DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
A - Partes e objeto do litígio
A Demandante A..., Assistente Operacional na 4ª posição, provida nos Quadros dos Funcionários da Polícia Judiciária desde 25/05/1998, intentou em 16 de janeiro de 2023 a presente ação, contra o Demandado Ministério da Justiça, ambas as partes melhor identificados e descritos nos autos.
Peticiona a Demandante que:
a) reconheça à Demandante o direito ao suplemento de risco no montante igual ao fixado para os funcionários da carreira de investigação criminal da polícia judiciária com o conteúdo funcional de carreira de especialista de polícia científica, com os efeitos referentes desde janeiro do ano de 2020 até ao momento;
b) reconheça todos os direitos, liberdades e garantias do Direito Constitucional inerente ao Direito do Trabalho à trabalhadores do serviço público;
c) condene o demandado a pagar todos os montantes devidos do suplemento de risco equiparado ao de peritos, desde janeiro de 2020, até ao momento, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde as datas de vencimento até às custas de parte - cfr. pedidos a final da petição.
Para tanto alega e requer, em síntese, que seja reconhecidos e efetuados os pagamento de todos os montantes referentes ao Subsídio de Risco, conforme decorre dos preceitos legais, desde 20 de janeiro de 2020, nos termos do disposto no art. 99.º n.º 3 e n.º 4 do DL 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação dada pelo DL 302/98, de 7 de Outubro, e a condenação do Demandado no pagamento dos valores em dívida, desde essa data, acrescidos dos juros legais nos termos do peticionado.
A Demandante fundamenta a sua pretensão na aplicação à sua situação dos seguintes normativos legais (destaca-se aqueles que maior relevância adquirem para o caso concreto, e cuja importação é necessária), na exposição de factos descrita, e na respetiva conjugação, na seguinte medida:
- Nos termos do disposto no artigo 99.º n.º 3 e 4 do DL 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação dada pelo DL 302/98, de 7 de Outubro, normas aplicáveis por força do disposto nos artigos 91.º e 161.º do DL 275-A/2000, de 9 de Novembro, o suplemento de risco para os trabalhadores da carreira de Grupo de Pessoal de Apoio à Investigação Criminal, da Polícia Judiciária é fixado em 25% do índice correspondente ao 1.º escalão da categoria de Inspetor;
O Demandado é o Ministério da Justiça que nos termos legais da Lei Orgânica do Ministério da Justiça aprovado pelo Decreto-Lei n.º 123/2011 de 29 de Dezembro na redação dada pela Lei n.º 89/2017, de 21/08, encontra-se vinculada à jurisdição do CAAD no que respeita à composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros que tenham por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou doença profissional (vide artigo 1º n.º 1 alínea d) e n.º 2 da alínea a) da Portaria n.º 1120/2009 de 30 de Setembro, que vincula à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD vários serviços centrais, pessoas coletivas e entidades que funcionam no âmbito do Ministério da Justiça.
Citado no processo, veio o Demandado apresentar contestação em 7 de fevereiro de 2023, que não assiste razão à Demandante.
Pugna o Demandado, a final, pela improcedência dos pedidos e sua consequente absolvição.
Não procedeu o Demandado à junção do Processo Administrativo, nos termos do artigo 12º n.º 4 do RAA.
Findo os articulados, e após designação datada de 13 de março de 2023, foi proferido despacho inicial, nos termos do disposto no artigo 18º do Regulamento da Arbitragem Administrativa (RAA), em 17 de março de 2023, onde o Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre a condução dos trabalhos e tramitação processual.
Com o despacho inicial foi dada às partes a oportunidade, nos termos e para os efeitos do artigo 24º do RAA. Foi proferido despacho, em 7 de julho de 2023 para as Partes, querendo, no prazo de dez dias, apresentarem alegações escritas, em simultâneo, uma vez que não renunciaram ao exercício dessa faculdade. Quer a Demandante quer o Demandado alegaram, cujo teor consta dos autos.
B - Tribunal Arbitral
O Tribunal Arbitral é composto por Tribunal Singular designados pelo CAAD (cfr. artigo 15º n.º 1 do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD).
Por correio eletrónico de 13 de março de 2023, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD comunicou aos mandatários das partes a designação deste Tribunal Singular.
C – Da Prova
Dão-se por integralmente reproduzidos os documentos juntos pela Demandante juntas com a sua Petição Inicial, dado não ter nenhum dos documentos sido impugnado pelo Demandado.
D – Do mérito do pedido: questões que ao Tribunal Arbitral cumpre resolver:
Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre apreciar e decidir do mérito do pedido.
É apenas uma a questão a decidir, configuradas a partir da causa de pedir e do pedido e da posição assumida pela Demandante na petição e do Demandado na contestação:
Ø Tem direito ou não a Demandante aos suplementos remuneratórios a título de Subsídio de Risco, no período entre 20 de janeiro de 2020, até ao presente?
Ø Se sim, qual ou quais o/s regime/s jurídico/s aplicável/s ao caso, designadamente em matéria de pagamento de suplementos remuneratórios aa Demandante (subsídios de risco) no período entre 20 de Janeiro de 2020 e até à data presente?
II – FUNDAMENTAÇÃO
A – Factos
Os factos relevantes para a decisão da causa afiguram-se não controvertidos, não existindo factos dados como não provados, até porque é bastante preciso o ponto de discórdia entre a Demandante e o Demandando, e que se resume à interpretação a ser dada ao thema decidendum anteriormente explanados no ponto de “D – Questões que ao Tribunal Arbitral cumpre resolver”, isto é, saber se
Ø Tem direito ou não a Demandante aos suplementos remuneratórios a título de Subsídio de Risco, no período entre 20 de janeiro de 2020, até ao presente?
Ø Se sim, qual ou quais o/s regime/s jurídico/s aplicável/s ao caso, designadamente em matéria de pagamento de suplementos remuneratórios aa Demandante (subsídios de risco) no período entre 20 de Janeiro de 2020 e até à data presente?
A decisão sobre a matéria de facto assentou essencialmente na análise crítica da prova documental produzida nos autos pela Demandante e Demandado.
Assim, com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados, os seguintes factos, e aceites pela Demandado:
I. A Demandante foi admitida aos quadros da Polícia Judiciária em 25/5/1998 na categoria profissional de telefonista, tendo transitado posteriormente para a categoria de assistente operacional.
II. A Demandante está colocada na Unidade de Perícia Tecnológica e Informática (UPTI), na sequência da Ordem de serviço n.º .../2021 de 9 de agosto e do despacho n.º .../2021-GADN.
III. A Demandante detém habilitações literárias de Bacharelato em Serviço Social, concluída em 16 de setembro de 2009.
IV. A Demandante adquiriu competências técnicas para as funções de Especialista Adjunto decorrente de cursos que frequentou com relevância para as funções a desempenhar, designadamente o Curso Técnico Profissional de Eletrónica e Analogia e Digital de 240 horas.
V. A Demandante, à data, detinha no seu conteúdo funcional a realização de perícias informáticas, assim como as condições e habilitações para acesso á carreira de especialista-adjunto.
VI. A Demandante posteriormente adquiriu competências para através de formação interna especifica na sede da Polícia Judiciária;
VII. A Demandante apresentou a sua petição inicial em 16 de janeiro de 2023;
VIII. O Demandando apresentou a sua contestação em 7 de fevereiro de 2023;
IX. Não foi junto pelo Demandado o processo administrativo;
X. A Demandante e Demandado apresentaram alegações escritas, remetendo, no essencial para as peças processuais apresentadas tempestivamente.
B – Direito
Relembrando os pedidos da Demandante, estes são os seguintes:
a) reconheça à Demandante o direito ao suplemento de risco no montante igual ao fixado para os funcionários da carreira de investigação criminal da polícia judiciária com o conteúdo funcional de carreira de especialista de polícia científica, com os efeitos referentes desde janeiro do ano de 2020 até ao momento;
b) reconheça todos os direitos, liberdades e garantias do Direito Constitucional inerente ao Direito do Trabalho à trabalhadores do serviço público;
c) condene o demandado a pagar todos os montantes devidos do suplemento de risco equiparado ao de peritos, desde janeiro de 2020, até ao momento, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde as datas de vencimento até às custas de parte - cfr. pedidos a final da petição.
Importa, desde logo, salientar que a atribuição de subsídio de riscos, aos diversos trabalhadores que exercem funções na Polícia Judiciária não constitui uma questão nova, tendo já sido objeto de anteriores pronúncias deste mesmo Centro de Arbitragem, nomeadamente nos Processos n.ºs 44/2016 – A, 17/2017-A, 62/2015-A e 1297/2019-A, 64-2016-A.
1. A previsão legal do suplemento de risco dos trabalhadores da Polícia Judiciária
Dispõe o art.º 99.º do Decreto-Lei 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 302/98, de 7 de Outubro, sob a epígrafe “Subsídio de risco”, o seguinte:
“1. Os funcionários ao serviço da Polícia Judiciária têm direito a um suplemento de risco, graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal
2. O suplemento de risco para o pessoal dirigente e de chefia é fixado em 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.
3. O suplemento de risco para os funcionários da carreira de investigação criminal é fixado em 25% do índice correspondente ao 1.º escalão da categoria prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 119.º.[1]
4. Os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, telecomunicações e segurança têm direito a suplemento de risco de igual montante ao fixado no número anterior.
5. Sem prejuízo do número anterior, os funcionários que integram o grupo de pessoal de apoio à investigação criminal têm direito a um suplemento de risco correspondente a 20% do índice 100 da respetiva tabela indiciária.
6. O pessoal operário e auxiliar tem direito a um suplemento de risco de montante igual ao fixado para o pessoal de apoio à investigação criminal.
7. O suplemento de risco referido nos números anteriores é considerado para efeitos de subsídios de férias e de Natal, estando sujeito ao desconto de quota para aposentação e sobrevivência”.
Não obstante, a revogação do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro, pelo Decreto-Lei 275-A/2000, de 9 de novembro (cfr. Art.º 179.º deste último diploma), a verdade é que, de acordo com os art.ºs 91.º, 161.º e 178.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, até à aprovação do novo sistema remuneratório, o pessoal dirigente e o “restante pessoal da Polícia Judiciária mantém o direito ao suplemento de risco segundo o critério em vigor à data da entrada em vigor do presente diploma” (art.º 161.º, n.ºs 1 e 3).
Não obstante a injunção legal no sentido da aprovação de tal regime remuneratório no prazo de 180 dias a contar da entrada em vigor do mesmo diploma de 2000 (art.º 178.º, n.º 1), tal não veio a acontecer, destarte prolongando no tempo a vigência do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro.
Relativamente à razão de ser destes suplementos de risco e às condições da sua atribuição, subscrevemos integralmente as considerações expandidas na decisão proferida no Proc. N.º 17/2017-A do CAAD: “Ao contrário do regime geral dos suplementos por risco na relação jurídica de emprego público, em que o risco tem que ser efetivo, aqui a regra é o subsídio de risco seguir o ónus da «função». Tendo os diferentes grupos funções diferentes, entendeu o legislador que o ónus das funções das carreiras do grupo de pessoal de investigação criminal oferece um risco maior, pelo que para este grupo consagrou a taxa de subsídio maior, de 25%, conforme nº 3 do mesmo diploma e disposição legal. Já para o pessoal dirigente e de chefia, para o grupo de apoio à investigação criminal e para o pessoal operário e auxiliar, a taxa é de 20%.”
2. As restrições ao pagamento do subsídio de risco até 2010 e o caso dessas restrições a partir desta última data
Não obstante a previsão legal da outorga de subsídio de risco aos diversos profissionais da Polícia Judiciária data de 1990, onde se inclui a Demandante, a verdade é que tal suplemento remuneratório nem sempre foi pago ou, pelo menos, não de acordo com os montantes e percentagens legalmente fixadas.
De facto, o art.º 2.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, determinou o congelamento dos montantes dos suplementos remuneratórios, que não tivessem a natureza de remuneração base, devidos aos funcionários, agentes e demais servidores do Estado, congelamento esse prorrogado até 31 de dezembro de 2007 pelo art.º 2.º da Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro.
Relativamente ao período posterior a 2008 em diante, socorremo-nos das considerações expandidas na citada decisão do CAAD n.º 62/2005 “para 2008, Lei 67-A/2007, de 31.12, no seu art. 15º/1 sobre «Carreiras e Suplementos Remuneratórios», determinou a suspensão, até 31 de Dezembro de 2008, das revisões de carreiras e do regime e montantes dos suplementos remuneratórios, apenas ressalvando as que «resultem da aplicação da lei que, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 109/2005, de 30 de Junho, defina e regule os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas e da actualização geral das remunerações e suplementos, bem como das que sejam indispensáveis para o cumprimento de lei ou para a execução de sentenças judiciais.»
A mesma lei, no art. 119º/9, sobre «Regime transitório de progressão nas carreiras e de prémios de desempenho na Administração Pública», determinou que a «actualização de suplementos remuneratórios em 2008 incide sobre o valor abonado em 2007, com referência à data de 31 de Dezembro desse ano.». Esta actualização só se aplica às carreiras e regimes revistos, uma vez que a própria lei manteve a suspensão de actualização dos suplementos iniciada em Agosto de 2005. Aliás, ao contrário do que refere o demandado na contestação, de resto fazendo referência ao Parecer da PGR P000…, homologado em 01-02-2010, a Lei 67-A/2007 não procedeu à actualização dos suplementos, antes suspendeu essa actualização, com as ressalvas mencionadas.
A actualização em 2,1 % prevista no art. 2º da Portaria 30-A/2008, de 10.01 foi apenas dos «índices 100 das escalas salariais dos cargos dirigentes e dos corpos especiais». Deste modo, continuando suspensa a actualização dos suplementos não poderiam ser os mesmo processados segundo o regime normal como pretende o Autor, improcedendo, mais uma vez o seu pedido quanto ao ano de 2008.
Para o ano de 2009 a Lei 64-A/2008, de 31.12, no seu art. 22º, sobre «Actualização de suplementos remuneratórios», estatui a «actualização dos suplementos remuneratórios para 2009», a efectuar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças e devendo incidir «sobre o valor abonado a 31 de Dezembro de 2008». Pela Portaria 1553-D/2008, de 31.12 (art. 6º), vieram os suplementos a ser actualizados em 2,9% tendo por base os montantes abonados em 2008.”.
A partir de 2010, inclusive, como bem se nota no aresto acabado de transcrever parcialmente, cessaram quaisquer restrições legais ao pagamento do suplemento de risco, passando o respetivo pagamento a regular-se exclusivamente pelo disposto no art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90.
Com efeito e citando novamente a Decisão Arbitral prolatada no Proc. N.º 62/2015-A do CAAD, “O direito aos suplementos é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente o direito a uma retribuição segundo a quantidade, qualidade e natureza do trabalho (art. 59º da CRP). Cabe à lei ordinária – e suas regulamentações – a fixação do seu regime e dos seus critérios procurando o regime remunerador do trabalho que considere justo. Esse regime está sujeito a alterações, mas importa saber o âmbito temporal de tais alterações, tendo sempre presente, sobretudo em casos difíceis, que a interpretação a fazer deverá ter por pano de fundo o direito constitucional acima referido e, no caso de alterações de vigência temporária, a ratio legis do regime regra aplicável ao caso.
O regime relativo à actualização dos suplementos da Lei 64-A/2008, de 31.12, destinou-se a ter vigência apenas para esse ano. O art. 22º desta lei refere-se expressa e inequivocamente à «atualização dos suplementos remuneratórios para 2009», de resto acompanhando nesta parte o princípio da anualidade da lei do orçamento (art. 106º/1 da CRP) o que significa que em 01 de Janeiro de 2010 cessou a vigência da norma, regressando, a partir daí, a situação ao regime normal, que nunca foi expressa ou tacitamente revogada. A Portaria 1553-D/2008, na parte em que regulamenta o art. 22º da Lei 64-A/2008 não poderia exceder o âmbito da mesma, sob pena de ilegalidade e nulidade. Tendo cessado em 31 de Dezembro de 2009 a vigência do regime excepcional e temporário a partir de 2010 os suplementos deveriam ser processados na íntegra e pagos em montantes que tenham por base a remuneração-base e índices da tabela remuneratória em vigor, segundo o regime normal.”
Ora, circunscrevendo-se o pedido da Demandante ao pagamento do suplemento de risco do respetivo período entre 02 de Julho 2009 a 31 de Julho 2020, dúvidas não restam quanto à sua contabilização exclusivamente com base no regime constante do acima transcrito art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro.
E como refere a Demandante, e bem, do nosso ponto de vista, ao citar a Sentença deste CAAD, no âmbito do Processo n.º 64-2016-A, e cujo trecho citamos e que indica o caminho admissível a seguir, designadamente:
(...) Ora, a lei vem estabelecer, de forma muito clara, a permissão do legislador para atribuir o suplemento de risco de montante igual ao do pessoal de investigação criminal quando se trate de trabalhadores integrados nas áreas funcionais de criminalística, telecomunicações e segurança. E o suplemento de risco para o pessoal operário e auxiliar de montante igual ao fixado para o pessoal de apoio à investigação criminal. Como se afirmou, a UTI integra a área funcional das telecomunicações. Mais se afirma, na Declaração do Diretor da UTI, de 25 de fevereiro de 2016, que “na estrutura organizacional da UTI, o GFPI está na dependência da AESE – Área de Equipamentos e Sistemas Especiais, área funcional das telecomunicações” (doc. 12 junto à petição inicial).(...)
Concluindo este aresto do seguinte modo,
(...) Nota-se ainda que, de acordo com a Declaração do Diretor da UTI, emitida a 25 de fevereiro de 2016, os funcionários “no decurso das suas competências de auxílio directo à investigação criminal, participam em operações policiais, buscas domiciliárias e não domiciliárias e outras diligências de obtenção de prova, advindo daí e logicamente, os mesmos riscos que os restantes elementos”, acrescentando que “No decurso da actividade profissional normal dos funcionários do GFPI, estes coadjuvam a investigação criminal em actos processuais diversos, como interrogatórios, inquirições entre outros e mesmo comparecer perante arguidos em sede de julgamento ou outras acções processuais”. Esta interpretação é consentânea com a alínea f) do ponto 4.3.3 da Instrução Permanente de Serviço no .../2015, onde se afirma que compete aos funcionários do GFPI “participar em acções de prevenção e apoio à investigação criminal, bem como proceder à recolha e análise de prova digital, independentemente do suporte, prestando assessoria técnica e participando na realização de diligências de recolha ou demonstração de prova”.
Por todo o exposto, não é possível recusar que os Demandantes tenham direito ao suplemento de risco tal como estabelecido no artigo 99o, no 4, do Decreto-Lei no 295-A/90, por integrarem a área funcional das telecomunicações, tendo direito ao suplemento desde a data em que integraram a UTI, unidade que se insere na área funcional das telecomunicações. (...)
Destarte, parece-nos claro, nesta sede, o direito da Demandante ao suplemento de risco peticionado em sede de petição inicial, necessitando, apenas, nesta fase, perceber a sua quantificação nos termos dos diplomas invocados.
3. A quantificação do valor do subsídio de risco para a Demandante
Aqui chegados e uma vez demonstrado o direito da Demandante ao percebimento do subsídio de risco, a partir de 20 de janeiro de 2020, exclusivamente de acordo com a legislação especificamente destinada ao pessoal da Polícia Judiciária, importa agora escalpelizar melhor quais os termos de tal atribuição.
A este propósito cumpre chamar à colação as duas decisões do CAAD anteriormente enumeradas, para esclarecer o seguinte:
a) no processo CAAD n.º 62/2015-A, estava em causa um trabalhador pertencente à carreira de segurança do grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, tendo sido reconhecido o direito a receber um subsídio de risco no valor de 20% do índice 100 da respetiva tabela indiciária (por aplicação do n.º 5 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro);
b) pelo contrário, no processo CAAD n.º 17/2017-A a Demandante eram trabalhadores pertencentes ao grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, a exercer funções no serviço de telecomunicações e informática, sendo-lhes reconhecido o direito ao subsídio de risco segundo a taxa prevista no n.º 3 do artigo 99.º, do Decreto-Lei nº 295-A/90, por remissão do n.º 4 do mesmo artigo, isto é, no montante de 25%.
No presente caso, a Demandante encontra-se integrada carreira de criminalística, resultando tal devido à sua colocação no Sector UPTI (Unidade de Perícia Tecnológica Informática).
Como resulta do cotejo das duas decisões citadas, a dúvida prende-se (nesses processos, como no presente) com a subsunção dos trabalhadores demandantes na previsão normativa do n.º 4 (com os efeitos previstos no n.º 3) ou, pelo contrário, no n.º 5 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90), com as inerentes consequências ao nível da forma de cálculo do montante do suplemento de risco:
a) na primeira hipótese, tal quantia ascenderá a 20% do índice correspondente ao 1.º escalão da categoria de agente;
b) na segunda hipótese, corresponderá a 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária.
Se colocarmos o acento tónico na tipologia das funções desempenhadas (funções no Sector de Unidade de Perícia Tecnológica Informática), tenderemos aderir ao segundo entendimento;
Pela nossa parte, aderimos ao segundo dos entendimentos expostos, aderindo à fundamentação aduzida (à contrario e por referência á funções exercidas) na já citada sentença arbitral proferida no Proc. N.º 17/2017-A, [2] da qual transcrevemos o seguinte trecho: “Porém, precisamente em coerência com o critério do «ónus das funções», o legislador do Decreto-Lei nº 275-A/2000, considerando que as funções das áreas de criminalística, de telecomunicações e de segurança têm um risco e ónus de perigosidade idêntico ao das funções próprias do pessoal de investigação criminal, no respeito pelo princípio da igualdade e do direito fundamental à retribuição segundo a quantidade, a natureza e a qualidade do trabalho, equiparou aquelas funções a estas para efeitos de valor da taxa de subsídio de risco. Esta equiparação é aplicável, nos termos do nº 4 do artigo em apreço, aos «funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança» (…) Para o referido nº 4, o relevante não são as funções próprias grupo de pessoal de apoio à investigação criminal que importam; nem são as funções específicas das carreiras de Especialista-superior, Especialista ou Especialista-adjunto, mas o estar integrado – independentemente do grupo de pessoal e carreira-, nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança. O que conta neste contexto são as particularidades das funções que constituem esta unidade num ónus mais agravado de perigosidade.”
Por isso mesmo e em consequência, “A verdade é que a Demandante estão a exercer funções nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança (facto provado 2.) e tanto basta que lhes seja pago o subsídio de risco à taxa de 25%. Não teriam sequer que provar que exercem efetivamente funções de maior risco, ou seja, de risco equiparável ao do pessoal de investigação criminal (…). Deste modo, não só existe possibilidade legal de pagamento do subsídio de risco aa Demandante pela taxa de 25%, como é imperativo que assim seja, sob pena de violação do princípio da legalidade a que a atuação da administração está sujeita nesta matéria”.
Como argumento adicional, acrescentamos que o conteúdo funcional das várias categorias integradas na carreira de apoio à investigação criminal contempla um conjunto bastante heterogéneo de funções, algumas delas incluídas nos domínios da criminalística, telecomunicações e segurança (mencionadas no n.º 4 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90), enquanto outras exorbitam dessas mesmas áreas (implicando, por isso, que os trabalhadores a elas afetos devem incluir-se, inequivocamente, na previsão normativa do n.º 5 do mesmo preceito legal).
Tomemos, a título de exemplo, a categoria de especialista principal superior, aos quais compete, designadamente, “Prestar assessoria técnica ou pericial nos domínios jurídico, médico, psicológico, económico, financeiro, bancário, contabilístico ou de mercado de valores mobiliários, da criminalística, das telecomunicações, da informática, da informação pública e dos estudos de prevenção, do planeamento e da organização, da documentação, da tradução técnica e interpretação e da gestão e administração dos recursos humanos e de apoio geral no âmbito das actividades de prevenção e investigação criminal e de coadjuvação judiciária” (art.º 73.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 275-A/00).
De modo análogo, ao especialista-adjunto compete, designadamente, “executar, a partir de instruções, trabalhos de apoio aos especialistas superiores e especialistas, nos domínios da polícia científica, da polícia técnica, da criminalística, das telecomunicações, da informática e da perícia financeira e contabilística” (art.º 75.º do mesmo diploma elencado no parágrafo anterior).
Ora, confrontando esta descrição do conteúdo funcional das várias categorias de carreira de apoio à investigação criminal com os n.ºs 4 e 5 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, verificamos que a intenção do legislador foi a de incluir a generalidade dos trabalhadores nelas integrada naquele n.º 5, reservando apenas para aqueles de entre eles com funções nas áreas das telecomunicações, segurança ou criminalística o tratamento mais favorável plasmado no n.º 3 (por remissão do n.º 4), por ter considerado que tais concretas funções, por se revestirem de uma especial perigosidade ou risco, justificavam uma discriminação positiva relativamente às demais funções potencialmente desempenhadas pelos trabalhadores desta carreira, o que parece ser o caso da Demandante para efeitos da aplicação da percentagem de 25% do subsidio de risco.
Refira-se, ainda, que o entendimento acabado de expor nem sequer conflitua, necessariamente, com a decisão proferida no processo n.º 62/2015-A do CAAD, porquanto a subsunção da situação da ali Demandante no n.º 4 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90 bem pode ter decorrido da não especificação, neste outro processo, das concretas funções desempenhadas pela mencionada Demandante, uma vez que da factualidade provada consta unicamente a sua integração na carreira de apoio à investigação criminal, na área criminalística, no Sector de UPTI, que, aliás, o Demandando aceitou em sede de impugnação dos factos descritos na Petição Inicial.
4. Juros de mora
Relativamente ao pagamento de juros de mora, dúvidas não restam quanto à sua exigibilidade, na medida em que, conforme salientado na decisão proferida no Proc. N.º 45/2014-A do CAAD, “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (cf. Art. 804.º do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). O devedor fica constituído em mora a partir da data do vencimento se a obrigação tiver prazo certo (cf. Art. 805.º, n.º 2, al. a) do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; o art. 173.º, n.º 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; e o art. 218.º, n.º 3 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Pública). Nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (cf. Art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Os juros devidos são os juros civis legais (cf. Art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), atualmente de 4% de acordo com a Portaria n.º 291/2003, de 08 de abril (cf. Art. 559.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Ao valor do suplemento acresce, portanto, ainda os respetivos juros de mora, à taxa de juro legal, sucessivamente em vigor, ou seja, à taxa de 4% até à presente data sem prejuízo de outra taxa que, entretanto, venha a vigorar, a contar das datas do respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento da dívida.”.
No caso concreto e sendo os juros moratórios calculados à taxa legal em vigor de 4% (sobre o capital em dívida à Demandante), entre o dia em que devia ter sido pago o montante em falta, correspondente ao subsídio de risco até à data da entrada em juízo da petição inicial dos presentes autos.
Naturalmente que a tais importâncias acrescerão ainda os juros de mora desde a data da entrada em juízo da petição inicial dos presentes autos até efetivo e integral pagamento, à mesma taxa legal de 4%.
*** III – Decisão ***
Em face de tudo o que antecede e decretando a procedência do pedido da Demandante, condena-se a Demandada a:
a) Reconhecer a Demandante o direito ao suplemento de risco no montante igual ao fixado para os funcionários da carreira de investigação criminal da polícia judiciária com o conteúdo funcional de carreira de especialista de polícia científica, com os efeitos referentes desde 20 janeiro do ano de 2020 até à presente data;
b) Pagar a Demandante a diferença entre o valor do subsídio de risco calculado nos termos explicitados em a) e nos termos efetivamente pagos, e os restantes nos termos do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 12 de setembro e da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas;
c) Pagar a Demandante os juros de mora sobre o valor em dívida deste a entrada em juízo da presente ação até integral e efetivo pagamento, acrescido de juros de mora à taxa legal;
Lisboa, aos 12 de julho de 2023
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Fixa-se o valor da ação em € € 5.076,00 (cinco mil e setenta e seis euros). (cfr. artigo 32º do CPTA ex vi do artigo 26.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD).
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Notifique-se a decisão por cópia e deposite-se o original no Centro (artigo 25º do Regulamento de Arbitragem do CAAD).
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Relativamente às custas processuais, observe-se o disposto no n.º 5 do art.º 29.º do Regulamento do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD)
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Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, nos termos do art.º 5.º, n.º 3, do Regulamento de Arbitragem Administrativa (CAAD)
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Lisboa, aos 12 de julho de 2023
O Juiz Arbitro,
(Filipe Marques de Carvalho)
[1] Nos termos deste art.º 119.º, n.º 1, alínea d), a categoria em causa é a de agente, a categoria inferior da carreira de pessoal de investigação criminal.
[2] Na decisão citada, são ainda mencionadas, no mesmo sentido, a Decisão Arbitral do CAAD proferida no Proc. nº 45/2014T e o Acórdão do TCA-Norte (Proc. nº 514/11.7BEPRT), de 10/5/2016.