DECISÃO ARBITRAL
I) RELATÓRIO
1. Constituição do Tribunal Arbitral
O A..., I.P. vinculou-se à jurisdição do CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa através da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, abrangendo a vinculação, além do mais, a composição de litígios relativos a questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional, nos termos dos artigos 1.º, n.º 1, alínea j, e 2.º, alínea a) da citada Portaria.
O Tribunal Arbitral é composto por árbitro único, designado pelo CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 7.º do Regulamento de Arbitragem deste Centro.
2. O pedido e a sua fundamentação
B... instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a presente ação contra o A..., I.P. pedindo a justificação de faltas dadas pela mesma entre 16-03-2020 e 03-04-2020, por assistência à família e, dentro desse período, e no que excede os 15 dias, justificado enquanto falta por conta do período de férias.
Em síntese, alegou que, em virtude da situação de pandemia COVID-19 e a situação de desconhecimento da gravidade da doença, bem como o posterior decretamento do estado de emergência a 18 de março, a demandante teve de prestar assistência aos pais, com idade avançada e com problemas de saúde, motivo pelo qual esteve ausente do serviço.
Tentou justificar tal falta através de certificado de incapacidade temporário para o trabalho (CITT), o que só conseguiu lograr conseguir no dia 22 de maio, atestado esse que não foi aceite pela Conservadora Auxiliar em substituição, dado o hiato de tempo decorrido.
Contestou o demandado defendendo, em síntese, que a demandante foi notificada para que procedesse à junção do CITT atempadamente, o que não fez, tendo junto o mesmo apenas a 22 de maio, motivo pelo qual foi o mesmo não admitido, atenta a extemporaneidade do mesmo e, as faltas foram consideradas como gozo efetivo de férias, tendo como objetivo o benefício da demandante, pois doutra forma tais faltas teriam de ser consideradas injustificadas.
3. Junção do processo administrativo
Foi junto à presente ação o processo administrativo.
II) Saneamento do Processo
O Tribunal é competente. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não existem nulidades.
A entidade demandada invocou matéria de exceção em relação à qual a entidade demandante se pronunciou.
Importa conhecer agora das exceções invocadas.
i. Da impropriedade do meio processual
ii. Da intempestividade da prática da ação
Alega a Demandada que o que se pretende impugnar na presente ação é o ato de indeferimento de justificação das faltas e, como tal, a presente ação é usou do meio impróprio e é intempestiva, considerando que nessa perspetiva a mesma deveria ter sido intentada no prazo de três meses.
Não se acompanha a tese da entidade demandada, porquanto, o que está em discussão nos presentes autos é uma relação jurídica de emprego público, assente numa relação bilateral – o contrato de trabalho em funções públicas e regulada quer pela Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, quer pelo Código de Trabalho, aplicado supletivamente, pelo que improcede a exceção de impropriedade do meio processual.
Improcedendo a referida exceção, improcede também a exceção da intempestividade da ação, porquanto, os créditos laborais podem ser reclamados até ao prazo de um ano a contar do dia seguinte ao da extinção do vínculo, atento o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, al. f) da LTFP e 337.º do CT.
1. Factos Provados
Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A demandante pertence ao mapa de pessoal da Conservatória de Registo Civil de ..., onde exerce funções;
2. A demandante integra a carreira de conservador;
3. A conservatória de ... é dirigida pela conservadora-auxiliar C...;
4. No dia 13 de março de 2020 a demandante acompanhou o seu pai a uma consulta médica;
5. A demandante é filha única e era ela quem auxiliava os seus pais;
6. Com a situação pandémica provocada pela COVID-19 que assolava o nosso país, à data, a demandante para entrar em casa dos pais cumpria um rigoroso protocolo de higienização e desinfeção;
7. Entre os dias 16 de março e 3 de abril de 2020 a demandante esteve ausente do serviço;
8. Regressou ao serviço no dia 6 de abril de 2020, em regime de teletrabalho;
9. A demandante informou que iria justificar a sua ausência ao serviço por assistência à família;
10. No final do mês de março, a sobredita conservadora auxiliar solicitou à demandante que esta procedesse à entrega do CITT;
11. Uma vez que o sobredito documento não foi remetido até ao dia de carregamento da remuneração da demandante na plataforma, a conservadora-auxiliar considerou o período de ausência como dias de férias, uma vez que a demandante tinha para gozar, a título de férias, o período de 13 a 29 de julho;
12. Com tal decisão, a senhora conservadora auxiliar pretendeu beneficiar a demandante, pois doutra forma as faltas seriam consideradas injustificadas e isto porque o médico de família recusou-se a emitir o CITT de assistência à família;
13. A demandante veio a entregar um atestado a 21 de abril de 2020, por doença própria e não por assistência à família;
14. De tal documento não constava a data, motivo pelo qual a sobredita conservadora auxiliar não o aceitou e disso informou a demandante, por email de 22 de abril de 2020, pedindo que o atestado fosse retificado;
15. Não foi junto qualquer outro atestado corrigido – por doença própria - a justificar a ausência ao serviço, no período em que a demandante ficou a cuidar dos seus pais;
16. A 21 de maio de 2020 a demandante juntou novo CITT, desta vez com o motivo de assistência à família – mãe, com efeitos retroativos;
17. A conservadora auxiliar depois de ter suscitado a questão junto do departamento de recursos humanos do A... e ter recebido a indicação de que a decisão competia a esta, atenta a subdelegação de poderes, a 27 de maio de 2020 informou a demandante que não aceitava o CITT apresentado, atenta a extemporaneidade da apresentação do mesmo;
18. Os demais funcionários da conservatória que estiveram ausentes ao serviço neste período juntaram sempre o respetivo CITT.
2. Fundamentação da fixação da matéria de facto
A fixação da matéria de facto dada como provada foi efetuada com base na apreciação crítica dos documentos juntos aos autos, designadamente o processo administrativo e a prova documental junta pela demandante, cuja autenticidade e genuidade não foram impugnados ou controvertidos, bem assim como das afirmações feitas pelas partes nos respetivos articulados e da prova testemunhal produzida em sede de audiência e julgamento.
III. Do Direito
A questão a decidir resume-se ao facto de saber se devem ou não devem, por um lado, ser justificadas as faltas da demandante ao serviço por assistência à família entre 16 de março e 03 de abril e no período superior a 15 dias, sê-lo por gozo de férias.
O Artigo 133.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, prevê que se considera falta a ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário.
Podem, de facto, as faltas, atento o disposto no artigo 134.º da LTFP ser justificadas ou injustificadas. E o próprio normativo consagra depois um conjunto de situações em que se consideram justificadas as faltas. E, neste sentido, e com interesse para a decisão da causa, atentemos à al. d) do n.º 2 que faz referência a doença do próprio trabalhador e à al. e) que consagra a possibilidade de faltas justificadas para assistência a membro do agregado familiar.
Ora, tais faltas têm os efeitos das faltas previstas no Código do Trabalho, doravante CT, atento o disposto no n.º 4 do sobredito normativo legal.
No caso sub judice é claro que, não obstante a existência de um atestado para a própria, por motivo de doença, o que sempre esteve em causa foram faltas dadas para assistência aos pais da demandante, pelo que nos termos do disposto no art.º 252.º do CT, o trabalhador tem o direito a faltar ao trabalho até 15 dias por ano para prestar assistência inadiável e imprescindível.
A ausência quando previsível deve ser comunicada, acompanhada do motivo justificativo, com a antecedência mínima de cinco dias. Quando tal não seja possível, a comunicação ao empregador é sempre que possível.
A questão reside em saber até quando pode ser junto o comprovativo de ausência. Ora, determina o artigo 254.º do CT que o empregador pode, nos 15 dias seguintes à comunicação da ausência exigir ao trabalhador prova do facto invocado para a justificação, a prestar em prazo razoável e, caso tal não o seja, a falta será considerada injustificada, cfr. n.º 4 do sobredito normativo legal.
Acresce que os funcionários do A... estão obrigados ao preenchimento de formulário próprio em caso de ausência ao serviço, cfr. Despachos 95/2010 e 10922/2016, o que não foi sucedeu com a demandante. No caso em concreto, a comunicação da ausência foi efetuada no seguimento da consulta médica que a demandante teve com os seus pais e esta informou a senhora conservadora auxiliar que não iria trabalhar.
Alegou a demandante que tomou tal decisão, no intuito de cuidar dos seus pais e enquanto filha única, mas na expectativa que fosse publicada legislação que lhe desse cobertura a tal ausência ao serviço, o que não se veio a verificar, pelo que as faltas ao serviço foram dadas de forma injustificada.
Fruto da situação que vivenciamos naquela altura pandémica, percebemos a atitude de demandante em querer prestar auxílio aos seus pais, nomeadamente ao pai, que estava com diversas debilidades de saúde à data. Não obstante, este foi um ato temerário da demandante que abandonou o seu posto de trabalho, sem apresentar qualquer justificação formal de ausência, numa altura, ela própria complicada em termos de serviços e de planificação de serviços.
Impunha-se à demandante que tivesse procedido à justificação formal da sua ausência. E não vamos sequer apreciar a junção de um atestado por doença da própria, sem data, o que manifestamente configura declaração médica com intuito fraudulento, o que constitui falsas declarações e podia ser passível de despedimento, com justa causa.
O que é certo é que a demandante ficou ausente do serviço entre 16 de março e 3 de abril e vem a justificar tal ausência a 22 de maio, com CITT emitido a 21 de maio.
De facto, não colhe o argumento de que só a 21 de maio foi possível a obtenção do CITT – que inicialmente o médico se recusou a emitir – pelo que a emissão de tal CITT para justificar as faltas de março se considera manifestamente extemporâneo.
Ainda que possa ser alegado que os serviços de saúde estavam caóticos nesse período, o que é certo é que os CITT continuaram a ser emitidos sem dificuldade de maior, o que aconteceu com outros colaboradores da conservatória.
Além do mais, a demandante, desde o decretamento do estado de emergência podia ter solicitado o regresso ao serviço, em regime de teletrabalho, e só o vem a fazer, depois de interpelada pela senhora conservadora-adjunta para o efeito.
Face à ausência da entrega da justificação de faltas e, tendo como objetivo o de não prejudicar a demandante, a conservadora auxiliar considerou a ausência ao serviço como gozo de férias, justificação essa, com que a demandante, em bom rigor, concordou, porquanto uma vez recebidos os recibos de vencimento e montantes pagos a título de retribuição nunca suscitou qualquer questão, só a tendo suscitado meses mais tarde.
Por tudo o que aqui foi explanado, de facto, a demandante teve uma conduta, enquanto trabalhadora manifestamente censurável, que se compreende na vertente pessoal.
IV. Decisão
Em razão do supra exposto, julgam-se totalmente improcedentes os pedidos da Demandante, absolvendo-se o Demandado.
*
Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no CAAD.
Custas pela Demandante.
Porto, 17 de outubro de 2022
(O Juiz Árbitro)
Jorge Barros Mendes