Decisão Arbitral
A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 13 de outubro de 2022, em que é Demandante A..., docente no B... na categoria de Professor Adjunto da Carreira de Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, portador do cartão do cidadão n.º..., residente na Rua ..., n.º ..., ..., ...-... ..., e Demandado o B..., com sede na Rua ... ..., ... ..., cuja vinculação à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa resulta do Despacho B.../P/.../2021, proferido a 21 de janeiro de 2010, decide nos termos que se seguem:
I. RELATÓRIO
O Demandante apresentou, no dia 07.07.2022, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA), um pedido de constituição de tribunal arbitral, o qual foi aceite na mesma data pelo CAAD.
Nos termos do disposto no artigo 12.º do NRAA, o CAAD, através de ofício datado de 12.07.2022, citou o Demandado para contestar no prazo de 20 dias. A contestação veio a ser apresentada no dia 21.09.2022.
No dia 13.10.2022, o CAAD, nos termos do disposto no artigo 17.º do NRAA, notificou as Partes da constituição do Tribunal a da nomeação da signatária como árbitro do processo.
No dia 13.12.2022, o Tribunal proferiu despacho sobre a tramitação processual subsequente, tendo notificado as Partes para apresentarem alegações escritas.
Em 29.12.2022, veio o Demandante apresentar as suas alegações. A Entidade Demandada não apresentou alegações.
No dia 11.01.2023, o Tribunal solicitou ao Demandante que apresentasse prova adicional referente a dois factos que não estavam suficientemente apoiados pela prova documental já carreada para os autos. O Demandante respondeu através de requerimento apresentado a 17.01.2023, através do qual juntou prova documental dos factos em questão.
Posição do Demandante:
Através do pedido de pronúncia arbitral apresentado, o Demandante pretende o seguinte:
a) ser reconhecido que detém, desde 01.01.2019, o total de 14 pontos para efeitos de Avaliação do Desempenho, nos termos do n.º 6 do artigo 18º da Lei de Orçamento de Estado para 2012 (Lei n.º 114/2017, de 29/12);
b) ser a Entidade Demandada condenada a reconhecer o direito ao posicionamento remuneratório do Demandante no 3º escalão, índice 210, com efeitos retroativos à data de 01.01.2019;
c) ser a Entidade Demandada condenada a pagar os créditos salariais em dívida, que ascendem os € 8.900,01, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos até ao integral pagamento.
Sustenta o pedido nos seguintes argumentos:
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O Demandante reuniu todos os requisitos legalmente exigíveis para progredir ao índice 210, na data de 01 de janeiro de 2019, em função das avaliações obtidas e dos pontos acumulados, nos termos do artigo 35.º C do Estatuto da Carreira Docente do Ensino Superior Politécnico e do artigo 14.º do Regulamento de Avaliação de Desempenho dos Docentes do Instituto Politécnico C... .
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De acordo com o normativo supracitado, há lugar à alteração de posicionamento remuneratório sempre que o Trabalhador “obtenha um total acumulado de 10 pontos na posição remuneratória em que se encontra”.
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Entende que lhe deve ser reconhecido o direito à alteração do posicionamento remuneratório por acumulação de 14 pontos atribuídos pelas avaliações de desempenho obtidos nos anos de 2004/2015, existindo um excedente de 4 pontos aos quais se somam 9, referentes ao período de 2016/2018.
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Daí entende que decorre a obrigação legal do Demandado de reposicionar corretamente o Demandante, com efeitos retroativos, pagando-lhe os vencimentos de acordo com a estrutura indiciária legalmente determinada, in casu, 3.º escalão, índice 210.
Quanto à defesa por exceção, pronuncia-se, resumidamente, nos seguintes termos:
O reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, previsto no artigo 37º, nº 1, f) do CPTA, e a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar, não envolvem a necessidade de intermediação de um ato administrativo.
O Demandado não praticou nem notificou qualquer ato administrativo, sendo que a comunicação referida no artigo 30.º da contestação não determina o início do decurso de qualquer prazo (a resposta dada pela Sra. Presidente do B..., a 15 de junho de 2021, mais não é do que uma mera informação/parecer, não podendo, consequentemente, considerar tratar-se de uma decisão, uma vez que não defere nem indefere o pedido efetuado pelo Demandante).
Igualmente, o Demandante não pode considerar-se notificado, através dos seus recibos de vencimento, de quaisquer atos administrativos proferidos pela Entidade Demandada, sendo os mesmos ineficazes perante si porquanto nunca lhe foram notificados, nos termos e para os efeitos do artigo 160.º e com os requisitos previstos no artigo 153.º, ambos do CPA.
Está em causa o reconhecimento de que o Demandante detém, a 01.01.2019, o total de 14 pontos para efeitos de Avaliação do Desempenho, nos termos do n.º 6 do art.º 18 da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (reconhecimento de uma situação jurídica subjetiva diretamente decorrente de normas jurídico-administrativas nos termos do art. 37.º, n.º 2, al. a) do CPTA) e a condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorrem de normas jurídico-administrativas e que não envolvem a emissão de um ato administrativo impugnável.
O Demandante não propôs uma ação de anulação ou de condenação à prática de ato devido, porquanto, salvo melhor opinião, no âmbito da atribuição de pontos na Avaliação do Desempenho, não há lugar à emissão de qualquer ato administrativo, quer por iniciativa do particular quer das entidades demandadas, trata-se, isso sim, do reconhecimento de um direito, legalmente atribuído.
Por esse motivo é que nenhum trabalhador necessita de requerer a sua progressão, sendo esta de trato automático, desde que cumpridos todos os requisitos, como é o caso em apreço. Cabe, nos termos da lei, ao Demandado, a promoção do seu reposicionamento, também nos termos legais.
Posição do Demandado:
O Demandado veio defender-se por exceção e por impugnação.
Quanto à matéria de exceção alega a inidoneidade/impropriedade do meio processual, com os seguintes argumentos:
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Dirigindo-se a presente ação a uma pretensão que envolveu a prática de um ato de autoridade, o CPTA obriga a que essa ação siga a forma de ação administrativa para a impugnação de ato.
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O artigo 38.º, n.º 2 do CPTA estabelece que “não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato impugnável”.
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Assim, a presente ação de reconhecimento do direito não pode ser utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de ato impugnável, sendo que, no presente caso, o efeito pretendido depende da prática de um ato de autoridade.
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O que o A. pretende obter com a presente ação administrativa comum é o que poderia obter caso tivesse instaurado, atempadamente, a competente ação administrativa especial, o que não fez, conformando-se com um ato administrativo que se consolidou na ordem jurídica.
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O Autor pretende que seja “reconhecido pela Entidade Demandada que o Demandante detém a 1.01.2019 o total de 14 pontos para efeitos de avaliação do desempenho” e, por força disso, “ser a Entidade Demandada condenada a reconhecer o direito ao posicionamento remuneratório do Demandante no 3º escalão, índice 210, com efeitos retroativos à data de 1.01.2019” – contudo, para lograr esse efeito deveria ter lançado mão de uma ação administrativa de anulação do ato administrativa, sendo que o teria de ter feito dentro do prazo de 3 meses estabelecido pelo artigo 58, n.º 1, alínea b) do CPTA.
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Em 4 de junho de 2021 o Autor requereu à Exma. Sra. Presidente do B... que adotasse “as diligências que considere imprescindíveis e necessárias para posicionar o Requerente no índice 210, 2º escalão da carreira de Professor Adjunto, com efeitos a 01 de janeiro de 2019” (doc.1 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
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Em 15 de junho de 2021 a Sra. Presidente do B... indeferiu essa pretensão com base no parecer/informação que foi igualmente notificado ao Autor e no qual podemos ler que “poderia haver efeitos na progressão remuneratória, no que concerne à avaliação do desempenho docente, apenas no caso dos docentes que, em cumprimento do nº 4 do artigo 35º-C do ECPDESP, tenham obtido no processo de avaliação de desempenho, durante um período de seis anos consecutivos, a menção máxima, e simultaneamente não tenham tido durante esse período nenhuma alteração da sua posição remuneratória.” (doc. 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
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Essa decisão é, manifestamente, um ato administrativo no conceito que nos é dado pelo artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), ato este que se consolidou na ordem jurídica por não ter sido atempadamente impugnado, no prazo de 3 meses, a que alude a alínea b) do n.º1 do artigo 58.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
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Perante o disposto no artigo 38º, n.º 1 e 2 do CPTA, o Autor não pode pretender agora um efeito incompatível com esse ato, ou seja, o mesmo que obteria com a anulação do mesmo.
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O ato administrativo praticado pela Sra. Presidente do B... em 15/06/2021, enquanto ato que definiu a situação jurídica que o Autor aqui procura reverter, não só teria de ser impugnado sob a forma de ação prevista pela alínea a) do n.º 1, do artigo 37.º do CPTA, como tinha de o ser dentro do prazo de 3 meses estabelecido pelo artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA.
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Acresce que o Autor foi mensalmente notificado dos atos de processamento do respetivo vencimento, sendo igualmente certo que nunca os impugnou.
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Quer a decisão da Exma. Sra. Presidente do B..., quer o processamento mensal dos respetivos vencimentos constituem atos administrativos impugnáveis, porquanto dotados de eficácia externa (“Os actos de processamento de vencimentos e de outros abonos são verdadeiros actos administrativos enquanto actos jurídicos individuais e concretos que se firmam na ordem jurídica sob a forma de "caso decidido" ou "caso resolvido" se não forem atempadamente impugnados ou revogados.” – cfr. Acórdão do TCA Norte, datado de 18/06/2009, proferido no processo 01260/07.1BEPRT).
Por impugnação, sustenta o seguinte:
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A decisão praticada pela Sra. Presidente do B... em 15 de junho de 2021, que não concedeu ao Autor o direito de reposicionamento salarial por ele requerido, não podia ser outra.
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Sob a epígrafe de “Alteração do posicionamento remuneratório”, o artigo 35º- C do ECPDESP dispõe o seguinte:
“1 - A alteração do posicionamento remuneratório tem lugar nos termos regulados por cada instituição de ensino superior e realiza-se em função da avaliação do desempenho.
2 - O montante máximo dos encargos financeiros que em cada ano pode ser afetado à alteração do posicionamento remuneratório é fixado, anualmente, por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e do ensino superior, publicado no Diário da República, em percentagem da massa salarial total do pessoal docente da instituição.
3 - Na elaboração dos seus orçamentos anuais, as instituições de ensino superior devem contemplar dotações previsionais adequadas às eventuais alterações do posicionamento remuneratório dos seus docentes no limite fixado nos termos do número anterior e das suas disponibilidades orçamentais.
4 - O regulamento a que se refere o n.º 1 deve prever a obrigatoriedade de alteração do posicionamento remuneratório sempre que um docente, no processo de avaliação de desempenho, tenha obtido, durante um período de seis anos consecutivos, a menção máxima.”
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Dando cumprimento a este comando legal, o Instituto Politécnico C... fez publicar o Despacho 4262/2016, de 24 de Março (Diário da República n.º 59/2016, Série II de 2016- 03-24), que veio homologar o Regulamento de Avaliação do Desempenho dos Docentes (RADD. B...), publicado em anexo ao Despacho 6414/2011, de 14 de Abril.
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Nos termos aí previstos, para que a avaliação do desempenho docente possa produzir efeitos na progressão remuneratória dos docentes, exige-se que “os docentes que, em cumprimento do n.º 4 do artigo 35º-C do ECPDESP, tenham obtido no processo de avaliação de desempenho, durante um período de seis anos consecutivos, a menção máxima” e, simultaneamente, “[que] não tenham tido durante esse período nenhuma alteração da sua posição remuneratória”.
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No caso do Autor, estes requisitos não se verificam cumulativamente, sendo que ambos são exigíveis em simultâneo, ou seja, além de ter de obter durante 6 anos consecutivos a menção máxima, exige-se ainda que durante esse período de tempo o docente não tenha tido qualquer alteração da sua posição remuneratória.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental junta aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:
II.1 Factos provados
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O Demandante é docente no B..., sendo detentor da categoria de Professor Adjunto da Carreira de Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, desde 14 de maio de 2010.
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O contrato vigente para a categoria de Professor Adjunto foi autorizado pelo Presidente do B..., por despacho n.º .../2010, de 14 de maio de 2010.
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Naquela data, o Demandante foi integrado no 1º escalão, índice 185, da categoria de Professor Adjunto.
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A remuneração mensal inicial atribuída ao Demandante foi de € 3.028,14 (correspondente ao índice 185 da carreira).
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Com o Despacho n.º 6414/2011, foi aprovado o Regulamento de Avaliação de Desempenho de Docentes do Instituto Superior Politécnico C..., nos termos do qual a cada Escola caberia a elaboração do respetivo regulamento específico de avaliação.
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Através do Despacho n.º 4262/2016, de 18 de fevereiro de 2016, a Entidade Demandada aprovou o Regulamento Específico de Avaliação de Desempenho dos Docentes do B... .
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O Requerente solicitou a Avaliação de Ponderação Curricular relativa aos quatro últimos anos do período de 2004-2015, ou seja, relativamente aos anos 2012, 2013, 2014 e 2015.
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Tendo-lhe sida atribuída a classificação de Excelente, à qual correspondeu a atribuição de 12 pontos.
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No total do período de 2004/2015, foi o Demandante avaliado, tendo-lhe sido atribuído o total de 14 pontos, de acordo com o Despacho P.C... /P-.../2017, correspondente à homologação das avaliações de Desempenho dos Docentes do B... para o período 2004/2015, pela Exma. Senhora Presidente do Politécnico, Doutora ... .
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O Requerente foi posicionado no índice 195 em 01.01.2018, ou seja, no segundo escalão da categoria de Professor Adjunto, utilizando para isso 10 pontos dos 14 pontos que obteve em resultado da sua avaliação de desempenho no período de 2004-2015.
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Em resultado desse posicionamento, sobraram ao Requerente 4 pontos para a avaliação de desempenho seguinte.
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A remuneração mensal do Requerente foi alterada para o valor de € 3.069,06, na data de 01.01.2018, correspondente ao 2.º escalão, índice 195.
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No período avaliativo 2016/2018, o Demandante foi novamente avaliado tendo-lhe sido atribuída a avaliação de Excelente, com correspondente atribuição de 9 pontos.
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O Requerente teve classificação qualitativa de Excelente em 7 anos consecutivos – de 2012 a 2018.
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Em 25.05.2021, o Requerente apresentou um requerimento ao Presidente do Instituto Politécnico C... e à Presidente do B... pedindo o seu posicionamento no índice 210, segundo escalão, da carreira de Professor Adjunto, com efeitos a 01.01.2019.
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Em 15.06.2021, a Presidente do B... respondeu ao requerimento do Demandante negando a pretensão nele contida por entender que «poderia haver efeitos na progressão remuneratória, no que concerne à avaliação do desempenho docente, apenas no caso dos docentes que, em cumprimento do n.º 4 do artigo 35.º-C do ECPDESP, tenham obtido no processo de avaliação de desempenho, durante um período de seis anos consecutivos, a menção máxima, e simultaneamente não tenham tido durante esse período nenhuma alteração da sua posição remuneratória.»
II.2 Factos não provados
Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.
II.3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e o de discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 26.º do NRAA).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 26.º do NRAA).
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. Por outro lado, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O Regulamento de Avaliação de Desempenho dos Docentes do Instituto Politécnico C... é aplicável, nos termos do respetivo artigo 2.º, ao processo de avaliação de desempenho do pessoal docente e ao processo de alteração de posicionamento remuneratório de acordo com os artigos 35.º -A, 35.º -B e 35.º -C do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico.
No n.º 1 do respetivo artigo 14.º, sob a epígrafe «Alteração de posicionamento remuneratório», «quando o docente não se encontre posicionado na última posição remuneratória da sua categoria, é obrigatoriamente alterado o seu posicionamento remuneratório para posição imediatamente superior àquela em que se encontra, sempre que, na avaliação de desempenho, obtenha um total acumulado de 10 pontos na posição remuneratória em que se encontra.» (destaque nosso)
Nos termos do n.º 2, «a alteração do posicionamento remuneratório reporta-se a 1 de Janeiro do ano seguinte àquele cuja avaliação de desempenho determinou essa alteração remuneratória».
Por outro lado, nos termos do artigo 16.º, n.º 2 do Regulamento de Avaliação do Desempenho dos Docentes do B..., que estabelece o regime de avaliação de desempenho dos docentes do B..., «A avaliação do desempenho tem ainda efeitos na alteração de posicionamento remuneratório na categoria do docente, nos termos previstos na lei aplicável ao período de produção de efeitos da avaliação.»
A efetiva alteração de posicionamento remuneratório não é, ao contrário do que alega o Demandante, um efeito que decorra automaticamente da lei. Na realidade, essa efetiva alteração de posicionamento remuneratório depende ainda de uma atuação administrativa no sentido de reconhecer que (i) o docente não se encontra posicionado na última posição remuneratória da sua categoria e que (ii) na avaliação de desempenho obteve um total acumulado de 10 pontos na posição remuneratória em que se encontra. Claro que, verificadas essas duas condições, decorre, para a Administração, a obrigatoriedade de promover a alteração de posicionamento remuneratório – ou seja, não preveem, nem a lei, nem os regulamentos aplicáveis, qualquer margem de discricionariedade subsequente à verificação daquelas duas condições. Contudo, tal não equivale a dizer que o efeito previsto de alteração do posicionamento remuneratório decorre diretamente ou automaticamente da lei e dos regulamentos aplicáveis. Esta diferença é fundamental para se identificar a necessidade da prática de um ato administrativo para que a alteração de posicionamento remuneratório efetivamente ocorra.
Essa foi, aliás, a intuição do Demandante ao apresentar o requerimento que apresentou no dia 25.05.2021. A esse requerimento a administração respondeu com um ato administrativo, indeferindo a pretensão apresentada por considerar que não estavam verificadas as condições de que a mesma dependia. Com efeito, nesse ato, praticado em 15.06.2021, a Presidente do B... responde ao Demandante que «poderia haver efeitos na progressão remuneratória, no que concerne à avaliação do desempenho docente, apenas no caso dos docentes que, em cumprimento do n.º 4 do artigo 35.º-C do ECPDESP, tenham obtido no processo de avaliação de desempenho, durante um período de seis anos consecutivos, a menção máxima, e simultaneamente não tenham tido durante esse período nenhuma alteração da sua posição remuneratória.» Embora não se diga, distintamente, que a pretensão é indeferida, a verdade é que a formulação «poderia haver efeitos na progressão remuneratória, no que concerne à avaliação do desempenho docente, apenas no caso dos docentes que …» permite concluir que o caso do requerente não se encontra entre os casos em que poderia haver essa progressão remuneratória.
Em segundo lugar, importa aferir se da conclusão anterior decorre a pretendida pela Entidade Demandada no sentido de ser procedente a exceção de inidoneidade do meio processual utilizado pelo Demandante.
Nos termos do artigo 37.º do CPTA, “seguem a forma da ação administrativa, com a tramitação regulada no capítulo III do presente título, os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da competência dos tribunais administrativos e que nem nesse Código, nem em legislação avulsa, sejam objeto de regulação especial, designadamente:
a) Impugnação de atos administrativos;
b) Condenação à prática de atos administrativos devidos, nos termos da lei ou de vínculo contratualmente assumido;
c) Condenação à não emissão de atos administrativos, nas condições admitidas neste Código;
d) Impugnação de normas emitidas ao abrigo de disposições de direito administrativo;
e) Condenação à emissão de normas devidas ao abrigo de disposições de direito administrativo;
f) Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo;
g) Reconhecimento de qualidades ou do preenchimento de condições;
h) Condenação à adoção ou abstenção de comportamentos pela Administração Pública ou por particulares;
i) Condenação da Administração à adoção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados, incluindo em situações de via de facto, desprovidas de título que as legitime;
j) Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto;
k) Responsabilidade civil das pessoas coletivas, bem como dos titulares dos seus órgãos ou respetivos trabalhadores em funções públicas, incluindo ações de regresso;
l) Interpretação, validade ou execução de contratos;
m) A restituição do enriquecimento sem causa, incluindo a repetição do indevido;
n) Relações jurídicas entre entidades administrativas”.
Os pedidos apresentados pelo Demandante a este tribunal foram os seguintes:
(i) Ser a Entidade Demandada condenada a reconhecer que o Demandante detém, a 01.01.2019, o total de 14 pontos para efeitos de Avaliação de Desempenho, nos termos do n.º 6 do artigo 18.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro);
(ii) Ser a Entidade Demandada condenada a reconhecer o direito ao posicionamento remuneratório do Demandante no 3.º escalão, índice 210, com efeitos retroativos à data de 01.01.2019;
(iii) Ser a Entidade Demandada condenada a pagar os créditos salariais em dívida que ascendem a € 8.900,10, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos até ao integral pagamento.
Com relevância para o que agora se analisará, refira-se que, nas suas Alegações, o Demandante afirma que «O Demandante não propôs uma ação de anulação ou de condenação à prática de ato devido, porquanto, salvo melhor opinião, no âmbito da atribuição de pontos na Avaliação do Desempenho, não há lugar à emissão de qualquer ato administrativo, quer por iniciativa do particular quer das entidades demandadas, mas antes sim, trata-se do reconhecimento de um direito, legalmente atribuído.»
Nas mesmas alegações, o Demandante configura a ação que propôs ao abrigo das alíneas f) e j) do n.º 1 do artigo 37.º do CPTA:
f) Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo;
j) Condenação da Administração ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável, ou que tenham sido constituídos por atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, e que podem ter por objeto o pagamento de uma quantia, a entrega de uma coisa ou a prestação de um facto;
Conforme se referiu supra, a Entidade Demandada defendeu-se por exceção e por impugnação. As exceções invocadas foram a de (i) inidoneidade/impropriedade do meio processual e de (ii) caducidade do direito de ação.
Desenhado o quadro fáctico ao qual se aplicará o direito, a questão fundamental a decidir é, agora, a de saber se, no caso sub judice, se verifica alguma exceção da qual decorra a absolvição da Entidade Demandada da ação.
Vejamos então.
No caso concreto, os pedidos formulados nesta ação (ser a Entidade Demandada condenada a reconhecer que o Demandante detém, a 01.01.2019, o total de 14 pontos para efeitos de avaliação de desempenho, assim como o posicionamento remuneratório do Demandante no 3.º escalão, índice 210, com efeitos retroativos a 01.01.2019, sendo ainda condenada a pagar os créditos salariais em dívida, acrescidos dos juros de mora vencidos e vincendos até ao integral pagamento) consubstanciam, objetivamente, a pretensão que foi indeferida pela Entidade Demandada, através da Presidente do B..., em 15.06.2021.
O referido indeferimento é inequívoco na medida em que se segue ao requerimento apresentado pelo Demandante no sentido de ser reposicionado no índice 210, 2.º escalão, da carreira de Professor Adjunto, com efeitos a 01.01.2019 – tendo sido, posteriormente, confirmado pelos atos de processamento do respetivo vencimento.
Sendo claro que a sua pretensão, dirigida à administração, foi por esta indeferida, resulta que o que o Demandante visa obter com a presente ação é o efeito que resultaria do ato (de 15.06.2021), ato esse que o Demandante podia, em tempo e sede própria, ter impugnado, o que não fez: cfr. os artigos 37.º, 38.º, n.º 2, 50.º e seguintes, 78.º e 88.º, todos do CPTA. Assim sendo, estamos perante o caso expressamente previsto no n.º 2 do artigo 38.º do CPTA, não podendo o Demandante obter, através da presente ação, o efeito que resultaria da anulação de ato de indeferimento da sua pretensão, exceção dilatória inominada que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa.
É que, não obstante a unificação da ação administrativa operada pela reforma de 2015[1], a impugnação de atos administrativos continua a merecer regulação especial[2] – e, nomeadamente, prazo especial – mantendo-se também, como no contexto processual anterior, a regra ínsita no n.º 2 do artigo 38.º. Aliás, a própria sistemática do Código denuncia a presença de especificidades processuais em função da pretensão concretamente deduzida: o Título II, referente à “Ação administrativa”, tem três capítulos, sendo o primeiro relativo às “Disposições Gerais”, o segundo às “Disposições particulares” (dentro deste encontramos quatro Secções, relativas às principais pretensões deduzidas no contencioso administrativo: impugnação de ato administrativo, condenação à prática de ato devido, impugnação de normas e condenação à emissão de normas e ação relativa à validade e execução de contratos) e o terceiro, referente à “Marcha do Processo”.
O artigo 38.º, embora permitindo, excecionalmente (n.º 1), que nos casos em que a lei substantiva o admita, designadamente no domínio da responsabilidade civil da Administração por atos administrativos ilegais, o tribunal pode conhecer, a título incidental, da ilegalidade de um ato administrativo que já não possa ser impugnado, estabelece claramente (n.º 2) que a regra é a de que “não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”. Ou seja, decorrido o prazo para a impugnação do ato administrativo que indefere a pretensão do interessado, não pode este vir pedir ao Tribunal que a reconheça, isto é, que permita, ainda que decorrido aquele prazo, que se obtenha o mesmo efeito desejado de anulação do ato que indeferiu a sua pretensão[3].
Deste modo, não restam dúvidas de que, verificando-se a exceção dilatória inominada prevista no n.º 2 do artigo 38.º do CPTA, ocorre a existência de uma exceção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa, ficando ainda prejudicado o conhecimento de tudo o demais suscitado e requerido: cfr. artigos 278.º, n.º 1, alínea e) 576.°, números 1 e 2 e 577.° do CPC ex vi artigo 1° do CPTA.
IV. DECISÃO
Em face de tudo o que antecede, decide-se considerar verificada a exceção dilatória inominada prevista no n.º 2 do artigo 38.º do CPTA relativamente aos pedidos formulados pelo Demandante, absolvendo-se a Entidade Demandada da instância quanto aos mesmos.
V. VALOR DA CAUSA
Fixa-se o valor da ação nos € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo) nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do NRAA, sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos legais.
Custas pelo Demandante.
Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD.
Lisboa, 15 de fevereiro de 2023
A Árbitro,
Raquel Franco
[1] A temática do dualismo e posterior unificação da ação administrativa tem sido objeto de extensa análise por parte da doutrina, para a qual se remete. Cf. Sérvulo Correia, J.M., “Unidade ou pluralidade de meios processuais principais no contencioso administrativo”, in Cadernos de Justiça Administrativa (CJA), n.º 22, 2000, pp. 23-35, e “Da acção administrativa especial à nova acção administrativa”, in CJA, n.º 106, 2014, pp. 49-60; Pereira da Silva, V. “Todo o contencioso administrativo se tornou de plena jurisdição”, in CJA, n.º 34, 2002, pp. 24-32; Ferreira de Almeida, J.M., “Algumas notas sobre a aproximação do processo administrativo ao processo civil”, in CJA, n.º 102, 2013, pp. 24-33, “O fim do dualismo das formas do processo declarativo não urgente e outros (previsíveis) impactos da reforma da acção administrativa”, in O Anteprojecto de Revisão do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Debate, Carla Amado Gomes/Ana Fernanda Neves/Tiago Serrão (coord.), AAFDL, 2014, e “As reformas do processo civil e do contencioso administrativo: autonomia e convergência”, in CJA, n.º 106, 2014, pp. 61-68; Freitas, Dinamene, “Unificação das formas de processo – Alguns aspectos da tramitação da acção administrativa”, in E-pública – Revista Electrónica de Direito Público (2), 2014; Raimundo, M. A., “Em busca das especificidades processuais das formas típicas de actuação (a propósito da eliminação da distinção Acção Comum – Acção Especial no CPTA)”, in JULGAR, n.º 26, 2015, pp. 121-133.
[2] A “matriz unitária atenuada”, nas palavras de Sérvulo Correia – cf. Sérvulo Correia, “Da acção administrativa especial à nova acção administrativa”, cit.
[3] Com as devidas adaptações, veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte no processo n.º 00290/15.4BEBRG: “Avisando e exigindo o n.º 2 do artigo 38.º que a apreciação da ilegalidade do acto administrativo não impugnado, nas vestes de uma acção administrativa comum, só pode ter como finalidade uma pronúncia indemnizatória, nunca uma anulação ou declaração de invalidade do acto, que continuará na ordem jurídica a produzir os seus próprios efeitos – vide, Mário Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, páginas 188 a 192, e Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, Almedina, 8ª edição, p. 209.
Pelo que o artigo 38.º n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos não permite que a acção administrativa comum seja utilizada para obter o efeito que resultaria da anulação de acto impugnável, que o mesmo é dizer que “não se pode ir buscar à acção comum …os efeitos complementares ou “executivos” (como aqueles que se encontram enunciados no artigo 173.º do mesmo diploma) caracteristicamente associados ao juízo próprio de ilegalidade, ao juízo anulatório, por exemplo os relativos ao restabelecimento in natura da situação jurídica ilegalmente criada, porque isso corresponderia ou pressuporia uma verdadeira anulação do acto, a sua eliminação da ordem jurídica – Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, vol. I, Almedina, 2006, p. 278.
Aliás, na vigência da precedente Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, o recurso à então chamada acção de reconhecimento de direitos ou interesses legalmente reconhecidos encontrava-se condicionada, como princípio, àquelas situações em que não existia um acto administrativo – neste sentido, Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, (Lições) Almedina, 3.ª edição, p. 137 e seguintes).
No sentido de que “…o artigo 38º do CPTA admite, por um lado, na linha do consagrado no artigo 7º do DL nº 48051 de 21.11.67, e sobretudo do artigo 22º da Constituição da República Portuguesa, que a apreciação incidental da ilegalidade de um acto administrativo possa ter lugar no âmbito de uma acção administrativa comum, mas já proíbe que este tipo de acção possa ser utilizado para obter o efeito típico resultante da anulação do acto inimpugnável, isto é, possa ser usada para tornear a falta de impugnação desse acto, com eventual ofensa do caso resolvido administrativo” ver o acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2008, processo n.º 00620/04.4BEBGR.”