Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 45/2022-A
Data da decisão: 2022-11-04  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Transição para a carreira de Especialista de Polícia Científica
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DECISÃO ARBITRAL

 

Demandante: B...– B.../...

Demandada: B...

 

   I.               RELATÓRIO

 

 

A – PARTES E OBJETO

 

A Demandante, A… 

 

B... – B.../..., NIPC ..., com sede na Rua..., n.º ..., ...-... Lisboa,

 

Instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), a presente Ação contra 

 

A Demandada, B…

..., NIPC ..., com sede na Rua..., n.º ..., ..., ...-... Lisboa. 

 

Peticiona a Demandante na presente ação: 

 

a)    Que aos associados da Demandante venha a ser anulado o ato administrativo, realizado pela Demandada e pela Pessoa do Diretor Nacional da C..., pelos motivos invocados na Petição Inicial;

b)    Que venham os associados da Demandante a transitar para a carreira de Especialista de Polícia Científica, com todas as consequências legais daí advenientes;

c)    Que venha a presente causa a ter intervenção de Tribunal Singular

 

Regularmente citada, a Demandada aduziu, em tempo, a sua Contestação, na qual pugna pela improcedência dos pedidos e sua consequente absolvição, excetuando-se o pedido formulado pela Demandante quanto à intervenção de Tribunal Singular, apresentando defesa por exceção e impugnação. 

Em síntese, foi invocada a seguinte exceção:

- Exceção dilatória de caducidade do direito de interpor a ação.

 

Ademais, a Demandada impugna o cumprimento dos requisitos cumulativos quanto à transição para a carreira de Especialista de Polícia Científica, nos termos do disposto no artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro.

Impugna ainda a violação, invocada pela Demandante, dos princípios constitucionais da não retroatividade, da igualdade, da legalidade e da proteção da confiança, o vício de violação da lei e de direitos adquiridos.

 

A Demandante apresentou Réplica, contudo, não se pronunciou sobre a exceção invocada pela Demandada, ainda que tenha requerido a improcedência do pedido da Demandada e peticionado a procedência de todos os pedidos elencados na Petição Inicial. 

 

 

B – DA LEGITIMIDADE DAS PARTES

 

A Demandante tem personalidade e capacidade judiciária, nos termos do artigo 8.º- A do CPTA, e legitimidade para agir, nos termos da norma do n.º 1 do artigo 9.º do CPTA. 

 

A Demandada tem, igualmente, legitimidade nos termos da norma do artigo 10.º do CPTA. 

 

 

 C – SANEAMENTO DO PROCESSO

 

Prioritariamente, cumpre apreciar a exceção invocada pela entidade Demandada. 

Vejamos então:

 

 

1.          Exceção de caducidade do direito de interpor a ação 

 

O ato impugnado foi notificado aos associados da Demandante entre os dias 21/11/2021 e 16/12/2021.

O artigo 58.º, n.º 1 alínea b) do CPTA fixa o prazo de 3 (três) meses para a impugnação dos atos anuláveis. 

Considerando a última data das notificações, aos associados da Demandante, a saber dia 16/12/2021, conclui-se que o prazo de 3 (três) meses terminava em 17/03/2022. 

No entanto, a ação deu entrada em 27/03/2022, pelo que o prazo para a impugnação do ato foi excedido. 

Por outro lado, impõe-se, desde já, salientar que o associado D... interpôs recurso hierárquico prévio, suspendendo, assim, o prazo de impugnação nos termos do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA. 

 

Para MANUEL ANDRADE, se a prescrição tem por fundamento a inércia do respetivo titular, circunstância que o torna indigno de proteção, “já o fundamento específico da caducidade é da necessidade de certeza jurídica. Certos direitos devem ser exercidos durante certo prazo, para que ao fim desse tempo fique inalteravelmente definida a situação jurídica das partes. É de interesse público que tais situações fiquem, assim, definidas duma vez para sempre com o transcurso do respetivo prazo.”[1]

No mesmo sentido VAZ SERRA, para o qual “a caducidade é estabelecida como fim de dentro de certo prazo, se tornar certa, se consolidar, se esclarecer determinada situação jurídica.”[2]

Da leitura dos autos não se vislumbra, igualmente, que estejamos perante qualquer situação fáctico-jurídica dúbia ou nebulosa que permita o seu enquadramento na ambiguidade do quadro normativo, pois que o que se verifica é que a Demandante simplesmente não concorda com a interpretação adotada pela Demandada em relação à transição para a carreira de Especialista de Polícia Científica tendo por base a aplicação do artigo 94.º, n.º 1 do EP... . 

 

Por último, mostra-se inoperante, no caso sub judice, a aplicação do princípio pro actione , uma vez que os princípios constitucionais de acesso à justiça e à tutela efetiva pressupõem sempre que existam duas possibilidades ou opções em termos de decisão, o que no caso não sucede, pois, apenas se verifica uma única, que conduz ao facto de a Demandante ter deixado, sem fundamento, passar o prazo de interposição da ação em juízo, sem que comprove que existiram fundamentos para que tal tivesse sucedido. 

Ou seja, o princípio pro actione é um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso à justiça (administrativa), que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo. 

 

Só que, no caso e atentas as circunstâncias concretas, como referido, a Demandante não podia ignorar as disposições legais que impõem prazos legais que, se não foram cumpridos, conduzem à caducidade do direito de ação, não existindo qualquer circunstancialismo, quer reportado às normas jurídicas aplicáveis, quer ao desenrolar do processo, que seja suscetível de gerar dúvida relevante em termos de justificar o não cumprimento diligente do prazo de 3 (três) meses. 

Isto é, não existe fundamento legal para que a Demandante se possa socorrer do alargamento do prazo de 3 (três) meses para 1 (um) ano, previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 58.º do CPTA, com a justificação na ambiguidade do quadro normativo aplicável.

 

Face ao exposto, determina o artigo 89.º, n.º 4, alínea k) do CPTA que se considera como exceção dilatória, que obsta ao conhecimento do mérito da causa, a intempestividade da prática do ato processual, ou, na designação anterior, a caducidade do direito de ação (anterior alínea h) do n.º 1 do artigo 89.º), havendo, assim, lugar à absolvição da instância no que concerne aos 24 (vinte e quatro) associados da Demandante, à exceção do associado D... que interpôs recurso hierárquico prévio, suspendendo, assim, o prazo de impugnação nos termos do artigo 59.º, n.º 4 do CPTA.

 

 

2.    Do desentranhamento da Réplica

 

Nos termos do artigo 85.º-A, n.º 1 do CPTA:

 

“1 - É admissível réplica para o autor responder, por forma articulada, às exceções deduzidas na contestação ou às exceções perentórias invocadas pelo Ministério Público no exercício dos poderes que lhe confere o artigo anterior, assim como para deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção.”

 

No presente caso, a Demandante na Réplica, por si apresentada, não respondeu à exceção deduzida pela Demandada. A Demandante apenas reforçou questões sobre matéria de impugnação e salientou outros quesitos que não estão previstos na legislação aplicável. 

Neste sentido, como a Demandante extrapolou o preceituado no artigo 85.º-A, n.º 1 do CPTA, deve a mencionada Réplica ser desentranhada dos presentes autos.

 

 

3.    Da apensação das ações 

 

Em relação ao ato impugnado, na presente ação, foram já apresentadas no CAAD e a Demandada citada em várias outras ações administrativas nomeadamente: 12/2022-A; 16/2022-A; 18/2022-A; 45/2022-A;  71/2022-A; 80/2022-A e 81/2022-A. 

 

Ainda que se possa considerar que as questões de Direito a decidir, no âmbito das ações administrativas acima referidas, são comuns, preenchendo, desta forma, o requisito plasmado no n. º1, do artigo 13.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA), o mesmo entendimento já não é passível de ser tido quanto à fase processual em que se encontram as diferentes ações administrativas. 

 

Ora, nos termos do artigo 13.º, n.º 2 do NRAA: 

 

“2. A decisão de apensação tem em conta todas as circunstâncias relevantes, incluindo a fase processual em que se encontram as arbitragens.”

 

Isto porque, as diferentes ações administrativas não se encontram, efetivamente, na mesma fase processual. Desde logo, a ação administrativa, com o processo n.º 18/2022-A, já viu proferida a sua sentença. 

Nesta senda, há um pressuposto legal que não se verifica no que respeita à apensação das ações. 

Pelo que, a apensação das ações requerida, pela Demandada, não procede.

 

 

4.    Da prova testemunhal apresentada pela Demandante  

 

A Demandante requer a prestação de prova testemunhal, depoimentos dos 25 (vinte e cinco) associados, e a inquirição das testemunhas indicadas na parte final da Petição Inicial. 

Primeiramente, o objeto da prova testemunhal não foi delimitado pela Demandante. Para além de que, nos presentes autos não se vislumbra qualquer relevância a existência da mesma, face à prova documental produzida, que se revela de extrema importância para a boa decisão da causa, e tendo em conta o objeto de litígio que apresenta tão-só matéria de direito. 

Deste modo, a produção de prova testemunhal requerida, pela Demandante, é indeferida.     

 

 

D – DO MÉRITO DO PEDIDO

 

Questões que ao Tribunal Arbitral cumpre decidir:

 

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre apreciar e decidir do mérito do pedido em relação ao associado, da Demandante, D... .

 

São duas as questões a decidir, configuradas a partir da causa de pedir, do pedido, da posição assumida pela Demandante na Petição Inicial e da Demandada na Contestação: 

 

1.    Tem o associado da Demandante, D..., direito à anulação do ato administrativo realizado pela Demandada e pela Pessoa do Diretor Nacional da C...?

2.    Tem o associado da Demandante, D..., direito a transitar para a carreira de Especialista de Polícia Científica?

 

 

 II – FUNDAMENTAÇÃO

 

A.   FACTOS PROVADOS 

 

Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:

 

1.    O associado da Demandante,  D..., especialista auxiliar, exerce as funções de Chefe de Núcleo da C... .

2.    O associado da Demandante exerce o cargo de Chefe de Núcleo desde 16/02/1982.  

3.    O associado da Demandante possui uma relação jurídica de emprego público com a Demandada. 

4.    O associado da Demandante entregou à Direção Nacional da C... a Declaração de Vontade prevista no artigo 94.º, n.º1 do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro. 

5.    O associado da Demandante nunca aceitou a sua não transição para a carreira de Especialista de Polícia Científica. 

 

B.    FACTOS NÃO PROVADOS

 

Inexistem factos que devam ser considerados como não provados com relevo para a decisão. 

 

C.   DO DIREITO

 

Uma vez confirmada a improcedência da exceção invocada pela Demandada, quanto ao associado da Demandante,  D..., nos termos e com os fundamentos acima melhor expostos, cumpre apreciar a procedência ou improcedência dos pedidos da Demandante.

 

Destarte:

 

A Demandante entende que quanto às funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritas no quadro 2 do anexo I, do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, tendo como princípio basilar do direito – onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete distinguir – não é exigido o exercício de todos os conteúdos funcionais para a validação deste requisito.

 

Alega, igualmente, que o artigo 62.º, n.º 5, alínea a) a d) do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, regula as carreiras que compreendem o grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, e por sua vez, a alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, estatui “possuir as habilitações académicas exigidas para o posto de trabalho ou cargo”.

 

Considera ainda que relativamente às habilitações literárias, se remete para os artigos 133.º, n.º 4 (especialista superior), 134.º n.º 4 (especialista), 135, n.º 4 (especialista-adjunto), e 136.º n.º 4 (especialista auxiliar), do Decreto-Lei n.º 275-A/2000.

Concluindo que se depreende dos citados preceitos legais que, as habilitações académicas são as mencionadas nos citados artigos, e nunca, quanto a todos os Associados da Demandante, a obrigatoriedade de possuírem licenciatura. 

 

Quanto ao conteúdo funcional, das carreiras do grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, remete para o Decreto-Lei n.º 275-A/2000, devendo proceder-se à análise dos artigos 73.º, 74.º 75.º e 76.º. 

 

Tendo a C... imposto segundo critérios por si elaborados e interpretados, no uso do poder discricionário, a aplicação do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, não respeitando os direitos adquiridos pelo funcionário, aquando da concretização do contrato com efeitos jurídicos desde a sua entrada para o quadro da C... . 

Tendo assim, desrespeitado todos os seus direitos adquiridos, nomeadamente o da não retroatividade, consagrado no artigo 29.º da CRP, e no artigo 11.º, n.º 2, 1ª parte, da Declaração Universal dos Direitos do Homem (por força do n.º 2 do artigo 16.º da CRP), e no artigo 12.º do Código Civil, que prevê que a lei só dispõe para o futuro, ainda que lhe seja aplicada eficácia retroativa. 

Considerando que este princípio de não retroatividade visa garantir valores essenciais num Estado de Direito, como a segurança e a certeza jurídica e a proteção da confiança dos cidadãos, refletindo-se no facto de que nenhum cidadão pode ser prejudicado com base em preceito inexistente à data da sua atuação, uma vez que não o poderia conhecer, e lhe afeta de forma arbitrária ou demasiado onerosos direitos ou expetativas legitimamente fundadas. 

 

O princípio de não retroatividade está diretamente relacionado com a vertente temporal do princípio da legalidade e quanto à lei mais favorável, previsto no artigo 29.º n.º 3 da CRP, que apesar de remeter para a aplicação da lei criminal, deve valer para as leis que apliquem sanções administrativas ou restrinjam direitos dos funcionários, por entender que não se vislumbram razões para a sua não aplicação ao direito administrativo, e que o mesmo é imposto pelo princípio da igualdade.

Entende também, que a C... ao impor o disposto no artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, exerceu um abuso do direito, previsto no artigo 334.º do Código Civil, e que o ato administrativo enferma de vício de violação de lei.

 

Considera que a interpretação do artigo 94.º feita pela Demandada, contempla “dois pesos, duas medidas”, o que entende ser ilegal, face ao princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, pondo em causa o princípio da legalidade, previsto no artigo 3.º da CRP, ao não aplicar as diversas disposições legais a que se encontrava obrigado (do Decreto-Lei n.º 275-A/2000).

A Demandante entende que a Demandada ao negar provimento ao recurso hierárquico apresentado pelo funcionário, não cumpriu com o princípio da Igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, nem atendeu ao princípio da não retroatividade.

 

A Demandada sabia que ia provocar desigualdades na carreira profissional e remuneratória, do seu funcionário, tendo procedido à transição de carreiras de funcionários que tudo indica não se enquadrarem, segundo a interpretação da C... e Demandada, no artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, deixando outros sem transitarem, alguns deles executando o mesmo trabalho e no mesmo departamento.

 

Por sua vez, na argumentação aduzida na contestação, a Demandada defende que: 

 

O Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, que estabelece o estatuto profissional do pessoal da C..., bem como o regime das carreiras especiais de investigação criminal e de apoio à investigação criminal (EP...), com data de entrada em vigor em 1 de janeiro de 2020, procedeu à revisão global das carreiras especiais da C... tendo criado três carreiras especiais: a carreira de investigação criminal, a carreira de especialista de polícia científica (doravante, abreviadamente, EPC) e a carreira de segurança.

 

De acordo com o disposto na alínea c) n.º 1 do artigo 86.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LTFP), o exercício de funções com o grau de complexidade 3 exige a titularidade de licenciatura ou de grau académico superior a esta.

Em conformidade com o n.º 2 do artigo 86.º da LTFP, no diploma que cria a carreira, cfr. n.º 2 do artigo 36.º do EP... determinou-se que a carreira de EPC é unicategorial e de grau de complexidade 3. E no n.º 4 deste mesmo artigo 36.º refere-se que o conteúdo funcional consta no quadro 2 do anexo I ao EP... .

 

Por sua vez, a transição para a carreira de EPC está sujeita à observância dos requisitos previstos no artigo 94.º do citado diploma legal, respetivamente:

“ 1 - Os trabalhadores integrados nas carreiras de especialista superior, de especialista, de especialista adjunto e de especialista auxiliar, nos termos das alíneas a) a d) do n.º 5 do artigo 62.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, na sua redação atual, que cumpram o requisito de ingresso na carreira de especialista de polícia científica previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º, e que exerçam há, pelo menos um ano, funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do anexo I ao presente decreto-lei, podem transitar para esta, caso manifestem declaração de vontade nesse sentido, no prazo de 10 dias, contados da data de entrada em vigor do presente decreto-lei.

2 - Podem ainda transitar para a carreira de especialista de polícia científica, os trabalhadores integrados na carreira de especialista adjunto que, há pelo menos um ano, exerçam funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do anexo I ao presente decreto-lei, e possuam formação específica na área de criminalística e de recolha de vestígios no local do crime.

3 - Os trabalhadores das carreiras de especialista superior, especialista, especialista adjunto e especialista auxiliar que, ao abrigo do disposto no número anterior, não transitem para a carreira de especialista de polícia científica, mantêm-se nas carreiras subsistentes, nos termos do artigo 97.º”.

 

No quadro 2 do anexo I do EP..., enunciam-se as funções compreendidas no conteúdo funcional:

- Realização de atos de inspeção, em meio físico e digital, e de identificação judiciária, designadamente, pesquisa, recolha, acondicionamento, tratamento de vestígios e outros elementos probatórios, recolha de elementos biométricos identificativos, captação e tratamento de imagem de locais, objetos e pessoas, com recurso a procedimentos técnico-científicos e garantindo a custódia da prova, em coadjuvação direta à investigação criminal, sem prejuízo da sua autonomia técnica e científica;

- Realização de exames de recolha de prova digital, com recurso a procedimentos técnico-científicos e garantindo a custódia da prova, em coadjuvação direta à investigação criminal, sem prejuízo da autonomia técnica e científica;

- Realização de exames ou perícias e elaboração dos respetivos relatórios, nas diferentes áreas forenses laboratoriais, telecomunicações, informática, financeira e contabilística;

- Assessoria técnica e científica, nas áreas periciais, tecnológicas e informacionais;

- Participação na identificação humana em catástrofes ou cenários de exceção;

- Conceção, planeamento, avaliação e aplicação de métodos e processos técnico-científicos em matéria de inspeção judiciária;

- Prática de atos processuais, bem como outras tarefas afins ou funcionalmente ligadas, superiormente determinadas, para as quais detenha formação profissional adequada, no âmbito da respetiva matriz de competências e concreta unidade orgânica;

- Participação em reuniões, comissões e grupos de trabalho, no plano nacional e

internacional, com especial enfoque na área da criminalística e inspeção judiciária, restantes áreas forenses ou periciais;

- Representação institucional junto de organismos, instituições e serviços nacionais e estrangeiros;

- Funções de docência e colaboração em ações de formação e desenvolvimento de metodologias inovadoras, integrando o conhecimento técnico-científicos nacional e internacional;

- Colaboração com o IPJCC no âmbito das ciências criminais e forenses.

 

Tratam-se, pois, essencialmente de funções periciais no âmbito das ciências criminais e forenses.

 

De acordo com o n.º 1 do artigo 94.º do EP..., os trabalhadores integrados nas carreiras de especialista superior, de especialista, de especialista adjunto e de especialista auxiliar, podem transitar para a nova carreira de especialista de polícia científica desde que cumpram os seguintes requisitos cumulativos:

- Detenham as habilitações académicas exigidas para o posto de trabalho – licenciatura;

- Exerçam há, pelo menos um ano (ou seja, no ano de 2019), funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do anexo I;

- E manifestem declaração de vontade para a transição.

 

E, nos termos do n.º 2, alarga-se a possibilidade de transição para a carreira de EPC aos trabalhadores que cumpram os seguintes requisitos cumulativos:

- Estejam integrados na carreira de especialista adjunto;

- Há pelo menos um ano, exerçam funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do anexo I ao Decreto-lei n.º 138/2019;

- E possuam formação específica na área de criminalística e de recolha de vestígios no local do crime.

Ou seja, os especialistas adjuntos, mesmo não detendo licenciatura podem transitar para a carreira de EPC desde que pelo menos há um ano, ou seja, durante o ano de 2019, tenham exercido as funções de especialista de polícia científica e possuam formação específica na área de criminalística e de recolha de vestígios no local do crime.

 

E, no n.º 3 determina-se que os trabalhadores das carreiras de especialista superior, especialista, especialista adjunto e especialista auxiliar que, ao abrigo do disposto no número anterior, não transitem para a carreira de EPC, mantêm-se nas carreiras subsistentes.

 

Pois bem:

 

O Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 09 de Novembro foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro. 

O Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro estabelece o estatuto profissional do pessoal da C..., bem como o regime das carreiras especiais de investigação criminal e de apoio à investigação criminal e procede à revisão global das carreiras especiais da C..., e, neste sentido, cria três carreiras especiais: a carreira de investigação criminal, a carreira de especialista de polícia científica e a carreira de segurança.

Ora, no presente caso, o associado da Demandada, D..., especialista auxiliar, a exercer funções de Chefe de Núcleo pretende transitar para uma nova carreira especial, a saber: Especialista de Polícia Científica. 

A transição para esta carreira especial – Especialista de Polícia Científica – está prevista no artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro. 

 

No n.º 1 do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro verifica-se que para a transição para a carreira de Especialista de Polícia Científica é necessário ter em consideração os requisitos de ingresso previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º, isto é, uma licenciatura ou grau académico superior a esta, conforme dispõe a alínea c) n.º 1 do artigo 86.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LTFP); o exercício há pelo menos um ano, de funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do anexo I do referido Decreto-Lei; e a apresentação de uma declaração de vontade nesse sentido. 

 

Neste seguimento, o associado da Demandada, D..., não possui uma licenciatura ou grau académico superior, pese embora tenha apresentado a sua declaração de vontade. Desta forma, há um requisito que, desde logo, não é cumprido para que a transição para a carreira de Especialista de Polícia Científica possa ocorrer, sendo certo que, o n.º 1 do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro estabelece requisitos cumulativos. 

 

Quanto ao n.º 2 do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro:

 

O associado da Demandante, D..., não se encontra integrado na carreira de especialista adjunto; não exerce há pelo menos um ano as funções da carreira de especialista de polícia científica e não exerce as funções previstas na Quadro 2 do Anexo I do mencionado Decreto-Lei; e, por último, não possui formação específica na área de criminalística e de recolha de vestígios no local do crime.

 

Chegados aqui, importa definir que o associado da Demandante, D..., integra uma carreira de especialista auxiliar e pretende transitar para uma nova carreira especial designada por Especialista de Polícia Científica. 

Esta transição deve, pois, obedecer aos requisitos legais previstos no artigo 94.º n.º 1 e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, o que na verdade, não se verifica. 

Para além de que, fazendo a conjugação com a alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro não se depreende, igualmente, a existência de outra legislação ou interpretação aplicável ao caso concreto. 

Pelo que, os requisitos para ingressar na carreira especial de Especialista de Polícia Científica são naturalmente distintos dos requisitos para ingressar nas carreiras subsistentes, tal como resulta inequivocamente da letra da lei.

 

Na verdade, as carreiras de Especialista Auxiliar e de Especialista de Polícia Científica são, na sua essência e quanto ao seu conteúdo funcional, substancialmente diferentes conforme se afere do preceituado no artigo 76.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, comparativamente com o quadro 2 do Anexo I do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro. 

 

 

 

Esclarecido o sentido das normas anteriores, cumpre decidir as questões supra levantadas:

 

Antes de mais, cumpre referir que tendo em consideração que o Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro, vigorou até ao dia 31.12.2019, momento a partir do qual foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro, esse será o diploma de que nos serviremos para produzir a presente decisão. 

 

Assim sendo:

 

Em resposta à primeira questão

 

O ato administrativo realizado pela Demandada, e pela Pessoa do Diretor da Nacional da C..., não será anulado, na medida em que a Demandada publicou as denominadas listas de transição entre as quais consta o nome do associado da Demandante,  D..., que não transitou para a carreira de Especialista de Polícia Científica, tendo por base a legislação aplicável em vigor no estrito cumprimento do princípio da legalidade e da igualdade entre os trabalhadores.  

 

Em resposta à segunda questão

 

O associado da Demandante, D..., não possui uma licenciatura ou um grau académico superior, tal como prevê a alínea c) n.º 1 do artigo 86.º da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LTFP), pese embora tenha apresentado a sua declaração de vontade. 

Pelo que, há um requisito que, desde logo, não é cumprido para que a transição para a carreira de Especialista de Polícia Científica possa ocorrer, sendo certo que, o n.º 1 do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro estabelece requisitos cumulativos.  

Quanto ao n.º 2 do artigo 94.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de setembro:

O associado da Demandante, D..., não se encontra integrado na carreira de especialista adjunto; não exerce há pelo menos um ano as funções da carreira de especialista de polícia científica e não exerce as funções previstas na Quadro 2 do Anexo I do mencionado Decreto-Lei; e, por último, não possui formação específica na área de criminalística e de recolha de vestígios no local do crime.

Face ao exposto, não há lugar à transição do associado da Demandante para a carreira de Especialista de Polícia Científica, na medida em que não se verificam os pressupostos legais aplicáveis.  

 

 

III – DECISÃO 

 

Em face de tudo o que antecede, nos termos e com os fundamentos explicitados, decide o Tribunal pela absolvição da Demandada. 

 

 

Fixa-se a esta ação o valor indicado na Petição Inicial.

 

Custas pela Demandante.

 

Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, nos termos do art.º 5.º, n.º 3, do Regulamento de Arbitragem Administrativa (CAAD). 

 

 

 

Porto, 04 de novembro de 2022,

 

            

 

O Árbitro

Durval Tiago Ferreira

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] In Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, p. 464.

[2] In RLJ, ano 107.º, p. 24.