SUMÁRIO:
1. A Petição Inicial tem um erro na identificação da Entidade Demandada, tendo os Demandantes indicado como Entidade Demandada, a B... que é órgão central do Ministério ... . Ao ser citada a B..., órgão que praticou o ato impugnado e que apresentou contestação, a exceção da falta de legitimidade passiva ficou sanada oficiosamente, operando o indicado nos artigos 10.º, n.ºs 4 e 5 º e 78.º, n.º 2, al. b) e 3 do CPTA - cfr. os artigos 11.º, n.º 5, 81.º, n.º 1 e 82.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA.
2. Se os Demandantes pretendem por via da ação arbitral obter o efeito que poderiam ter obtido se tivessem impugnado em tempo um ato administrativo que lhes recusou o pagamento da importância relativa aos suplementos de turno, verifica-se a exceção inominada de impropriedade do meio processual, conducente à absolvição da Entidade Demandada da instância - exceção dilatória inominada prevista no artigo 38.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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DECISÃO ARBITRAL
I- Relatório
Os Demandantes A..., Especialista de Polícia Científica, contribuinte fiscal n.º ..., residente na ..., n.º ..., ... - ...-... Lisboa, e C..., Especialista de Polícia Científica, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua ..., ..., ..., ...-... Odivelas, coligados na presente ação arbitral vêm Demandar a
B..., NIPC ..., com sede na Rua ..., ...-... Lisboa,
Peticionam os Demandantes:
a) ser reconhecido aos Demandantes o direito ao subsídio de turno pelo trabalho prestado em regime de turnos na UTI- AESE, desde 1 de maio de 2010 até 8 de junho de 2014, e consequentemente :
b) ser a Demandada condenada ao pagamento de acréscimo remuneratório, correspondente a um acréscimo de 22% sobre a remuneração base, a título de subsídio de turno, nos termos do disposto no n.º 1 e na al. a) do n.º 2 do art. 211.º do RCTFP;
C) ser a Demandada condenada ao pagamento de juros de mora, à taxa legal em vigor, vencidos e vincendos, desde a data do vencimento dos montantes referentes ao subsídio de turno, até ao seu efetivo e integral pagamento.
A Demandada B..., regularmente citada, contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação, tendo junto aos autos o Processo Administrativo.
Invocou as exceções dilatórias da falta de legitimidade passiva da B... e da intempestividade da prática do ato processual traduzido na propositura da ação administrativa
Por impugnação, a Demandada sustentou a improcedência da ação.
Por despacho arbitral de 31-08-2022 foi concedido prazo aos Demandantes para se pronunciarem quanto à matéria das exceções invocadas.
Os Demandantes no prazo concedido apresentaram Requerimento em que se pronunciam sobre a prova testemunhal e sobre a “alegada exceção dilatória da intempestividade da prática de ato processual traduzido da ação administrativa”.
O presente Tribunal Arbitral é composto pela árbitro singular signatária, a qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 03 de agosto de 2022, data da aceitação do encargo e da sua notificação às partes (artigo 17.º do NRAA).
Por correio eletrónico de 30 de agosto de 2022, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD comunicou aos mandatários das partes a designação deste Tribunal Singular.
II – Saneamento do processo
Este Tribunal Arbitral é competente, o que é reconhecido pelas Partes.
Admitem-se os documentos juntos aos autos pelos Demandantes e pela Entidade Demandada.
No que respeita à produção de prova testemunhal requerida pelos Demandantes, a mesma foi indeferida, por este Tribunal Arbitral entender que nos presentes autos, não se vislumbra qualquer relevância dessa prova para a boa decisão sobre a causa, tendo em conta a prova documental junta aos autos pelos Demandantes e pela B..., que é idónea para a boa decisão da presente ação arbitral, dado que está em causa apenas matéria de Direito, que como exposto infra se limita à apreciação e decisão de execeções dilatórias.
Cumpre apreciar prioritariamente as exceções dilatórias na medida em que a sua eventual procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da Entidade Demandada da instância (cfr. o artigo 89.º, n.º 2 do Código do Processo dos Tribunais Administrativos).
II- 1. Da exceção dilatória da falta de legitimidade passiva da B...
Os demandantes identificam como Demandada a B... .
Defende a Demandada que: “No que respeita à B..., sendo esta entidade um serviço central da administração direta do Estado que se insere na estrutura orgânica do Ministério ...- cfr. alínea f) do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 123/2011, de 29 de dezembro – que aprova a Lei Orgânica do Ministério ..., não detém, nem personalidade judiciária própria nem legitimidade para ser demandada em Juízo”.
E continua: “A legitimidade para ser demandado cabe, assim, ao Ministério ..., nos termos conjugados do n.º 3 do artigo 8.º-A, e segunda parte do n.º 2 do artigo 10.º do CPTA.
Por conseguinte, deve a presente ação administrativa considerar-se regularmente proposta contra o Ministério ..., nos termos conjugados dos n.os 4 e 5 do artigo 10.º do CPTA, sendo o patrocínio judiciário e a representação em juízo assegurados nos termos do disposto no artigo 11.º do mesmo diploma”.
Os Demandados regularmente notificados para se pronunciarem sobre as exceções invocadas nada disseram sobre esta exceção.
Cumpre decidir sobre esta exceção dilatória.
Os Demandantes indicaram na Petição Inicial como entidade demandada a B... .
Na ausência de norma específica sobre a legitimidade em processo arbitral, deve entender-se, como decorrência da natureza consensual da jurisdição arbitral, que a legitimidade para a arbitragem obedece aos mesmos critérios de legitimidade fixados para a jurisdição estadual.
Assim, o CPTA no artigo 10.º flexibilizou os critérios de atribuição de personalidade judiciária, possibilitando ao autor demandar quer a pessoa coletiva de direito público, quer, no caso do Estado, o Ministério, quer ainda o órgão administrativo a quem é imputável a ação ou omissão em litígio, conforme resulta do artigo 10.º, n.º 4, ao estabelecer que no caso de erro na identificação do autor do ato se considera a ação proposta contra a pessoa colectiva de direito público ou, no caso do Estado, contra o Ministério a que o órgão pertence. Norma que visou facilitar as dificuldades da identificação do autor do ato e claramente fazer valer o conhecimento de mérito sobre questões de mera forma.
No Processo Administrativo a regra geral é a de que cada ação deve ser proposta contra a outra parte da relação material controvertida, tal como esta é configurada pelo Autor, como estabelece o artigo 10.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos. Porém, no mesmo artigo 10.º são elencados desvios a esta regra geral, admitindo a personalidade judiciária dos Ministérios.
Nesta matéria, acompanhamos o decidido no Acórdão do TCAS de 30-01-2020 proferido no Processo 1251/19.0BELSB: “Tal como ocorre no processo civil, no processo administrativo a regra geral é a de que cada acção deve ser proposta contra a outra parte da relação material controvertida, tal como esta é configurada pelo A. - cf. art.º 10.º, n.º 1, do Código de processo nos Tribunais Administrativos - CPTA (na anterior redacção, aqui aplicável).
Porém, no 10.º, n.º 2, do CPTA, procede-se a um alargamento da legitimidade passiva, determinando-se que quando um processo se reporte à acção ou omissão de órgãos integrados em Ministérios ou em secretarias regionais, a parte demandada é o Ministério ou a secretaria a cujos órgãos sejam imputáveis os actos praticados, ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos. Assim, por força desta regra, nas acções relativas a actos comissivos ou omissivos de um órgão do Estado integrado num dado Ministério ou secretaria, a legitimidade passiva pertence a esse Ministério ou secretaria e não à pessoa colectiva EP.
Acautelando a hipótese de os particulares não lograrem identificar na estrutura orgânica da Administração Pública o Ministério ou secretaria a que pertence o órgão que praticou o acto, ou contra o qual se visa a condenação, o art.º 10.º, n.º 4, do CPTA, indica que se na PI for erradamente demandado o indicado órgão e não o Ministério ou a secretaria a que pertence, a acção considera-se regularmente proposta contra aquele Ministério ou secretaria”.
Nos termos do artigo 4.º, f), do Decreto-Lei n.º 123/2011, de 29 de Dezembro, a B... é um serviço central do Ministério ... .
Assim, a legitimidade passiva para a presente ação pertence ao Ministério ..., devendo considerar-se que a ação arbitral foi regularmente proposta contra este, tal qual sucederia perante a jurisdição estadual, nos termos do artigo 8.º-A, n.º 5 e dos n.ºs 2 e 4 do artigo 10.º do CPTA.
A Petição Inicial tem um erro na identificação da Entidade Demandada, tendo os Demandantes indicado como Entidade Demandada, a B... que é órgão central do Ministério ... . Ao ser citada a B..., órgão que praticou o ato impugnado e que apresentou contestação, a exceção da falta de legitimidade passiva ficou sanada oficiosamente, operando o indicado nos artigos 10.º, n.ºs 4 e 5 º e 78.º, n.º 2, al. b) e 3 do CPTA - cfr. os artigos 11.º, n.º 5, 81.º, n.º 1 e 82.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA.
Nos termos da Lei Orgânica do Ministério ... aprovado pelo Decreto-Lei n.º 123/2011 de 29 de dezembro na redação dada pela Lei n.º 89/2017, de 21/08, o Ministério ... encontra-se vinculado à jurisdição do CAAD no que respeita à composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros que tenham por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou doença profissional (cfr. o artigo 1º, n.º 1 alínea d) e n.º 2 da alínea a) da Portaria n.º 1120/2009 de 30 de setembro, que vincula à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD, vários serviços centrais, pessoas coletivas e entidades que funcionam no âmbito do Ministério ... .
Por seu lado, a B... nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea d), da Portaria n.° 1120/2009, de 30 de setembro, também se encontra vinculada à jurisdição do CAAD, conforme artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, do NRAA.
Esta vinculação da B..., opera quando esteja em causa a composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros e que tenham por objecto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional (artigo 1.º, n.º 2,alínea a), da Portaria n.° 1120/2009, de 30 de Setembro, e artigo 8.º, n.° 4, alínea a) do NRAA).
Nos termos do artigo 4.º f), do Decreto-Lei n.º 123/2011, de 29 de dezembro, a B... é um serviço central do Ministério ... estando a sua vinculação ao Tribunal Arbitral devidamente elencada no artigo 1.º, n.º 1, d), da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro.
Pelo exposto, as Partes no presente processo são os Demandantes coligados e o MINISTÉRIO ..., com o NIPC ..., com sede na ..., ...-... LISBOA, são as partes legítimas tendo personalidade e capacidade arbitrais.
II. 2. Da alegada exceção dilatória da intempestividade da prática de ato processual traduzido na ação administrativa
Posição da demandanda B...:
“Os Demandantes apresentaram em 14 de maio de 2018, requerimento no qual requereram o pagamento dos suplementos de turnos que foram, segundo os próprios, efetivamente efetuados, desde maio de 2010 até junho de 2014, inclusive, o qual foi indeferido por despacho, datado de 4 de julho de 2019, do Exmo. Diretor Nacional Adjunto da B... .
Àquele despacho de indeferimento, não reagiram os Demandantes no prazo de 3 meses, prazo em que deveriam ter lançado mão da ação administrativa para impugnação de atos. administrativos com vista a obter o ato administrativo devido em substituição do indeferimento que versou sobre as suas pretensões.
Uma vez que, a resposta ao requerimento apresentado configura e constitui uma verdadeira decisão administrativa proferida sobre a requerida pretensão dos Demandantes (cfr. artigos 94°, 102º e 148° do CPA), decisão essa que não pode deixar de ser configurável como um ato administrativo.
Ora, in casu, tendo a pretensão dos Demandantes sido expressamente indeferida nos termos do referido despacho, de 4 de julho de 2019, estes dispunham do prazo de 3 meses para instaurar a competente ação administrativa visando a condenação na prática do ato administrativo devido em substituição do ato praticado, em conformidade com o disposto no n° 2 do artigo 69°, ou seja, o prazo de 3 meses previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 58.º, ambos do CPTA, o que não sucedeu.
11.º
Não podendo agora (3 de junho de 2022) os Demandantes instaurar a presente ação administrativa com vista à satisfação da mesma pretensão, já que o ato administrativo, há muito, se consolidou na ordem jurídica.
Estabelece o artigo 38.º, n.º 2 do CPTA que “sem prejuízo do disposto no número anterior, não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”. Ou seja, esta norma não permite que a ação administrativa seja utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de ato impugnável”
É que subjacente à pretensão dos Demandantes de ser reconhecido o direito ao suplemento de turno pelo trabalho prestado em regime de turno na Unidade de Telecomunicações e Informática (UTI)-AESE, desde de 1 de maio de 2010 até 8 de junho de 2014, está um ato administrativo de indeferimento - despacho de 04/07/2019 - da pretensão substantiva, insuscetível de ser jurisdicionalmente impugnado com vista à sua eliminação jurídica, em sede de ação administrativa, seja na vertente impugnação do ato administrativo, seja na vertente de condenação à prática de ato devido, por decurso do prazo legal estabelecido para o efeito.
Pelo que ocorreu a caducidade do direito de impugnar o ato em causa. Prazo que, com a revisão operada pelo Decreto-Lei nº. 214-G/2015, passou a contar-se nos termos do artigo 279º do Código Civil – cfr. artigo 58.º n.º 2, alínea b) e 69.º, n.º 2, do CPTA.
O que obsta a que o CAAD conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância, nos termos do artigo 89.º, n.º 2 e 4, alínea k), do CPTA”.
Os Demandantes no exercício do contraditório e por Requerimento de 12-09-2022, começam por se pronunciarem sobre a alegada exceção dilatória da intempestividade da prática de ato processual traduzido na ação administrativa, afirmando desde logo:
“1.º
Alega o Demandado que "os demandantes apresentaram em 14 de maio de 2018, requerimento no qual requereram o pagamento dos suplementos de turnos que foram,segundo os próprios, efetivamente efetuados, desde maio de 2010 até junho de 2014, inclusive, o qual foi indeferido por despacho, datado de 4 de julho de 2019, do Exmo. Diretor Nacional Adjunto da B..."
2º
E que àquele despacho de indeferimento, não reagiram os Demandantes no prazo de 3 meses, prazo em que deveriam ter lançado mão da ação administrativa para impugnação de atos administrativos com vista a obter o ato administrativo devido em substituição do indeferimento que versou sobre as suas pretensões, uma vez que, a resposta ao requerimento apresentado configura e constitui uma verdadeira decisão administrativa proferida sobre a requerida pretensão dos Demandantes (cfr. artigos 94°, 102° e 148° do CPA), decisão essa que não pode deixar de ser configurável como um ato administrativo.
Vejamos, pois, se lhe assiste razão
3.º
A questão fulcral reside em saber se o pagamento do suplemento remuneratório é considerado um ato administrativo e, nessa medida, está sujeito ao prazo de impugnação contenciosa de 3 meses, ou, pelo contrário, se a recusa de entregar acoisa ou a quantia ou de prestar o facto não corresponde a um ato administrativo de indeferimento, mas a uma mera declaração de recusa, contra a qual se impõe reagir, não através da impugnação contenciosa, mas por via de uma ação condenatória.
Relembramos que, em causa no presente pleito está o incumprimento pelo Demandado, de uma obrigação legal, imperativamente fixada na lei, concretamente, o dever de pagar aos seus trabalhadores a respetiva remuneração, nela se incluindo o suplemento de turno, de acordo com o valor estipulado na legislação aplicável. Ora,
Tal dever de pagar corresponde a uma conduta obrigatória da Administração. Senão vejamos: Por força do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2/10, que aprovou o novo CPTA, foi transformado o anterior regime dos processos não-urgentes de dualista em monista, como melhor se pode ler no preâmbulo do falado decreto-lei:
“2 - Os aspetos mais significativos da presente revisão do CPTA dizem respeito à estrutura das formas do processo e ao respetivo regime. Com efeito, o CPTA, no respeito pela tradição mais recente do contencioso administrativo português, assente na contraposição entre o recurso contencioso e o processo declarativo comum do CPC, tradicionalmente seguido no contencioso das ações, optou por estruturar os processos declarativos não-urgentes sobre um modelo dualista, de acordo com o qual, para além dos tipos circunscritos de situações de urgência, objeto de regulação própria, as causas deviam ser objeto da ação administrativa especial ou da ação administrativa comum, consoante, no essencial, se reportassem ou não a atos administrativos ou a normas regulamentares. A solução prestava-se a reparos, que se prendiam com a relativa incoerência e com a reduzida praticabilidade do modelo adotado”.
(...)
“O facto de, posteriormente, surgir um eventual ato administrativo expresso de indeferimento de posteriores pretensões conexas com a satisfação do crédito não altera aquela conclusão, porque o particular já tinha e continua a ter o mesmo direito imediato à satisfação integral do seu alegado crédito ou à receção integral da prestação devida, sem a necessidade legal da emissão prévia de qualquer ato administrativo expresso em sentido estrito. Nestas circunstâncias não é de chamar à colação o n.º 2 do art. 38º do CPTA”.
“Considerando a relação jurídico-laboral existente entre as partes. Assim, tendo presente a configuração que foi dada pelos Demandantes à presente ação, verifica se que estes não pretendem impugnar qualquer ato de autoridade, antesestando em causa questão relativa à execução de contrato, pelo que, nos termos do art. 37.º n.ºs 1 e 2 al h) do CPTA, a forma de processo adequada seria a anterior ação administrativa comum”.
“Tal conclusão não é posta em causa pelos factos alegados de 7.º a 11.º da contestação, dado que a pronúncia descrita nos factos 7.º e 8.º consubstancia-se numa mera declaração negocial sem carácter imperativo, não tendo a natureza de ato administrativo, já que a Administração, neste âmbito, não dispõe do poder de praticar atos administrativos, tal como resulta do quadro normativo aplicável (cfr. Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei 59/2008, de 11/9, e Lei 12-A/2008, de 27/2, a qual estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas).
Na verdade, na esteira da jurisprudência supra citada, os Demandantes invocam o incumprimento de uma obrigação legal, ou seja, invocam que a Administração estava já constituída numa obrigação de prestar por força de anterior ato jurídico (lei, regulamento ou decisão administrativa), a que logicamente corresponde um direito de crédito do particular, sem dependência de um ato unilateral de autoridade; há ali uma relação paritária entre o particular e a Administração.O facto de, posteriormente, surgir um eventual ato administrativo expresso de indeferimento de posteriores pretensões conexas com a satisfação do crédito não altera aquela conclusão, porque o particular já tinha e continua a ter o mesmo direito imediato à satisfação integral do seu alegado crédito ou à receção integral da prestação devida, sem a necessidade legal da emissão prévia de qualquer ato administrativo expresso em sentido estrito. Razões pelas quais o meio processual adequado e próprio para fazer valer o direito às remunerações, nela se incluindo o suplemento remuneratório em causa, dos Demandantes não está dependente de qualquer prazo.
Face ao que antecede, é forçoso concluir que a presente ação foi proposta de forma tempestiva porque a todo o tempo o poderia ser”.
Vejamos.
Do exposto nas peças processuais é admitido por ambas as partes que os Demandantes apresentaram em 14 de maio de 2018, um requerimento no qual requereram o pagamento dos suplementos de turnos desde maio de 2010 até junho de 2014, inclusive e que este requerimento foi expressamente indeferido por Despacho do Diretor Nacional Adjunto da B... em 4 de julho de 2019.
É também admitido por ambas as partes que os Demandantes não reagiram contra esse Despacho de 04 de julho de 2018, que lhes negou o pedido (que coincide com o pedido objeto deste processo arbitral) permitindo que esse ato administrativo se consolidasse na ordem jurídica, como previsto no artigo 58.º, n.º 1 do CPTA.
Consideramos que assiste razão à Entidade Demandada quando afirma que “É que subjacente à pretensão dos Demandantes de ser reconhecido o direito ao suplemento de turno pelo trabalho prestado em regime de turno na Unidade de Telecomunicações e Informática (UTI)-AESE, desde de 1 de maio de 2010 até 8 de junho de 2014, está um ato administrativo de indeferimento - despacho de 04/07/2019 - da pretensão substantiva, insuscetível de ser jurisdicionalmente impugnado com vista à sua eliminação jurídica, em sede de ação administrativa, seja na vertente impugnação do ato administrativo, seja na vertente de condenação à prática de ato devido, por decurso do prazo legal estabelecido para o efeito”.
Os Demandantes defendem que os seus direitos aos suplementos de turno não está dependente de qualquer prazo e com o presente pedido arbitral pretendem obter a condenação do Demandado a pagar-lhes os sumplementos de turno, porque entendem que “a presente ação foi proposta de forma tempestiva porque a todo o tempo o poderia ser”.
E teriam razão caso não tivessem pedido o reconhecimento desse direto através do já mencionado requerimento que foi objeto do Despacho do Diretor Nacional Adjunto da B..., que o indeferiu de modo expresso e dele foram notificados. Ora este Despacho constitui um ato admisnitrativo que consolidou na ordem jurídica, de acordo com as regras de tramitação aplicáveis.
Então, esse ato administrativo que negou o reconhecimento dos suplementos de turno aos aqui Demandantes, só no caso de ser um ato administrativo nulo, seria impugnável enquanto tal a todo o tempo, nos termos do artigo nos termos dos artigos 161.º e 162.ºdo CPA.
Defendem os Demandantes que antes do identificado ato administrativo expresso de indeferimento, já tinham e continuam a ter o mesmo direito imediato à satisfação integral do seu alegado crédito ou à receção integral da prestação devida, e que o seu pedido pode ser feito a todo o tempo.
Este Tribunal Arbitral entende que Demandantes não tem razão porque exerceram esse direito através do requerimento 14 de maio de 2018 e não reagiram contra o ato administrativo que o indeferiu e pronunciaram-se no mencionado requerimento de 12-09-2022, sobre a exceção dilatória da intempestividade da prática de ato processual traduzida da ação administrativa, nas suas palavras. E, a propósito fazem referência a doutrina e jurisprudência de que destacamos a sua menção aos artigos 37.º e 38.º n.º 2 do CPTA, pronunciaram-se de modo expresso sobre o uso da presente ação administrativa como meio para obter o pagamento dos suplementos de turno que peticionaram e lhes foi negado pelo Despacho do Diretor Nacional Adjunto da B... e sobre o qual não reagiram.
Os Demandantes não submeteram a este tribunal arbitral o conhecimento da validade ou não do ato administrativo proferido pelo Diretor Nacional Adjunto da B..., antes o consideram como “mera declaração negocial sem carácter imperativo”.
Os Demandantes ao pronunciarem-se sobre a exceção dilatória, poe eles descrita como “alegada exceção dilatória da intempestividade da prática de ato processual traduzido da ação administrativa”, referem um Acórdão em que é mencionado o uso de meio processual inadequado, e com a conclusão e que não é chamado à colação o disposto no artigo 38.º, n.º 2 do CPTA.
Porém, o disposto neste artigo 38.º, n.º do CPTA, tem aplicação nesta ação, não obstante a posição dos Demandantes.
Ora, os Demandantes com esta ação arbitral pretendem usar um meio processual inadequado para fazer valer os seus direitos aos suplementos de turno, e obterem o reconhecimento que anteriormente peticionaram por requerimento que foi expressamente indeferido por um ato administrativo ao qual não se opuseram, nem se opõem nesta ação. (Cfr., neste sentido o Acórdão do TCAN de 09-04-2021 proferido no Processo 00637/15.3BEPRT).
E, no que se refere ao cumprimento de regras de tramitação e dos poderes e ónus que recaem sobre os titulares de direitos, devidos pelo trabalho no exercício de funções públicas, acompanhamos o decidido no Acórdão do STA de 11-07-2019 proferido no Processo 01403/18.0BELSB, quando refere que “Os direitos à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo, imparcial e equitativo não impedem a definição pelo legislador dos meios de tutela jurisdicional, daquilo que são as suas regras em termos de tramitação, dos poderes e dos ónus que recaem sobre as partes e dos poderes e deveres do julgador, não resultando dos direitos em referência a atribuição aos sujeitos processuais de um direito a poderem, livremente e de modo irrestrito, socorrer-se de todo e qualquer meio processual que considerem adequado para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nem que estejam desonerados do respeito pelas regras que, sendo equilibradas e proporcionais, contenham deveres e ónus processuais e/ou que estejam isentos das consequências que derivem do seu incumprimento”.
E, o mencionado Acórdão refere ainda: “Com efeito, importa ter presente, como primeira nota, que se é certo que a CRP consagra nos seus arts. 20.º e 268.º, n.º 4, os direitos à tutela jurisdicional efetiva e a um processo justo, imparcial e equitativo, o qual postula, designadamente, que “(a) todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, temos que a definição dos meios de tutela jurisdicional desses direitos e interesses, daquilo que são as suas regras de tramitação, os poderes e os ónus que recaem sobre as partes e poderes do julgador, carecem de consagração e concretização legal, não resultando dos direitos em referência a atribuição aos cidadãos de um direito a livremente poderem socorrer-se de todo e qualquer meio processual que considerem adequado para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, nem que estejam isentos ou desonerados do respeito de regras contendo deveres e ónus/faculdades processuais e/ou das consequências que derivem do seu incumprimento ou da sujeição às decorrências resultantes dos comportamentos desenvolvidos no ou fazendo uso de ónus/faculdades. Na verdade, o legislador, atendendo a outros bens e valores jurídicos que importa que sejam igualmente considerados, procede à definição dos meios ao dispor dos cidadãos para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, disciplina as suas regras e pressupostos, institui deveres, poderes e ónus para as partes, cientes de que o direito a um processo equitativo só se considera violado quando for impossível o estabelecimento de uma relação mínima de equilíbrio ou proporção entre a justificação da exigência processual em causa e a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento de tal exigência”.
Face ao exposto concluímos que os Demandantes pretedem , e por via desta ação arbitral obter o efeito que poderiam ter obtido se tivessem impugnado em tempo o ato administrativo de indeferimento relativo ao pagamento da importância relativa aos suplementos de turno, verificando-se a exceção inominada de impropriedade do meio processual, excepção dilatória inominada prevista no artigo 38.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos conducente à absolvição do Demandado da instância nos termos das aplicação das disposições conjugadas do disposto no artigo 89.º n.º 1, 2 e 4 do CPTA.
III. Decisão
Face às considerações que antecedem, decide-se julgar a presente ação improcedente e absolver da instância o Ministério ... .
IV. Valor do processo e taxa de arbitragem
Fixa-se o valor da ação nos € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 10.º, n.º 1 d) do NRAA, sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 5 do NRAA.
Notifique-se
Lisboa, 8 de março de 2023
A Árbitro
____________________________
Regina de Almeida Monteiro