Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 43/2023-A
Data da decisão: 2024-03-25  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Relação Jurídica de Emprego Público: Nível Remuneratório no Âmbito da Carreira Especial de Especialista de Polícia Científica da Polícia Judiciária.
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DEMANDANTES: A... E OUTROS

DEMANDADO: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Sumário:

I – O verdadeiro e único thema decidendum em causa na presente ação arbitral está em saber se – embora não tenha de facto existido uma inversão de posições remuneratórias relativas, nem uma real afetação dos princípios de que para trabalho igual salário igual, da imparcialidade e da boa fé –, pelo facto de só a alguns colegas menos antigos dos Demandantes ter sido considerada, por boas razões explicitadas, uma remuneração majorada em € 555,75 para efeitos de transição para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, isso não constituiria, apesar de os Demandantes terem transitado para esta nova carreira de acordo com as normas legais em vigor e, sem qualquer perda remuneratória, continuarem a ganhar mais do que aqueles seus outros colegas, uma afetação do princípio constitucional da igualdademaxime no que dele decorre, conjugadamente com uma ideia de coerência, equidade, proporcionalidade, justiça e razoabilidade, de não inversão de posições remuneratórias relativas, concebida a situação concreta sub judice como um tertium genus desta inversão.

II – Do princípio constitucional da igualdade decorre, assente numa verificação por um concreto processo de comparação (tertium comparationis), uma exigência de tratamento idêntico ou semelhante das situações idênticas ou semelhantes e uma justificação de tratamento diferenciado em função e na medida da diversidade substancial e objetiva das situações.

III – É certo que a anterior diferenciação remuneratória positiva dos Demandantes face àqueles seus outros colegas com menor antiguidade diminuiu com a transição de todos eles para a nova carreira, mas esta diminuição não só não se traduziu em qualquer prejuízo para os Demandantes, que mantiveram a sua remuneração base anterior e, sem qualquer perda de tempo de serviço, iniciaram o desempenho na nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, nem obliterou a coerência e equidade do sistema remuneratório, como resulta, não de arbítrio, mas de claras razões objetivas, sendo materialmente fundada e, por isso mesmo, não discriminatória.

IV – Procurar conceber essa concreta diminuição da diferenciação remuneratória positiva dos Demandantes face àqueles seus outros colegas menos antigos, em resultado da transição de todos eles para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, como um tertium genus de violação do princípio de não inversão das posições remuneratórias relativas é passo demasiado ousado, incompatível com o significado de “inversão” (ou de “ultrapassagem”), que abriria uma verdadeira caixa de Pandora, de efeitos imprevisíveis, e que seria até passível de pôr em causa a liberdade de conformação normativa que deve reconhecer-se ao legislador; e seria, para mais, um passo sem qualquer acolhimento jurisprudencial.

 

I – Das Partes, do Tribunal Arbitral e do saneamento processual

 

I.1 – São Demandantes na presente ação arbitral, em coligação [cfr. artigo 12.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)],  A..., B..., C..., D..., E... e F..., todos pertencentes (embora exercendo funções em diferentes unidades) à carreira (unicategorial e de grau de complexidade 3) de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, uma nova carreira especial de apoio à investigação criminal [cfr. artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, que estabelece o estatuto profissional dos trabalhadores da Polícia Judiciária e o regime da carreira especial de investigação criminal e das carreiras especiais de apoio à investigação criminal (EPPJ)].

 

É Demandado, conforme a norma do n.º 2 do artigo 10.º do CPTA, o Ministério da Justiça.

 

I.2 – A presente arbitragem em matéria administrativa relativa a relação jurídica de emprego público decorre junto do CAAD, na Avenida Duque de Loulé, n.º 72 A, 1050-091 Lisboa. 

 

Não oferece dúvida a legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada [cfr. artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt/) e Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de Fevereiro de 2009, página 6113], nem a possibilidade de vinculação prévia à sua jurisdição.

 

Conforme a Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, e na decorrência do artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, o Ministério da Justiça, que integra a Polícia Judiciária (o serviço central do Ministério relevante in casu), está vinculado à jurisdição do CAAD “para composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” [cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, da referida Portaria].

 

Seja pelo valor da presente ação (cfr. infra), seja pelo seu objeto, a mesma integra-se inequivocamente no âmbito da referida vinculação do Ministério da Justiça à jurisdição do CAAD, sendo pois este Tribunal Arbitral competente para o julgamento da mesma.

 

Este Tribunal Arbitral é composto por um Árbitro e foi constituído em 10 de outubro de 2023, tudo conforme previsto nos artigos 15.º, n.º 2, e 17.º do Regulamento da Arbitragem [cfr. “Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa”, aplicável à arbitragem em matéria administrativa que decorre no CAAD, disponível em www.caad.org.pt/].

 

Nos termos dos artigos 15.º, n.º 3, e 16.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, o signatário foi o Árbitro designado para apreciar e decidir a presente causa, devendo fazê-lo segundo o direito constituído, conforme estatuem, seja os artigos 5.º, n.º 1, alínea f), e 26.º, n.º 1, também desse Regulamento, seja o artigo 185.º, n.º 2, do CPTA (“Nos litígios sobre questões de legalidade, os árbitros decidem estritamente segundo o direito constituído, não podendo pronunciar-se sobre a conveniência ou oportunidade da atuação administrativa, nem julgar segundo a equidade.”) [cfr., ainda, artigo 39.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária].

 

Tendo presente o artigo 27.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem, anota-se que as Partes não renunciaram ao recurso que possa caber da decisão arbitral que vier a ser proferida na presente arbitragem [cfr., ainda, artigos 39.º, n.º 4, da Lei da Arbitragem Voluntária e artigo 185.º-A, n.ºs 2 e 3, do CPTA]; tendo inclusivamente o Demandado consignado (cfr. artigo 46.º da contestação) que, ao abrigo do artigo 39.º, n.º 4, da Lei da Arbitragem Voluntária, “não prescinde da possibilidade de recurso para o tribunal estadual competente”.

 

I.3 – Logo no Despacho n.º 1, de 4 de dezembro de 2023, se declarou a legitimidade e a capacidade judiciárias das Partes, o seu interesse em agir processualmente, a sua regular representação e, nos termos acabados de enunciar, a competência do Tribunal Arbitral, tendo-se aduzido que também se não verificam nulidades processuais ou outras questões prévias a decidir.

 

Nesse mesmo Despacho fixou-se, fundamentadamente, o valor da presente causa em € 30 000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo, à luz do artigo 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, conjugado com o artigo 6.º, n.º 4, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e o artigo 44.º, n.º 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário.

 

II – Do objeto da presente ação e da respetiva tramitação

 

II.1 – Os Demandantes terminam a petição inicial – que deu entrada no CAAD em 7 de julho de 2023, tempestivamente, face ao disposto no artigo 41.º do CPTA – formulando (em termos que mereciam outro apuramento) o seguinte pedido:

Nestes termos e nos demais de Direito, (...), requer-se que seja admitida a presente ação arbitral administrativa para reconhecimento de direitos subjetivos, totalmente procedente e provada e consequentemente:

a)    Constituir o Demandado no dever de praticar todos os atos jurídicos e a realizar todas as operações materiais necessárias para colocar a situação, de direito e de facto, em conformidade com o direito e reparação efetiva e integralmente reconhecidos, ou seja, o direito dos Demandantes a serem reposicionados na 7.ª posição remuneratória e no nível remuneratório 42 da carreira especial de Especialista de Polícia Científica (nos termos do quadro 2 do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 138/2019), com efeitos a janeiro de 2020 e com as legais compensações, a apurar em execução de sentença;

b)    Decretar sanção pecuniária compulsória ao Demandado, no valor diário de 70,00€ (setenta euros), por cada dia de atraso no cumprimento efetivo e integral da decisão, à luz do n.º 2 do artigo 169.º do CPTA, conjugado com o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 109-A/2020, de 31 de dezembro; e

c)    Condenar o Demandado em custas de parte. 

 

Como se enunciou no Despacho n.º 1, de 4 de dezembro de 2023, os Demandantes configuram expressamente a presente ação como tendo por objeto o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, cumulativamente com a condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados e ao cumprimento dos deveres de prestar que diretamente decorram de tais normas jurídico-administrativas [cfr. artigo 2.º, n.º 2, alíneas f), i) e j), artigo 4.º, n.º 1, alínea b), e artigo 37.º n.º 1, alíneas f), i) e j), do CPTA].

 

E, embora os Demandantes, no artigo 2.º da petição inicial (e quando, invocando o seu interesse processual, referem o artigo 39.º, n.º 1, do CPTA), qualifiquem a presente ação como uma “ação administrativa declarativa de simples apreciação”, resulta óbvio do que pretendem que a presente ação administrativa declarativa é de espécie diferente da de simples apreciação, pois os Demandantes pretendem nitidamente exigir uma prestação, pressupondo a violação dos seus direitos, tratando-se, portanto, de uma ação de condenação (cfr. artigo 10.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Civil).

 

Contestou o Demandado – em 19 de setembro de 2023, tempestivamente, face ao disposto nos artigos 7.º, n.º 1, e 12.º, n.º 1, do Regulamento da Arbitragem –, terminando (cfr. artigos 44.º e 45.º e conclusão final da contestação) com a afirmação de que o reposicionamento remuneratório dos Demandantes na nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) “respeita o quadro legal vigente, não merecendo, por isso, qualquer censura”, razão por que “os pedidos formulados pelos Demandantes terão de claudicar, devendo a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e o Demandado absolvido do pedido, com as demais consequências legais”. 

 

II.2 – Para além da prova documental junta aos autos pelos Demandantes e pelo Demandado – neste caso, o Processo Administrativo –, os Demandantes arrolaram três testemunhas.

 

No entanto, face à pronúncia das Partes quanto à promoção constante do Despacho n.º 1, de 4 de dezembro de 2023, no Despacho n.º 2, de 15 de janeiro de 2024, determinou-se a condução do processo arbitral com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo e concedeu-se-lhes prazo para a produção simultânea de alegações finais escritas, tendo ambas apresentado tempestivamente tais alegações.

 

Cumpre, pois, apreciar e decidir a presente ação.

 

III – Da fundamentação de facto

 

III.1 – O Tribunal decide considerar provados os factos que, tendo sido alegados e relevando para a decisão da presente causa, a seguir se especificam, inexistindo outros factos, nas mesmas circunstâncias, considerados não provados:

 

1.º - Os Demandantes frequentaram o segundo curso de especialista adjunto de polícia na área criminalística, tendo tomado posse como funcionários da Polícia Judiciária em 27 de fevereiro de 1998, e tendo todos, em 31 de dezembro de 2019, a mesma antiguidade na carreira de especialista adjunto (21 anos e 10 meses) e a mesma remuneração base (€ 1909,34).

 

2.º - Em 1 de janeiro de 2020, os Demandantes transitaram para a nova carreira (unicategorial e de grau de complexidade 3) de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, tendo integrado a lista de transição para essa carreira, constante da Ordem de Serviço da Direção Nacional n.º 54/2021, de 22 de novembro de 2021.

 

3.º - Em resultado da referida transição de carreira, os Demandantes foram colocados entre a segunda e a terceira posição remuneratória, sem correspondência com qualquer nível remuneratório da tabela remuneratória única (TRU), com a referida remuneração base de € 1909,34, entretanto atualizada (para € 1926,52, em 2022, e para € 1998,42, em 2023, também sem correspondência com qualquer nível remuneratório da TRU).

 

4.º - Colegas dos Demandantes que, em 31 de dezembro de 2019, apenas detinham 11 meses e 28 dias de antiguidade na mesma carreira de especialista adjunto, transitaram também, em 1 de janeiro de 2020, para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, com colocação na segunda posição remuneratória e no nível remuneratório 27 (nos termos do quadro 2 do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro), correspondente, em 2020 e 2021, à remuneração base da TRU de € 1824,84 (atualizada, em 2022, para € 1841,26).

 

5.º - Em 31 de dezembro de 2019, estes colegas eram remunerados pelo escalão 1 da carreira de especialista adjunto, correspondente a € 1269,09 (menos € 555,75 do que passaram a ganhar), quando os Demandantes eram remunerados pelo escalão 7 da mesma carreira de especialista adjunto, correspondente a € 1909,34 (o mesmo que continuaram a ganhar), traduzindo uma diferença salarial de € 640,25.

 

III.2 – Todos estes factos considerados provados constituem, objetivamente e entre as Partes, que o assumem, factos incontroversos, resultando da lei, da documentação junta aos autos ou, no caso do 5.º facto considerado provado, de meras operações aritméticas.

 

IV – Da fundamentação de Direito

 

IV.1 – Como se disse logo no Despacho n.º 1, de 4 de dezembro de 2023 – no qual também se anotou ser dificilmente entendível, face a tudo o mais alegado pelos Demandantes, o que pretendem eles dizer no artigo 3.º da petição inicial, ao aludirem a um reposicionamento no nível remuneratório 39 da TRU –, os Demandantes, face aos referidos factos considerados provados, constatam que, embora detivessem uma antiguidade muito superior à dos seus referidos colegas, todos foram colocados “praticamente” na mesma posição e nível remuneratório com a transição para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, considerando uma tal situação injusta e violadora de princípios inerentes ao sistema de carreiras, maxime: da igualdade, na perspetiva do corolário da não inversão de posições relativas dos trabalhadores (estando-se perante “um tertium genus no que tange ao princípio da não inversão de posição remuneratória”); da proporcionalidade; da coerência; da equidade.

 

Visando colmatar esta situação, com a qual se não conformam, pretendem os Demandantes obter, com efeitos àquela data de 1 de janeiro de 2020, em que a transição de carreira ocorreu (cfr. 2.º facto considerado provado), um aumento salarial naquele montante de € 640,25 (cfr. 5.º facto considerado provado), traduzindo um novo montante salarial de € 2549,59 (€ 1909,34 + € 640,25), bem como, consequentemente, o seu reposicionamento na sétima posição remuneratória e no nível remuneratório 42, nos termos do quadro 2 do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, correspondente, em termos de TRU, à remuneração base de € 2599,54 [pois, segundo entendem, o artigo 149.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, não permite “posições remuneratórias intermédias em carreiras unicategoriais”, como a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC)].

 

Segundo os Demandantes, a sua pretensão é inteiramente justa “para quem já tem mais de metade do seu percurso laboral cumprido com vista à aposentação e se vê colocado na base de uma nova carreira a par de trabalhadores que, a seu lado, laboram com menos 20 (vinte) anos de antiguidade (e de experiência profissional), (...), fazendo ‘tábua rasa’ do percurso profissional dos Demandantes, como se de uma desqualificação se tratasse” (falando numa tripla penalização: indevido reposicionamento remuneratório; perda de aproximadamente 21 anos de experiência profissional; consequente desvalorização profissional).

 

Invocando os princípios de que para trabalho igual salário igual e da proporcionalidade, invocam também os Demandantes os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 313/89 e 584/98, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de junho de 2006, no Processo n.º 0967/05, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11 de fevereiro de 2015, no Processo n.º 02024/13.9BEBRG (embora refiram, erradamente, o Processo n.º 348/12.1BECBR), para sublinharem que, ao estabelecer os diversos níveis remuneratórios na TRU, o legislador pretendeu manter a diferenciação entre os trabalhadores da mesma carreira, não só em função dos escalões e índices remuneratórios que já possuíam antes da transição, mas também, para futuro, basear os diversos níveis remuneratórios da TRU, mesmo dentro da mesma carreira, na avaliação de cada trabalhador e consequente progressão no escalão.

 

E logo afirmam que está verificada, in casu, a violação do princípio da igualdade – “pelo facto dos Demandantes estarem colocados em igual posição e nível remuneratórios ante os restantes trabalhadores com idênticas funções e menor antiguidade”, “assim culminando num tratamento injustificado, implausível e irrazoável, com lesões irreversíveis de danos futuros como, por exemplo, no cálculo da pensão de aposentação” – e também a violação do princípio de que para trabalho igual salário igual – por “desconsideração da antiguidade para efeitos de reposicionamento remuneratório”.

 

Os Demandantes mostram-se convictos, em suma, de que se verifica no seu caso uma “clara e evidente” violação, entre outros, dos princípios consagrados nos artigos 13.º (igualdade), 59.º, n.º 1, alínea a) (para trabalho igual salário igual) e 266.º, n.º 2 (atuação administrativa com subordinação à Constituição e à lei e com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé) da Constituição da República Portuguesa, em resultado da obliteração verificada do princípio geral da não inversão de posições relativas dos trabalhadores.

 

Para esta argumentação dos Demandantes remetem as suas alegações finais escritas, nas quais concluem não poder “transitar para a carreira nova e para igual posição e nível remuneratório quem detém uma antiguidade na carreira inferior aos Demandantes, com idêntica carreira, mas escalões diferentes, e com um percurso na Administração de maior antiguidade, como ocorre com a situação jurídico-administrativa atual”. 

 

IV.2 – O Demandado contestou esta argumentação dos Demandantes, começando por explicar que o Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, vigente desde 1 de janeiro de 2020, procedeu à revisão global das carreiras especiais da Polícia Judiciária, tendo criado três carreiras especiais [a carreira de investigação criminal, a carreira de especialista de polícia científica (EPC) e a carreira de segurança], constando do seu artigo 94.º as normas para a transição para a carreira de especialista de polícia científica (EPC):

1 – Os trabalhadores integrados nas carreiras de especialista superior, de especialista, de especialista adjunto e de especialista auxiliar, nos termos das alíneas a) a d) do n.º 5 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na sua redação atual, que cumpram o requisito de ingresso na carreira de especialista de polícia científica previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º, e que exerçam, há pelo menos um ano, funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do anexo I ao presente decreto-lei, podem transitar para esta, caso manifestem declaração de vontade nesse sentido, no prazo de 10 dias, contados da data de entrada em vigor do presente decreto-lei.

2 – Podem ainda transitar para a carreira de especialista de polícia científica, os trabalhadores integrados na carreira de especialista adjunto que, há pelo menos um ano, exerçam funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do anexo I ao presente decreto-lei, e possuam formação específica na área de criminalística e de recolha de vestígios no local do crime.

3 – Os trabalhadores das carreiras de especialista superior, especialista, especialista adjunto e especialista auxiliar que, (...), não transitem para a carreira de especialista de polícia científica, mantêm-se nas carreiras subsistentes nos termos do artigo 97.º.

 

Face ao que, continua o Demandado, os trabalhadores que não manifestaram vontade de transitar ou que não reuniam os requisitos para transitarem para a carreira de especialista de polícia científica (EPC) mantiveram-se nas carreiras de especialista superior, de especialista, de especialista adjunto e de especialista auxiliar, previstas no Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro (a Lei Orgânica da Polícia Judiciária de 2000), carreiras estas que subsistem, a extinguir quando vagarem, conforme previsto no artigo 97.º (cfr. ainda artigo 105.º) do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro; e aí se mantiveram, mantendo o respetivo regime remuneratório (cfr. artigo 98.º, n.ºs 2 e 5, deste mesmo Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro).

 

Confirma o Demandado que, em 31 de dezembro de 2019, na véspera da transição de carreira, por sua vontade expressa, os Demandantes estavam colocados no sétimo escalão, índice 285, da carreira de especialista adjunto, cuja remuneração base era, em 2020, de € 1909,34 (a que correspondia o nível remuneratório entre 28-29 da TRU, conforme, no sítio oficial da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, o Sistema Remuneratório da Administração Pública do ano de 2020).

 

Refere-se depois o Demandado às regras do reposicionamento remuneratório dos trabalhadores que transitaram para a carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, que constam dos artigos 68.º, n.º 1, 96.º, n.ºs 1 e 2, e 98.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, a saber: reposicionamento na posição e índice remuneratórios da tabela constante do quadro 2 do Anexo III a que corresponda nível cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário correspondente à remuneração base; em caso de falta de identidade, reposicionamento em posição remuneratória automaticamente criada, cujo montante pecuniário seja idêntico ao montante pecuniário a considerar para efeitos de reposicionamento em 1 de janeiro de 2020; sendo que, em qualquer caso, não pode resultar redução das remunerações auferidas em 31 de dezembro de 2019.

 

Para aduzir que, dada a falta de identidade de nível remuneratório previsto para a carreira de especialista de polícia científica (EPC) com a remuneração base por si auferida imediatamente antes da transição, foram os Demandantes reposicionados entre a segunda e a terceira posições remuneratórias da tabela, constante do referido quadro 2 do Anexo III (correspondentes aos níveis 27-30 da TRU), dessa carreira de especialista de polícia científica (EPC), ficando a auferir a mesma remuneração base em 2020 (€ 1909,34); e que, sendo este o enquadramento legal, não têm os Demandantes razão ao questionarem a legalidade da colocação em posição e nível remuneratórios sem correspondência com qualquer nível remuneratório da TRU.

 

Explica ainda o Demandado que os trabalhadores que ingressam por concurso (não por transição entre carreiras) na nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária são remunerados, findo o período experimental com sucesso, pela segunda posição remuneratória dessa carreira, correspondente ao nível 27 (€ 1824,84, em 2020, conforme o artigo 68.º, n.º 3, e a tabela constante do quadro 2 do Anexo III do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, e conforme a TRU), superior à remuneração base de alguns trabalhadores que transitaram para essa mesma carreira (como os especialistas adjuntos visados pelos Demandantes); sendo esta a razão por que se decidiu, em nome da equidade, que essa transição ocorresse para a referida segunda posição e nível remuneratórios, correspondentes, em 2020, àquela remuneração base de € 1824,84 (cfr. 4.º facto considerado provado).

 

Anota também o Demandado que o referido enquadramento legal não permite, na transição para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, a contabilização do tempo de serviço prestado na carreira de especialista adjunto, acrescentando que os Demandantes não podem desconsiderar que foi por sua opção que declararam querer transitar para a nova carreira, bem sabendo que a lei, não só definiu para ela um conteúdo funcional próprio, como estabeleceu outras condições de acesso, bem como direitos e deveres específicos, diferentes dos da carreira de especialista adjunto: se ao especialista adjunto competia, designadamente, executar, a partir de instruções, trabalhos de apoio aos especialistas superiores e especialistas, nos domínios da polícia científica, da polícia técnica, da criminalística, das telecomunicações, da informática e da perícia financeira e contabilística, já o conteúdo funcional da carreira de especialista de polícia científica (EPC) comporta, nos termos do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro (cfr. quadro 2 do Anexo I), um diferente e mais exigente conteúdo funcional [que o Demandado reproduziu (e que consta do Despacho n.º 1, de 4 de dezembro de 2023), tendo ainda transcrito o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, em que refere que esta nova carreira “tem natureza unicategorial e grau de complexidade três”, valorizando profissionalmente “uma atividade que, embora instrumental, é essencial à própria investigação criminal”].

 

Sublinha então o Demandado que se os Demandantes não queriam ficar sujeitos às regras legais de transição para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC), não deveriam ter manifestado a vontade de transitarem para a mesma, tal como sucedeu com outros colegas seus que preferiram manter-se na carreira de especialista adjunto, subsistente nos termos do artigo 97.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro; e que inexiste norma legal habilitante para o efeito pretendido pelos Demandantes, sendo que a atuação da Administração está sujeita ao princípio da legalidade.

 

Refere-se também o Demandado ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de dezembro de 2017, no Processo n.º 07008/10, segundo o qual decorre do princípio da igualdade, conjugado com o princípio da coerência e da equidade, “um princípio geral de não inversão das posições relativas dos trabalhadores da Administração Pública por efeito da mera reestruturação legal das carreiras”, inversão essa que acontece na situação de paridade funcional dentro da mesma carreira e desde que tenha havido uma eventual diferenciação de tratamento injustificado, em violação do princípio da igualdade, em articulação com o princípio de que para trabalho igual salário igual, ou seja: “quando um trabalhador com maior antiguidade na carreira e na categoria, por mera decorrência de uma reestruturação legal, num mesmo serviço público, é colocado em categoria e escalão menos remunerado que aqueloutro em que é colocado um colega seu, que apresenta uma menor ou igual antiguidade na carreira e na categoria”.

 

Para logo afirmar que uma tal inversão não se verifica no caso dos Demandantes, na medida em que nenhum destes foi reposicionado em posição e nível remuneratórios inferiores aos dos demais trabalhadores que, detendo menor antiguidade na carreira de especialista adjunto, também transitaram para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC), sendo que, pelo contrário, aqueles ficaram a auferir uma remuneração base de € 1909,34 e estes passaram a auferir uma remuneração base de € 1824,84.

 

E, tomando em consideração o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 46/2015, sublinha o Demandado que  o princípio da igualdade, enquanto limite objetivo da discricionariedade legislativa, proíbe o arbítrio do legislador, mas não lhe veda “a realização de distinções”, desde que estas não sejam discriminatórias, por serem materialmente infundadas, não apresentando fundamento razoável ou justificação objetiva e racional, algo inexistente no caso dos Demandantes; bem pelo contrário, a pretensão destes é que, para além de carecer em absoluto de apoio legal, conduziria a situações de desigualdade de tratamento face aos demais trabalhadores que transitaram para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) de acordo com as regras do reposicionamento legalmente estabelecidas.

 

Nas suas alegações finais escritas, o Demandado confirma estas linhas argumentativas presentes na contestação, concluindo, em síntese, por que inexistiu violação dos princípios da não inversão das posições relativas dos trabalhadores e da igualdade no reposicionamento remuneratório ora em causa dos Demandantes, que respeitou “o quadro legal vigente”, devendo portanto considerar-se improcedentes os pedidos que formularam.

 

IV.3 – Quid juris?

 

Face à posição das Partes antes descrita, a apreciar e decidir na presente ação arbitral está, pois, como já clarificado no Despacho n.º 1, de 4 de dezembro de 2023, a questão de saber se é procedente a pretensão dos Demandantes de, por referência ao aumento de € 640,25 que reivindicam (de € 1909,34 para € 2549,59), serem reposicionados, com reporte a 1 de janeiro de 2020, na sétima posição remuneratória, com o nível remuneratório 42, nos termos do quadro 2 do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, correspondente à remuneração base de € 2599,54 prevista na TRU, por entenderem, em síntese, que o seu reposicionamento remuneratório decorrente da sua transição, em 1 de janeiro de 2020, para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária não é compatível com o princípio constitucional da igualdade (e do seu corolário de que para trabalho igual salário igual), maxime no que dele decorre, conjugadamente com uma ideia de coerência e de equidade, como princípio de não inversão das posições remuneratórias relativas dos trabalhadores da Administração Pública, por comparação com o reposicionamento remuneratório decorrente de idêntica e contemporânea transição feita por alguns outros colegas seus da sua carreira de especialista adjunto detentores de menor antiguidade nesta carreira que a antiguidade detida na mesma pelos Demandantes.

 

Os Demandantes referem-se igualmente ao artigo 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, para aludirem também, in casu, a uma atuação administrativa no desrespeito dos princípios da proporcionalidade, da justiça e da razoabilidade, da imparcialidade e da boa fé, embora o façam de forma não fundamentada e não densificada, face aos respetivos conteúdos (cfr., respetivamente, artigos 7.º, 8.º, 9.º e 10.º do Código do Procedimento Administrativo).

 

Sublinhe-se que os Demandantes não contestam as razões – aqui sim de coerência e equidade, de proporcionalidade e de justiça e razoabilidade, para evitar remunerações abaixo das auferidas por quem ingressasse por concurso (não por transição entre carreiras) na nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária – por que aqueles seus outros colegas foram remuneratoriamente reposicionados na segunda posição remuneratória, com o nível remuneratório 27, correspondente à remuneração base de € 1824,84 conforme a TRU.

 

Na verdade, os Demandantes assumem como válida esta situação, para, partindo precisamente dela, reivindicarem obter, como esses seus outros colegas, uma majoração remuneratória [embora avaliem esta majoração em € 640,25 e não, como efetivamente ocorreu com tais colegas, em € 555,75 (cfr. 5.º facto considerado provado)]; e, consequentemente [alegando que o artigo 149.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, não permite posições remuneratórias intermédias em carreiras com natureza unicategorial, como a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária], reivindicarem, com reporte a 1 de janeiro de 2020, o seu reposicionamento na sétima posição remuneratória, com o nível remuneratório 42, nos termos do quadro 2 do Anexo III ao Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, correspondente à remuneração base de € 2599,54 prevista na TRU.

 

Por outro lado, como também se disse no Despacho n.º 1, de 4 de dezembro de 2023, importa detalhar que, diferentemente do que parece entender o Demandado, os Demandantes não pedem que lhes seja contado na nova carreira de especialista de polícia científica (EPC), para que transitaram em 1 de janeiro de 2020, o tempo de serviço por si detido na anterior carreira de especialista adjunto; tendo os Demandantes, em sede das suas alegações finais escritas, confirmado expressamente este entendimento constante daquele Despacho n.º 1.

 

O que, isso sim, os Demandantes afirmam, para fundamentar aquela sua pretensão de acederem a um outro reposicionamento remuneratório por causa da referida alegada concreta inconstitucionalidade, é que o reposicionamento remuneratório dos seus outros colegas traduziu, pela evolução salarial de que beneficiaram, em termos práticos e diferentemente do que aconteceu consigo, a consideração de um tempo de serviço que efetivamente não detinham, alegando, por isso, em termos relativos ou de comparabilidade, uma alteração (que apelidam de “inversão”) de posições relativas, que consideram equivalente a uma “desconsideração” (“como se de uma desqualificação se tratasse”) da sua antiguidade para efeitos de reposicionamento remuneratório, a qual, para ser colmatada, reclamaria que eles próprios beneficiassem também de uma evolução salarial paralela à daqueles seus outros colegas.

 

O verdadeiro e único thema decidendum em causa na presente ação arbitral está, pois, em saber se – embora não tenha de facto existido uma “inversão” de posições remuneratórias relativas, nem uma real afetação dos princípios de que para trabalho igual salário igual, da imparcialidade e da boa fé –, pelo facto de só àqueles outros colegas menos antigos dos Demandantes ter sido considerada, pelas boas razões já explicitadas, uma remuneração majorada em € 555,75 para efeitos de transição para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, isso não constituiria, apesar de os Demandantes terem transitado para esta nova carreira de acordo com as normas legais em vigor e, sem qualquer perda remuneratória, continuarem a ganhar mais do que aqueles seus outros colegas, uma afetação do princípio constitucional da igualdade, maxime no que dele decorre, conjugadamente com uma ideia de coerência, equidade, proporcionalidade, justiça e razoabilidade, de não inversão das posições remuneratórias relativas, concebida a situação concreta sub judice como um tertium genus desta inversão.

 

Tinham os Demandantes – é a pergunta a fazer – de ser in casu beneficiados, face a tal corolário do princípio constitucional da igualdade, com uma majoração remuneratória paralela à daqueles seus outros colegas na transição para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária?

 

Cremos firmemente – é a resposta a dar –, pelas razões jurídicas que passam a detalhar-se, que não.

 

Sem que restem dúvidas de que o princípio constitucional da igualdade (cfr. artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) vincula, não só o legislador, mas também, e diretamente, a atividade administrativa (cfr. artigos 18.º, n.º 1, e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e artigo 6.º do Código do Procedimento Administrativo), tão pouco se pode olvidar que do princípio decorre, assente numa verificação por um processo de concreta comparação (tertium comparationis), uma exigência de tratamento idêntico ou semelhante das situações idênticas ou semelhantes e uma justificação de tratamento diferenciado em função e na medida da diversidade substancial e objetiva das situações (cfr., por todos, na economia desta Decisão Arbitral, a visão muito atual e sintetizada de Jorge Miranda, “O princípio da igualdade no Direito Português, Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 132, novembro de 2015, pp. 22 a 27).

 

Na situação concreta que nos ocupa, percebe-se perfeitamente, por razões de coerência, equidade, justiça e razoabilidade, que aqueles outros colegas dos Demandantes tenham de ter transitado para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária considerando uma remuneração base de € 1824,84, sendo isto perfeitamente proporcionado (por adequado, necessário e não excessivo) com o objetivo e a exigência de não virem a receber remunerações abaixo das auferidas por quem ingressasse por concurso (não por transição entre carreiras) nessa mesma nova carreira da Polícia Judiciária, nestes termos se evitando – aqui sim – uma afetação, seja do princípio da não inversão de posições remuneratórias relativas, seja do princípio de que para trabalho igual salário igual.

 

Ora, uma tal majoração remuneratória não era necessária para que os Demandantes pudessem transitar para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária sem aqueles efeitos perversos verificados nos seus outros colegas, razão por que os Demandantes fizeram essa transição, conforme previsto nos artigos 68.º, n.º 1, 96.º, n.ºs 1 e 2, e 98.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, sem qualquer perda remuneratória e, face à remuneração base por si auferida no momento da transição, com reposicionamento, na tabela constante do quadro 2 do Anexo III desse mesmo Decreto-Lei, numa posição remuneratória automaticamente criada, exatamente idêntica a tal remuneração base auferida e mantendo uma diferenciação remuneratória positiva face aos seus outros referidos colegas, detentores de menor antiguidade na carreira de especialista adjunto, da qual todos transitaram para aquela outra nova carreira.  

 

É certo que uma tal diferenciação remuneratória positiva dos Demandantes face àqueles seus outros colegas com menor antiguidade diminuiu com a transição de todos eles para a nova carreira, mas esta diminuição não só não se traduziu em qualquer prejuízo para os Demandantes (incluindo em termos de aposentação), que mantiveram a sua remuneração base anterior e, sem qualquer perda de tempo de serviço, iniciaram o desempenho na nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, nem obliterou a coerência e equidade do sistema remuneratório, como resulta, não de arbítrio, mas de claras razões objetivas, sendo materialmente fundada e, por isso mesmo, não discriminatória.  

 

Procurar conceber essa concreta diminuição da diferenciação remuneratória positiva dos Demandantes face àqueles seus outros colegas menos antigos, em resultado da transição de todos eles para a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, como um tertium genus de violação do princípio de não inversão das posições remuneratórias relativas é passo demasiado ousado, incompatível com o significado de “inversão” (ou de “ultrapassagem”), que abriria uma verdadeira caixa de Pandora, de efeitos imprevisíveis, e que seria até passível de pôr em causa a liberdade de conformação normativa que deve reconhecer-se ao legislador; e seria, para mais, um passo sem qualquer acolhimento jurisprudencial.

 

Na verdade, um tal passo não é dado pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19 de dezembro de 2017, no Processo n.º 07008/10, ou pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 46/2015, ambos invocados pelo Demandado; mas tão pouco um tal passo é dado pela jurisprudência que os Demandantes invocam, sejam os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 313/89 e 584/98, seja o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 29 de junho de 2006, no Processo n.º 0967/05, seja o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 11 de fevereiro de 2015, no Processo n.º 02024/13.9BEBRG.

 

Vale mesmo a pena atentar-se, para uma muito boa visão de conjunto sobre a jurisprudência constitucional relevante in casu e em termos que consideramos determinarem a opção tomada pela presente Decisão Arbitral, o muito recente Acórdão n.º 840/2023 do Tribunal Constitucional.

 

Tem, pois, de considerar-se totalmente improcedente a presente ação arbitral, ficando prejudicada a apreciação da pretensão dos Demandantes inerente à sua alegação de que o artigo 149.º, n.º 2, alínea d), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, não permite posições remuneratórias intermédias em carreiras com natureza unicategorial, como a nova carreira de especialista de polícia científica (EPC) da Polícia Judiciária, para a qual transitaram em 1 de janeiro de 2020.

 

V – Da Decisão Arbitral

 

À luz dos fundamentos expostos, declara-se totalmente improcedente a presente ação arbitral, absolvendo-se, consequentemente, o Demandado de todos os pedidos nela formulados pelos Demandantes.

 

Registe e notifique.

 

25 de março de 2024

 

O Árbitro,

 

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Abílio de Almeida Morgado