Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 115/2022-A
Data da decisão: 2023-03-03  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 15.871,87
Tema: Suplemento de Risco | Categoria Chefe de Área
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DECISÃO ARBITRAL

I.          RELATÓRIO

1.1.      A A..., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ...-... Lisboa (doravante designado de Demandante), dotada de personalidade jurídica e capacidade legal para o prosseguimento dos seus fins que visa exclusivamente a promoção e defesa dos interesses económicos, sociais, profissionais e culturais dos seus associados, intentou em 05 de maio de 2022, em representação da sua associada B..., a presente ação arbitral contra o Ministério ..., com o NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa (doravante designado de Demandado), ambos melhor identificados e descritos nos autos, peticionando:

·        O reconhecimento à associada da Demandante do direito ao recebimento do suplemento de risco no valor de 20% da remuneração base mensal, desde 07 de janeiro de 2008 a 17 de junho de 2015;

·        O pagamento à associada da Demandante do valor global de € 15.871,87 (quinze mil oitocentos e setenta e um euros e oitenta e sete cêntimos), acrescidos dos juros vencidos e juros vincendos, contados desde a data que a Associada da Demandante passou a ter direito ao pagamento do aludido suplemento de risco.

 

Demandante esteia as suas pretensões, no essencial, na seguinte motivação:

De acordo com a ficha biográfica emitida pela C... junta à Petição Inicial como Doc. 1, a associada da Demandantefaz parte dos quadros da C..., sendo que, entre 07 de janeiro de 2008 e 17 de junho de 2015, exerceu funções de Chefe de Área.

Nos termos conjugados do disposto nos artigos 99º, n.ºs 1 e 2 do Decreto Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro; 24º n.º 1 do Decreto Lei n.º 42/2009, de 12 de fevereiro, 91º, 161.º, n.º 1 e 2 e 178.º n.º 2 do Decreto Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, a associada da Demandante tem direito a receber, no período de 07 de janeiro de 2008 a 17 de junho de 2015, o suplemento de risco no valor de 20% da remuneração base correspondente ao cargo de Chefe de Área, o que não foi concretizado pelo Demandado em violação de lei ordinária e constitucional.

Reclama o pagamento do acréscimo resultante da atualização acima identificada no período 07 de janeiro de 2008 e 17 de junho de 2015, que corresponde, no entender da Demandante à quantia de € 15.871,87 (quinze mil oitocentos e setenta e um euros e oitenta e sete cêntimos).

Conclui, requerendo o pagamento de todos os juros legais, vencidos e vincendos, até ao pagamento integral dos montantes peticionados.

Juntou à Petição Inicial:

- 2 procurações forenses, uma da associada representada e uma emitida pela Exma. Senhora Presidente da Direção Nacional da A..., 

- ficha biográfica emitida pela C... com relação à trabalhadora do Demandado representada,

- mapa descritivo dos montantes pagos e devidos a título de suplementos de risco entre 07 de janeiro de 2008 e junho de 2015, 

- 4 cópias do “website” da Direção Geral da Administração e do Emprego Público referentes ao sistema retributivo da Administração Pública com relação aos anos de 2008, 2009, 2010 e 2011 e,

- comprovativo de pagamento da taxa de arbitragem.

 

Citado para contestar, veio o Demandado apresentar, em 25 de janeiro de 2021, defesa por exceção e por impugnação:

Por exceção e limitada aos juros peticionados, invoca que, não obstante o pedido de pagamento de juros vencidos e vincendos apresentado pela Demandante, verifica-se a não liquidação do correspondente pedido e, por conseguinte, uma exceção dilatória inominada, nos termos do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA.

Por impugnação, pugnando pela absolvição da instância ou improcedência dos pedidos, defende que a questão a apreciar na presente ação arbitral, face à causa de pedir e o pedido, assenta no exercício do cargo de chefe de área da associada da Demandante e, em consequência, no pedido de reconhecimento do direito ao pagamento do suplemento de risco enquanto chefia, a que se refere o n.º 1 do artigo 161.º do Decreto -Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, patrocinando o entendimento de que o suplemento de risco das chefias (de área, de setor e de núcleo) tem seguido um regime distinto do suplemento de risco dos demais trabalhadores do Demandado, conforme estabelecido no n.º 1 do artigo 161.º do DL n.º 275-A/2000, de 9 de novembro.

Segundo o Demandado, da leitura dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 161.º do aludido Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, resulta que a utilização de diferente terminologia por parte do legislador, dentro do mesmo artigo, visou tratar “expressamente e de forma clara, a mesma matéria de forma diversa, não deixando qualquer dúvida sobre a diferenciação que quis estabelecer” porquanto ao pessoal dirigente e de chefia (n.ºs 1 e 2), o suplemento de risco mantém o “montante [quantitativo] igual ao fixado”, à data da entrada em vigor do Decreto Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro.

Contudo, com relação aos restantes trabalhadores do Demandado, o n.º 3 do supra citado artigo 161.º, mantém o direito ao suplemento de risco segundo o “critério” em vigor, que resultava da aplicação do artigo 99.º do DL n.º 295-A/90, de 21 de setembro.

Face ao argumentário aduzido, o Demandado entende que as referidas chefias (de área, núcleo e setor) estariam excluídas do mencionado artigo 99.º do DL n.º 295-A/90, de 21 de setembro.

Demandado juntou à contestação despacho de designação de mandatário emitida pelo Demandado e comprovativo de pagamento da taxa arbitral.

 

1.2.     RESTANTE TRAMITAÇÃO PROCESSUAL: 

Notificado da contestação, a Demandante veio, em 16 de junho de 2022, apresentar Réplica através da qual respondeu à matéria de exceção suscitada pelo Demandado e ainda teceu considerações sobre matéria constante da contestação que considerou como “inovatória”.

Em 21 de junho de 2022, o Demandado veio requerer o desentranhamento dos autos da Réplica apresentada pela Demandante porquanto “ao tecer apenas considerações sobre a matéria de impugnação, o Demandante ultrapassou os limites do alcance consagrado no n.º 1 do artigo 85.º-A do CPTA”

Em 25 de junho de 2022, a Demandante veio responder ao supra identificado requerimento apresentado pelo Demandado.

Em 14 de julho de 2022, veio a Exma. Árbitra, Dra. Patrícia Pinto Alves aceitar o encargo da designação como árbitra do presente processo arbitral.

Face à renúncia apresentada, em 06 de outubro de 2022, pela Exma. Sra. Árbitra acima identificada, a árbitra aqui signatária aceitou, em 12 de outubro de 2022, a designação concretizada pelo CAAD, tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 17.º, n.º 2 do Regulamento de Arbitragem deste CAAD.

Em 24 de novembro de 2022, o Exmo. Mandatário da Demandante veio ao processo arbitral apresentar a renúncia ao mandato forense concedido pela Demandante.

Notificadas as partes, da renúncia concretizada pelo Exmo. Mandatário da Demandante, veio a Demandante, em 16 de dezembro de 2022, requerer a junção ao processo da procuração forense concedida a distinto Mandatário.

Em 14 de fevereiro de 2023, foi proferido despacho por este Tribunal Arbitral, com o seguinte teor:

“Não tendo as Partes requerido a realização de diligências probatórias, não existindo matéria de facto controvertida e não tendo as Partes renunciado à apresentação de alegações escritas, propõe-se a adoção de mecanismo de adequação formal, simplificação e agilização processual. Passando o mesmo pela dispensabilidade de produção de prova testemunhal, sendo o processo apenas conduzido com base na prova documental apresentada, de acordo com o artigo 18.º, n.º 4, do RACAAD, bem como a dispensa de realização de audiência de julgamento e a dispensa da produção de alegações finais, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea c), e 24.º, todos do RACAAD. 

Assim, notificam-se as Partes para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem quanto ao mecanismo de adequação formal, simplificação e agilização processual proposto, maxime quanto à dispensa de realização de qualquer outra prova que não documental, bem como quanto à dispensa de realização de audiência de julgamento e de alegações finais. Nada dizendo ou requerendo as Partes, o processo passará à fase de prolação da sentença.”

 

Notificadas as Partes, a Demandante não se pronunciou, o Demandado juntou requerimento, em 16 de fevereiro de 2022, no qual manifestou a não oposição à dispensa de realização de qualquer outra prova que não documental, bem como à dispensa da realização de audiência de julgamento e de alegações finais.

 

O presente tribunal arbitral é composto pela árbitra singular signatária, a qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa.

 

II.  SANEAMENTO:

2.1.     VALOR DA CAUSA:

Fixa-se o valor da presente ação arbitral em € 15.871,87 (quinze mil oitocentos e setenta e um euros e oitenta e sete cêntimos), em conformidade com o preceituado nos artigos 31.º a 33.º do CPTA ex vi do artigo 26.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD. 

2.2.     ADMISSIBILIDADE DA AÇÃO: 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, têm legitimidade e estão devidamente patrocinadas nos autos.

O presente Tribunal Arbitral é competente por força da vinculação à arbitragem institucionalizada do CAAD por parte do Demandado constante da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro e, em especial, do disposto do disposto no artigo 1.º, n.º 1, al. d) e n.º 2, al. a) deste instrumento regulamentar.

 

2.3.     RECORRIBILIDADE DA DECISÃO ARBITRAL:

Todos os sujeitos processuais manifestaram o expresso acordo quanto à recorribilidade da decisão arbitral, pelo que nada mais há a decidir quanto a esta questão.

 

2.4.     DESENTRANHAMENTO DA RÉPLICA:

Porque o Demandante também respondeu à exceção dilatória suscitada pelo Demandado, indefere-se o peticionado pelo Demandado

 

2.5.     EXCEÇÃO DILATÓRIA POR FALTA DE LIQUIDAÇÃO DE JUROS VENCIDOS:

Não obstante a Demandante não ter identificado o valor dos juros vencidos, o aludido montante é facilmente identificável, sendo quantificáveis à taxa legal de 4%, conforme à frente se explicitará, motivo pelo qual improcede a exceção dilatória invocada pelo Demandado.

 

III.      DO MÉRITO DA CAUSA:

Face à causa de pedir e dos pedidos, bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados importa ressalvar que estamos em presença de uma relação jurídica de emprego público, concretizadas num feixe de direitos e deveres das partes definidos na Lei.

Estando em causa o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas (artigo 37º, n.º 1, alínea f) do CPTA) e a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas. A isto acresce que podem ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto (artigo 37.º, n.º 1, alínea j) do CPTA).

Concretizando, o pedido para pagamento da atualização do suplemento de risco e respetivos juros de mora deve-se qualificar processualmente como uma ação visando o reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva diretamente decorrente da Lei, com o propósito de condenação do Demandado ao pagamento de uma quantia que a lei diretamente impõe, independentemente da emissão de um ato administrativo impugnável, à luz das atuais alíneas f) e j) do n.º 1 do artigo 37.º CPTA.

 

3.1.      IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:

As questões a decidir neste processo arbitral decorrente da causa de pedir e dos pedidos, bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados são as seguintes:

1.ª   Saber se assiste, ou não, à associada da Demandante, o direito ao suplemento de risco, devido no âmbito do exercício do cargo de Chefe de Área, no valor de 20% da remuneração mensal base.

2.ª   Saber se assiste, ou não, à associada da Demandante, o direito ao pagamento dos diferenciais reclamados, pelo período de tempo em que exerceu as funções de Chefe de Área (de 07 de janeiro de 2008 a 17 de junho de 2015), acrescido dos juros vencidos e vincendos.

 

3.2.     FUNDAMENTAÇÃO:

3.2.1      Factualidade:

Perante ao alegado pelos sujeitos processuais e os documentos juntos ao processo, considera-se assente a seguinte factualidade:

a)  A associada da Demandante possui uma relação jurídica de emprego público com o Demandado.

b)      A associada da Demandante exerce, atualmente a função de Especialista Superior ao serviço do Demandado.

c)      Entre 07 de janeiro de 2008 e 17 de junho de 2015, a associada da Demandante desempenhou as funções de Chefe de Área.

d)      Em janeiro de 2008, a associada da Demandante auferiu a título de remuneração mensal base a quantia de € 3.161,21 e a título de suplemento de risco a quantia de €465,38.

e)      Entre 01 de fevereiro de 2008 e 31 de dezembro de 2008, a associada da Demandante auferiu a quantia mensal de € 3.245,21 a título de remuneração base e a quantia mensal de €493,61 a título de suplemento de risco.

f)       Entre 01 de janeiro de 2009 e 31 de maio de 2009, a associada da Demandante auferiu a quantia mensal de € 3.339,70 a título de remuneração base e a quantia mensal de € 507,92 a título de suplemento de risco.

g)      Entre 01 de junho de 2009 e 31 de dezembro de 2009, a associada da Demandante auferiu a quantia mensal de € 3.360,65 a título de remuneração base e a quantia mensal de € 507,92 a título de suplemento de risco.

h)      Entre 01 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2010, a associada da Demandante auferiu a quantia mensal de € 3.360,65 a título de remuneração base e a quantia mensal de € 507,92 a título de suplemento de risco.

i)       Entre 01 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2010, a associada da Demandante auferiu a quantia mensal de € 3.028,28 a título de remuneração base e a quantia mensal de € 457,69 a título de suplemento de risco.

j)       Entre 01 de janeiro de 2012 e 31 de dezembro de 2012, a associada da Demandante auferiu a quantia mensal de € 3.028,28 a título de remuneração base e a quantia mensal de € 457,90 a título de suplemento de risco.

k)      Entre 01 de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2013, a associada da Demandante auferiu a quantia mensal de € 3.028,28 a título de remuneração base e a quantia mensal de € 457,90 a título de suplemento de risco.

l)       Entre 01 de janeiro de 2014 e 31 de maio de 2014, a associada da Demandante auferiu a quantia mensal de € 2.957,37 a título de remuneração base e a quantia mensal de € 446,97 a título de suplemento de risco.

m)    Entre 01 de junho de 2014 e 30 de setembro de 2014, a associada da Demandante auferiu a quantia mensal de € 3.360,65 a título de remuneração base e a quantia mensal de € 507,92 a título de suplemento de risco.

n)      Entre 01 de outubro de 2014 e 31 de dezembro de 2014, a associada da Demandante auferiu a quantia mensal de € 3.029,69 a título de remuneração base e a quantia mensal de € 457,90 a título de suplemento de risco.

o)      Entre 01 de janeiro de 2015 e 17 de junho de 2015, a associada da Demandante auferiu a quantia mensal de € 3.094,76 a título de remuneração base e a quantia mensal de € 467,73 a título de suplemento de risco.

 

Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos. 

 

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou dos documentos juntos com a Petição Inicial e não impugnados, em especial os documentos n.º s 1 (registo biográfico da associada da Demandante) e n.º 2. 

 

A convicção do Tribunal resultou também da sua admissão por acordo, face à sua junção com a Petição Inicial e à sua não impugnação na Contestação.

3.2.2.   Do Direito: 

As questões de direito a decidir têm merecido, de modo uniforme e reiterado, uma resposta afirmativa na jurisprudência deste CAAD, designadamente nas decisões arbitrais proferidas nos processos nºs 161/2020-A, 7/2021-A, 144/2021-A e 154/2021-A do CAAD.

Tendo presente o acima vertido, transcreve-se aqui o entendimento jurídico constante na decisão prolatada no processo 154/2021-A, aderindo inteiramente ao transcrito:

«O Decreto-Lei n.º 295 - A/90 de 21 de setembro, desde logo no seu artigo 72.º, veio enumerar os grupos de pessoal e as categorias profissionais, sendo que, na sua alínea a) identifica o “pessoal dirigente e de chefia”. De acordo com o Mapa I (Anexo do aludido diploma legal) o Pessoal de Chefia do Apoio à B... inclui os seguintes elementos: Chefe de Área, Chefe de Setor e Chefe de Núcleo.

Já a remuneração aparece regulada no artigo 97.º e o Suplemento de Risco encontra-se consagrado no artigo 99º, nos seguintes termos: 

“1 - Os funcionários ao serviço da B... têm direito a um suplemento de risco, graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal. 

2 - O suplemento de risco para o pessoal dirigente e de chefia é fixado em 20% da remuneração base mensal do respectivo cargo. 

3 - O suplemento de risco para os funcionários da carreira de investigação criminal é fixado em 25% do índice 100 da respectiva tabela indiciária. 

4 - Os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança têm direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado no número anterior.

5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, os funcionários que integram o grupo de pessoal de apoio à investigação criminal têm direito a um suplemento de risco correspondente a 20% do índice 100 da respectiva tabela indiciária. 

6 - O pessoal operário e auxiliar tem direito a um suplemento de risco de montante igual ao fixado para o pessoal de apoio à investigação criminal. 

7 - O suplemento de risco referido nos números anteriores é considerado para efeitos de subsídios de férias e de Natal, estando sujeito ao desconto de quota para aposentação e sobrevivência.”. 

 

Ou seja, esta norma consagra claramente que todos os funcionários afetos à B... têm direito a receber Suplemento de Risco, sendo que o seu montante varia em função do que for estabelecido para cada grupo de pessoal. E resulta claro do seu n.º 2 que, no caso do Pessoal Dirigente e de Chefia, o mesmo corresponde a 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo. 

Conforme bem se conclui na decisão arbitral do processo 161/2020-A de 29-06-2021: “ Até aqui, e durante a vigência do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro, não subsistem dúvidas. Ora, a questão coloca-se com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro que revoga o Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro. Verifiquemos, então, quais as alterações introduzidas e o impacto das mesmas no caso concreto. O Grupo de Pessoal mantém-se. A única diferença é a autonomização da sua identificação em relação ao Pessoal Dirigente (alínea a) do n.º 1 do artigo 62º). O Grupo de Pessoal “Chefia de Apoio à …” encontra-se identificado na alínea c) do n.º 1 do artigo 62º e continua a compreender os mesmos cargos (n.º 4 do artigo 62º) - Chefe de Área, Chefe de Setor e Chefe de Núcleo – cujo descritivo funcional se encontra consagrado nos artigos 70º, 71º e 72º. Este diploma legal introduz, contudo, alterações ao nível das remunerações (n.º 2 do artigo 90º) sendo que, quanto ao suplemento de risco, o artigo 91º dispõe o seguinte: «O suplemento de risco dos funcionários ao serviço da B... graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal, será definido e regulamentado em diploma próprio, sem prejuízo do disposto no artigo 161.º»”.

 

Ora é exactamente na interpretação deste artigo 161º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro, que se encontra a questão controvertida que opõe Demandante e demandado.

Vejamos, o mesmo consagra que: 

“1 - O pessoal dirigente e de chefia, enquanto no exercício de tais funções, mantém o direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado à data da entrada em vigor deste diploma. 

2 - O montante do suplemento referido no número anterior é atualizável nos termos gerais previstos para a atualização anual da função pública. 

3 - O restante pessoal da B... mantém o direito ao suplemento de risco segundo o critério em vigor à data da entrada em vigor do presente diploma, até à regulamentação prevista no artigo 91.º 

4 - O disposto nos números anteriores é aplicável ao pessoal que, à data da entrada em vigor do presente diploma, se encontre a desempenhar funções na … em regime de requisição.” 

 

O Demandado alega que da leitura dos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 161.º resulta que o legislador tratou, expressamente e de forma clara, a mesma matéria de forma diversa, não deixando qualquer dúvida sobre a diferenciação que quis estabelecer. 

Segundo o Demandado, a utilização de terminologia distinta foi intencional, com vista a retirar os dirigentes e as chefias do critério estabelecido no citado artigo 99.º, passando o Suplemento de Risco a ter na sua base um “montante (quantitativo) igual ao fixado à data da entrada em vigor deste diploma”, enquanto que para o restante pessoal da B..., o n.º 3 estabelece que mantém o direito ao Suplemento de Risco segundo o “critério” em vigor, que resultava da aplicação do artigo 99.º do D.L. n.º 295-A/90, de 21 de setembro ou seja a percentagem de 20 %. 

 

Contudo, essa não é a interpretação seguida pela jurisprudência dominante senão unânime, deste CAAD

Na decisão arbitral já deste ano de 09-01-2022 no processo 144/2021-A, o Juiz Árbitro Durval Tiago Ferreira pronunciando-se sobre a interpretação deste artigo conclui: “Efetivamente, para a correta interpretação deste artigo, aquilo que se tem que saber, logo à partida, é qual era a regra que estava a ser aplicada quando o Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro, entrou em vigor. Assim, sendo esta regra a do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro, então, como vimos, o montante do Suplemento de Risco é de 20%. No fundo, o legislador veio consagrar, desta feita de forma concreta e objetiva, a mesma regra que era já aplicada até então. Sendo que, de acordo com o n.º 2, o montante do suplemento é ainda atualizável nos termos gerais previstos para a atualização anual da função pública.”. 

Já o Juiz Árbitro Jorge Bacelar Gouveia no processo 7/2020-A esclarece que : “ O Decreto-Lei nº 275-A/2000, de 9 de novembro, que revogou aquele Decreto-Lei nº 295-A/90, manteve, porém, o regime de atribuição do suplemento do subsídio de risco nos mesmos moldes enquanto não fosse publicada nova regulamentação, conservando-se, segundo o seu art. 161º, o direito ao suplemento de risco «segundo o critério em vigor à data desta lei»: «O pessoal dirigente e de chefia, enquanto no exercício de tais funções, mantém o direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado à data da entrada em vigor deste diploma»“. 

Esse foi, igualmente, o entendimento da Juiz Árbitro Patrícia Fonseca no processo 161/2020- A, onde pode ler-se quanto à mesma matéria: “Dando cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 161º o Pessoal Dirigente e de Chefia, enquanto se encontrar no exercício das respetivas funções (como é evidente), mantém o direito ao suplemento de risco. E qual é o montante? De montante igual ao fixado à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275- A/2000 de 9 de novembro. Ora, à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro (como amplamente se encontra explicado anteriormente) o subsídio de risco do Pessoal de Dirigente e de Chefia era de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo, o que, como referido, consubstanciava a regra que decorria da aplicação do DecretoLei n.º 295-A/90 de 21 de setembro. Ou seja, o Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro nada mais acrescenta e mantém a mesma disciplina para os cargos Dirigentes e de Chefia.

Estes continuam a receber suplemento de risco correspondente a 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo. Quando se lê o n.º1 do artigo 161º tem que se atender (saber) qual era a regra que estava a ser aplicada quando aquele diploma entrou em vigor. Em suma, o legislador veio consagrar, desta feita de forma concreta e objetiva, a mesma regra que era já aplicada até então. Do quadro legal que se delimitou, impera uma primeira conclusão: o n.º 1 do artigo 161º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro determina que, com a sua entrada em vigor, o Pessoal Dirigente e de Chefia, enquanto se mantiver no exercício das suas funções, continua a auferir o suplemento de risco no valor de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo. É esta a regra consagrada com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro. Sendo que, de acordo com o n.º 2, o montante do suplemento é ainda atualizável nos termos gerais previstos para a atualização anual da função pública.”.

(…)

E ultrapassada que está a questão principal que opõe Demandante e Demandado, a interpretação do Decreto-Lei n.º 42/2009 de 12 fevereiro, publicado posteriormente, que procede a uma alteração à redação do artigo 161º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro, é clara e insuscetível de criar qualquer tipo de dúvida, uma vez que, sob a epígrafe “Norma revogatória” expressamente exceciona da revogação o pessoal de chefia ao determinar o seguinte: 

“São revogados: (…) os n.º 1 e 2 do artigo 161º, exceto no que respeita ao pessoal de chefia (…)” 

Assim, por força da alteração operacionalizada pelo Decreto-Lei n.º 42/2009 de 12 fevereiro, o n.º 1 do artigo 161º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro passou a ter a seguinte redação: 

“1 - O pessoal de chefia, enquanto no exercício de tais funções, mantém o direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado à data da entrada em vigor deste diploma.” 

Quer isto significar que expressamente se excluiu os Dirigentes, não estando por isso aqui em causa a aplicação do Decreto-Lei n.º 42/2009 de 12 fevereiro ao caso sub judice, já que continuou a vigorar para o Pessoal de Chefia a regra no n.º 1 do artigo 161.º do Decreto-Lei n.º 275 - A/2000 de 9 de novembro, ou seja, enquanto se mantiver no exercício das suas funções o Pessoal de Chefia aufere o Suplemento de Risco no valor de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo. 

Este foi o quadro legal que vigorou até ao dia 31-12-2019”»

 

Assim, pelos fundamentos acima transcritos, há que reconhecer à associada da Demandante o direito receber a o suplemento de risco no valor de 20% da remuneração base mensal.

 

Tendo presente que os montantes peticionados reportam-se ao período de tempo que medeia entre 01 de janeiro de 2008 e 17 de junho de 2015, importa ressalvar, desde já, que a análise do novo estatuto profissional do pessoal da C... e regime das carreiras especiais de investigação criminal e de apoio à investigação criminal – Decreto Lei n.º 138/2019 de 13 de setembro- que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2020, não é pertinente para o presente pleito.

 

Contudo, com relação ao hiato temporal de 01 de janeiro de 2008 a 31 de dezembro de 2009, importa atentar ao regime jurídico referente à não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e o congelamento dos montantes dos suplementos remuneratórios dos funcionários da Administração Pública.

De facto, a Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto veio determinar a não contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão nas carreiras e o congelamento do montante de todos os suplementos remuneratórios de todos os funcionários, agentes e demais servidores do Estado, até 31 de dezembro de 2006.

A Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro, veio prorrogar a vigência das medidas aprovadas pela Lei n.º 43/2005, até 31 de dezembro de 2007.

Por sua vez, a Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro (Lei Orçamento do Estado para 2008), no artigo 15.º, determinou a suspensão, até 31 de dezembro de 2008, das revisões de carreiras e do regime e montantes dos suplementos remuneratórios e, pelo n.º 9 do artigo 119.º, estabeleceu que a atualização de suplementos remuneratórios em 2008 incidia sobre o valor abonado em 2007, atualização que apenas se aplicava às carreiras revistas.

A Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2009), pelo artigo 22.º, permitiu que os suplementos remuneratórios fossem atualizados, nesse ano, pela taxa de 2,9%, fixada pela Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, determinando que essa atualização tivesse por base os valores abonados a 31 de dezembro de 2008.

O regime de suspensão das atualizações e descongelamentos mitigado resultante das Leis n.ºs 43/2005, de 29 de agosto, 53-C/2006, de 29 de dezembro, 67-A/2007, de 31 de dezembro, 64-A/2008, de 31 de dezembro, conjugada com a Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, caducou em 31 de dezembro de 2009 porquanto o regime relativo à atualização dos suplementos da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2009, destinou-se a ter a vigência apenas para esse ano.

Feita a sucinta exposição a propósito do regime jurídico aplicável às atualizações dos suplementos remuneratórios, vigente até 31 de dezembro de 2009, temos a concluir que os valores peticionados pela associada da Demandante até 31 de dezembro de 2009 (no valor global de € 4.465,74) não podem proceder dado que o Demandado cumpriu, nesse hiato de tempo, a legislação em vigor.

Assim, face ao exposto e o peticionado, a associada da Demandante tem direito a receber o valor global de €11.406,40, correspondente à diferença entre o valor pago e o devido a título de suplementos de risco e a cujo pagamento deve o Demandado ser condenado a final.

Relativamente aos juros peticionados:

Importante para enquadrar o pedido da associada da Demandante quanto aos juros é apurar o sentido e o alcance dos juros de mora. No Código Civil, artigos 804.º e 808.º, constitui-se em mora o devedor que falte, culposamente, no pagamento pontual de uma obrigação, incorrendo na obrigação de reparar os danos causados ao credor. Nas obrigações pecuniárias a reparação destes danos, verifica-se pelo pagamento de juros, a contar do dia da constituição em mora (806.º CC), que têm essa vocação de ressarcimento nos termos dos artigos 804.º, 805.º, n.º2 alínea a) e 806.º n.ºs 1 e 2, todos do Código Civil e ainda artigo 559.º, n.º 1 do Código Civil e Portaria 291/2003, de 8 de abril, que fixa em 4% a taxa anual dos juros legais.

 

O artigo 173.º, n.º3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei 35/2014, de 20 de junho preceitua que “O empregador público fica constituído em mora se o trabalhador, por facto que não lhe seja imputável, não puder dispor do montante da remuneração na data do vencimento.”

 

Observe-se, por fim, a Lei 3/2010, de 27 de abril que consagra a obrigatoriedade de pagamento de juros de mora pelo Estado pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, a qual prescreve, no seu artigo 1.º, n.ºs 1 e 2:

1 - O Estado e demais entidades públicas, incluindo as Regiões Autónomas e as autarquias locais, estão obrigados ao pagamento de juros moratórios pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, independentemente da sua fonte.

2 - Quando outra disposição legal não determinar a aplicação de taxa diversa, aplica-se a taxa de juro referida no n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil.

Face ao esboço normativo acima identificado, decide-se serem devidos pelo Demandado juros de mora, calculados à taxa anual de 4% dos juros legais sobre o capital em dívida à associada da Demandante, desde o dia em que cada mês deveria ter sido pago o valor correto do suplemento de risco até à data da apresentação no CAAD da petição inicial (5 de maio de 2022). A estes valores acrescerão ainda os juros de mora desde a data da apresentação da petição inicial até ao efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%.

 

IV - DECISÃO FINAL:

Perante tudo o que antecede, decide-se julgar a presente ação arbitral parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:

- Reconhecer à associada da Demandante o direito ao suplemento de risco, pelo exercício da função de Chefe de Área no período compreendido entre 01 de janeiro de 2010 e 17 de junho de 2015, segundo a taxa prevista no artigo 99.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 295-A/1990, de 21 de setembro e, posteriormente, do n.º 1 do artigo 161.º do Decreto Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, ou seja, 20% da remuneração base mensal auferida.

- Condenar o Demandado a pagar à associada da Demandante, o valor de € 11.406,40 (onze mil quatrocentos e seis euros e quarenta cêntimos) a título das diferenças salariais correspondentes à diferença entre o valor do suplemento de risco efetivamente pago e o valor que deveria ter sido pago referente ao período de 1 de janeiro de 2010 a 17 de junho de 2015;

- Condenar o Demandado no pagamento à associada aqui representada pela Demandante dos juros de mora, calculados à taxa anual de 4% dos juros legais sobre o capital em dívida, desde o dia em que cada mês deveria ter sido pago o valor correto do suplemento de risco até à data da apresentação no CAAD da petição inicial (5 de maio de 2022). A estes valores acrescerão ainda os juros de mora desde a data da apresentação da petição inicial até ao efetivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%.

Nos termos do artigo 29º, nº 5, do Regulamento de Arbitragem do CAAD, tratando-se de assunto relativo a relações jurídicas de emprego público, as custas são fixadas nos termos da tabela de encargos processuais estabelecida pelo CAAD. 

Notifiquem-se as Partes. 

Fica o Demandado notificado para, no prazo de 5 dias após o trânsito em julgado da presente decisão arbitral, proceder à liquidação dos valores devidos à associada da Demandante em conformidade com o aqui decidido. 

CAAD, 03 de março de 2023

A Árbitra

 

Carmen Andreia da Silva Couto

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