DECISÃO ARBITRAL
A..., Inspetor da Polícia Judiciária, colocado na Unidade de Informação Criminal, Secção ... de Prevenção Criminal, daquela Polícia, através do pedido de pronúncia arbitral apresentado, contra o Ministério da Justiça, vem peticionar a condenação do Demandado “a emitir acto que, reconhecendo o direito do Demandante a passar à situação de disponibilidade fora da efectividade de serviço, defira a pretensão deduzida”, porquanto, o Demandado, na ótica do Demandante, esgotou o prazo para decisão do procedimento, sem que tenha proferido uma decisão.
Como fundamento da sua pretensão, o Demandante alega, em síntese, o seguinte:
a) É Inspetor da Polícia Judiciária, estando colocado na Unidade de Informação Criminal,;
b) Tem 58 anos de idade e presta serviço há 38 anos, e, não se encontra provido em cargo dirigente por comissão de serviço;
c) Em 11.07.2022, mediante requerimento, nos termos do artigo 82.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, que aprovou o Estatuto de Pessoal da Polícia Judiciária (EPPJ), requereu o direito à passagem à situação de disponibilidade fora da efectividade de serviço, considerando ter adquirido o direito à mesma (documento n.º 3 junto com a petição inicial e do processo administrativo instrutor);
d) Foi notificado em 10.10.2022, da proposta de indeferimento da sua pretensão, a qual concluía que: “ O pedido da passagem à disponibilidade fora da efetividade de serviço apresentada pelo Sr. Inspetor A... encontra-se prejudicada, atendendo à inexistência de Despacho anual que fixe o número legalmente permitido de passagem de disponibilidade fora da efetividade de serviço, requisito duplamente exigido, quer na previsão do artigo 84º do Decreto Lei nº 138/2019 de 13 de Setembro, diploma que aprovou o Estatuto Profissional do Pessoal da Policia Judiciária, quer do disposto no artigo 64º da LOE 2022 ( documento n.º4 junto pelo Demandante e do processo administrativo instrutor;
e) O demandante apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia em 14.10.2022, tendo invocado, os argumentos de que lançou mão no presente pedido arbitral (documento n.º 5 junto com a petição inicial e do processo administrativo instrutor;
f) Esgotado o prazo para decisão do procedimento, o Demandado não proferiu decisão, violando, por omissão, a lei (art.º 128.º, n.º 1 do CPA);
g) A norma constante do art.º 82.º do EPPJ é de aplicação automática, verificados os pressupostos nelas consagrados, mais de 55 anos de idade e 36 anos de serviço, pelo que, o direito à passagem a essa situação, está constituído na esfera jurídica do Demandante, como o corroboram as sucessivas normas orçamentais, designadamente de 2021 (art.º 77.º), de 2022 (art.º 64.º) e mesmo de 2023 (art.º 44.º), as quais, em consonância com o art.º 84.º do EPPJ, não acrescentam qualquer requisito ou pressuposto, apenas ordenam a prolação pelo Governo de despacho para os efeitos produzidos;
h) Ao contrário do expendido no projeto de decisão, não é requisito da constituição desse direito o despacho que fixe o contingente anual da passagem à disponibilidade fora da efetividade de serviço, sendo falso inferir que esta só pode ocorrer com aquele;
i) Considera que, o despacho em falta nunca foi proferido em qualquer ano de vigência da lei, não tendo impedido a passagem à disponibilidade de inúmeros funcionários, e, não passa de uma medida puramente orçamental destinada a acomodar administrativamente a aplicação da lei, que não pode constituir-se como lacuna pela simples inércia da Administração, servindo a esta como argumento para violação de lei
Regularmente citado, o Demandado aduziu, em tempo, a sua contestação, tendo apresentado defesa por impugnação alegando que :
a) O enquadramento da passagem à situação de disponibilidade é o que decorre dos termos dos artigos 82.º, 83.º e 84.º do EPPJ;
b) Este enquadramento é complementado pelo disposto na LOE 2022 designadamente, o seu artigo 64.º e LOE 2023, (que no seu artigo 44.º dispõe de uma norma semelhante) em ambos os diplomas, prevê-se a emissão de 1 despacho anual a fixar o número permitido de passagens à situação de disponibilidade;
c) Este despacho é condição prévia à passagem de situação de disponibilidade, sem a qual não pode ser deferida a pretensão do Demandante;
d) Não havendo fixação de contingente para a PJ, os seus dirigentes têm o dever de gerir os recursos humanos existentes, de modo a que os mesmos possam assegurar a prossecução do interesse público, de forma a não se colocar em crise a missão da PJ.
Com estas alegações, termina e conclui o Demandado com o pedido da “ação ser considerada improcedente e a Entidade Demandada ser absolvida do pedido.”
Não tendo as partes requerido outra produção de outra prova para além da indicada nos articulados, foram as partes convidadas a conciliar-se e a pronunciarem quanto à possibilidade de tramitação do processo apenas por escrito, sendo que em caso do processo ser tramitado apenas por escrito, foi concedido prazo para alegações escritas, no prazo sucessivo de 20 dias.
O Demandante, e o Demandado, não se opuseram à tramitação do processo apenas por escrito, tendo o demandado reiterado tudo quanto alegou na Contestação, tendo contudo informado os autos que por Despacho Normativo n.º 5/2023, do Gabinete da Ministra da Justiça, de 31 de março publicado a 11 abril, foram estabelecidas as regras a atender na apresentação, apreciação e decisão dos pedidos de colocação na situação de disponibilidade do pessoal da carreira de investigação criminal e fixado o contingente de pessoal dessa carreira passível de colocação na situação de disponibilidade.
Requerendo assim, a suspensão do presente processo por 5 meses, pois que em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 3.º daquele Despacho, a Polícia Judiciária, no final do 1º semestre de 2023, iria apresentar ao Ministério da Justiça todos os pedidos de passagem à situação de disponibilidade pendentes, no qual se insere o pedido do autor A... e, entrando este na quota, passará o mesmo à disponibilidade.
O Demandante, opôs-se á suspensão do processo, em sede de alegações reiterou os argumentos aduzidos e a procedência do pedido respondendo contudo à alegação do Demandado de que a conservação dos quadros de pessoal existentes, alicerçava-se na prossecução do interesse público , opondo-se a que tal interesse publico justifique o não emanar os actos a que estava obrigado por lei, alegando que o argumento é omisso quanto à falta de resposta ao requerimento do demandante a que o demandado está obrigado.
Um estudo da Jurisprudência, do CAAD sobre a questão Reconhecimento do direito de passar á situação de disponibilidade de fora da efetividade de serviço., revelou a existência de Decisões sobre a matéria, pelo que iremos seguir de perto as Decisões arbitrais em causa nomeadamente, o Processo n.º 82/2017-A; Processo n.º 3/2019-A; Processo n.º 163/2022-A;
SANEAMENTO DO PROCESSO
O tribunal é, assim, competente, as partes são legítimas e a instância válida e regular, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa
FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
I. O Demandante é Inspetor da Polícia Judiciária, estando colocado na Unidade de Informação Criminal;
II. O Demandante tinha data da entrada da Petição Inicial da 58 anos de idade e presta serviço há 38 anos, e, não se encontra provido em cargo dirigente por comissão de serviço;
III. Em 11.07.2022, mediante requerimento, nos termos do artigo 82.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, que aprovou o Estatuto de Pessoal da Polícia Judiciária (EPPJ), o Demandante requereu o direito à passagem à situação de disponibilidade fora da efectividade de serviço, considerando ter adquirido o direito à mesma- – tal também resulta do documento n.º 3 junto com a petição inicial e do processo administrativo instrutor;
IV. O Demandante foi notificado em 10.10.2022, da proposta de indeferimento da sua pretensão, a qual concluía que: “ O pedido da passagem à disponibilidade fora da efetividade de serviço apresentada pelo Sr. Inspetor A... encontra-se prejudicada, atendendo à inexistência de Despacho anual que fixe o número legalmente permitido de passagem de disponibilidade fora da efetividade de serviço, requisito duplamente exigido, quer na previsão do artigo 84º do Decreto Lei nº 138/2019 de 13 de Setembro, diploma que aprovou o Estatuto Profissional do Pessoal da Policia Judiciária, quer do disposto no artigo 64º da LOE 2022 ( documento n.º4 junto pelo Demandante e do processo administrativo instrutor;
V. O Demandante apresentou a sua pronúncia em sede de audiência prévia em 14.10.2022, tendo invocado, os argumentos de que lançou mão no presente pedido arbitral (documento n.º 5 junto com a petição inicial e do processo administrativo instrutor;
VI. Esgotado o prazo para decisão do procedimento, o Demandado não proferiu decisão
Os Factos provados resultaram dos supra referidos Documentos juntos com a Petição Inicial pelo Demandante e o Processo Administrativo instrutor, junto com a Contestação pelo Demandado
FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultaram provados outros factos com interesse para os presentes autos
ARTICULADOS, REQUERIMENTOS,
· O Demandante apresentou a sua Petição Inicial em 07-02-2023
· O Demandado apresentou a sua Contestação em 07-03-2023
· O Demandante apresentou requerimento de não oposição a que o processo fosse tramitado por escrito em 05-05-2023
· O Demandado apresentou alegações escritas informou os autos da publicação do Despacho Normativo n.º 5/2023, do Gabinete da Ministra da Justiça, de 11 abril, sobre as regras a atender na apresentação, apreciação e decisão dos pedidos de colocação na situação de disponibilidade e requereu a suspensão do processo por 5 meses 10-05-2023
· O Demandante apresentou alegações escritas e opôs-se à suspensão do processo
· O Demandado manifestou na sua contestação , a sua intenção de não prescindir do direito ao Recurso da presente Decisão
DIREITO
Desde logo, e quanto à requerida suspensão da Instância pelo Demandado, diga-se que não tendo este Tribunal se pronunciado, em tempo útil, a verdade é que decorridos que foram mais do que os 5 meses solicitados pelo Demandado para ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 3.º Despacho Normativo n.º 5/2023, do Gabinete da Ministra da Justiça, de 11 abril, decidir sobre o pedido do Demandante A... para o mesmo passar à disponibilidade, nenhuma das partes veio informar o Tribunal arbitral da eventual inutilidade superveniente da lide, pelo que cumpre decidir:
Vejamos então, o regime legal que sustenta a Decisão a proferir
Neste ponto, declaramos desde já que vamos aderir à fundamentação jurídica que foi perfilhada no processo arbitral 163/2022-A, e, por isso, se reproduzirá aqui partes do entendimento jurídico feito das normas em questão em matéria em tudo idêntica á questão sub judice
O Demandante peticiona a condenação do Demandado à prática do ato administrativo legalmente devido, na perspetiva do Demandante, para deferir a passagem do deste à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.
Isto porque, o procedimento desencadeado pelo Demandante para passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço teria de ser decidido no prazo legal e supletivamente estabelecido do artigo 128.º n.º 1 do CPA, e não o sendo, assiste ao Demandado o direito a pedir a condenação à prática do ato devido.
Vejamos então o enquadramento jurídico do objeto da presente ação:
O Demandante integra a carreira especial de investigação criminal, da categoria de inspetor e exerce funções na Unidade de Informação Criminal
O regime da carreira especial de investigação criminal é o previsto no do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, que aprovou o Estatuto de Pessoal da Polícia Judiciária (EPPJ)
Por sua vez, a situação de disponibilidade, prevista nos artigos 82.º a 84.º do Estatuto de Pessoal da Polícia Judiciária constitui uma situação funcional intermediária e excecional, a meio caminho entre a situação de ativo e de aposentação.
A passagem à situação de disponibilidade do trabalhador da carreira de investigação criminal processa-se nos termos do artigo 82.º do EPPJ da seguinte forma :
“1 – O trabalhador da carreira de investigação criminal que não se encontre provido em comissão de serviço em cargo dirigente passa à disponibilidade:
a)Automaticamente, quando atingir os 60 anos de idade;
b) Por despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça, a requerimento do interessado, quando tenha completado 55 anos de idade e 36 de serviço…”.
É a última situação, a da alínea b) do artigo 82º do EPPJ a aplicável ao Demandante, que dá causa á presente Demanda.
Veja-se que em ambas as situações,- passagem automática ou por despacho do membro do Governo responsável pela área da Justiça,- se aplica o nº1 do artigo 84º do EPPJ que determina que:
“1 - É fixado anualmente, por despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça, o contingente dos trabalhadores da carreira de investigação criminal passível de colocação na situação de disponibilidade, para ele especificando quotas percentuais indicativas para as situações de efetividade e fora da efetividade de serviço.
Ou seja o é o mesmo membro do governos que fixa anualmente o contingente de trabalhadores passível de colocação na situação de disponibilidade despacha o requerimento do interessado que preenchendo os requisitos legais o requeira ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 82º do EPPJ
Este enquadramento encontra reforçado pelo no disposto quer na Lei do Orçamento de Estado de 2022, data do pedido de passagem à situação de disponibilidade fora de efetividade de serviço pelo Demandante artigo 64º quer na Lei do Orçamento de Estado de 2023 44.º dispondo ambas as normas :
“1 — Como medida de equilíbrio orçamental, as passagens às situações de reserva, pré-aposentação ou disponibilidade, nos termos estatutariamente previstos, dos militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), de pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP), do SEF, da Polícia Judiciária, da Polícia Marítima, de outro pessoal militarizado e de pessoal do corpo da Guarda Prisional apenas podem ocorrer nas seguintes circunstâncias: a) Em situações de saúde devidamente atestadas;
b) No caso de serem atingidos ou ultrapassados os limites de idade ou de tempo de permanência no posto ou na função, bem como quando, nos termos legais, estejam reunidas as condições de passagem à reserva, pré-aposentação ou disponibilidade depois de completados 36 anos de serviço e 55 anos de idade;
c) Em caso de exclusão da promoção por não satisfação das condições gerais para o efeito ou por ultrapassagem na promoção em determinado posto ou categoria, quando tal consequência resulte dos respetivos termos estatutários;
d) Quando, à data de entrada em vigor da presente lei, já estejam reunidas as condições ou verificados os pressupostos para que essas situações ocorram, ao abrigo de regimes aplicáveis a subscritores da CGA, I. P., de passagem à aposentação, reforma, reserva, pré-aposentação ou disponibilidade, independentemente do momento em que o venham a requerer ou a declarar.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, o Governo fixa anualmente o contingente, mediante despacho dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela área setorial, prevendo o número de admissões e de passagem à reserva, pré-aposentação ou disponibilidade, tendo em conta as necessidades operacionais de cada força e serviço de segurança e da renovação dos respetivos quadros.
3— No que respeita à GNR, à PSP e ao SEF, o contingente referido no número anterior é definido tendo em consideração o número máximo de admissões verificadas nas forças e serviços de segurança, nos termos do respetivo plano plurianual de admissões
A 11 de Abril de 2023 foi publicado o Despacho Normativo n.º 5/2023, do Gabinete da Ministra da Justiça, de 31 de Março de 2023 publicado a 11 abril ultimo que estabelece as regras a atender na apresentação, apreciação e decisão dos pedidos de colocação na situação de disponibilidade do pessoal da carreira de investigação criminal e fixa o contingente de pessoal dessa carreira passível de colocação na situação de disponibilidade
Vejamos então a posição das partes face a este status quo:
O Demandante alega na sua petição, que a norma constante do citado artº 82º do EPPPJ é de aplicação automática, verificados os pressupostos nelas consagrados, a saber mais de 55 anos de idade e 36 anos de serviço, pelo que, o direito à passagem a essa situação, disponibilidade fora da efectividade de serviço, está constituído na esfera jurídica do Demandante, como o corroboram as sucessivas normas orçamentais, designadamente de 2021 (arto 77 0 ), de 2022 (arto 640 ) e mesmo de 2023 (arto 440), as quais, em consonância com o arto 84 0 EPPPJ, não acrescentam qualquer requisito ou pressuposto, apenas ordenam a prolação pelo Governo de despacho para os efeitos produzidos
Mais entende o Demandante, “a ausência de tal fixação não condiciona, quer juridicamente, quer no plano prático, a operatividade do disposto no artigo 82.º, n.º 1, alínea b) do Estatuto de Pessoal da Polícia Judiciária, não sendo um requisito da constituição desse direito.
No entender do demandante o despacho mencionado em lei é um ato do interesse da Administração e contém-se na sua organização, mas é estranho à constituição do direito do interessado, o qual se opera pela verificação dos respetivos requisitos legais previstos no arto 82 0 do EPPPJ, e também repetidos nas leis de Orçamento do Estado, e não depende — tão só se operacionaliza (no estrito interesse da Administração) — mediante despacho, em falta, que não é requisito legal, mas apenas instrumento orçamental do dispositivo legal (reiterado ipsis verbis pela lei orçamental), sendo que a invocação da falta de ato que só ao mesmo Demandado incumbe praticar, resulta em venire contra factum proprium,
Concluído que o famigerado despacho em falta , que nunca havia sido preferido em nenhum ano da vigência da Lei , não impediu a passagem á disponibilidade de inúmeros funcionários não passando de uma medida puramente orçamental destinada a acomodar administrativamente a aplicação da Lei, que não pode constituir-se como lacuna pela simples inércia da Administração, servindo como argumento para violação da lei.
Para legitimar os seus argumentos o Demandante evoca por fim três decisões deste CAAD, a sentença proferida no processo n.º 82/2017-A ; no 3/2019-A e no 163/2023-A
As duas primeiras sentenças têm em comum ser-lhes ainda aplicável o regime instituído pela anterior Lei Orgânica, e reportarem-se a pedidos de passagem a situação de disponibilidade, por motivos de saúde já o processo 163/2023-A é um processo com a factualidade e a aplicação jurídica em tudo idêntica a deste processos tendo, em comum todas as três sentenças o CAAD ter concluído pela total procedência do pedido dos Demandantes, com a concomitante condenação do Demandado a emitir ato administrativo tendente a reconhecer o direito do demandante de passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.
Já o Demandado alicerça a sua posição no enquadramento jurídico decorrente da conjugação do artigo 84.º do EPPJ e da disposição constante das LOE 2022 e 2023, e destaca o despacho anual fixador do contingente de trabalhadores da carreira de investigação criminal passível de colocação na situação de disponibilidade como condição prévia, de passagem à situação de disponibilidade, razão pela qual “ não poderá ser deferida a pretensão do Demandante.”
Refere ainda que, apesar dos Orçamentos de Estado de anos anteriores, bem como a anterior Lei Orgânica da PJ – Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro –, no seu artigo 147.º-A, mencionarem a fixação anual de contingente do pessoal da carreira de investigação criminal a colocar na disponibilidade, a verdade é que o mesmo nunca foi fixado. E, que ao longos dos anos, apenas têm sido autorizadas, pontualmente, passagens à disponibilidade, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 82.º do EPPJ, em situações excecionais.
A necessidade da fixação anual do contingente é justificada como como medida de equilíbrio orçamental, tendo em conta as necessidades operacionais de cada força e serviço de segurança e da renovação dos respetivos quadros
Concluindo que se por um lado os trabalhadores que se encontram em condições para requerer a passagem à situação de disponibilidade nos termos abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 82.º do EPPJ não podem ser penalizados pela não fixação de contingente, também é verdade que, por imposição legal – veja-se o estatuto pessoal dirigente – o interesse público e a missão da PJ não podem, nem devem ser prejudicados pela não fixação do mesmo, incumbindo aos dirigentes gerir os recursos humanos existentes, de modo a que os mesmos possam assegurar a prossecução do interesse público, de forma a não se colocar em crise a missão da PJ.
O Demandado ainda se contrapõe ao argumento do Demandado, quando este, faz depender a passagem á situação de disponibilidade da verificação dos pressupostos de idade e tempo de serviço, contrapondo “mas sim que possam requerer a sua integração na quota do contingente fixado, tendo em conta as necessidades operacionais da PJ e da renovação do respetivo quadro. Considerando-se que até que seja fixado tal contingente, deverá tentar-se confluir os interesses públicos com os privados, devendo neste contexto dar-se prevalência ao interesse público, de forma a não se colocar em crise a missão da PJ.”
Fecha o Demandado, “nos termos expostos, face ao regime legal aplicável, não pode proceder o pedido do Demandante de condenação da Entidade Demandada a emitir ato que, reconhecendo o direito do Demandante a passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, defira a pretensão deduzida.”
Em fase de alegações escritas e em face da publicação do Despacho Normativo n.º 5/2023, do Gabinete da Ministra da Justiça, de 31 de Março de 2023 publicado a 11 abril ultimo que estabelece as regras a atender na apresentação, apreciação e decisão dos pedidos de colocação na situação de disponibilidade do pessoal da carreira de investigação criminal e fixa o contingente de pessoal dessa carreira passível de colocação na situação de disponibilidade, o Demandado veio alegar que a PJ ao abrigo desse despacho iria apresentar ao Demandado todos os pedidos de passagem à situação de disponibilidade pendentes, no qual se insere o pedido do Demandante A... e, entrando este na quota, passará o mesmo à disponibilidade.
Passemos, então, a subsumir os factos e o direito a estes autos:
Demandante e Demandado acordam que aquele é trabalhador da carreira de investigação criminal que não se encontra provido em comissão de serviço em cargo dirigente e completou 55 anos de idade e 36 de serviço preenchendo o(s) pressuposto(s), requisito(s) e / ou condição(ões) para a passagem à situação de disponibilidade, para o caso destes autos, prescritos na alínea b) do n.º 1 do artigo 82.º do EPPJ
Demandante e Demandado discordam da relevância do despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça, anual de fixação do “ contingente dos trabalhadores da carreira de investigação criminal passível de colocação na situação de disponibilidade, para ele especificando quotas percentuais indicativas para as situações de efetividade e fora da efetividade de serviço. ( nº 1 do artigo 84.º do EPPJ)
Na perspetiva do Demandado, este despacho é uma “condição prévia” para a passagem à situação e disponibilidade, funcionando este como um duplo crivo no sentido que o Despacho, no dizer do Demandado, fixa anualmente o contingente dos trabalhadores da carreira de investigação criminal passível de colocação na situação de disponibilidade.
Contudo, uma vez que o Despacho Normativo já se encontra publicado há mais de 5 meses, e o Demandado continua sem responder ao requerido pelo Demandante grande parte, da argumentação do Demandado cai por terra.
Sendo certo que em requerimento apresentado a este tribunal Arbitral a 10-05-2023 o próprio Demandado alegava que todos os pedidos de passagem à situação de disponibilidade pendentes, no qual se insere o pedido do demandado A..., entrando na quota, passaria o mesmo à disponibilidade, no que estimava ocorrer no prazo de 5 meses.
A verdade é que apesar da Existência do despacho que fixou o contingente de pessoal da carreira de investigação criminal passível de colocação na situação de disponibilidade, ainda assim continua por deferir o pedido do Demandante.
De referir que mesmo antes da existência do Despacho normativo 5/2023 de 11 de Abril, a Jurisprudência unanime desde CAAD era no sentido que : “ Da conjugação do EPPJ e da Lei do Orçamento de Estado, do elemento literal dos normativos citados, não retiramos que a fixação do contingente seja uma condição para a passagem à disponibilidade. Antes, entendemos a fixação do contingente como uma medida de carater puramente orçamental e já não como pressuposto à passagem à situação de disponibilidade.
Este entendimento do Tribunal consolida-se com a constatação da incoerência para o sistema que seria se a passagem à situação de disponibilidade depende-se deste duplo grau de pressupostos como afirmou o Demandado: o pressuposto do próprio trabalhador e a existência de contingente. Para esta incoerência basta apelar aos exemplos dos casos concretos de decisões deste CAAD sobre situação respeitante à passagem à disponibilidade (processo n.º 82/2017-A e no 3/2019-A), mesmo que, com “fundamentados com questões de saúde, devidamente comprovadas.”
Mesmo em situações de pedidos de passagem à disponibilidade por questões de saúde, o deferimento da pretensão do trabalhador estaria sempre dependente da existência de contingente, mesmo que, em situações limite, a prestação de serviço ficasse seriamente comprometida, levaria ao defraudar da natureza da situação de disponibilidade como uma situação intermediária entre a aposentação e o ativo e da própria intenção e motivação do Legislador ao prever tal regime.
Ou mesmo, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 82.º do EPP..., quando atingido o limite de idade dos 60, segundo o disposto no EPPJ, passando automaticamente para a situação de disponibilidade, está passagem nunca seria automática, mas dependente da existência de contingentação. Esta solução não se compadece com a letra e espírito do EPPJ
Isto, para o Demandante, quando atingidos os 60 anos de idade, como se processaria a passagem à situação de disponibilidade, se não houvesse sido ainda fixado o contingente anual?
Diga-se ainda, a respeito do sentido desta decisão o seguinte: tanto o EPPJ como a Lei de Orçamento de Estado prevêem a emanação de despacho para a fixação de contingente para a passagem à situação de disponibilidade.
Ora, tal despacho, assim como, “as regras a atender na apresentação, apreciação e decisão dos pedidos são estabelecidas, tendo em conta a idade e o tempo de serviço prestado, por despacho normativo do membro do Governo responsável pela área da justiça”. Ou seja, quando confrontada com o pedido do Demandante, o Demandado veio invocar como fundamento para negar tal pedido a sua própria inércia, justificando-se com a inexistência de despacho de fixação de contingente.”
Publicado que foi no passado Mês de Abril, o muito falado despacho de fixação do contingente, deixa por maior força de razão, o Demandado de ter qualquer fundamento para negar o pedido do Demandante.
Dito isto, o pedido do Demandante insere-se em um dos meios processuais adotados pelo CPTA, regulado nos artigos 66.º e 71.º do CPTA, ou seja, a condenação à prática do ato devido.
À luz do disposto no artigo 67.º do CPTA, no caso dos autos, encontra-se preenchido o pressuposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA e mostra-se ultrapassado o tempo da decisão do procedimento administrativo desencadeado pelo Demandante, sendo este o meio idóneo para reclamar uma decisão sobre a sua pretensão.
Ademais, conforme resulta do artigo 13.º do CPA, sobre o Demandado impende o dever de pronúncia sobre o assunto trazido pelo Demandante, assunto da sua competência e que lhe foi apresentado, como ocorre na presente situação sob julgamento.
E, tal decisão, nos termos do artigo 128.º do CPA, deveria ser decidida no intervalo de tempo ali previsto, 60 dias, do que decorre da matéria trazida aos autos, o assunto a decidir não é de excecional complexidade ou existem circunstâncias excecionais legitimadoras da prorrogação do referido, nem isso foi alegado ou demonstrado.
Por tudo o que veio exposto, não poderia a pretensão do Demandante deixar de ser procedente e o Demandante ser condenado a decidir tal pretensão, em tempo razoável.
DECISÃO
Considerando quanto decorre da fundamentação de facto e de direito, importa julgar, procedente a acção e em consequência :
Ao abrigo do artigo 66.º do CPTA, determina-se e condena-se o Demandado à emissão do ato administrativo que decida sobre o requerimento do Demandante e reconheça a este o direito de passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.
VALOR DA CAUSA
Atribui-se à causa o valor de €30.000,01(trinta mil euros e um cêntimo)
Notifique-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do NRAA.
Lisboa e CAAD, 2 de Novembro de 2023
Maria José da Costa Miranda Menezes