DECISÃO ARBITRAL
I. Das partes, do tribunal arbitral, do objeto e saneamento processual
O Demandante, A..., NIF ..., residente na Rua ... n.º ... - ..., ...-..., Lisboa, Inspetor da B..., colocado na Unidade ...,
apresentou petição inicial nos termos do artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa (adiante, abreviadamente, designado por “Regulamento do CAAD”), contra
o Demandado, C..., ..., ...-... Lisboa, aqui representado pela Secretaria-Geral do Ministério C..., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º ... -..., ...-... Lisboa.
O C... é Demandado, conforme a norma do n.º 2 do artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) enquanto pessoa coletiva de direito público.
A presente arbitragem é da área administrativa e a matéria é de relações jurídicas de emprego público conforme registo #9769 da plataforma utilizada por este Centro de Arbitragem[1].
Não oferece qualquer dúvida ou hesitação a legitimidade deste CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada[2], consolidada pelo Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, publicado no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de fevereiro de 2009, nem a possibilidade de vinculação prévia à sua jurisdição, in casu, administrativa.
De acordo com o disposto do artigo 187.º, n.º 1 e 2, do CPTA, a vinculação de cada Ministério à jurisdição deste Tribunal depende da Portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça[3] e daquele competente em razão da matéria, para estabelecer o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
Nessa medida, o Ministério C... está vinculado à jurisdição do CAAD[4], porquanto:
“a composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”.
Seja pelo valor da presente ação (€ 30.000,01), seja pelo objeto do litígio, este é o Tribunal competente, cuja aceitação do pedido ocorreu a 21/07/2022 e a constituição do tribunal a 14/10/2022, seguindo de perto o Regulamento da Arbitragem[5], em particular, os artigos 15.º n.º 2 e n.º 3 e 16.º n.º 1 e o Código Deontológico.
Atenta a orientação do direito constituído, a signatária irá proferir decisão em consonância com os artigos 5.º n.º 1 alínea f) e 26.º n.º 1 do Regulamento da Arbitragem[6].
O Despacho Arbitral foi proferido por este Tribunal em 21/10/2022 e as partes foram devidamente notificadas para, no prazo de 30 dias, se pronunciarem sobre a proposta de agilização processual promovida e, caso assim entendesse, juntarem aos autos (novos) documentos, eventuais correções e esclarecimentos de questões suscitadas nas peças processuais.
As partes assim procederam, conforme requerimentos datados de 26/10/2022 (Demandante) e 27/10/2022 (Demandado), cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Trespassada a fase instrumental quanto à decisão a proferir e considerando a b) do artigo 5.º sob a epígrafe «Princípios» do Regulamento CAAD que refere “Autonomia do tribunal na condução do processo e na determinação das regras aplicáveis” e do artigo 30.º, n.º 3 da Lei da Arbitragem Voluntária (“LAV”) quando não sejam definidas regras processuais aplicáveis à presente arbitragem, supletivamente, serão aplicadas os conceitos e regras decorrentes, em primeira linha, do CPTA e depois do CPC, em prol do artigo 206.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Chegados aqui, saneado o processo, conclui-se que:
i. o Tribunal é competente e foi validamente constituído;
ii. as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas;
iii. a representação das partes por mandatários está conforme;
iv. inexiste matéria a decidir quanto ao âmbito acima indicado;
v. não subsistem nulidades processuais ou de outra natureza.
Atribui-se à causa o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
Como predecessora à decisão a consignar, resulta do Despacho Arbitral proferido, o entendimento do objeto do litigio e de questão decidenda comedir-se a matéria de direito, dispensando a valoração de outros meios de provas que não a prova documental que já foi junta pelas partes durante os articulados e dispensar a tentativa de conciliação e a realização da audiência de prova e, de igual maneira, a dispensa da audiência de julgamento e as alegações finais, tudo ao abrigo do n.º 4 do artigo 18.º e do n.º 2 do artigo 26.º do Regulamento do CAAD.
Notificadas as partes, dentro do prazo concedido para tal, vieram Demandante e Demandada pronunciar-se a favor da proposta deste Tribunal de agilização processual promovida, não tendo requerido a junção de novos elementos documentais ou oferecido correções e/ou esclarecimentos de questões suscitadas nas peças processuais.
Com efeito,
tanto este Tribunal como as partes, em consonância com os princípios inscritos no Regulamento, designadamente da “autonomia do tribunal na condução do processo e na determinação das regras aplicáveis” e da “celeridade e flexibilidade processual”, mais ainda no disposto no n.º 4 do artigo 18.º do Regulamento, comungam de dispensar a produção de prova testemunhal e a realização da audiência de prova e alegações finais, passando-se, de seguida, à decisão propriamente dita.
II – Do objeto da presente ação e das posições das Partes:
O Demandante integra a carreira especial de investigação criminal, da categoria de inspetor e exerce funções na Unidade ... . Conta com mais de 55 anos de idade e 36 anos de serviço.
O Demandante peticiona a condenação da Demandada “a emitir acto que, reconhecendo o direito do Demandante a passar à situação de disponibilidade fora da efectividade de serviço, defira a pretensão deduzida”, porquanto, o Demandado, na ótica do Demandante, esgotou o prazo para decisão do procedimento, sem que tenha proferido uma decisão.
Adianta ainda que na sua perspetiva deve a decisão a final ser de “condenação do Demandado à prática do acto administrativo legalmente devido, in casu, a deferir a pretensão formulada pelo Demandante de passagem à situação de disponibilidade fora da efectividade de serviço.”
Para tanto o Demandante alega um manancial de factos, dos quais, sumariamente, elenca-se:
a) o Demandante integra a categoria de inspetor, colocado na Unidade ...;
b) A 03 de janeiro de 2022, o Demandante contava com 57 anos e 36 anos e oito meses de serviço;
c) Na mesma data, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 82.º do Estatuto de Pessoal da B..., requereu a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço – tal também resulta do documento n.º 1 junto com a petição inicial e do processo administrativo instrutor;
d) Da condução do procedimento administrativo desencadeado pelo Demandante, a 21 de março de 2022, a Demandada emitiu o seu projeto de decisão, com a proposta de indeferimento da pretensão do Demandante;
e) Tal proposta de decisão exarava o seguinte: “Considerando a inexistência de despacho de contingentação anual previsto na leitura conjugada do art. 84.º do Estatuto Profissional do Pessoal da B... e do art. 77.º da LOE/2021, ainda vigente, o pedido de passagem à disponibilidade fora da efetividade de serviço encontra-se prejudicado, pelo que prevendo-se a emissão de despacho desfavorável à pretensão, deverá ser assegurado o direito de audiência prévia do interessado (…)” – do que resultou do documento n.º 2 junto pelo Demandante e do processo administrativo instrutor;
f) Motivado pelo projeto de decisão promovido nos termos acima transcritos, o Demandante, a 01 de abril de 2022, pronunciou-se em sede de audiência prévia escrita, com o qual invocou, no seu essencial os argumentos esgrimidos na presente ação – tal também resulta do documento n.º 3 junto com a petição inicial e do processo administrativo instrutor;
g) Até à data de apresentação da petição inicial pelo Demandante, mostrando-se esgotado o prazo para a decisão, o Demandado não prolatou tal decisão.
Estes são (sumariamente) os factos alegados pelo Demandante, cujo Demandada acompanha, não havendo discência sobre estes mesmos factos. O objeto da ação, do que resulta da petição inicial, prende-se com uma solução iminentemente de direito e da sua aplicação.
A esta factualidade acrescentou o Demandado considerações de direito, das quais passamos a elencar o núcleo essencial da posição do Autor:
a) A existência de um direito subjetivo do Demandante a passar à disponibilidade, como decorre da alínea b) do n.º 1 do artigo 82.º do EP...;
b) A pre-existência de despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça de fixação de contingente os trabalhadores da carreira de investigação criminal passível de colocação na situação de disponibilidade;
c) A ausência de tal despacho não é obstáculo à passagem à situação de disponibilidade.
Regularmente citada para a presente ação, a Demandada contestou os termos apresentados pelo Demandante, passando a sua defesa pela impugnação da matéria de direito.
Estando a matéria de facto suficientemente indiciada e da qual não se espera controvérsia, isto por ação das alegações das partes, como pela prova documental junta por ambas as partes, de seguida, ateremos, apenas à matéria de direito alegada pela Demandada:
a) O enquadramento da passagem à situação de disponibilidade é o que decorre dos termos dos artigos 82.º, 83.º e 84.º do EP...;
b) Este enquadramento é complementado pelo disposto na LOE 2021 e LOE 2022, em ambos os diplomas, prevê-se a emissão de 1 despacho anual a fixar o número permitido de passagens à situação de disponibilidade;
c) Este despacho é condição prévia à passagem de situação de disponibilidade, sem a qual não pode ser deferida a pretensão do Demandante.
Com estas alegações, termina e conclui a Demandada com o pedido da “ação ser considerada improcedente e a Entidade Demandada ser absolvida dos pedidos.”
Terminada a fase dos articulados, com o confronto dos requerimentos probatórios, como indicado pela Demandante e Demandada nas respetivas peças processuais (cfr. art. 20.º, n.º 1 do Regulamento CAAD), verifica-se que as partes indicaram prova documental.
Quanto à Demandante, registam-se os seguintes elementos:
ü Requerimento de passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço – Documento n.º 1;
ü Projeto de indeferimento do requerimento de passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço – Documento n.º 2; e
ü Exercício de direito de audiência prévia do Demandante - Documento n.º 3.
Já a Demandante, com o seu articulado, ao abrigo do disposto no artigo 12.º do Regulamento do CAAD, fez juntar o procedimento administrativo na origem do objeto desta ação.
Por ora, cumpre apreciar e decidir.
Como ponto de partida à decisão a imprimir a esta ação, apresenta-se o artigo 25.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa com a seguinte formulação: “a decisão arbitral contém uma descrição concisa da base factual, probatória e jurídica que a fundamenta.”
III - Da Fundamentação de Facto:
Pese embora a similitude entre os factos provados e os factos acima indicados como alegados
pelo Demandante e, em abono da verdade, pela Demandada, a razão de tal coincidência é evidente: os factos essenciais à causa e à sua decisão estão e são aqueles alegados pelas partes. Temos assim como provados os seguintes factos:
III.A – factos provados:
a) O Demandante integra a carreira especial de investigação criminal, da categoria de inspetor e exerce funções na Unidade ... .
b) A 03 de janeiro de 2022, o Demandante requereu a passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 82.º do Estatuto de Pessoal da B... .
c) Nessa mesma data contava com 57 anos e 36 anos e oito meses de serviço.
d) A 21 de março de 2022, a Demandada emitiu o seu projeto de decisão, com a proposta de indeferimento da pretensão do Demandante;
e) A proposta de indeferimento tabulou o seguinte: “Assim, em face do que antecede, verifica-se desde logo que o pedido de passagem à disponibilidade fora da efetividade de serviço se encontra prejudicado atendendo à inexistência de despacho anual que fixe o numero legalmente permitido de passagens à disponibilidade fora da efetividade de serviço, requisito duplamente exigido, quer na previsão do artigo 84.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, diploma que aprovou o Estatuto Profissional da B..., quer do artigo 77.º da LOE para 2021, cuja vigência se mantém até à aprovação da LOE para 2022.”;
f) Notificado o Demandante do projeto de decisão de sentido desfavorável ao Demandante, este, a 01 de abril de 2022, pronunciou-se em sede de audiência prévia escrita, com o qual invocou, no seu essencial os argumentos esgrimidos na presente ação;
g) Até à data de apresentação da petição inicial pelo Demandante, mostrando-se esgotado o prazo para a decisão, o Demandado não prolatou tal decisão; e
h) Inexiste despacho a fixar o contingente de funcionários a colocar na situação de disponibilidade na efetividade de serviço, nos termos da LOE de 2021 e LOE de 2022;
III.B – factos não provados:
Não se regista nenhum facto.
III.C – fundamentação da matéria dada como provada e não provada:
Concorreram para a matéria dada como provada, tanto os factos alegados pelas partes nos respetivos articulados, como os documentos juntos oportunamente por Demandante e Demandada.
IV – Da fundamentação de direito:
Nesta passagem da nossa sentença, porque a questão a decidir é iminentemente de direito e da sua correta aplicação e, ao mesmo tempo, a factualidade tida por essencial à boa decisão está, consistentemente, indiciada, faremos a passagem pelo enquadramento jurídico da questão e, depois, pelas posições das partes quanto a este mesmo enquadramento.
Em primeiro lugar, por esta ação veio o Demandante peticionar a condenação da Demandada à prática do ato administrativo legalmente devido – na perspetiva do Demandante – para deferir a passagem do Demandante à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.
Tanto será assim, pois, o procedimento desencadeado pelo Demandante para passagem à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço teria de ser decidido no prazo legal e supletivamente estabelecido – artigo 128.º n.º 1 do CPA – não o sendo, assiste ao Demandado o direito a pedir a condenação à prática do ato devido.
Importa agora abraçar o enquadramento jurídico do objeto da presente ação.
O Demandante integra a carreira especial de investigação criminal, da categoria de inspetor e exerce funções na Unidade ... . O regime da carreira especial de investigação criminal é o previsto no Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro (EPP...).
Por sua vez, a situação de disponibilidade, prevista nos artigos 82.º a 84.º do EPP..., constitui uma situação funcional intermediária e excecional, a meio caminho entre a situação de ativo e de aposentação.
Aqui, “o trabalhador da carreira de investigação criminal conserva os direitos e regalias respetivos e continua vinculado aos deveres e incompatibilidades, com exceção do direito de ocupação de lugar no mapa de pessoal, do direito de mudança de posição remuneratória e do direito de eleger e de ser eleito para o Conselho Superior da B... .”
A passagem à situação de disponibilidade do trabalhador da carreira de investigação criminal processa-se nos termos do artigo 83.º do EPP... . É assim que assinalamos 2 situações:
· a passagem automática dos trabalhadores quando atingidos os 60 anos de idade;
· por despacho do membro do Governo responsável pela área da Justiça, a requerimento do interessado, quando o trabalhador tenha completado 55 anos e 36 anos de serviço. Será esta última situação aplicável ao Demandante.
Para ambas as situações, passagem automática ou por despacho do membro do Governo responsável pela área da Justiça, o mesmo membro do Governo fixa anualmente “o contingente dos trabalhadores da carreira de investigação criminal passível de colocação na situação de disponibilidade, para ele especificando quotas percentuais indicativas para as situações de efetividade e fora da efetividade de serviço.”
Este enquadramento encontra ainda mais acolhimento no disposto na Lei do Orçamento de Estado. Tanto a Lei do Orçamento de Estado de 2021, em vigor à data de apresentação da petição inicial, como a Lei do Orçamento de Estado de 2022, partilham da mesma previsão para as situações de reserva, pré-aposentação ou disponibilidade. Para 2021, encontrava-se previsto no artigo 77.º, já para 2022, no artigo 64.º, as quais, para melhor esclarecimento, se passam a citar:
1 - Como medida de equilíbrio orçamental, as passagens às situações de reserva, pré-aposentação ou disponibilidade, nos termos estatutariamente previstos, dos militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), de pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP), do SEF, da Polícia Judiciária, da Polícia Marítima, de outro pessoal militarizado e de pessoal do corpo da Guarda Prisional apenas podem ocorrer nas seguintes circunstâncias:
a) Em situações de saúde devidamente atestadas;
b) No caso de serem atingidos ou ultrapassados os limites de idade ou de tempo de permanência no posto ou na função, bem como quando, nos termos legais, estejam reunidas as condições de passagem à reserva, pré-aposentação ou disponibilidade depois de completados 36 anos de serviço e 55 anos de idade;
c) Em caso de exclusão da promoção por não satisfação das condições gerais para o efeito ou por ultrapassagem na promoção em determinado posto ou categoria, quando tal consequência resulte dos respetivos termos estatutários;
d) Quando, à data de entrada em vigor da presente lei, já estejam reunidas as condições ou verificados os pressupostos para que essas situações ocorram, ao abrigo de regimes aplicáveis a subscritores da CGA, I. P., de passagem à aposentação, reforma, reserva, pré-aposentação ou disponibilidade, independentemente do momento em que o venham a requerer ou a declarar.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o Governo fixa anualmente o contingente, mediante despacho dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela área setorial, prevendo o número de admissões e de passagem à reserva, pré-aposentação ou disponibilidade, tendo em conta as necessidades operacionais de cada força e serviço de segurança e da renovação dos respetivos quadros.
3 - No que respeita à GNR, à PSP e ao SEF, o contingente referido no número anterior é definido tendo em consideração o número máximo de admissões verificadas nas forças e serviços de segurança, nos termos do respetivo plano plurianual de admissões.
Como mero exercício académico, recuando até à Lei de Orçamento de Estado de 2018, encontramos a mesma solução, com alterações na posição do artigo e mínimas alterações à letra dos artigos.
Do que retiramos da leitura e conjugação de todos estes dispositivos legais temos 2 elementos ou níveis para passagem à situação de disponibilidade, o disposto:
· no EPP...; e
· na Lei de Orçamento de Estado. Do lado do EPP....
Para o efeito, é necessário que o trabalhador da carreira de investigação criminal não se encontre provido em comissão de serviço em cargo de dirigente, depois, o despacho do membro do Governo responsável pela área da Justiça e, por fim, a manifestação do interessado que tenha completado 55 anos de idade e 36 anos de serviço.
Do lado da Lei do Orçamento de Estado, reitera-se os limites de idade e de tempo de serviço e estabelece-se um outro e decisivo requisito: a fixação do contingente anual, por despacho, “prevendo o número de admissões e de passagem à reserva, pré-aposentação ou disponibilidade, tendo em conta as necessidades operacionais de cada força e serviço de segurança e da renovação dos respetivos quadros.”
Antes do atual EPP..., a passagem à situação de disponibilidade, prevista na Lei Orgânica da B..., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, previa um regime similar ao acabado de rever, mesmo quanto à fixação do contingente de funcionários a colocar na situação de disponibilidade.
Este é o quadro legal por onde passará a solução à presente ação. Agora, cientes e ao corrente do quadro legislativo aplicável, passemos à discussão das posições das partes intervenientes do direito aplicável ao caso dos autos.
Pelo Demandante, depois de discorrer sobre o enquadramento acima passado, a propósito do atual EPP... e da anterior Lei Orgânica, afirma “nunca o Ministro responsável pela área da Justiça proferiu despacho de fixação de contingente, nem ao abrigo da anterior Lei Orgânica da B..., nem do actual Estatuto de Pessoal” e que tal omissão, pelo menos á luz da anterior Lei Orgânica “nunca constituiu impedimento à passagem de inúmeros trabalhadores à situação de disponibilidade.”
Na visão plasmada pelo Demandante na sua petição, a omissão da fixação de contingente fica “a dever-se unicamente à inércia do Demandado – a quem cabe a fixação do contingente – a invocação de tal lacuna como fundamento para o indeferimento do pedido redundaria em venire contra factum próprio.”
Mais entende o Demandante, “a ausência de tal fixação não condiciona, quer juridicamente, quer no plano prático, a operatividade do disposto no artigo 82.º, n.º 1, alínea b) do EP... .”
À luz deste entendimento, o EPP... é “auto-exequível, sendo viável a aplicação do instituto da passagem à disponibilidade sem sujeição a definição de contingente como, aliás, sempre aconteceu, pelo menos até à entrada em vigor do EP....”
Sendo assim, a passagem à situação de disponibilidade ficaria apenas dependente da verificação dos respetivos pressupostos de idade e tempo de serviço, o que no caso do Demandante, estando preenchidos, caber-lhe-ia o direito de passar à situação de disponibilidade fora da efectividade de serviço.
Como elemento legitimador do raciocínio antes expendido, o Demandante evoca duas decisões deste CAAD, a sentença proferida no processo n.º 82/2017-A e no 3/2019-A.
Ambas, têm em comum ser-lhes ainda aplicável o regime instituído pela anterior Lei Orgânica, reportarem-se a pedidos de passagem a situação de disponibilidade, por motivos de saúde e, ainda, por este CAAD ter concluído pela total procedência do pedido dos Demandantes, com a concomitante condenação da Demandada a emitir ato administrativo tendente a reconhecer o direito do demandante de passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.
Pela Demandada, partilha-se o enquadramento jurídico do início da presente decisão, ao qual será aplicável o EPP..., e destaca-se o despacho anual fixador do contingente de trabalhadores da carreira de investigação criminal passível de colocação na situação de disponibilidade, justificando-se “como medida de equilíbrio orçamental e tendo em conta as necessidades operacionais de cada força e serviço de segurança e da renovação dos respetivos quadros.”
Com a perfilhação de tal entendimento quanto ao direito aplicável, conclui que, “da conjugação do artigo 84.º do EP... com as disposições constantes quer da LOE 2021, quer da LOE 2022, resulta claro que a passagem à situação de disponibilidade fora de efetividade de funções pressupõe, como condição prévia necessária, a fixação do contingente anual por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela área da justiça.”
E, na falta deste despacho, condição previa de passagem à situação de disponibilidade, “duplamente exigida, quer pelo artigo 84.º do EP..., quer pelas disposições constantes da LOE de 2021 e da LOE de 2022 (…) não poderá ser deferida a pretensão do Demandante.”
A finalizar, a Demandada insurge-se contra a validade da transposição das sentenças deste CAAD, “as mesmas se reportam a situações diferentes do caso em apreço, pois tratam-se de pedidos de disponibilidade fora de efetividade de serviço, fundamentados com questões de saúde, devidamente comprovadas.”
A Demandada ainda se contrapõe ao argumento do Demandado, quando este, faz depender a passagem á situação de disponibilidade da verificação dos pressupostos de idade e tempo de serviço, contrapondo “necessário que tenha sido emitido o despacho previsto quer no artigo 84.º do EP..., quer nas disposições constantes, da LOE 2021 e da LOE 2022, conforme referido, sem o qual o pedido em apreço não poderá ser deferido.”
Fecha a Demandada, “nos termos expostos, face ao regime legal aplicável, não pode proceder o pedido do Demandante de condenação da Entidade Demandada a emitir ato que, reconhecendo o direito do Demandante a passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, defira a pretensão deduzida.”
Compulsados os argumentos esgrimidos pelas partes nos articulados, passado o enquadramento jurídico aplicável ao litígio e, considerando-se – já- suficientemente instruídos os autos, com matéria de facto e de direito bastante para a prolação da decisão, passemos, então, a subsumir os factos e o direito a estes autos.
Antes disso, de tudo o que ficou assente até ao momento, somos já capazes de apresentar 2 pontos em comum entre a posição do Demandante e a Demandada.
· O 1.º deles é / são o(s) pressuposto(s), requisito(s) e / ou condição(ões) para a passagem à situação de disponibilidade, para o caso destes autos, prescritos na alínea b) do n.º 1 do artigo 82.º do EPP..., a saber, a idade – ter completado 55 anos e o tempo de serviço – 36 anos, os quais, vimos, o Demandante preenche;
· O 2.º ponto em comum é a fixação anual, “por despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça, o contingente dos trabalhadores da carreira de investigação criminal passível de colocação na situação de disponibilidade, para ele especificando quotas percentuais indicativas para as situações de efetividade e fora da efetividade de serviço.”
A partir destes pontos - Demandante e Demandada - discordam da relevância daquele despacho para a efetivação da passagem à situação de disponibilidade. Na perspetiva da Demandante, este despacho é uma “condição prévia.”
Cumpre já, antes de percorrer o caminho que levou este Tribunal a concluir o que adiante se deixará inscrito, deixar luzente o seguinte: não se acompanha a Demandada e a sua posição a respeito do despacho previsto no n.º 1 do artigo 84.º do EPP... e do disposto da Lei do Orçamento de Estado, na medida em que tal despacho seria uma “condição prévia” para a passagem à situação e disponibilidade, funcionando este como um duplo crivo.
Para esta conclusão socorremo-nos da interpretação do EPP..., designadamente o disposto no artigo 82.º, 83.º e 84.º e do seu elemento literal. Vejamos mais de perto:
Para a passagem à situação de disponibilidade, o trabalhador da carreira de investigação criminal que não se encontre provido em comissão de serviço em cargo dirigente passa à disponibilidade em um de dois casos: ao atingir os 60 anos de idade ou quando tenha completado 55 anos de idade e 36 de serviço, a requerimento do interessado e por despacho do membro do Governo responsável pela área da Justiça. O Demandante integra-se no disposto na alínea b) do n.º 2 doa artigo 86.º do EPP....
Depois, na Lei de Orçamento de Estado, seja de 2021 ou de 2022, pois, a letra dos referidos artigos é a mesma, encontramos mais justificações para esta posição, para este mesmo efeito voltamos a transcrever o artigo:
Artigo 77.º
Suspensão da passagem às situações de reserva, pré-aposentação ou disponibilidade
1 - Como medida de equilíbrio orçamental, as passagens às situações de reserva, pré-aposentação ou disponibilidade, nos termos estatutariamente previstos, dos militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), de pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública (PSP), do SEF, da Polícia Judiciária, da Polícia Marítima, de outro pessoal militarizado e de pessoal do corpo da Guarda Prisional apenas podem ocorrer nas seguintes circunstâncias:
a) Em situações de saúde devidamente atestadas;
b) No caso de serem atingidos ou ultrapassados os limites de idade ou de tempo de permanência no posto ou na função, bem como quando, nos termos legais, estejam reunidas as condições de passagem à reserva, pré-aposentação ou disponibilidade depois de completados 36 anos de serviço e 55 anos de idade;
c) Em caso de exclusão da promoção por não satisfação das condições gerais para o efeito ou por ultrapassagem na promoção em determinado posto ou categoria, quando tal consequência resulte dos respetivos termos estatutários;
d) Quando, à data da entrada em vigor da presente lei, já estejam reunidas as condições ou verificados os pressupostos para que essas situações ocorram, ao abrigo de regimes aplicáveis a subscritores da CGA, I. P., de passagem à aposentação, reforma, reserva, pré-aposentação ou disponibilidade, independentemente do momento em que o venham a requerer ou a declarar.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o Governo fixa anualmente o contingente, mediante despacho dos membros do Governo responsáveis pela área das finanças e pela área setorial, prevendo o número de admissões e de passagem à reserva, pré-aposentação ou disponibilidade, tendo em conta as necessidades operacionais de cada força e serviço de segurança e da renovação dos respetivos quadros.
No essencial, a Lei do Orçamento de Estado introduz um elemento inovatório ao disposto no EPP... . Isto é, na epígrafe do artigo transcrito menciona-se a “Suspensão da passagem às situações de reserva, pré-aposentação ou disponibilidade” e enumera as situações para a passagem à situação de disponibilidade, ao que acrescenta outras situações além das previstas no EPP... . Da mesma maneira, mantém-se a previsão da existência de um despacho a fixar o contingente de passagens à situação de disponibilidade.
Da conjugação do EPP... e da Lei do Orçamento de Estado, do elemento literal dos normativos citados, não retiramos que a fixação do contingente seja uma condição para a passagem à disponibilidade. Antes, entendemos a fixação do contingente como uma medida de carater puramente orçamental e já não como pressuposto à passagem à situação de disponibilidade.
A passagem à situação de disponibilidade está dependente, exclusivamente, dos pressupostos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 82.º do EPP... e já não da fixação do contingente. Sem o preenchimento destes pressupostos – leia-se do artigo 82.º do EPP... -, mesmo que existisse a fixação do contingente e existissem quotas para colocação, nunca o interessado poderia passar à situação de disponibilidade.
Este entendimento do Tribunal consolida-se com a constatação da incoerência para o sistema que seria se a passagem à situação de disponibilidade depende-se deste duplo grau de pressupostos como afirmou a Demandada: o pressuposto do próprio trabalhador e a existência de contingente. Para esta incoerência basta apelar aos exemplos dos casos concretos de decisões deste CAAD sobre situação respeitante à passagem à disponibilidade (processo n.º 82/2017-A e no 3/2019-A), mesmo que, com “fundamentados com questões de saúde, devidamente comprovadas.”
Mesmo em situações de pedidos de passagem à disponibilidade por questões de saúde, o deferimento da pretensão do trabalhador estaria sempre dependente da existência de contingente, mesmo que, em situações limite, a prestação de serviço ficasse seriamente comprometida, levaria ao defraudar da natureza da situação de disponibilidade como uma situação intermediária entre a aposentação e o ativo e da própria intenção e motivação do Legislador ao prever tal regime.
Ou mesmo, nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 82.º do EPP..., quando atingido o limite de idade dos 60, segundo o disposto no EPP..., passando automaticamente para a situação de disponibilidade, está passagem nunca seria automática, mas dependente da existência de contingentação. Esta solução não se compadece com a letra e espírito do EPP....
Isto, para o Demandante, quando atingidos os 60 anos de idade, como se processaria a passagem à situação de disponibilidade, se não houvesse sido ainda fixado o contingente anual?
Diga-se ainda, a respeito do sentido desta decisão o seguinte: tanto o EPP..., como a Lei de Orçamento de Estado prevêem a emanação de despacho para a fixação de contingente para a passagem à situação de disponibilidade.
Ora, tal despacho, assim como, “as regras a atender na apresentação, apreciação e decisão dos pedidos são estabelecidas, tendo em conta a idade e o tempo de serviço prestado, por despacho normativo do membro do Governo responsável pela área da justiça”. Ou seja, quando confrontada com o pedido do Demandante, a Demandada veio invocar como fundamento para negar tal pedido a sua própria inércia, justificando-se com a inexistência de despacho de fixação de contingente.
Tal comportamento é demonstrativo da incoerência e contradição da interpretação da legislação da Demandada e, mesmo, capaz de constituir abuso de direito.
Este raciocínio merece ainda mais relevância quando compulsada a contestação da Demandada
não se faz menção à existência de despacho de fixação de contingente de anos anteriores, nem das pesquisas efetuadas por este Tribunal resultou a existência de qualquer despacho, seja à luz do atual EPP... ou da anterior Lei Orgânica. Sendo assim, merece censura deste Tribunal a conclusão da Demandante de que “após ser proferido o despacho de fixação de contingente anual do número de trabalhadores passível de colocação na situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço, o Demandante poderá apresentar novo requerimento a ser apreciado nos termos legais.”
Por tudo o que antecede, reunindo todos os argumentos acima expendidos, forçosamente, terá a pretensão do Demandante de proceder.
Dito isto, o pedido do Demandante insere-se em um dos meios processuais adotados pelo CPTA, regulado nos artigos 66.º e 71.º do CPTA, ou seja, a condenação à prática do ato devido.
À luz do disposto no artigo 67.º do CPTA, no caso dos autos, encontra-se preenchido o pressuposto da alínea a) do n.º 1 do artigo 67.º do CPTA e mostra-se ultrapassado o tempo da decisão do procedimento administrativo desencadeado pelo Demandante, sendo este o meio idóneo para reclamar uma decisão sobre a sua pretensão.
Ademais, conforme resulta do artigo 13.º do CPA, sobre a Demandada impende o dever de pronúncia sobre o assunto trazido pelo Demandante, assunto da sua competência e que lhe foi apresentado, como ocorre na presente situação sob julgamento.
E, tal decisão, nos termos do artigo 128.º do CPA, deveria ser decidida no intervalo de tempo ali previsto, 60 dias, do que decorre da matéria trazida aos autos, o assunto a decidir não é de excecional complexidade ou existem circunstâncias excecionais legitimadoras da prorrogação do referido, nem isso foi alegado ou demonstrado.
Por tudo o que veio exposto, não poderia a pretensão do Demandante deixar de ser procedente e o Demandante ser condenado a decidir tal pretensão, em tempo razoável.
V – Decisão:
Nestes termos, decide-se julgar a ação totalmente procedente, o que, ao abrigo do artigo 66.º do CPTA, determina-se e condena-se a Demandada à emissão do ato administrativo que decida sobre o requerimento do Demandado e reconheça a este o direito de passar à situação de disponibilidade fora da efetividade de serviço.
Registe, notifique e publique.
CAAD, 09 de janeiro de 2023
A Árbitra,
Angelina Teixeira
[3] Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro.
[4] Cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea j), e n.º 2, da referida Portaria.
[6] Cfr. artigo 39.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária e artigo 185.º, n.º 2, do CPTA que regula os limites da arbitragem.