Tribunal sindicar.
Para concluir, não obstante, o alegado pelo Demandante, não estando perante erro grosseiro ou notório, os poderes deste Tribunal são escassos e não poderá emitir juízo nos moldes em que vêm peticionados. Com o mesmo raciocínio acima expendido, porque não consubstanciado ou provado, deve o pedido indemnizatório do Demandando improceder.
Assim sendo, decide este Tribunal, julgar totalmente improcedente os pedidos formulados pelo Demandante, e, como tal, absolver Demandado do peticionado.
V – Responsabilidade pelos Encargos processuais:
Por aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do “Regulamento do CAAD”, tendo a presente arbitragem por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, não haverá lugar a fixação do critério de repartição de encargos processuais, sendo estes pagos por ambas as partes em função do valor fixado na tabela de encargos processuais.
VI – Decisão:
Nestes termos, decide-se julgar a ação totalmente improcedente, absolvendo-se o Demandante de tudo o quanto que lhe vem peticionado.
Registe, notifique e publique.
10 de março de 2024.
A Árbitra,
_______________________
Angelina Teixeira
[1] De acordo com a Lei Orgânica do Ministério da Justiça, Decreto-Lei n.º 123/2011, de 29 de dezembro, a Polícia Judiciária é um serviço dependente do Ministério da Justiça.
[4] Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro.
[5] Art. 1.º, n.º 1, alínea j), e n.º 2, da referida Portaria.
[6] Cfr. Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa, disponível em www.caad.org.pt/.
[7] Cfr. art. 39.º, n.º 1, da LAV e art. 185.º, n.º 2, do CPTA que regula os limites da arbitragem.
[8] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00252/19.2BEMDL, em 16/10/2020, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 00418/20.2BECBR, 28/01/2022, disponível em www.dgsi.pt.