Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 508/2022-A
Data da decisão: 2023-06-16  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Relação jurídica de emprego público.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I.       Das partes, do tribunal arbitral, do objeto e saneamento processual

 

DemandanteA..., NIF..., residente na Rua ..., ..., ...-... ..., a exercer funções na Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), com a categoria e carreira de Técnico Superior, 

 

apresentou petição inicial nos termos do artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante, abreviadamente, designado por “Regulamento do CAAD”), contra 

 

Demandado, Ministério da Justiça, com sede na Praça do Comércio, 1149-019 Lisboa.

 

Ministério da Justiça[1] é Demandado por força do n.º 2 do artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) enquanto pessoa coletiva de direito público. 

 

A presente arbitragem é da área administrativa e a matéria é de relações jurídicas de emprego

público conforme registo #10155 da plataforma utilizada por este Centro de Arbitragem[2].

Não oferece qualquer dúvida ou hesitação a legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada[3], em apelo ao Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, publicado no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de fevereiro de 2009, nem a possibilidade de vinculação prévia à sua jurisdição, in casu, administrativa.

 

De acordo com o disposto do artigo 187.º, n.º 1 e 2 do CPTA, a vinculação de cada Ministério à jurisdição deste CAAD depende da Portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça[4] e daquele competente em razão da matéria, para estabelecer o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

 

Nessa medida, o Ministério da Justiça está vinculado à jurisdição do CAAD[5], porquanto:

 

a composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto: questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”. 

 

Seja pelo valor da presente ação (€ 30.000,01), seja pelo objeto do litígio, a mesma integra-se inequivocamente no âmbito da referida vinculação deste CAAD, é este Tribunal competente, cuja aceitação do pedido ocorreu a 06/02/2023 e na mesma data a sua constituição, seguindo de perto o Regulamento da Arbitragem[6], em particular, o sentido dos artigos 15.º n.º 2 e n.º 3 e 16.º n.º 1 e o Código Deontológico.

 

Atenta a orientação do direito constituído, a signatária irá proferir decisão em consonância com

os artigos 5.º n.º 1 alínea f) e 26.º n.º 1 do Regulamento da Arbitragem[7].

 

O Despacho Arbitral foi proferido por este Tribunal em 03/04/2023 e as partes foram devidamente notificadas para, no prazo que foi concedido (20 dias) se pronunciarem sobre a proposta de agilização processual promovida. E, caso assim entendessem, juntarem aos autos (novos) documentos, eventuais correções e esclarecimentos de questões suscitadas nas peças processuais.

 

As partes assim não procederam, valendo a parte final do Despacho, segundo o qual, este Tribunal daria concretização à decisão arbitral com base no Direito aplicável, na prova documental e nos restantes elementos que se entende serem já suficientes, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, alíneas c) e f) e artigo 26.º do Regulamento do CAAD.

 

Trespassada a fase instrumental, em apelo ao mesmo artigo, mas antes da alínea b) compete-nos a “Autonomia do tribunal na condução do processo e na determinação das regras aplicáveis”.

 

Face ao exposto, atento o artigo 30.º, n.º 3 da Lei da Arbitragem Voluntária (“LAV”) quando não sejam definidas regras processuais aplicáveis à presente arbitragem, supletivamente, serão aplicadas os conceitos e regras decorrentes, em primeira linha, do CPTA e depois do CPC, em prol do artigo 206.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

 

Chegados aqui, saneado o processo, cumpre decidir: 

 

·      o Tribunal é competente e foi validamente constituído;

·      as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas;

·      a representação das partes por mandatários está conforme;

·      inexiste matéria a decidir quanto ao âmbito acima indicado;

·      não subsistem nulidades processuais ou de outra natureza.

 

Atribui-se à causa o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).

Como predecessora à decisão a consignar, resulta do Despacho Arbitral proferido, o entendimento do objeto do litigio e de questão decidenda reporta-se a matéria de direito, dispensando a valoração de outros meios de provas que não a prova documental que já foi junta pelas partes durante os articulados e dispensar a tentativa de conciliação e a realização da audiência de prova e, de igual maneira, a dispensa da audiência de julgamento e as alegações finais, tudo ao abrigo do n.º 4 do artigo 18.º e do n.º 2 do artigo 26.º do Regulamento do CAAD.

 

Inexiste novos elementos documentais ou correções, esclarecimentos suscitados.   

 

II – Do objeto da presente ação e das posições das Partes:

 

A Demandante ingressou na Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, em 17/05/2021, data de celebração de contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, no entanto, nos termos do referido contrato, os efeitos de tal contrato reportam-se a 31/03/2021, onde integrou a categoria e carreira de técnico superior.

 

Pela presente ação, a Demandante peticiona a condenação do Demandado a reconhecer “que a Autora tem o direito a que avaliações que obteve enquanto militar sejam consideradas, sendo o Réu condenado a proceder ao reposicionamento remuneratório da mesma de acordo com elas”, porquanto, nos termos da legislação invocada pela Demandante, nomeadamente, de acordo com o artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro (Lei de Orçamento de Estado 2021), “após ingresso na Administração Pública, as avaliações de serviço obtidas pelos ex-militares nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, são contabilizadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), com as devidas adaptações.”

 

Adianta ainda a Demandante, na sua perspetiva, tem “o direito a que as avaliações que obteve enquanto militar sejam consideradas, procedendo-se ao posicionamento remuneratório correspondente.”

 

Para tanto a Demandante alega o seguinte conjunto de factos:

 

a)     A Demandante integrou o Exército, em regime de contrato, em 2008 e até 2014, com os postos de Aspirante, Alferes e Tenente;

b)    Durante os anos de prestação de serviço militar, a Demandante obteve a avaliação do mérito pessoal de 3,54 em 2009, 4,36 em 2010[8], 3,92 em 2011, 4,00 em 2012, 4,18 em 2013 e 4,72 em 2014;

c)     Com data de 17/05/2021, a Demandada celebrou um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com efeitos a 31/03/2021, para o exercício de funções de Técnico Superior;

d)    Por força do mesmo contrato, coube à Demandante o nível 15 da Tabela Remuneratória Única, a que corresponde o montante de € 1.205,08;

e)     Entretanto, a Demandante progrediu para o nível 16 da Tabela Remuneratória Única, a que corresponde o montante de € 1.268,04.

 

Esta é a factualidade na base de petitório da Demandante, cujo Demandado acompanha, não havendo discência sobre esta mesma base factual. O objeto da ação, do que resulta da petição inicial e da contestação, prende-se com uma solução iminentemente de direito e da sua (correta) interpretação e aplicação.

 

A esta factualidade, o Demandado acrescentou considerações de direito, as quais podem, perfeitamente, ser elencadas da seguinte forma, a que reconduzimos o núcleo essencial da posição da Demandante:

 

a)    A norma constante do artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, apresenta-se a consubstanciar um direito claro e incondicionado dos ex-militares das Forças Armadas a contabilizar as avaliações obtidas ali, na atribuição e posição remuneratória;

b)    Por sua vez, no Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar, primeiro no Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro e, depois, no Decreto-Lei n.º 76/2018, de 11 de outubro[9], prevê que “o tempo de serviço efetivo prestado em área funcional correspondente à do concurso a que o militar se candidato conta como experiência profissional, bem como para a determinação do escalão de integração no caso de concurso.”

 

Regularmente citada para a presente ação, o Demandado contestou os termos apresentados pela Demandante, passando a sua defesa pela impugnação da matéria de direito. 

 

Estando a matéria de facto suficientemente indiciada e da qual não se espera controvérsia, até porque, resulta das alegações das partes e da prova documental junta nos articulados, de seguida, ateremos, apenas à matéria de direito alegada pelo Demandado:

 

a)    A norma constante do artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, carece das condições normativas para a sua execução, isto é, no entendimento do Demandante, não foram aprovados os decretos-lei de execução orçamental para os anos de 2020 e 2021;

b)    Na falta da regulamentação especifica, o referido artigo da Lei do Orçamento de Estado para 2021, não é exequível, carecendo, necessariamente, de exequibilidade ao abrigo dos poderes legiferantes do Governo;

 

Com estas alegações, termina e conclui o Demandado que o “pedido de intervenção do Tribunal Arbitral, no que tange à Direção Geral Reinserção e Serviços Prisionais deve ser julgada totalmente improcedente, uma vez que não assiste Demandante qualquer razão, pois todos os procedimentos legalmente exigíveis à DGRSP, foram legal e corretamente prosseguidos” “não existe fundamento legal que sustente possibilidade de aplicabilidade direta do artigo 22º da Lei n.º 75-B/2020, de 30 de dezembro, porque é um dos artigos daquela lei que, para ser exequível, carece de regulamentação, pelo que a sua falta, torna a norma não aplicável.”

 

Terminada a fase dos articulados, com o confronto dos requerimentos probatórios, como indicado pela Demandante e Demandado nas respetivas peças processuais (cfr. art. 20.º, n.º 1 do “Regulamento CAAD”), verifica-se que as partes indicaram prova documental.

 

Quanto à Demandante, registam-se os seguintes elementos:

·      Folha de Matrícula da Demandante – Documento n.º 1;

·      Declarações avaliações de mérito – Documento n.º 2;

·      Contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado - Documento n.º 3; e

·      Nota de abonos e descontos - Documento n.º 4.

 

Já pelo Demandado, com o seu articulado, ao abrigo do disposto no artigo 12.º do Regulamento do CAAD, foi junto o documento abaixo descrito, já quanto ao processo administrativos, este é inexistente – artigo 12.º n.º 4 do Regulamento do CAAD e artigo 84.º do CPTA:

·     Comunicação com a DGAEP – Documento n.º 1.

 

Dito isto, assentadas as considerações anteriores, por ora, cumpre apreciar e decidir. Como ponto de partida à decisão a imprimir a esta ação, apresenta-se o artigo 25.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa com a seguinte formulação: “a decisão arbitral contém uma descrição concisa da base factual, probatória e jurídica que a fundamenta.”

 

III - Da Fundamentação de Facto:

 

Atenta a escassez de factos alegados e relevantes para a boa decisão da causa, até, na verdade, a coincidência entre os factos alegados pelas partes e o nosso poder de síntese, recorremos à exposição dos factos da Demandante. Temos assim como provados os seguintes factos:

A – factos provados:

 

      i.         A Demandante integrou o Exército, em regime de contrato, entre 2008 e 2014, durante este período ocupou os postos de Aspirante, Alferes e Tenente;

    ii.         Durante aquele período, a Demandante obteve a avaliação do mérito pessoal de 3,54 em 2009, 4,36 em 2010, 3,92 em 2011, 4,00 em 2012, 4,18 em 2013 e 4,72 em 2014;

   iii.         A Demandada celebrou um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado em 17/05/2021, com efeitos a 31/03/2021, para o exercício de funções de Técnico Superior na Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais;

   iv.         A Demandante integrou o nível 15 da Tabela Remuneratória Única, a que corresponde o montante remuneratório de € 1.205,08;

     v.         A Demandante progrediu para o nível 16 da Tabela Remuneratória Única, a que corresponde o montante remuneratório de € 1.268,04

 

B – factos não provados:

 

Não se regista nenhum facto.

 

C – fundamentação da matéria dada como provada e não provada:

 

A fixação da matéria de facto nos termos exarados no ponto anterior resultou dos documentos juntos aos autos e das afirmações feitas pelas partes nos articulados.

 

IV – Da fundamentação de direito:

 

Fixados os factos relevantes da questão a decidir, importa agora aplicar o Direito, não, sem antes, deixar uns breves apontamentos sobre o enquadramento jurídico dos factos. 

 

Como ponto inicial desta nossa exposição, para clarificar todas as demais considerações, passamos a transcrever a norma fulcral no solucionamento do problema jurídico. Assim, dispõe o artigo 22.º da Lei do Orçamento de Estado de 2021 o seguinte:

 

 Artigo 22.º

Contabilização da avaliação obtida pelos ex-militares das Forças Armadas após ingresso na Administração Pública

Após ingresso na Administração Pública, as avaliações de serviço obtidas pelos ex-militares nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, são contabilizadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), com as devidas adaptações.

 

Mais, do que resulta do Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro (especialmente no seu n.º 7 do artigo 30.º) e, depois de revogado pelo do Decreto-Lei n.º 76/2018, de 11 de outubro (no artigo 42.º), anotamos o seguinte:

 

Artigo 30.º

Ingresso na função pública

7 - O tempo de serviço efectivo prestado em área funcional correspondente à do concurso a que o militar se candidata conta como experiência profissional, bem como para determinação do escalão de integração no caso de concurso.

 

Artigo 42.º

Cumprimento dos incentivos

 

O presente regulamento não pode determinar a perda de quaisquer direitos adquiridos ao abrigo de regimes de incentivos anteriores.

 

Depois, não se nos oferecem dúvidas de que o caso concreto da Demandante, é perfeitamente enquadrável nas normas acima transcritas, a mais relevante, no disposto no artigo 22.º da Lei do Orçamento de Estado de 2021 – como é evidente das posições manifestadas pelas partes nos seus articulados, nem a estes se oferecem dúvidas. 

 

O cerne da discussão dos autos, situa-se, como põe o Demandando, em concluir se “o artigo 22º da Lei n.º 75-B/2020, de 30 de dezembro, é um dos artigos daquela lei que, para ser exequível, carece de regulamentação, pelo que a sua falta, torna a norma não aplicável.”

 

Noutro campo, reporta o Demandando questões de operacionalidade, aplicação e enquadramento desta norma na Administração Pública. Para obviar a tais questões, a DGAEP estará a analisar o assunto, sem que tivesse emitido uma recomendação nesse sentido.

 

Como nota lateral, importa já deixar anotada a missão deste organismo. Ora, segundo a informação disponibilizada pelo próprio organismo[10]:“A DGAEP é o organismo da Administração Pública com responsabilidades no domínio da gestão dos recursos humanos. A sua lei orgânica, Decreto Regulamentar n.º 27/2012, de 29 de fevereiro, estabelece-lhe como missão apoiar a definição das políticas para a Administração Pública nos domínios da organização e da gestão, dos regimes de emprego e da gestão de recursos humanos, assegurar a informação e dinamização das medidas adotadas e contribuir para a avaliação da sua execução. É um serviço transversal da Administração Direta do Estado, e integrado na área de governo da Presidência, dotado de autonomia administrativa, com funções de estudo, conceção, coordenação e apoio técnico ao governo na definição das políticas que respeitam à Administração Pública.”

 

Retomando a posição do Demandado, ainda, como questão relevante, aponta inexistir norma de igual natureza ao artigo 22.º na Lei de Orçamento de Estado de 2022 ou, acrescenta-se, de 2023.

 

Tomando os argumentos esgrimidos pelas partes, vejamos a quem assiste razão:

 

À partida,  entendemos pela letra do artigo 22.º citado que o legislador terá conferido aos ex-militares um verdadeiro direito de ver contabilizadas, para efeitos de posição remuneratória, as avaliações de serviço obtidas pelos ex-militares nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas. É ainda parecer ser manifesto que o mesmo legislador não subordinou, condicionou ou fez depender a sua aplicação a outro desenvolvimento legislativo / administrativo (Portaria, Despacho, etc.).

 

Esta convicção é resultante dos motivos e antípodas da introdução do referido artigo 22.º na Lei de Orçamento de Estado de 2021. Este normativo é o resultado da Petição n.º 560/XIII/4, de 31 de outubro de 2018 e da Resolução da Assembleia da República n.º 229/2019. 

 

Na exposição de motivos da nota de admissibilidade da petição deixasse claro os motivos dos peticionários: “explicam que os ex-militares que entraram na administração pública por via de concurso público usufruem de um regime de incentivos nem sempre claro para todos, pois, segundo os peticionários, em alguns organismos não lhes está a ser contado o tempo de trabalho no Ministério da Defesa Nacional como tempo de carreira nem para efeitos remuneratórios”. 

 

Já a Resolução expressa o seguinte: “A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que contabilize a avaliação obtida pelos ex-militares, nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, após ingresso na Administração Pública, para efeitos do sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública (SIADAP).”

 

Este aclaramento das origens da inscrição do artigo 22.º da Lei de Orçamento de Estado de 2021 conflui com a ideia que apresentamos acima: a contabilização das avaliações é um direito que assiste aos ex-militares e deve ser aplicado por todos serviços ou organismos da Administração Pública.

 

Não é este tribunal insensível às preocupações quanto ao modo de execução e aplicação deste direito, porém, tal não pode ser obstáculo ou escudo à concretização daquele direito ou ser imputado na esfera dos seus destinatários.

Até porque, as questões de operacionalidade, aplicação e enquadramento desta norma e de potenciais dificuldades de articulações com o disposto no SIADAP (Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública – Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro) são resolvidas pela própria letra do SIADAP:

 

Artigo 85.º

Avaliações anteriores e conversão de resultados

1 - Nas situações previstas na lei em que seja necessário ter em conta a avaliação de desempenho ou a classificação de serviço e, em concreto, devam ser tidos em conta os resultados da aplicação de diversos sistemas de avaliação, para conversão de valores quantitativos é usada a escala do SIADAP, devendo ser convertidas proporcionalmente para esta quaisquer outras escalas utilizadas, com aproximação por defeito, quando necessário.

 

Aliás, retomando, quanto às dúvidas de exequibilidade deste normativo, julgamos ser aplicável as palavras da Srª. Drª. Provedora de Justiça[11]

 

As leis do orçamento, sobretudo por motivos de ordem prática, têm vindo, em várias áreas e de forma frequente - se não mesmo usual - a consagrar normas que não assumem natureza estritamente orçamental, com vocação de aplicabilidade tendencialmente intemporal e que escapam ao princípio da anualidade delimitador da própria vigência dessas mesmas leis. Tal prática, se será discutível numa perspetiva doutrinária, não tem suscitado juízos de inconstitucionalidade pela jurisprudência do Tribunal Constitucional.

O referido artigo 22.º consubstancia previsão que, por natureza, respeita ao estatuto remuneratório dos ex-militares que ingressaram na Administração Pública, traduzindo uma opção do legislador no âmbito do sistema de incentivos à prestação de serviço militar - no qual, aliás, ou até em diploma autónomo, poderia ter sido consagrada.

 

Mais recentemente, veio a DGAEP, cuja missão e atribuições são as que tivemos oportunidade de referir acima e agora recuperamos, aclarar qualquer dúvida existente quanto à natureza e interpretação do artigo 22.º. 

 

A 26/01/2023, a DGAEP emitiu a “Orientação para apoio aos órgãos e serviços integrados na administração direta e indireta do Estado relativa à contabilização da avaliação obtida pelos(as) ex-militares das Forças Armadas que prestaram serviço no regime de contrato (RC) e de contrato especial (RCE), após ingresso na Administração Pública.”, a qual passamos a transcrever na íntegra:

 

 O artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para o ano de 2021 (LOE 2021), prevê que seja contabilizada a avaliação obtida pelos(as) ex-militares das Forças Armadas após ingresso na Administração Pública para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública (SIADAP), aprovado pela Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, na sua atual redação, com as devidas adaptações. 

A norma é exequível por si mesma, podendo ser aplicada diretamente sem necessidade de regulamentação adicional que a complemente. De resto, nesta altura, alguns órgãos e serviços já o terão feito. 

Não obstante, considerando: 

a) a natureza transversal da questão relativamente à generalidade dos órgãos e serviços da Administração Pública e a necessidade de imprimir uma atuação uniforme na interpretação e aplicação da referida norma que salvaguarde os direitos e garantias dos trabalhadores abrangidos; 

b) e que a adaptação do referido preceito pressupõe a conversão da avaliação operada pelo Sistema de Avaliação do Mérito dos Militares das Forças Armadas (SAMMFA), aprovado pela Portaria n.º 301/2016, de 30 de novembro (sistema de avaliação anual, com cinco menções), e a sua conformação com o SIADAP, 

afigura-se útil a emissão de uma linha interpretativa que auxilie os órgãos e serviços na aplicação de referida disposição legal, nos seguintes termos: 

1. Compete ao órgão ou serviço onde os(as) trabalhadores(as) se encontram a desempenhar funções, proceder à reconstituição das carreiras daqueles(as) que pretendam beneficiar da avaliação de serviço obtida durante a prestação de serviço militar, mediante requerimento do(a) próprio(a). 

2. Para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, relevam as avaliações de serviço obtidas pelos(as) ex-militares, durante a prestação de serviço militar, a partir de 1 de janeiro de 2004. 

3. A contabilização das avaliações de serviço processa-se na carreira ou categoria de ingresso na Administração Pública, sem prejuízo de eventuais repercussões na carreira e categoria atuais. 

4. As avaliações de serviço obtidas pelos(as) ex-militares das Forças Armadas são convertidas em pontos, atento o disposto no n.º 1 do artigo 85.º da Lei SIADAP, nos termos do mapa anexo à presente orientação.

5. A possibilidade de conversão de pontos não é aplicável aos(às) ex-militares que tenham ingressado na Administração Pública em data anterior a 23 de janeiro de 2009, e beneficiado do incentivo previsto nos n.ºs 2 e 7 do artigo 30.º do Regulamento de Incentivos à Prestação do Serviço Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 320-A/2000, de 15 de dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 118/2004, de 21 de maio, e pelo Decreto-Lei n.º 320/2007 de 27 de setembro. 

6. Quando da aplicação da norma resulte uma alteração de posicionamento remuneratório que se reporte aos anos em que se registaram proibições de valorizações remuneratórias (até 31.12.2017), deverá ser aplicado aos pontos em excesso o disposto no n.º 6 do artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro (LOE 2018), para efeitos de futura alteração obrigatória de posicionamento remuneratório. 

7. Para efeitos de equiparação das categorias das carreiras militares a carreiras ou categorias de grau 3, 2 ou 1 de complexidade funcional, a DGRDN emite declaração contendo as avaliações obtidas como militar, indicando qual o grau de complexidade funcional (1, 2 ou 3) a que as respetivas funções correspondem. 

8. O artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, produz efeitos a 1 de janeiro de 2021.

 

Com efeito, parece-nos terem ficado afastados os argumentos esgrimidos pelo Demandado, especialmente quanto à exequibilidade (ou inexequibilidade) do artigo 22.º da Lei de Orçamento de Estado de 2021 e, da mesma maneira, os demais argumentos apresentados.

 

Por tudo o que veio assinalado, não subsistem réstias de dúvidas ou incertezas quanto à exequibilidade e aplicação direta, sem necessidade de regulamentação adicional, da norma inscrita no artigo 22.º da Lei de Orçamento de Estado para 2021 ou quanto ao modo de fazer reverter a sua aplicabilidade pelos serviços do Estado.

 

Assim sendo, não poderia a pretensão do Demandante deixar de ser procedente e o Demandante ser condenado a contabilizar as avaliações de serviço obtidas pela Demandante e reverter tais avaliações na sua posição remuneratória.

 

V – Responsabilidade pelos Encargos processuais:

 

Por aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do “Regulamento do CAAD”, tendo a presente arbitragem por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, não haverá lugar a fixação do critério de repartição de encargos processuais, sendo estes pagos por ambas as partes em função do valor fixado na tabela de encargos processuais.

 

VI – Decisão:

 

Nestes termos, decide-se julgar a ação totalmente procedente, o que, ao abrigo do artigo 66.º do CPTA, determina-se e condena-se o Demandado a contabilizar as avaliações de serviço obtidas pela Demandante e a proceder ao reposicionamento remuneratório de acordo com tais avaliações.

 

Considerando o valor fixado à causa, atento o disposto no n.º 5 do artigo 29.º do “Regulamento do CAAD”, fixo os encargos processuais em € 150,00 a cada parte, imputando-se a este valor os eventuais pagamentos já efetuados.

 

Registe, notifique e publique.

 

16 de junho de 2023.

 

 

 

A Árbitra,

 

_______________________

 

Angelina Teixeira

 



[1] De acordo com a Lei Orgânica do Ministério da Justiça, Decreto-Lei n.º 123/2011, de 29 de dezembro, a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais é um serviço dependente do Ministério da Justiça.

[2] caad.org.pt.

[3] Cfr. artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD, disponíveis em www.caad.org.pt/.

[4] Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro.

[5] Cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea j), e n.º 2, da referida Portaria.

[6] Cfr. Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa, disponível em www.caad.org.pt/.

[7] Cfr. artigo 39.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária e artigo 185.º, n.º 2, do CPTA que regula os limites da

arbitragem.

[8] Na PI, a Demandante consta a referência a 2020, porém, da conjugação do facto articulado com o teor do documento junto como n.º 02, concluímos tratar-se de erro de escrita, considerando-se como tal relevado.

[9] Este diploma salvaguarda os direitos adquiridos ao abrigo dos regimes de incentivos anteriores, no seu artigo 42.º, prevê-se expressamente: “O presente regulamento não pode determinar a perda de quaisquer direitos adquiridos ao abrigo de regimes de incentivos anteriores.”

[10] https://www.dgaep.gov.pt/index.cfm?OBJID=E08C1D28-FB3E-4D1A-9135-7A2B5D646426

[11] Recomendação n.º 1-A/2022.