DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
A..., oficial de registos, NIF..., residente na ..., nº ... –...-... ... (doravante designada por Demandante A); M..., oficial de registos, NIF ..., residente na Rua ..., ...-... ... (doravante designada por Demandante M) e P..., oficial de registos, NIF..., residente na Rua ..., ... direito, ...-... ... (doravante designado de Demandante P) deduziram a presente ação arbitral contra o B..., I.P. (doravante designado por Demandado), peticionando, a final, que o Demandado seja condenado a proceder à alteração do posicionamento remuneratório dos Demandantes em consonância com as avaliações de serviço pelos mesmos obtidas nas Forças Armadas.
Em síntese, os Demandantes alegam que:
a) São oficiais de registo da carreira especial de oficial de registos prevista no Decreto Lei n.º 115/2018 de 21 de dezembro, integrados no mapa de pessoal do Demandado;
b) No decurso de 2021, apresentaram requerimentos ao Demandado, solicitando a contabilização do tempo de serviço militar para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), munidos das respetivas certidões atualizadas emitidas pela Repartição de Gestão de Carreiras da Direção de Administração de Recursos Humanos do Comando do Pessoal do Exército Português;
c) Os aludidos requerimentos tiveram como respaldo o estabelecido no artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro titulado “Contabilização da avaliação obtida pelos ex -militares das Forças Armadas após ingresso na Administração Pública”;
d) Em resposta aos aludidos requerimentos, o Demandado informou-os, resumidamente, que “a apreciação do seu pedido terá necessariamente de aguardar a divulgação de conclusões sobre a referida forma de implementação da medida prevista no artigo 22.º da LOE para 2021”;
e) O direito subjetivo dos Demandantes constante no referido artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, é incondicionado, não estando, por isso, a sua exigibilidade legalmente condicionada a nenhum tipo de atividade administrativa que lhe desse exequibilidade;
f) Estando o Demandado obrigado a diligenciar pela alteração do posicionamento remuneratório dos Demandantes nos termos da lei vigente, decorrendo ainda dos requerimentos apresentados pelos Demandantes, o dever de apreciação por parte do Demandado que recusou implicitamente apreciá-los, sob o argumento de que aguardava a publicação de “conclusões”.
Juntou documentos.
Regularmente citado, veio o Demandado suscitar a questão prévia da obtenção de acordo dos Demandantes quanto à recorribilidade da decisão arbitral e invocar como exceção perentória a existência de factos impeditivos do conhecimento do direito dos Demandantes porquanto não se encontram divulgadas as conclusões da Administração Pública sobre a forma de implementação da medida aprovada em sede de Orçamento, insistindo que não se recusou a apreciar cada um dos pedidos apresentados pelos Demandantes.
Por impugnação, aceita os factos relatados pelos Demandantes, contudo conclui que não se encontram reunidos os pressupostos legais para a procedência do pedido dos Demandantes, defendendo que os mesmos apenas podem invocar uma mera expetativa que não é suscetível de se consubstanciar num efetivo direito de verem o seu posicionamento remuneratório alterado em decorrência da eventual contabilização que venha a ser efetuada das avaliações de serviço obtidas nos anos em que cada um desempenhou funções nas Forças Armadas porque não se “conhecem os moldes concretos que irão delimitar a implementação da medida aprovada pela LOE 2021 e permitir, se for caso disso, satisfazer a pretensão dos demandantes” .
Juntou documentos
Os Demandantes responderam à questão colocada sobre a recorribilidade da decisão arbitral e matéria da exceção suscitada pelo Demandado.
Em 18 de outubro de 2022, foi proferido despacho arbitral com o seguinte teor:
Nos termos do disposto no artigo 18.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, RACAAD) cumpre proferir o presente despacho:
I. Ao abrigo do previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do RACAAD:
a) Notifica-se o Demandante P..., para, no prazo de 10 (dez) dias, proceder à junção aos autos de documento onde conste a resposta do Demandado ao requerimento apresentado, em 25 de outubro de 2021, pelo Demandante dado que, por manifesto lapso, o teor do documento junto à petição inicial sob o n.º 9 é semelhante ao anexo como documento n.º 7 (requerimento de contabilização do tempo de serviço militar para efeitos de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública);
b) Notificam-se todos os Demandantes para, no mesmo prazo, manifestarem, de forma expressa, a sua posição quanto à possibilidade de ser interposto recurso jurisdicional no presente processo arbitral;
c) Notifica-se, ainda, o Demandado, para, no prazo de 10 (dez) dias, informar este Tribunal Arbitral se, desde a data da apresentação da contestação, diligenciou pelo cumprimento do disposto no artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, e se sim, quais as medidas adotadas.
II. Por fim, não tendo as Partes requerido a realização de diligências probatórias, não existindo matéria de facto controvertida e não tendo as Partes renunciado à apresentação de alegações escritas, propõe-se a adoção de mecanismo de adequação formal, simplificação e agilização processual. Passando o mesmo pela dispensabilidade de produção de prova testemunhal, sendo o processo apenas conduzido com base na prova documental apresentada, de acordo com o artigo 18.º, n.º 4, do RACAAD, bem como a dispensa de realização de audiência de julgamento e a dispensa da produção de alegações finais, nos termos do artigo 18.º, n.º 1, alínea c), e 24.º, todos do RACAAD.
Assim, notificam-se as Partes para, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, se pronunciarem quanto ao mecanismo de adequação formal, simplificação e agilização processual proposto, maxime quanto à dispensa de realização de qualquer outra prova que não documental, bem como quanto à dispensa de realização de audiência de julgamento e de alegações finais. Nada dizendo ou requerendo as Partes, o processo passará à fase de prolação da sentença.”
Em 31 de outubro de 2022, o Demandado veio informar que “desde a data da apresentação da contestação até ao presente, não foram promovidas quaisquer outras diligências tendentes à contabilização da avaliação obtida pelos ora demandantes, após o ingresso nos mapas de pessoal deste Instituto, no período em que desempenharam funções no Exército Português, mantendo-se a aguardar que sejam emanadas orientações pelo Ministério da Defesa ou outras áreas governativas, acerca da forma de implementação da medida prevista no artigo 22.º da LOE 2021, conforme aviso publicado na página da Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (anexo ao Doc. 4 junto à Contestação).
Em 02 de novembro de 2022, o Demandante P veio requerer a prorrogação em 10 dias do prazo concedido para junção do documento n.º 9 da Petição Inicial.
O requerido pelo Demandante P foi objeto de apreciação por este tribunal arbitral que estabeleceu o dia 14 de novembro de 2022 para a entrega do mencionado documento.
Em 14 de novembro de 2022, o Demandante P juntou aos autos o documento retificado.
O presente Tribunal Arbitral é competente por força da vinculação à arbitragem institucionalizada do CAAD por parte do Demandado constante na Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro e, em especial, do disposto no artigo 1.º, n.º 1 alínea j) e n.º 2 deste instrumento regulamentar.
O tribunal arbitral é composto por um árbitro, designado pelo CAAD, tendo o encargo sido aceite e as partes notificadas da composição do tribunal.
II – SANEAMENTO:
1. Admissibilidade da ação:
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade e encontram-se devidamente representadas por mandatários regularmente constituídos.
2. A recorribilidade da decisão arbitral:
A Lei da Arbitragem Voluntária (doravante, LAV) dispõe que a possibilidade de recurso para o tribunal estadual depende de tal se encontrar previsto na convenção de arbitragem (artigo 39º, nº 4 da LAV).
Por sua vez, o Novo Regulamento da Arbitragem Administrativa do CAAD (doravante, NRAA) preceitua que, se as partes a eles não tiverem renunciado, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelos tribunais de primeira instância (artigo 27º, nº 2 do NRAA).
Segundo o aludido Regulamento, a submissão de um litígio a tribunal constituído no CAAD pressupõe a aceitação do NRAA (artigo 2º, nº 1 do NRAA). Isto significa que o NRAA faz parte da convenção de arbitragem, neste caso consubstanciada na Portaria nº 1120/2009, de 30 de setembro, não havendo justificação para condicionar a recorribilidade da presente decisão arbitral à existência de acordo expresso entre as partes, nos articulados, uma vez que a convenção de arbitragem prevê expressamente aquela possibilidade.
Tal interpretação tem suporte na jurisprudência invocada pelos Demandantes que conclui “que, não tendo as partes renunciado aos recursos para os tribunais estaduais, são estes admissíveis nos termos da aplicação conjugada dos artigos 2.º, 6.º e 27.º do NRRA e n.º 4 do artigo 39.º da LAV. E o acórdão recorrido, ao negar essa possibilidade, decidiu mal e deve ser revogado.”[1]
3. O valor da causa:
Os Demandantes atribuíram à presente ação o valor de € 30.000,01. O Demandado não se opôs ao valor da causa oferecido pelos Demandantes.
No tocante à determinação do valor da causa, o princípio geral consta do nº 1 do artigo 31º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), que estabelece que o valor da causa é um valor certo, expresso em moeda legal e representa a utilidade económica imediata do pedido.
Os artigos 32.º a 34.º do CPTA especificam critérios do mencionado princípio geral em função dos tipos de pretensão judiciária e consoante seja ou não peticionado um pagamento de quantia certa em dinheiro.
Os Demandantes pediram a condenação do Demandado a proceder à alteração do posicionamento remuneratório dos mesmos em consonância com as avaliações de serviço pelos mesmos obtidas nas Forças Armadas, não sendo possível, com base nos elementos trazidos ao processos, aferir quais as quantias que poderiam estar em causa nem o benefício económico que daí poderia resultar, pelo que o mesmo terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do nº 1 do artigo 34.º do citado Código, atribuindo-se-lhe o valor de € 30.000,01, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
4. Da exceção perentória:
O Demandado suscita factos que, no seu entender, são “impeditivos do cabal e imediato conhecimento do direito de alteração dos respetivos posicionamentos remuneratórios, a que os demandantes aqui arrogam …e constituem…uma exceção perentória” que importa a absolvição do Demandado do pedido.
Nos termos do n.º 3 do artigo 89.º do CPTA, as “exceções perentórias consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor, são de conhecimento oficioso quando a lei não faz depender a sua invocação da vontade do interessado e importam a absolvição total ou parcial do pedido”.
Os factos suscitados pelo Demandado para justificar a procedência da exceção perentória coincidem com os alegados na defesa por impugnação. Tendo presente esta coincidência e a evidente conexão com a questão de fundo discutida nestes autos arbitrais, relega-se para final a decisão sobre esta questão.
Inexistem quaisquer outras questões prejudiciais ou obstatitvas do conhecimento do objeto da causa ou nulidades processuais que importe conhecer, quer por terem sido invocadas pelas partes, quer ainda por serem do conhecimento oficioso.
III . DO MÉRITO DA CAUSA:
1. IDENTIFICAÇÃO DAS QUESTÕES A DECIDIR:
As questões a decidir neste processo arbitral decorrente da causa de pedir e do pedido, bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados são as de:
a) Saber se os Demandantes têm constituído na sua esfera jurídica o direito das avaliações de serviço obtidas nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas serem contabilizadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), com as devidas adaptações, nos termos do artigo 22.º da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro;
b) Saber se os factos alegados pelo Demandado impedem a produção do efeito jurídico dos factos articulados pelos Demandantes, atribuindo-lhes uma mera expetativa e não um efetivo direito ao cumprimento do mencionado artigo 22.º (existência de uma exceção perentória e consequente improcedência total do pedido);
c) Saber se o Demandado, ao responder aos Demandantes que a implementação do disposto no aludido artigo 22.º da Lei 75-B/2021, de 31 dezembro, estava dependente das conclusões a serem emitidas por outros Ministérios, recusou a apreciação do requerido pelos Demandantes.
2. FUNDAMENTAÇÃO:
2.1.1 Factualidade
Perante ao alegado pelos sujeitos processuais e os documentos juntos ao processo, considera-se assente a seguinte factualidade:
1. A Demandante A é oficial de registos, integra o mapa de pessoal do Demandado e está colocada na Conservatória dos Registos Centrais;
2. Em 25 de outubro de 2021, a Demandante A requereu ao Demandado, a contabilização das avaliações obtidas nos anos em que desempenhou funções nas Forças Armadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), ao abrigo do disposto no artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro;
3. O mencionado requerimento foi instruído com certidão emitida pela Repartição de Gestão de Carreiras da Direção de Administração de Recursos Humanos do Comando do Pessoal do Exército Português, datada de 14 de outubro de 2021;
4. Em 27 de outubro de 2021, o Demandado respondeu à Demandante A da seguinte forma: “Exma. Sra. Oficial de Registos, Na sequência da receção do e-mail infra, através do qual solicita a contabilização das avaliações de desempenho obtidas durante a prestação do serviço militar no Exército, importa fazer o seguinte esclarecimento: A propósito da implementação da medida prevista no argo 22.º da LOE para 2021, importa referir que foi divulgado aviso na página da Direção-Geral da Defesa Nacional (cópia em anexo) , com o seguinte teor: “O artigo 22.º da Lei do Orçamento de Estado para 2021 (LOE 2021) veio prever a contabilização da avaliação obtida pelos ex-militares das Forças Armadas após ingresso na Administração Pública, dispondo que "Após ingresso na Administração Pública, as avaliações de serviço obtidas pelos ex-militares nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, são contabilizadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), com as devidas adaptações." A temática em apreço tem um alcance transversal a toda a Administração Pública, dado que os ex-militares abrangidos pela norma aprovada na LOE 2021 poderão ingressar em qualquer órgão ou serviço da Administração Pública, bem como em qualquer carreira, cabendo à entidade empregadora dar cumprimento à norma citada, designadamente no que respeita à transposição e contabilização das avaliações obtidas e respetivos efeitos. Nesse sentido, o Ministério da Defesa Nacional encontra-se a articular com as demais áreas governativas, em particular com o Ministério das Finanças e o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, a forma de implementação da medida aprovada em sede de Orçamento de Estado, aguardando-se uma conclusão a breve trecho, a qual será prontamente divulgada.” Em face do exposto, a apreciação do seu pedido terá necessariamente de aguardar a divulgação de conclusões sobre a referida forma de implementação da medida prevista no argo 22.º da LOE para 2021, conforme consta do referido aviso publicitado na página da Direção-Geral da Defesa Nacional. Com os melhores cumprimentos”.”;
5. A Demandante M é oficial de registos, integra o mapa de pessoal do Demandado e está colocada na Conservatória do Registo Predial de ...;
6. Em 27 de julho de 2021, a Demandante M A requereu ao Demandado, a contabilização das avaliações obtidas nos anos em que desempenhou funções nas Forças Armadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), ao abrigo do disposto no artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro;
7. O mencionado requerimento foi instruído com certidão emitida pela Repartição de Gestão de Carreiras da Direção de Administração de Recursos Humanos do Comando do Pessoal do Exército Português, datada de 12 de julho de 2021;
8. Por ofício com a referência DRH/SARH/SR datado de 05 de agosto de 2021 e posterior comunicação eletrónica de 27 de outubro de 2021, o Demandado respondeu à Demandante M em termos idênticos aos da resposta remetida à Demandante A e concluiu, igualmente, que “Em face do exposto, a apreciação do seu pedido terá necessariamente de aguardar a divulgação de conclusões sobre a referida forma de implementação da medida prevista no artigo 22.º da LOE para 2021, conforme consta do referido aviso publicitado na página da Direção-Geral da Defesa Nacional.”;
9. O Demandante P é oficial de registos, integra o mapa de pessoal do Demandado (2.ª Conservatória do Registo Predial de ...), exerce funções em regime de mobilidade interna na Conservatória dos Registos Centrais;
10. Em 25 de outubro de 2021, o Demandante P requereu ao Demandado, a contabilização das avaliações obtidas nos anos em que desempenhou funções nas Forças Armadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), ao abrigo do disposto no artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro;
11. O mencionado requerimento foi instruído com certidão emitida pela Repartição de Gestão de Carreiras da Direção de Administração de Recursos Humanos do Comando do Pessoal do Exército Português, emitida em 14 de outubro de 2021;
12. Por comunicação eletrónica de 27 de outubro de 2021, o Demandado respondeu ao Demandante P em termos idênticos aos das respostas remetidas às Demandantes A e M, concluindo, igualmente, que “Em face do exposto, a apreciação do seu pedido terá necessariamente de aguardar a divulgação de conclusões sobre a referida forma de implementação da medida prevista no artigo 22.º da LOE para 2021, conforme consta do referido aviso publicitado na página da Direção-Geral da Defesa Nacional.”;
13. Por ofício referência n.º DRH/1202/2021 datado de 20 de setembro de 2021, cujo assunto se reportava à aplicação do artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, o Demandado, através da Exma. Senhora Presidente do Conselho Diretivo, solicitou à Direção Geral de Recurso da Defesa Nacional informação sobre se “a Direção-Geral de Recurso da Defesa Nacional já se encontra em condições de divulgar (cfr. aviso publicitado na respetiva página eletrónica) a forma de implementação daquela medida.”;
14. Por ofício datado de 27 de abril de 2021, referência n.º SAC.SA-2021-011092, o Demandado foi informado pelo Ministério da Defesa Nacional do abaixo exposto:
“1. Nos termos do disposto no artigo 22.º da Lei n.0 75-B/2021, de 31 de dezembro (LOE 2021), foi solicitado por parte do Tenente na Disponibilidade NIM …, John…, o envio das suas avaliações individuais de mérito, tendo sido enviada declaração com as referidas notas a 04 março de 2021.
2. Relativamente ao esclarecimento sobre "(...) se as avaliações quantitativas obtidas pelo trabalhador em causa, e indicadas na declaração em anexo, podem considerar-se equivalentes, para efeitos do SIADAP ( ... )", informa-se o seguinte:
a. A avaliação dos militares realizou-se até 2018 à luz do disposto nas Portarias n.º 1380/2002, de 23 de outubro (Marinha), Portaria n.º 1246/2002, de 7 de setembro (Exército), e Portaria n.º 976/2004, de 3 de agosto (Força Aérea). A 1 de janeiro de 2018 estes documentos foram substituídos pela entrada em vigor do Regulamento de Avaliação do Mérito dos Militares das Forças Armadas, anexo à Portaria n.º 301/2016, de 30 de novembro, conforme consta do seu artigo 4.º.
b. Através da leitura das normas do SIADAP, bem como dos documentos que estabelecem o sistema de avaliação do mérito dos militares, verifica-se que não existe qualquer norma que permita estabelecer a equivalência entre sistemas de avaliação.
c. O artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, (Lei do Orçamento de Estado para 2021 (LOE2021), determina:
“Após ingresso na Administração Pública, as avaliações de serviço obtidas pelos ex-militares nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, são contabilizadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), com as devidas adaptações."
d. Este artigo suscita dúvidas sobre o modo como o processo deve ser implementado e sobre quais os parâmetros que devem ser considerados para contabilizar as avaliações obtidas durante a prestação do serviço militar, bem como sobre a sua retroatividade, pelo que foi solicitado um parecer ao MDN, do qual se aguarda resposta.”;
15 Em 23 de março de 2018 foi emitida uma Informação/Parecer 522 pelos serviços do Ministério da Defesa Nacional tendo como objetivo: “…clarificar quais os efeitos das avaliações de desempenho obtidas durante a prestação de serviço militar efetivo nos regimes de contrato (RC) e de voluntariado (RV), quando, após terem cessado a prestação de serviço, ingressam, através de procedimento concursal em órgão ou serviço da Administração Pública ingressam numa nova carreira (ex: Técnico Superior/ Assistente Técnico/ Assistente Operacional), mediante a celebração de um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, beneficiando do direito previsto na alínea f) do artigo 54. º da Lei do Serviço Militar e nos n. ºs 1 e 2 do artigo 30. º do Regulamento de Incentivos à Prestação do Serviço Militar (RIPSM) nos regimes de RC e RV”, tendo concluído que “…ainda que se entenda que os trabalhadores em causa têm direito às declarações obtidas ao longo do tempo em que prestaram serviço efetivo, considera-se que as mesmas não devem relevar para efeitos de progressão nas novas carreiras, podendo todavia ser utilizadas para outros fins com consagração legal”” (Documento n.º 16 junto à Contestação cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido);
16. Pelo Presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas foi subscrita, em 28 de setembro de 2021, uma comunicação, com o seguinte teor:
ASSUNTO: Artigo 22.º da lei do Orçamento de Estado 2021. Reiterado incumprimento do Governo, por falta de regulamentação específica e orientações claras aos Serviços, continua a prejudicar gravemente, em termos financeiros e na progressão de carreiras, milhares de "ex-militares" que ingressaram na Administração Pública
Após a concretização da Petição N.º 560/Xlll/4, submetida à Assembleia da República, foi aprovado em sede de Lei de Orçamento de Estado para 2021 (LOE2021) o art.º 22.º, onde se prevê a reposição dos direitos de todos os Ex-militares, no que diz respeito à contabilização retroativa da avaliação militar após o ingresso na Administração Pública, para efeitos de atribuição de posição remuneratória. A AOFA estatutariamente também defende os interesses destes militares na exata medida em que defende qualquer militar que seja sócio.
Está em causa o direito previsto no n.º 6 do artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 320-A/2000 (Regulamento de Incentivos à Prestação de Serviço Militar nos Regimes de Contrato e de Voluntariado), que estabelece, para efeitos de ingresso na Administração Pública, que as avaliações individuais obtidas bem como o tempo de serviço prestado devem ser levadas em conta na nova situação jurídica dos Ex-militares quando ingressam na Administração Pública.
É, portanto, da mais elementar justiça que aquela contabilização seja realizada e que os direitos remuneratórios e outros que resultem daquele ingresso sejam efetivados.
Porém os serviços administrativos que V. Exa. dirige, não lograram regulamentar a situação de modo a permitir a concretização devida, levando os restantes departamentos ministeriais do governo a que V. Exa pertence a declinar responsabilidades na efetivação dos direitos em causa.
A situação é ilegal, ilegítima e injusta e merece responsabilização pelo seu não cumprimento recaindo essa responsabilidade em primeiro lugar, atentas as atribuições e competências do Ministério que V. Exa. dirige, na sua pessoa enquanto titular da pasta da Modernização do Estado e da Administração Pública.
Impõem-se deste modo, por tudo o quanto já foi exposto e desenvolvido em inúmeras iniciativas, que no mais absoluto e profundo absurdo, vêm obrigando a que sejam denunciadas as faltas de aplicação das medidas de incentivo consignadas aos cidadãos que prestaram serviço nas Forças Armadas ao abrigo dos RC e RV, a circunscrição a V. Exa. o dever de honrar as obrigações legais a que se encontra adstrita, efetivando a promoção e a concretização dos direitos consagrados na lei e no presente afirmados também por via da norma contida na Lei do OE de 2021.
E mais ainda, não ignora decerto, que o significado da palavra ministro é servidor, neste caso servidor dos cidadãos que esperam de si o cumprimento da lei.
Impõe-se, portanto, que mande informar os ora peticionários que procedimentos e atos administrativos e medidas concretas determinou no contexto das suas responsabilidades para concretizar o direito em causa.
Requer ainda a situação que nos indique a data de realização de audiência para que os representantes dos ex-militares em causa possam discutir soluções que permitam concretizar o desiderato legal apontado pelo art.º 22.º da LOE2021 e do n.º 6 do artigo 30.º do Decreto-Lei nº 320-A/2000, antes da discussão do novo orçamento de estado para que se possa conhecer que medidas concretas ainda este ano orçamental o governo vai adotar quanto a esta matéria.
Tudo na medida em que a lei o direito e a Justiça o determinam, para que não seja vã e meramente propagandística a promessa de "aposta no capital humano para uma administração mais qualificada que os jornais difundiram e que V. Exa. andou a defender.””
17. Em 01 de outubro de 2021, foi apresentada a questão n.º 47/XIV (3.ª) ao Exmo. Ministro da Defesa Nacional, pelo grupo parlamentar do Bloco de Esquerda com o seguinte teor:
Assunto: Atrasos na contabilização da avaliação de ex-militares das Forças Armadas após ingresso na Administração Pública
Destinatário: Ministro da Defesa Nacional
Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Volvido quase um ano após a promulgação da Lei n.º 75-B/2020, que veio aprovar o Orçamento do Estado para 2021, continuamos a constar que a aplicação do artigo 22.º da referida Lei, referente à contabilização da avaliação obtida pelos ex-militares das Forças Armadas após ingresso na Administração Pública, não se tem verificado em tempo útil, existindo requerimentos apresentados que à data não conhecem qualquer desfecho. Segundo consta, muitos dos requerentes têm sido informados pelas entidades competentes que têm sido suscitadas dúvidas na aplicação do processo, na questão dos retroativos, e dos parâmetros a serem considerados.
Tal como é de conhecimento público, a aprovação desta lei tinha e tem como intento permitir corrigir a situação de milhares de ex-militares que, após terem ingressado na Administração Pública, não beneficiaram de qualquer contabilização das suas avaliações de serviço efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP). Por conseguinte, muitos destes ex-militares encontravam-se posicionados no início da Tabela Única Remuneratória, mesmo após terem prestado serviço militar durante largos anos.
Ora, dada a incontestável importância deste diploma na reposição da justiça e dignidade daqueles que foram e continuam a ser penalizados pelo Estado, julga-se fundamental garantir a celeridade no processamento dos requerimentos, para que quem esteja abrangido e possa beneficiar do artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020 não continue a viver numa situação de clara injustiça, mesmo após o quadro jurídico vigente lhes garantir a reposição dos seus direitos e o ressarcimento do tempo de serviço prestado.
Atendendo ao exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda vem por este meio dirigir ao governo, através do Ministério da Defesa Nacional, as seguintes perguntas:
1. Tem o Governo conhecimento da situação acima exposta?
2. Por que motivos se continuam a constatar atrasos no processamento dos requerimentos apresentados ao abrigo do disposto do artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, que veio permitir a contabilização da avaliação obtida pelos ex-militares das Forças Armadas após ingresso na Administração Pública?
3. Que medidas pretende o Governo tomar para acautelar a celeridade destes processos, por parte dos serviços competentes, e dessa forma garantir a contabilização da avaliação obtida pelos ex-militares das Forças Armadas após ingresso na Administração Pública? Em que prazo considera possível assegurar uma resposta aos requerimentos apresentados?”
18. Em resposta à interpelação realizada pelo grupo parlamentar do Bloco de Esquerda foi subscrito pelo Chefe de Gabinete do Ministro da Defesa Nacional o ofício N.º ...CG com o seguinte teor:
“Ass: Pergunta n.º 47/XIV /3.ª. de 1 de outubro de 2021 -Atrasos na Contabilização da Avaliação de ex-Militares das Forças Armadas Após Ingresso na Administração Pública
Ref: V/Ofício n.º 2784, 1 de outubro de 2021
Em cumprimento do disposto na alínea d) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, e em resposta à pergunta formulada pelos Senhores (as} Deputados João Vasconcelos e Pedro Filipe Soares do Grupo Parlamentar do BE, acerca do assunto em epígrafe, encarrega-me Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional, de informar o seguinte:
Efetivamente, o artigo 22.º da Lei do Orçamento para 2021 (LOE 2021) veio prever a contabilização da avaliação obtida pelos ex-militares das Forças Armadas após o respetivo ingresso na Administração Pública, as avaliações de serviço obtidas pelos ex-militares nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, são contabilizadas para eleitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), com as devidas adaptações.”
Ora, a referida norma deixou em aberto uma multiplicidade de questões, designadamente no que respeita ao seu âmbito de aplicação subjetivo e temporal, bem como quanto ao modo de operacionalização das necessárias adaptações.
Cumpre, no entanto, realçar que a matéria em causa tem um alcance transversal a toda a Administração Pública, dado que os ex-militares abrangidos pela norma aprovada na LOE 2021 poderão ingressar em qualquer órgão ou serviço da Administração Pública, bem como em qualquer carreira, cabendo a cada uma das entidades empregadores dar cumprimento à norma citada, designadamente no que respeita à transposição e contabilização das avaliações obtidas e respetivos efeitos.
Nesse sentido e pese embora esta não deva ser considerada uma matéria da sua exclusiva responsabilidade e competência, mas porque estão em causa ex-militares, o Ministério da Defesa Nacional tomou a iniciativa de apresentar soluções para esta problemática, encontrando-se atualmente a articular com as demais áreas governativas, em particular o Ministério das Finanças e o Ministério da Modernização do Estado e da Administração Pública, no sentido de se proceder às devidas e necessárias adaptações, que possibilitem às entidades empregadoras concretizar a implementação da medida aprovada em sede de Orçamento de Estado, sem, no entanto, deixar de acautelar o cumprimento dos princípios da igualdade e da equidade face aos demais trabalhadores da Administração Pública.”.
Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos.
2.1.2. Fundamentação da fixação da matéria de facto:
A fixação da matéria de facto foi efetuada com base nos documentos juntos aos autos e afirmações feitas pelas Partes nos articulados.
2.2. Do Direito:
Em face dos factos assentes, importa aplicar o Direito, começando pelo enquadramento jurídico, à luz da questão em apreço.
O artigo 22.º da Lei 75-B/2021, de 31 de dezembro é claro:
“Após ingresso na Administração Pública, as avaliações de serviço obtidas pelos ex-militares nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, são contabilizadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP), com as devidas adaptações.”
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Perante a prova existente nos autos é evidente que a situação dos Demandantes se enquadra na aludida norma, sendo-lhes aplicável a respetiva estatuição. Ou seja, os Demandantes têm direito a que as avaliações de serviço por eles obtidas nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas sejam contabilizadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do SIADAP.
Os Demandantes (i) são trabalhadores da Administração Pública, (ii) são ex-militares e (iii) comprovaram as avaliações de serviço obtidas nas Forças Armadas.
Contudo, o Demandado defende a improcedência do pedido dos Demandantes, respaldando-se, resumidamente, em três considerandos:
a) Que se encontrava impedido de concretizar o requerido pelos Demandantes porquanto (i) ainda não tinham sido emitidas as conclusões de implementação da peticionada contabilização tempo de serviço militar para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do Sistema Integrado de Avaliação da Administração Pública (SIADAP) e (ii) o constante no do artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro suscita múltiplas questões jurídicas quanto à sua concretização e aplicação;
b) Que nunca, em momento algum, se recusou a apreciar cada um dos pedidos apresentados, apenas informou os requerentes de que, “para que pudesse proceder a essa apreciação -e uma vez que se trata de uma matéria transversal e suscetível de envolver todas as áreas da Administração Pública, que se encontra em análise no Ministério da Defesa em articulação com outras entidades governativas -importaria, previamente, aguardar pela definição da forma de concretização e aplicação daquela medida.”
c) Que os Demandantes, em virtude da não divulgação das conclusões sobre a forma de implementação do aludido artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2021, de 31 de dezembro, apenas podem invocar uma mera expetativa e não um efetivo direito de verem o seu posicionamento remuneratório alterado em decorrência da contabilização das avaliações de serviço obtidas nos anos em que cada um desempenhou funções nas Forças Armadas.
Vejamos então se lhe assiste razão:
Começamos por indagar se o atraso da Administração Pública na emissão de condições/regras de implementação do vertido no artigo 22.º da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro tem o condão de impedir o efeito jurídico dos factos peticionados pelos Demandantes, sendo por isso, procedente a exceção perentória invocada pelo Demandado, com a consequente improcedência do pedido.
No que diz respeito às exceções perentórias, ensina-nos o Professor Manuel de Andrade[2] que as exceções perentórias “(..) são as que se traduzem na invocação de factos ou causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do Autor, por isso mesmo levando à improcedência total ou parcial da acção – a uma sentença material desfavorável (mais ou menos) a esse pleiteante. O Réu não nega os factos donde o Autor pretende ter derivado o seu direito, mas opõe-lhe contra-factos que lhe teriam excluído ou paralisado desde logo a potencialidade jurídica ou posteriormente lhe teriam alterado ou suprimido os efeitos que chegaram a produzir. (..)”.
Esclarecendo-nos ainda que impeditivos são os factos susceptíveis de obstar que o direito do A. se tenha validamente constituído (v.g. incapacidade, falta de legitimação, erro, dolo, coacção, simulação, etc.), e também aqueles, pelo menos quando operem ab initio, que apenas retardem o surgir desse direito (condição suspensiva; por vezes, o termo dilatório) ou em todo o caso a sua exercitabilidade (termo dilatório, não sendo aquele outro o seu efeito)”.
Ora, não resulta do alegado e provado pelo Demandado que a lacuna de conclusões administrativas sobre a implementação do prescrito no mencionado artigo 22.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, seja passível de obstar à válida constituição de um direito conferido por uma Lei aprovada em Assembleia da República.
Por outro lado, o texto da Lei é claro e dele não consta qualquer condicionante à sua exigibilidade, designadamente, a incorporação na parte final do preceito de expressões tais como, “nos termos a definir por Portaria ou nos termos a definir por Despacho.” E como bem referem os Demandantes na sua Petição Inicial, o direito constante no artigo 22.º da Lei 75-B/2021, de 31 de dezembro “é incondicionado, isto é, a sua exigibilidade não foi legalmente condicionada a nenhum tipo de atividade administrativa que lhe desse exequibilidade.”
Pelo exposto, a resposta à questão é claramente negativa. Com efeito, não se vislumbra em que medida os factos invocados pelo Demandado que nem sequer são contemporâneos à formação do direito decorrente do artigo 22.º da Lei 75-B/202021, de 31 de dezembro, têm a faculdade de obstar a constituição e a exigibilidade do referenciado direito.
Efetivamente, as dificuldades administrativas e jurídicas suscitadas pelo Demandado, não são oponíveis aos Demandantes, nem podem impedir a concretização ou efetivação dum direito que a Lei obrigatoriamente lhes confere, neste caso, o direito a que as avaliações de serviço por eles obtidas nos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas sejam contabilizadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória no âmbito do SIADAP.
Para Gomes Canotilho[3] “A proteção da confiança é a recondução ao plano subjetivo do princípio da segurança jurídica, entendida como o direito dos cidadãos à proteção da confiança que podem colocar nos atos do poder político que eventualmente tenham alguma interseção com a sua esfera jurídica…a proteção da confiança está mais relacionada aos elementos subjetivos da segurança, sobretudo relacionada com a previsibilidade dos efeitos jurídicos dos atos do poder público em relação dos cidadãos”.
Os Demandantes não detêm uma mera expetativa, mas sim um direito que a Lei diretamente lhes confere. A não atribuição aos Demandantes, até à presente data, do direito que o artigo 22.º da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro prescreve, por dificuldades administrativas e jurídicas, coloca em causa o próprio princípio constitucional da confiança.
É certo que o Demandado envidou esforços no sentido de questionar a Direção Geral de Recurso da Defesa Nacional quanto à divulgação das condições de implementação da medida consagrada no artigo 22.º da Lei 75- B/2021 de 31 de dezembro. Contudo, tal conduta apenas é relevante em termos de aferição de responsabilidade civil.
Por fim, salienta-se que a própria Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro que define o Sistema Integrado de Gestão e Avaliação do Desempenho na Administração Pública – SIADAP, tem a preocupação de consagrar um preceito normativo – o artigo 85.º “Avaliações anteriores e conversão de resultados” - que estabelece, designadamente, regras de conversão de resultados, no caso de existência de resultados decorrentes da aplicação de diversos sistemas de avaliação.
Assim, face às considerações acima elencadas, o presente Tribunal Arbitral indefere a exceção perentória peticionada pelo Demandado.
Cabe, apenas e somente, averiguar se a resposta do Demandado aos requerimentos apresentados pelos Demandantes configura uma recusa para efeitos do preenchimento do pressuposto constante no artigo 67.º do CPTA.
Ora, a materialização do direito constante no artigo 22.º da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro, com relação aos Demandantes é da competência do Demandado, nos termos da lei vigente. Aliás, do teor do “Aviso” através do qual o Demandado fundamenta a resposta aos Demandantes, resulta que cabe “à entidade empregadora dar cumprimento à norma citada, designadamente no que respeita à transposição e contabilização das avaliações obtidas e respetivos efeitos” (Doc. 4 anexo à contestação).
Por outro lado, os Demandantes, trabalhadores do Demandado e porque preenchem os requisitos para que lhes seja aplicado o regime constante no artigo 22.º da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro, requereram a quem tinha competência para o efeito, a contabilização das respetivas avaliações de serviço obtidas nas Forças Armadas para efeitos de atribuição de posição remuneratória. Neste sentido, estão reunidos os requisitos do dever de decidir constantes no artigo 13.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
Da leitura da resposta endereçada pelo Demandando aos requerimentos dos Demandantes, extrai-se que o Demandado se recusou a apreciar substancialmente o pedido, escudando-se na não divulgação das condições de implementação do prescrito no artigo 22.º da Lei 75-B/2020, de 31 de dezembro.
Assim, entende-se que a resposta do Demandado é enquadrável na 2ª parte, alínea b) n.º 1 do artigo 67.º CPTA, encontrando-se preenchido o “interesse processual ou interesse em agir (a necessidade de tutela judiciária), que depende da existência de uma situação concretizada de incumprimento do dever de decisão por parte da Administração ou de decisão ilegal de pretensão dirigida à prática de um ato administrativo.”[4]
3. Responsabilidade pelos encargos processuais:
Conforme resulta do disposto no artigo 29.º, n.º 5, do NRAA do CAAD, nas arbitragens que tenham por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público não há lugar a fixação do critério de repartição de encargos processuais, sendo estes pagos por ambas as partes em função do valor fixado na tabela de encargos processuais.
Tendo presente o valor fixado à presente causa, e atendendo ao disposto na tabela I anexa ao referido Regulamento, fixo os encargos processuais devidos por cada um dos sujeitos processuais em €150,00 (cento e cinquenta euros), nesse montante se imputando os eventuais preparos ou adiantamentos que cada um deles haja já realizado na presente arbitragem.
IV. DECISÃO:
Face às considerações tecidas anteriormente, decide-se julgar a presente ação arbitral procedente, por provada, e em consequência condenar o Demandado a proceder à contabilização das avaliações de serviços obtidas pelos Demandantesnos anos em que desempenharam funções nas Forças Armadas, para efeitos de atribuição de posição remuneratória dos mesmos.
Atento ao valor fixado da ação arbitral, condenar cada uma das partes nas custas da presente ação, fixando em €150,00 os encargos processuais da responsabilidade de cada um dos sujeitos processuais, nesse valor se imputando os eventuais pagamentos ou adiantamentos que já hajam efetuado.
CAAD, 21 de novembro de 2022
A Árbitro
(Carmen Andreia da Silva Couto)
assinado eletronicamente
[1] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de abril de 2019, relatora Sra. Juiz Conselheiro Maria Benedita Urbano, processo n.º 0113/17.0BCLSB 0296/18, disponível em www.dgsi.pt
[2] Cfr. Manuel de Andrade in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora/1979, págs. 126 e 130/131
[3] Cfr. CANOTILHO, J.J. Gomes, Direito Constitucional e teoria da constituição, Almedina, 2017, reimpressão de 2003, pág. 250
[4] Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.º edição | edições Almedina S.A. | pág. 487