DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
A... veio intentar a presente acção arbitral contra o INSTITUTO POLITÉCNICO DE ..., pedindo, a titulo principal: i) o reconhecimento do direito ao pagamento das remunerações vencidas e não liquidadas referentes à leccionação das Unidade Curricular Metodologia de Investigação - Acção TASEPL 2 em regime pós-laboral no primeiro semestre do ano lectivo de 2018/2019, no valor de € 3.028,63; ii) o reconhecimento do direito ao pagamento dos respectivos proporcionais de férias, subsídio de férias e natal, tudo no valor de € 3.779,00; iii) a condenação do Demandado ao pagamento dos juros vencidos, no montante de € 679,08, e vincendos até efectivo e integral pagamento; e iv) a condenação do Demandado no pagamento das custas processuais.
A Demandante alega, no essencial que, no ano lectivo 2018/2019, leccionou a Unidade Curricular Metodologia de Investigação - Acção TASEPL 2 em regime pós-laboral com 51 horas de contacto, num total de 168 horas de trabalho as quais integram horas de leccionação, horas de apoio aos alunos e horas de preparação de aulas e outras actividades previstas no ECDESP.
Defende que as aulas em causa foram devidamente solicitadas e autorizadas por gestão documental I/ESE.../768/2018 do Instituto Politécnico de ... (“IP...”).
E que, apesar de leccionadas, até ao momento nunca chegaram a ser liquidadas as quantias relativas à docência no primeiro semestre de 2018/2019.
Mais, tendo certo que a leccionação das aulas em causa foi efectiva, foi previamente conhecida e/ou autorizada pelos órgãos competentes do Demandado, nomeadamente, pelo Presidente da Escola Superior de Educação de ... (“ESE...”), Director do IIA e Vice-Presidente do IP..., a sua leccionação foi ratificada, por unanimidade, pelo CT... da ESE..., tendo ademais sido cabimentada e paga pela ESE... ao IIA, defende a Demandante que o Demandado age em manifesto enriquecimento sem causa ao não liquidar as quantias em causa.
E que o Demandado usou a situação de absoluta dependência da Demandante, enquanto investigadora do IP..., para evitar pagar os salários em atraso e efectivamente devidos, quer evitando responder aos e-mails da Demandante, quer passando a responsabilidade para outras entidades.
Conclui que, enquanto investigadora do IP... tem efectivamente uma relação jurídica de dependência com o Demandado, pelo que, sempre evitou qualquer reclamação face à sua posição de dependência.
Juntou documentos.
Regularmente citado, o Demandado apresentou contestação.
O Demandado começa por descrever a tramitação do processo de contratação do “pessoal especialmente contratado”, que é essencialmente a seguinte: num primeiro momento, as Unidades Orgânicas de Ensino (“UOE”) do IP... – no âmbito das suas actividades lectivas e aquando do planeamento do ano civil seguinte – perspectivam as necessidades de contratação de docentes especialmente contratados, através de modelo próprio para o efeito aprovado no âmbito do Sistema Integrado de Gestão da Qualidade do IP... .
E que, num segundo momento, existindo resposta favorável por parte de alguma UOE, segue-se o procedimento previsto no Regulamento de Contratação de Pessoal Especialmente Contratado do IP... .
Não existindo resposta favorável, o Presidente da UOE envia para o Departamento de Gestão de Recursos Humanos (“DGRH”) do IP... o pedido para o início do processo de contratação, acompanhado do “Mapa de Propostas – Docentes Especialmente Contratado”, dirigido ao Exmo. Sr. Presidente do IP..., com indicação do (i) posto de trabalho de docente a ocupar (ii) regime de tempo e (iii) data de início / fim do contrato.
O DGRH verifica a (i) instrução do processo, (ii) a existência de lugar / ETI (“Equivalente Tempo Inteiro”) no Mapa de Pessoal Docente e (iii) a existência de cabimento e de cumprimento dos limites estabelecidos em orçamento de estado para contratação de trabalhadores das instituições de ensino superior públicas junto do DGF, submetendo à consideração do Presidente do IP... a autorização para o início do processo de contração.
Já a decisão quanto ao pedido de início do processo é remetida pelo DGRH ao presidente da UOE.
Havendo autorização, será iniciado o processo de contratação, havendo o preenchimento da Ficha Individual do Trabalhador.
Concluído o processo de contratação, o Presidente da UOE emite despacho autorizador e remete-o ao DGRH, juntamente com o convite fundamentado em relatório subscrito por dois professores da área ou áreas disciplinares do convidado, e aprovado pela maioria dos membros do CT..., acompanhado de proposta de contratação.
Alega, ainda, que no caso da Demandante, existiu uma consulta prévia à UOE em causa, a Escola Superior de Educação (“ESE... ”), mas que se tratou de uma mera consulta prévia à contratação de docentes para a leccionação, no ano lectivo de 2018/2019, da unidade curricular Metodologia de Investigação – Ação (51 horas), no 1.º semestre de Ética e Cidadania (50 horas), no 2.º semestre, efectuada pelo Senhor Presidente da ESE... .
E que a Demandante manifestou a sua disponibilidade e o Sr. Director do Instituto de Investigação Aplicada do IP... (“I2A)” e o Sr. Vice-Presidente do IP... deram o seu parecer favorável.
Sendo que, até onde é possível ao Demandado apurar – estariam reunidas todas as condições para ser iniciado o processo de contratação da Demandante como professora adjunta convidada, para leccionar as unidades curriculares em causa, nos termos do referido Regulamento de Contratação de Pessoal Especialmente Contratado.
Defende o Demandado que a ESE... deveria, então, ter solicitado a contratação da Demandante, após aprovação pelo Conselho Técnico Científico da UOE, remetendo o Mapa Propostas – Docentes Especialmente Contratados, dirigido ao Presidente do IP..., com indicação do posto de trabalho que a Demandante iria ocupar, o regime de tempo e o período de duração.
No entanto, no caso em apreço, tal nunca veio a acontecer relativamente à unidade curricular alegadamente leccionada no 1.º semestre, ao contrário do que sucedeu no 2.º semestre, para leccionação da unidade curricular de Ética e Cidadania.
Assim, estando o Demandado limitado ao princípio da legalidade e às soluções administrativas que legitimamente tem ao seu dispor – que não incluem a possibilidade de remuneração retroactiva da situação em apreço – conclui que carece de fundamento a pretensão da Demandante.
Sem prejuízo, alega, ainda o Demandado que a Demandante labora em erro no apuramento das remunerações que alegadamente lhe são devidas, porquanto, o valor apurado para um(a) docente contratado através de CTFP a termo resolutivo certo, em regime de 30%, com início a 21/09/2018 e término a 15/02/2019 (período correspondente ao 1.º semestre, de acordo com o calendário académico da ESE... para o ano lectivo 2018/19 é o seguinte: i) Remunerações: € 2.927,21; ii) Subsídio de férias: € 248,01; iii) Subsídio de natal: € 243,93 e iv) Compensação por caducidade: € 146,35, no montante total de € 3.565,50.
Relativamente aos proporcionais de férias não gozadas, defende o Demandado que nos vínculos cuja duração total não atinja seis meses, o gozo das férias tem lugar no momento imediatamente anterior ao da cessação (cf. artigo 127.º, n.º 3 da LTFP), o que sucedeu no caso em apreço, razão pela qual que também não há lugar ao pagamento de férias não gozadas.
Por despacho arbitral de 13 de Fevereiro de 2023, determinou-se que o processo prosseguisse com alegações finais.
As partes ofereceram atempadamente alegações finais, nas quais reiteraram essencialmente as suas posições expressas nos articulados.
O presente Tribunal é composto pelo árbitro singular signatário, o qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 6 de Fevereiro de 2023, data da aceitação do encargo e da sua notificação às partes (artigo 17.º do RCAAD).
II – Saneamento
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade ad causam, e encontram-se devidamente representadas por mandatários regularmente constituídos.
III – Do mérito da causa
A. Questão a decidir
As questões a decidir nos presentes autos, decorrentes da causa de pedir e dos pedidos formulados, bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados e outras peças processuais são as seguintes:
a) Saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento das remunerações vencidas e não liquidadas referentes à leccionação da Unidade Curricular Metodologia de Investigação - Acção TASEPL 2 em regime pós-laboral no primeiro semestre do ano lectivo de 2018/2019, acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos até integral pagamento;
b) Saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento dos respectivos proporcionais de férias, subsídio de férias e Natal, acrescido de juros moratórios vencidos e vincendos até integral pagamento.
B. Fundamentação
Passemos ao conhecimento dos pedidos formulados pela Demandante.
(i) Factualidade
Face ao alegado por ambas as partes e, bem assim, aos documentos juntos ao processo, considera-se assente a seguinte factualidade, com interesse para a decisão.
a) A Demandante desenvolve investigação junto do Instituto Politécnico de ..., sendo actualmente Coordenadora do Núcleo de Investigação em Ciências Sociais e Humanas (“NICSH”) da ESE... e do Centro de Desenvolvimento do Potencial Humano do Instituto de Investigação Aplicada do Politécnico de ... (“I2A”).
b) A Demandante tem sido convidada para exercer funções docente enquanto professora adjunta convidada na Escola Superior de Educação de ... (“ESE...”) do Instituto Politécnico de ... em regime de tempo parcial a 30%.
c) A Demandante assegurou a docência das seguintes unidades curriculares nos anos lectivos 2018/2019, 2019/2020 e 2020/2021:
d) A Demandante leccionou as referidas unidades curriculares em regime de tempo parcial, a 30%, o que correspondia a 4 horas semanais de aulas, 2 horas semanais de apoio aos alunos, e 5 horas semanais de tempo de preparação de aulas e outras actividades previstas no ECDESP.
e) A unidade curricular Metodologia de Investigação - Acção foi leccionada no 1.º semestre o ano lectivo 2018/2019 e as unidades curriculares Ética e Cidadania foram leccionadas no 2.º semestre (cf. Documento n.º 1, junto com a Petição Inicial).
f) À Demandante, enquanto professora do Instituto Politécnico de ... em regime de tempo parcial a 30%, era devido o salário mensal de € 605,63, nos termos n.º 8 do artigo 35.º do ECDESP, na redacção em vigor.
g) A Demandante estava posicionada no escalão 1, índice 185 da categoria de professora adjunta do ensino politécnico, nos termos do Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de Novembro.
h) No ano lectivo 2018/2019, a Demandante leccionou novamente a unidade curricular Metodologia de Investigação - Acção TASEPL 2, em regime pós-laboral, com 51 horas de contacto, num total de 168 horas, as quais integram horas de leccionação, horas de apoio aos alunos e horas de preparação de aulas e outras actividades previstas no ECDESP (cf. Documento n.º 2, junto com a Petição Inicial).
i) As aulas leccionadas foram solicitadas / autorizadas por gestão documental I/ESE.../768/2018, do Instituto Politécnico de ... (cf. Documentos n.º 3 e n.º 4, juntos com a Petição Inicial).
j) Apesar de leccionadas as aulas de Metodologia de Investigação - Acção TASEPL 2, em regime pós-laboral, no ano lectivo 2028/2019, as quantias relativas à docência no 1.º semestre (meses de Setembro de 2018 a Fevereiro de 2019) não chegaram a ser liquidadas à Demandante.
k) A Demandante foi novamente contratada para exercer funções docentes enquanto professora adjunta convidada em regime parcial a 30% para o 2.º semestre do ano lectivo 2018/2019, nos termos do Despacho n.º 7297/2017, publicado no Diário da República de 18 de Agosto de 2017 (cf. Documento n.º 10 junto com a Petição Inicial).
Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos.
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou dos documentos juntos com a Petição Inicial e não impugnados.
(ii) Do Direito
Resulta da factualidade assente que a colaboração da Demandante com o Demandado foi efectiva, ou seja, leccionou as aulas em causa; esta colaboração foi previamente conhecida e/ou autorizada pelos órgãos competentes da instituição: Presidente da ESE..., Director do IIA e Vice-Presidente do IP...; foi ratificada pela ESE...; foi cabimentada e paga pela ESE... ao IIA, não tendo sido paga à Demandante.
Nesta medida, ainda que o Demandado pretenda invocar uma situação de (ir)regularidade na tramitação da contratação da Demandante, o que é certo é que não só esta situação não é oponível à Demandante, como esta não pode ficar sem o respectivo pagamento, sob pena de o Demandado incorrer em enriquecimento sem causa.
Nesta medida, entende o Tribunal ser devido à Demandante o pagamento da remuneração relativa aos meses de Setembro de 2018 a Fevereiro de 2019, pela leccionação no ano lectivo 2018/2019, no valor de € 3.028,63, aos quais acrescem os respectivos proporcionais referentes aos subsídios de férias e de Natal e, bem assim, compensação por caducidade, em montante a apurar pelo Demandado, aos quais acrescem juros moratórios vencidos e vincendos até integral pagamento, à taxa supletiva aplicável às obrigações civis.
Relativamente aos proporcionais de férias não gozadas, entende o Tribunal que nos vínculos cuja duração total não atinja seis meses, o gozo das férias tem lugar no momento imediatamente anterior ao da cessação (cf. artigo 127.º, n.º 3 da LTFP), razão pela qual não há lugar ao pagamento de férias não gozadas.
IV – Decisão
Atendendo aos factos provados e subsumidos os mesmos ao Direito vigente, decido julgar a presente acção procedente.
Fixa-se à causa o valor de € 4.458,08 (valor indicado pela Demandante na Petição Inicial). A taxa de arbitragem é calculada nos termos das disposições regulamentares aplicáveis. Os encargos são suportados pelo Demandado nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.
Registe, notifique e publique.
CAAD, 1 de Junho de 2023
O Árbitro
(Hélder Filipe Faustino)
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.