Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 18/2022-A
Data da decisão: 2022-09-28  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Relações jurídicas de emprego público
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                                                               DECISÃO ARBITRAL

 

I  - Relatório

A …, em representação de vinte e cinco dos seus associados, veio intentar a presente acção contra o M…, pedindo aprocedência da acção e que, em consequência, lhe seja reconhecido:

1 - «Que aos Associados da Demandante venha a ser anulado o ato administrativo realizado pela Demandada e napessoa do D…, e pelos motivos invocados na presente Petição Inicial»; 2 - «E, consequentemente, que os Associados da Demandante venham a transitar para a carreira de Especialistas de Polícia Científica, com todas asconsequências daí advenientes».

 

A Demandante alegou, em resumo, que os seus associados são trabalhadores do Demandado, mediante contratos de trabalho em funções públicas e pertencem às carreiras subsistentes de especialista auxiliar (21 deles) e de especialistasuperior (os restantes quatro).

 

Todos entregaram declaração de vontade no sentido de transitarem para a carreira de Especialista de Polícia Científica.Porém, não foram incluídos na lista final dos transitados para essa carreira, apesar de se encontrarem em exercício de funções correspondentes ao descritivo funcional previsto no quando 2 do anexo I ao Estatuto do Pessoal da ... há pelo menos um ano a contar da data de vigência do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro, por não serem detentores de grau académico (licenciatura ou grau superior) exigido pelo n.º 1 do artigo 94.º do mesmo diploma ou não exercerem asfunções previstas no mesmo quadro, exigidas pelo n.º 2 do mesmo artigo.

 

Alegam que o acto do Director Nacional da ... que homologou a lista de transição viola vários princípios constitucionais – da não retroactividade, da igualdade, da legalidade e da proteção de lei – e incorre em violação de lei.Nomeadamente, alega que os seus associados foram

 

 

tratados de modo diferente de outros profissionais em condições similares, sem justificação material bastante,mostrando-se violado o princípio da igualdade.

 

Juntaram documentos.

 

Regularmente citado, o Demandado M… veio oferecer Contestação, defendendo-se por impugnação e requerendo aapensação de acções. Igualmente juntou documentos.

 

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A apensação de acções foi indeferida por despacho de 6 de Julho de 2022 do Senhor Presidente do CAAD.

 

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Foi proferido despacho arbitral convidando as partes a pronunciarem-se em 10 dias quanto à possibilidade de o Tribunalse pronunciar pela ineptidão da Petição Inicial [n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil e alínea d) do n.º 1 doartigo 5.º do RCAAD].

 

O Demandado pronunciou-se tempestivamente no sentido de considerar verificada a suscitada excepção, sendo que oDemandante nada disse, no prazo fixado para o efeito ou fora dele.

 

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O presente Tribunal é composto pelo árbitro singular signatário, o qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 12 de Julho de 2022, data da notificação às partes da aceitação do encargo (artigo17.º do RCAAD).

 

 

 

II  - Saneamento

 

O Tribunal é competente, nos termos da alínea d) do n.º 2 e da alínea a) do n.º 2 da Portaria n.º 1120/2009, de 30 deSetembro.

 

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As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade ad causam, eencontram-se devidamente representadas por mandatários regularmente constituídos.

 

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Como se referiu, foi proferido despacho arbitral, em 13 de Julho de 2022, onde oficiosamente se suscitou a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, concedendo-se prazo de 10 dias para apronúncia das partes.

 

Cumpre dela conhecer em primeiro lugar, na medida em que a sua eventual procedência obstará ao conhecimento domérito da causa e conduzirá à absolvição do Demandado da instância.

 

 

 

III  - Fundamentação

 

A.    Questão a decidir

 

A questão de decidir é, então, a de saber se procede no caso a excepção dilatória oficiosamente suscitada da ineptidão dapetição inicial.

 

B.    Apreciação da matéria de facto

 

a)     Factualidade assente

 

Na presente acção mostra-se assente, com relevância para a decisão a tomar, a seguinte factualidade:

 

a)      Por despacho de 9 de Agosto de 2021 do D… foi homologada a lista de pessoal transitado para a nova carreira deEspecialista de Polícia Científica bem como do pessoal transitado para carreiras subsistentes, o qual foi publicado na Internet da ... e na Ordem de Serviço da Directoria Nacional n.º 54/2021, em 22 de Novembro de 2021, e peloAviso n.º 23407/2021, publicado no Diário da República, 2.ª Série, n.º 244, de 20 de Dezembro;

 

b)     Os associados da Demandante não constam da lista referida na alínea anterior, tendo, pelo contrário, sidoincluídos na lista de carreiras subsistentes, homologada pelo mesmo

 

 

despacho, com fundamento do facto de, consoante os casos, não possuírem as habilitações exigidas por Lei ou de não exercerem os conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do anexo I ao Estatuto do Pessoal da ...;

 

c)      A Demandante não alegou na Petição Inicial que os seus associados M…, M…, M…, E…, F…, G…, G…, A…, E…, A…, M…, M…, P…, J…, F…, A…, A…, A…., A…., A…, A…, são possuidores de habilitação académicaao nível da licenciatura;

 

d)     A Demandante não alegou na Petição Inicial que os seus associados M…, L…, L…, M…, M…, M…, F…, G…, G…, se encontravam providos na carreira de especialista adjunto, nem alegou as funções concretas exercidas porcada um deles que poderiam corresponder ao descritivo funcional do quadro 2 do anexo I do Estatuto do Pessoalda ...;

 

e)      A presente acção foi intentada no dia 18 de Março de 2022.

 

 

 

b)     Factualidade não assente

 

Não se provou outra factualidade com interesse para a decisão que se prefigura adequada.

 

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A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto assenta, quanto às alíneas a) e b) na sua admissão por acordo; quanto às alíneas c) e d), pela leitura da Petição Inicial; e, quanto à alínea e), na data de entrada da acção e respectivosdocumentos na plataforma de gestão documental do CAAD.

 

 

 

C.    Do Direito

 

O Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro, veio, entre outros aspectos, criar a nova carreira de Especialista dePolícia Científica, “ancorada nos conhecimentos técnicos e científicos necessários à interpretação de sinais, vestígios eprovas recolhidas na realização da inspecção

 

 

judiciária e à análise pericial”. A mesma carreira “tem natureza unicategorial e grau de complexidade três” (cfr.preâmbulo do diploma).

 

De acordo com a “tabela de graus de complexidade funcional” disponível em dgaep.gov.pt, o Grau 3 de complexidade funcional exige como habilitação a “Licenciatura ou grau académico superior a esta”.

 

Um dos requisitos gerais de recrutamento em qualquer carreira da ... é a posse das habilitações académicas exigidas para o posto de trabalho ou cargo [alínea b) do n.º 1 do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro].

 

O quadro 2 do Anexo I ao mesmo Decreto-Lei qualifica a carreira de Especialista de Polícia Científica como decomplexidade Grau 3, o que – de acordo com a citada informação disponível em dgaep.gov.pt – significa que exigehabilitação igual ou superior à Licenciatura.

 

O n.º 1 do artigo 94.º do mesmo diploma permite aos trabalhadores integrados em certas carreiras, incluindo a de especialista auxiliar, a possibilidade de transitar para a carreira de Especialista de Polícia Científica, nas seguintescondições: (i) cumprirem o requisito de ingresso na carreira de especialista de polícia científica previsto na alínea b) don.º 1 do artigo 44.º”; (ii) exercerem, “há pelo menos um ano, funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritosno quadro 2 do anexo I ao presente decreto-lei; (iii) manifestarem “declaração de vontade nesse sentido”.

 

Por seu turno o n.º 2 do mesmo artigo 94.º permite que os trabalhadores da carreira de especialista adjunto transitem para a carreira de Especialista de Polícia Científica, observadas as seguintes condições: (i) há pelo menos um ano exercerem funções compreendidas nos conteúdos funcionais descritos no quadro 2 do Anexo I ao Decreto-Lei n.º138/2019, de 13 de Setembro; (ii) possuírem formação específica na área de criminalística e de recolha de vestígios nolocal do crime. De acordo com este preceito, não é, por conseguinte, necessário o cumprimento do requisitohabilitacional.

 

Nos termos do n.º 5 do artigo 96.º do mencionado Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro “A transição para as carreiras [de investigação criminal, de especialista de polícia científica e de segurança] faz-se, por listas nominativas no prazo de 30 dias, contados da data de entrada em vigor

 

 

do presente decreto-lei, notificadas a cada um dos respectivos trabalhadores e tornadas públicas por afixação no órgão ouserviço, bem como inserção na página electrónica da Intranet da ...”.

 

De acordo com o n.º 2 do artigo 158.º do Código de Procedimento Administrativo, “A falta de publicação do ato, quandolegalmente exigida, implica a sua ineficácia”.

 

*

 

No que toca aos pedidos, a Demandante pretende que o Tribunal anule o ato administrativo praticado pelo D… e que osseus Associados transitem para a carreira de Especialistas de Polícia Científica, com todas as consequências daíadvenientes.

 

Todavia, o Tribunal apenas pode decidir com base nos factos essenciais, que devem ser alegados na Petição Inicial.

 

Esses factos essenciais são, no caso vertente, aqueles que conduzam à conclusão de que cada um dos vinte e cincorepresentados pela Demandante (i) está integrado em determinada profissional;

(ii)   possui as habilitações académicas exigidas como requisito de ingresso na carreira de Especialista de Polícia Científica; e (iii) exerce, há um ano ou mais, funções compreendidas no descritivo funcional da carreira e categoria deEspecialista de Polícia Científica ou, em alternativa, que, (a) está integrado na carreira de especialista adjunto; (b) exerce,há um ano ou mais, funções compreendidas no descritivo funcional da carreira e categoria de Especialista de PolíciaCientífica; e (c) possui formação específica na área da criminalística e recolha de vestígios no local do crime.

 

Compulsada a Petição Inicial, nada é concretamente alegado quanto a alguns destes aspectos, designadamente, que M…, M…, M…, E…, F…, G…, G…, A…, E…, A…, M…, M…, P…, J…, F…, A…, A…, A…, A…, A…., A…, são possuidores de habilitação académica ao nível da licenciatura, e que M…, L…, L…, M…., M…, M…, F…., G…., G…,se encontravam providos na carreira de especialista adjunto. Também não se mostram, alegadas as funções concretas porestes últimos exercidas, susceptíveis de corresponder ao descritivo funcional do quadro 2 do anexo I do Estatuto doPessoal da ... .

 

 

Embora sejam juntos à Petição Inicial alguns documentos relativamente a cada um dos vinte e cinco representados, ocerto que é que o ónus de alegação não pode considerar-se cumprido pela mera remissão para documentos.

 

Considera-se, por conseguinte, que os factos alegados pela Demandante na Petição Inicial não permitem concluir que os seus Associados tenham direito a ingressar na carreira de Especialista de Polícia Científica, com o que fica prejudicada,por falta de objecto, a possibilidade de apreciação da invalidade do acto homologatório das listas de transição para a carreira de Especialista de Polícia Científica e para as carreiras subsistentes.

 

Como se decidiu no Tribunal Central Administrativo do Sul, no acórdão de 18 de Outubro de 2016, proferido noProcesso n.º 203848/14.2YIPRT.C1:

 

«No conhecimento do mérito do recurso julgamos ser pacífico que a ineptidão da petição inicial é uma excepção dilatória que conduz à abstenção do conhecimento do mérito da causa e à absolvição dos Réus da instância e que tal excepção é de conhecimento oficioso pelo tribunal conforme os artigos 186.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), e 278.º, n.º 1,alínea b), ambos do Código de Processo Civil.

 

Sabemos que a petição inicial tem de formular um silogismo que estabeleça um nexo lógico entre as suaspremissas (as razões de facto e de direito explanadas) e a conclusão (o pedido deduzido) e que a sua falta se traduz numa ausência ou inexistência de objecto do processo. Porém, dizer isto não resolve a concreta apreciação que emcada caso, em cada processo, é necessário realizar para concluir se a alegação consistente na causa de pedir é feitaem termos genéricos tais que não ilustre e evidencie, em factos concretos, o objecto do litígio, ou se essageneralidade, ou deficiência por escassez ou falta de completa inteligibilidade, permite sem esforço deimaginação compreender qual é a causa de pedir, de tal forma que, em si mesma e mesmo sem aperfeiçoamento,autoriza um julgamento e uma decisão sobre o seu mérito.

 

É este juízo que deve ser realizado para obter solução do objecto do presente recurso.

 

Nos termos dos arts. 5 nº1 e 552 nº1 al.d) do Código de Processo Civil, às partes cabe alegar os factos queintegram a causa de pedir e as excepções, sendo pois na petição inicial que

 

 

devem constar os concretos e reais factos que preenchem a previsão da norma jurídica na qual a parte funda o seudireito. Isto é, o autor está obrigado à alegação e prova dos factos que, segundo a norma substantiva aplicável, servem de pressuposto ao efeito jurídico por ele pretendido».

 

No mesmo sentido, cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14 de Novembro de 2017, proferido noprocesso n.º 7034/15.9T8VIS.C1:

 

« Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam asexcepções  invocadas (art.º  5º,  n.º  1  do  Código  de  Processo  Civil/CPC)[2]Além  dos  factos articuladospelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instruçãoda causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aquelesde que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (n.º 2).

 

O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação,determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa deacto que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo (art.º 6º, n.º 2).

 

É nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial (art.º 186º, n.º 1). Diz-se inepta a petição:

a)    Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir (n.º 2, alínea a)). Se o réucontestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não éjulgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial(n.º 3).

 

ineptidão da petição inicial determina a nulidade de todo o processo, excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância (art.ºs 186º,278º, n.º 1, alínea b); 576º, n.ºs 1 e 2; 577º, alínea b) e 578º).

 

Na petição, com que propõe a acção, deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pediras razões de direito que servem de fundamento à acção (art.º 552º, n.º 1, alínea d)).

 

 

Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido (art.º 581º, n.º4).

 

Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatóriasinsupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560º (art.º 590º, n.º 1). Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a: Providenciar pelo suprimento de excepções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6º; Providenciar pelo aperfeiçoamento dosarticulados, nos termos dos números seguintes (n.º 2, alíneas a) e b)). Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido (n.º 4).

 

3.     Na petição inicial o A. propõe a acção, deduzindo certa pretensão de tutela jurisdicional, com a menção dodireito a tutelar e dos fundamentos respectivos.

 

O pedido é a pretensão do autor (art.º 552º, n.º 1, alínea e)); o direito para que ele solicita ou requer a tutelajudicial/e o modo por que intenta obter essa tutela; o efeito jurídico pretendido pelo autor (art.º 581º, n.º 3).

 

causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, direito que não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico queseja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir – o acto ou facto jurídico concreto em que o autor se baseia para formular o seu pedido, de que emerge o direito que se propõe fazer declarar.[3]

 

Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real em causa (art.º 581º, n.º 4).

 

4.    A figura da ineptidão da petição inicial (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos queintegram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto

 

 

inteligível) distingue-se e contrapõe-se à mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição,caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omita a densificação de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial).

 

E é só nesta segunda situação, de mera insuficiência de concretização factual relevante (de factualidade de quedepende a procedência da pretensão do A.), que a parte poderá/deverá ser convidada a completar o articulado,podendo ainda tal insuficiência ou incompletude vir a ser suprida em consequência da aquisição processual de tais factos concretizadores, se revelados no decurso da instrução (art.º 5º, n.º 2, alínea b)), sendo que, persistindo mesmo assim a dita insuficiência concretizadora, a consequência de tal insuficiência da matéria de factoprocessualmente adquirida não será a anulação de todo o processo, mas antes a improcedência, em termos de juízo de mérito, da própria acção, por o A. não ter logrado, afinal, apesar das amplas possibilidades processuais de que beneficiou, alegar e provar cabalmente todos os elementos factuais constitutivos de que dependia oreconhecimento do direito por ele invocado…[4]

 

(…)

 

Na situação em análise, a Mm.ª Juíza a quo não proferiu, nem tinha que proferir, despacho convidando aosuprimento de deficiência ou insuficiência de articulado (art.º 590º, n.º 4 - normativo que só se aplica aos casos em que a causa de pedir esteja insuficientemente concretizada, e não às situações em que falte de todo a formulaçãoda ´causa petendi`).

 

Estamos perante uma p. i. em que falta a causa de pedir (falta, de todo, a indicação da causa de pedir – maxime, os factos concretos que suportassem a aquisição originária e/ou derivada do direito de propriedade pelos AA.), e não perante p. i. deficiente ou incompleta, no que concerne à descrição dos factos constitutivos do direito nelainvocado.

 

Os AA. não indicaram o facto genético ou matriciala causa geradora do núcleo essencial do direito ou dapretensão deduzida em juízo[5]; a p. i. é omissa quanto à fonte do direito invocado (causa de pedir).

 

 

7. Perante a completa falta de alegação de factos susceptíveis de integrar a causa de pedir, inviabilizou-se oconhecimento do mérito da causa (art.ºs 186º, 278º, n.º 1, alínea b); 576º, n.ºs 1 e 2; 577º, alínea b) e 578º), nenhum relevo podendo ser dado ao arrazoado de fls. 214, onde, de resto, vemos também admitida a total ausência, na p. i., de factos idóneos a produzir o pretendido efeito jurídico…

 

Ao julgar inepta a petição por omissão de causa de pedir, decidiu-se, pois, em conformidade com o descritoregime jurídico e o entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência.[6]».

 

 

 

Considera-se inepta a petição inicial quando “falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”[alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC, subsidiariamente aplicável].

 

Esta não é, sequer, uma situação de improcedência da acção, pois não se trata de uma situação de “não prova” dos factos, mas sim de um problema que lhe é anterior, que é o de “não alegação” dos mesmos e que redunda noincumprimento do ónus de alegação previsto na primeira parte do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil.

 

Neste sentido, o citado acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 18 de Outubro de 2016, é claro quandoafirma:

 

«Diga-se que o critério para aferir se uma petição é apta ou inepta (maximé com fundamento na inexistência ou ininteligibilidade da causa de pedir) não reside em os réus haverem reclamado esses vícios, ou haverem contestado sem os protestarem. E o óbvio desta conclusão parte desde logo de se ter por inequívoco que a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir se estabelece em relação ao processo e ao que nele fica expresso e não ao queeventualmente o réu possa ter conhecimento para lá do que seja expresso na petição inicial.

 

De forma mais clara e no limite do absurdo, se um Autor se limitar a dizer que pretende uma determinada indemnização do Réu porque este lhe causou dano pelas razões que ele bem sabe, se este último contestar dizendoque não causou dano algum ao demandante e que tudo aquilo

 

 

que ele sabe que aquele pretende referir como causa, mas não diz, é inteiramente falso, dúvidas não podemos ter que essa petição seria absolutamente inepta ainda que se argumentasse que, afinal, o réu não arguiu a nulidade de todo oprocesso por ineptidão da petição inicial e que havia entendido bem o que o Autor pretendia. É que não se trata de oRéu entender ou não mas sim, diferentemente, de tal ter de ser entendido no processo nomeadamente por aquele quevai ter de julgar.

 

A locução normativa segundo a qual “se o réu contestar apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando ouvido o autor se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial” (art. 186 nº3 do NCPC) - não significa, pois, que a ausência de arguição denulidade por parte do réu torne boa a petição quando a esta falte a causa de pedir ou esta seja ininteligível.

 

A previsão da norma é diversa e quer tão só significar que ainda que o Réu tenha arguido essa nulidade, se o que oAutor alegou puder permitir um julgamento de mérito, ainda que mais dificultado pela falta de clareza ou completude do que alegou, tal não obsta ao prosseguimento do processo quando se revele que interpretou bem, e/ou até esclareceu com a contestação, essa falta de clareza ou incompletude».

 

Em face de tudo o que antecede, considera-se inepta a Petição Inicial apresentada nestes autos pela Demandante, nos termos da primeira parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, por não terem sido alegados os factos essenciais que constituem a causa de pedir da presente acção, o que se declara.

 

A ineptidão da petição inicial torna nulo todo o processo, nos termos do n.º 1 do mesmo artigo 186.º, o que igualmentese declara.

 

A nulidade de todo o processo constitui excepção dilatória, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, aqual obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (n.º 2 do mesmo artigo 89.º), o que sedecidirá a final.

 

*

 

 

Face à resposta dada a esta excepção, fica prejudicado o conhecimento do mérito da causa.

 

*

 

Fixa-se à presente causa o valor de € 30.000,01, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 31.º e dos n.ºs1 e 2 do artigo 34.º do CPTA e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável,bem como do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.

 

*

 

Os encargos da presente acção são suportados nos termos do n.º 5 do artigo 29.º do RCAAD.

 

 

 

IV  - Decisão

 

Nos termos que antecedem, decido:

 

a) Julgar procedente, por provada a excepção dilatória da nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial, eabsolver o Demandado da instância;

 

a)      Fixar à presente causa o valor de € 30.000,01, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 31.º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 34.º do CPTA e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, bem como do artigo 29.º do Regulamento do CAAD;

 

b)     Os encargos da presente acção são suportados nos termos do n.º 5 do artigo 29.º do RCAAD.

 

 

 

Registe, notifique e publique.

 

CAAD, 28 de Setembro de 2022

 

O Árbitro,

 

                                                 (Aquilino Paulo da Silva Antunes)