DECISÃO ARBITRAL
Demandante: A..., casada, residente na ..., ....
Demandado: B..., IP, com sede na ..., n.º ... ..., ..., ...-... Lisboa.
Despacho
Por se tratar de documento protestado juntar com a contestação e por poder ter pertinência para a discussão da causa, admite-se o documento junto pelo Demandado em 14.09.2022, notificado à Demandante, bem como a respetiva pronúncia da mesma, trazida aos autos em 23.09.2022.
Seguindo-se a
SENTENÇA ARBITRAL
I. Relatório.
A.
A demandante, oficial de registos, atualmente colocada na Conservatória do Registo Civil de ..., propôs neste tribunal arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) uma ação administrativa contra o Demandado, pedindo para:
a) ser reconhecido o direito da Autora a auferir o valor de €6.382,75 a título de diferenças de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia;
b) ser reconhecido o direito da Autora a auferir o valor total de €6.343,90 a título de diferenças de vencimento de exercício e o Reu seja condenado no pagamento de tal quantia e a recalcular corretamente o vencimento de exercício da Autora;
c) ser reconhecido o direito da Autora a receber a título de diferenças de vencimento o valor de €1.735,72 e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia, assim como ser reconhecido que a mesma tem direito ao vencimento mínimo de 1.370,36€;
d) ser reconhecido o direito da Autora a receber os emolumentos pessoais em falta a calcular pelo Réu;
e) ser afastada a aplicação do artigo 10.º n.º 1 e n.º 4 do DL n.º 145/2019 de 23/09 à Autora por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações;
f) ser repristinado o Decreto-Lei n.º 519-F2/1979 de 29 de dezembro e o disposto na Portaria n.º 940/99 de acordo com os quais se fixa a forma de cálculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito à data da entrada em vigor do DL 115/2018 (diploma que criou o regime da carreira especial dos oficiais de registo) e com base nisso calcular o vencimento médio nacional de um escriturário superior no 1.º escalão e aplicá-lo à Autora com consequente alteração da sua posição remuneratória; caso isso não seja exequível, aplicar à Autora o vencimento médio nacional de um escriturário superior no 1.º escalão à data da entrada em vigor do DL 115/2018, com consequente alteração da sua posição remuneratória.
Para tal alega, quanto aos pedidos em a) e b) que desde o seu ingresso em agosto de 2002, na categoria de escriturário, foi remunerada pelo índice 150, em agosto de 2005 passou a auferir por força de progressão pelo índice 165, em 2019 foi catapultada para escriturária superior, auferindo pelo índice 190.
Não obstante, em 2002 o índice 150 já correspondia ao índice 155, em 2003 o índice 155 passou a corresponder ao índice 157, em 2004 o índice 157 tinha correspondência com o índice 160, de 2005 a 2009 houve atualização do índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial, que se manteve inalterado nos subsequentes anos de 2010 a 2017, que em 2018 o índice 175 correspondia ao índice 184 e que em 2019 o seu vencimento devia corresponder ao índice 199.
Funda a sua pretensão em diversas portarias que foram atualizando a cada ano o valor do índice 100, bem como em diversos diplomas legais – Decretos-Leis n.º 70-A/2000, de 5 de maio; 77/2001, de 5 de março; 23/2002, de 1 de fevereiro; 54/2003, de 28 de março; 57/2004, de 19 de março; 29/2019, de 20 de fevereiro; 145/2019, de 23 de setembro e 10-B/2020, de 20 de março – que foram atualizando os índices e a base remuneratória da administração pública, não lhe tendo sendo os respetivos valores de remuneração de categoria pagos de conformidade com todas as disposições legais e regulamentares aplicáveis.
Alegou ainda que o vencimento de exercício deveria, no mínimo, ser de valor idêntico ao do vencimento de categoria, pelo que, tendo este sido erradamente calculado, igualmente deverá ser recalculado o vencimento de exercício.
No respeitante ao pedido de emolumentos pessoais, com a natureza de suplementos remuneratórios decorrentes de circunstâncias especiais na prestação do trabalho, a Demandante alega que os mesmos são distribuídos pelos funcionários na proporção dos respetivos ordenados, pelo que estando mal calculados o vencimento de categoria e o vencimento de exercício, tal obriga também ao recálculo dos emolumentos pessoais.
A Demandante alega ainda diversas violações da Constituição relacionadas com o facto de ter sido considerado o vencimento de exercício – somado ao vencimento de categoria – nomeadamente por considerar que o vencimento de exercício se encontrava “transitoriamente congelado” há vários anos, pelo que não retrataria a realidade à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, nem garantiria a igualdade entre trabalhadores, sendo certo que a justificação aduzida pelo legislador – respeito pelo não retrocesso salarial – não seria suficiente para criar disparidades salariais ou até pela remuneração mais elevada para profissionais de menor antiguidade. Conclui que deveria aplicar-se o artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79 e o disposto nos artigos 1.º, 2.º, 3.º e 8.º da Portaria n.º 940/99 no cálculo do vencimento de exercício dos oficiais de registos, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, e calcular um vencimento médio nacional de escriturário superior no 1.º escalão e aplicá-lo à Demandante ou, não sendo isso possível, aplicar à Demandante um vencimento médio nacional de escriturário superior no 1.º escalão à mesma data, com o objetivo de repor a justiça relativa.
Juntou documentos.
B.
Regularmente citado para contestar, querendo, o pedido formulado nos autos, o Demandado não impugnou os documentos juntos pela Demandante, aceitou os factos alegados nos artigos 12.º a 17.º da petição, incluindo os vencimentos de base e de participação emolumentar alegados nos autos, mas defendeu-se, desde logo por exceção, arguindo a incompetência do tribunal, a intempestividade da ação e a impropriedade do meio processual, mas também por impugnação, asseverando que os dirigentes das Conservatórias e Cartórios Notariais procederam à atualização do índice 100 e ao processamento e pagamento das remunerações, de acordo com as normas legais, regulamentares, despachos e informações que identifica, conhecidos da Demandante e que esta não impugnou.
A final, com a sua contestação, juntou aos autos diversos documentos, tendo protestado juntar um deles, o que viria a efetuar.
C.
Foi proferido despacho inicial, em 16.05.2022, convidando as partes a exercer o seu contraditório quanto à projetada modificação do valor da causa, dos € 15.000,00 indicados pela Demandante, para o valor que corresponder à soma de todos e cada um dos pedidos formulados a título principal, quer os respeitantes ao pagamento de quantias, quer os demais pedidos atinentes a quantias futuras ou a pretensões de valor indeterminável.
No mesmo despacho, dado que o Demandado suscitou na contestação a questão prévia da conveniência da apensação de processos bem como as exceções de incompetência, intempestividade e impropriedade do meio processual, foi a Demandante convidada a pronunciar-se, querendo, sobre as exceções e questões suscitadas pelo Demandado, bem como sobre a suficiência e completude do processo administrativo junto aos autos com a contestação. Foi finalmente comunicado às partes que o tribunal pretendia dispensar a realização de audiência final por entender que se mostravam reunidos os pressupostos para que o processo fosse conduzido apenas com base nos elementos de prova documental constantes dos autos, já que o seu objeto se reconduz a questões de direito com causa de pedir assente em factos dependentes de prova documental e, bem assim, foram as partes convidadas manifestar a sua intenção de não prescindirem de apresentar alegações finais.
Notificadas para o efeito, o Demandado aceitou a alteração do valor da causa, a condução do processo sem audiência final e manifestou a intenção de apresentar alegações finais. Já a Demandante aceitou a alteração do valor da causa, a condução do processo sem audiência final, manifestou a intenção de apresentar alegações finais e pronunciou-se sobre as exceções deduzidas na contestação pelo Demandado.
D.
Em 11.08.2022, o tribunal proferiu novo despacho a relegar para a decisão final a respetiva fixação do valor da causa, a determinar o prosseguimento dos autos dada a inexistência de impulso das partes junto do processo instaurado em primeiro lugar quanto a uma eventual pretensão de apensação processual, a consignar a data de termo do prazo para a decisão arbitral, a indeferir os pedidos instrutórios deduzidos pela Demandante contra o Demandado, a relegar o conhecimento da matéria de exceção para o momento da decisão arbitral e convidar as partes para alegações finais.
Que foram por ambas apresentadas, reiterando essencialmente as suas posições expressas nos articulados.
II. Da constituição do tribunal e saneamento da causa.
A pretensão que acima se apresenta desponta de interesses de natureza patrimonial Demandante, suportados na sua relação jurídica de emprego público com o Demandado instituto público, por via de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, na categoria de escriturário e, mais tarde, de oficial de registos.
A legitimidade da Demandante advém-lhe da titularidade dos direitos e interesse legalmente protegidos em causa nos autos e a do Demandado de contra si terem sido deduzidos os pedidos.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído em 11.03.2022, tendo o signatário, que integra a lista de árbitros do CAAD, aceitado o encargo da sua nomeação como árbitro único, o que foi acolhido por ambas as partes (artigo 17.º do Regulamento do CAAD).
Mostram-se na presente instância arbitral, respeitados os princípios da absoluta igualdade das partes e de estrita observância do contraditório.
As partes em juízo são representantes e titulares dos interesses que constituem o objeto do litígio, pelo que são legítimas e se mostram capazes, não existindo nulidades que invalidem o processo.
Comecemos, pois, pelas exceções alegadas e que, a serem procedentes, obstariam, no todo ou em parte, ao conhecimento do mérito da causa.
A. A suscitada exceção de Incompetência da jurisdição arbitral.
As partes estão de acordo quanto à aplicação do disposto na Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, para o ajuizamento a tomar acerca da suscitada questão da competência material da presente instância arbitral sob a égide do CAAD.
A Demandante afirma que o tribunal é competente, de consonância com o disposto na alínea j) do n.º 1 do artigo 1.º da citada Portaria, conjugado com a alínea a) do n.º 2.
Por seu lado,
O Demandado pugna pela incompetência material desta instância arbitral, por entender que, verdadeiramente, a pretensão da Demandante se reconduz à sindicância da aprovação e vigência do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro e das opções e critérios definidos pelo legislador em matéria de regime remuneratório das carreiras especiais de conservador e de oficial de registos, de tal modo, que não está em causa uma relação jurídico-administrativa de emprego público, mas sim a própria definição da política salarial, subjacente à revisão dos regimes remuneratórios e à transição para novos regimes.
Ainda no entender do Demandado, o direito de ação da Demandante tratar-se-ia de um ataque ao exercício da função legislativa e não, propriamente, de uma reação a qualquer oposição do Demandado aos interesses da Demandante.
Todavia, desta construção lógica, o Demandado ainda respiga a conclusão de que estarão em causa interesses indisponíveis, que não clarifica, bem como a reserva de competência dos tribunais do Estado para o julgamento de questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas.
Decidindo:
Em boa verdade, se dos pedidos e causas de pedir formulados pela Demandante não resultasse uma pretensão com utilidade individualizada, correspondente ao reconhecimento de posição jurídica subjetiva fundada em normas jurídico-administrativas, mas essencialmente uma crítica a atos praticados no exercício da função político-legislativa e, nesse domínio, em matéria de revisão de regimes remuneratórios e de carreira dos oficiais de registos, não estaria em causa apenas a incompetência material dos tribunais arbitrais, mas igualmente a incompetência material dos tribunais estaduais da jurisdição administrativa, por efeito do disposto no artigo 4.º, n.º 3, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, na redação em vigor.
Mas não lhe assiste razão, pois que a Demandante peticiona a desaplicação por inconstitucionalidade do artigo 10.º n.º 1 e n.º 4 do decreto-Lei n.º 145/2009 e a repristinação do Decreto-Lei n.º 519-F2/1979, de 29 de dezembro e da Portaria n.º 940/99, visando o apuramento do seu vencimento base e a alteração da sua posição remuneratória.
Os tribunais arbitrais integram a categoria de tribunais, dotados de função jurisdicional, como expressamente flui dos artigos 209.º, n.º 2 e 202.º da Constituição da República, podendo e devendo nos feitos submetidos ao seu julgamento recusar a aplicação de normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados. Assim o prevê o artigo 204.º da Constituição, não tendo qualquer apoio a posição em contrário defendida pelo Demandado.
Porventura conjeturando sobre o regime concentrado de fiscalização preventiva e abstrata da constitucionalidade, labora o Demandado em erro ao afirmar que só aos tribunais estaduais e, dentro destes, apenas ao Tribunal Constitucional, compete apreciar a inconstitucionalidade de normas pois, como decorre do disposto no artigo 280.º da Constituição, vigora no ordenamento jurídico nacional um sistema difuso de controlo da constitucionalidade das normas, podendo os tribunais – quaisquer tribunais - recusar a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade e cabendo das suas decisões recurso para o Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade.
Não se vislumbra, pois, nos pedidos e causas de pedir formulados na ação, em particular nos vertidos nas alíneas e) e f) do petitório, que correspondem àqueles a que melhor se compreende o ataque desferido pelo Demandado, qualquer impedimento a que sejam cometidos pelas partes a decisão arbitral, nos termos da convenção de arbitragem que resulta da Portaria n.º 1120/2009 ao vincular à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD vários serviços centrais, pessoas coletivas e entidades que funcionam no âmbito do Ministério da ..., entre eles o ora Demandado.
Embora o Demandado não sustente propriamente a sua exceção na existência de uma situação de direitos indisponíveis, importa ponderar igualmente se não se verificará nos autos, por se tratar da apreciação de litígio relativo a vencimentos e suplementos, de um caso de direitos indisponíveis que, por força dos artigos 180.º, n.º 1, alínea d) e 187.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) da Portaria n.º 1120/2009, estaria subtraído respetivamente à competência dos tribunais arbitrais e à vinculação a esta instância arbitral.
Pensamos que não.
Desde logo, como vem sendo decidido em termos uniformes pelo CAAD, o que verdadeiramente se subtraiu à arbitrabilidade foram os litígios relativos a direitos em absoluto irrenunciáveis.
E se é certo que o direito à retribuição é um direito irrenunciável do trabalhador, ligado à sua entidade empregadora por uma relação jurídica de trabalho subordinado e de natureza administrativa, como resulta do artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, não é menos verdade que nos presentes autos não se visa apreciar o âmago do direito da Demandante à retribuição, mas sim ao apuramento das suas corretas posições ou índices remuneratórios com as inerentes diferenças salariais.
As quais, diga-se, correspondem a diferenças salariais muito inferiores a um terço da remuneração mensal da Demandante e reconduzíveis à sua esfera de disponibilidade, já que não pode esta tão somente “ceder, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos a remunerações na medida em que estes sejam impenhoráveis”, como dispõe o artigo 175.º da já referida Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Reconduzindo-se as diferenças salariais em causa nos autos a montantes que nos termos do disposto no artigo 738.º, n.º 1 e 3 do Código do Processo Civil, são inferiores a um terço da parte líquida dos respetivos vencimentos, com o mínimo da retribuição mínima mensal garantida e o máximo de três salários mínimos nacionais, pelo que é forçoso é concluir, por identidade de razões, que a Demandante pode dispor das diferenças salariais que reclama nos autos, sendo a totalidade do seu pedido reconduzível a direitos perfeitamente disponíveis.
Da conjugação do exposto resulta a improcedência da exceção invocada, sendo o tribunal competente.
B. Da suscitada exceção de intempestividade da ação.
Na sua contestação, o Demandado invoca que a Demandante, caso tivesse ocorrido qualquer desconformidade aquando dos cálculos ou processamentos das suas remunerações, deveria ter procedido à sua impugnação nos termos e prazo estabelecidos no artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA.
Apresenta, em suma, quatro documentos que afirma consubstanciarem atos administrativos, divulgados a todos os serviços ou publicados:
ü O ofício n.º ..., de 29 de maio de 2000, do Gabinete de Gestão-Financeira do Ministério da ..., remetido ao então Diretor Geral dos ..., através do qual se procedeu ao envio das tabelas de atualização de vencimentos e participações emolumentares e onde se refere que “não se procedeu a alterações até ao índice 200”.
ü O Despacho n.º 20/2003 do então Diretor Geral dos ..., relativo à aplicação aos serviços externos na Portaria n.º 303/2003, de 14 de abril, relativa aos aumentos salariais para esse ano.
ü A informação da Direção de Serviços de Recursos Humanos relativa à aplicação aos serviços externos na Portaria n.º 205/2004, de 3 de março, sobre os aumentos salariais para esse ano.
ü E a deliberação do Conselho Diretivo de 20/01/2020 (que aprovou a lista nominativa de transições para as novas carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos, estabelecidas de acordo com o DL n.º 115/2018, de 21/12, incluindo para as respetivas novas tabelas remuneratórias previstas nos anexos I, II e III do DL n.º 145/2019, de 23/09).
Acontece, porém, que
A propositura de ações administrativas não está, em regra, sujeita a prazo, podendo ser proposta a todo o tempo, ressalvadas as exceções previstas na lei substantiva ou no capítulo seguinte do CPTA, referente à impugnação de atos administrativos, à condenação à prática de ato devido, à impugnação de normas e à impugnação de contratos, quando a dedução destas pretensões está sujeita a prazos (cfr., neste sentido, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª Edição, 2022, Almedina, p. 298).
Uma das exceções previstas na lei substantiva, é a prescrição, quer a que decorre do direito de indemnização por responsabilidade civil, quer a prescrição ordinária de direitos, a qual não foi invocada, porventura porque se verificará mas que, não pode ser conhecida oficiosamente pelo tribunal, carecendo de ser invocada pelo interessado a quem aproveita, como resulta conjugadamente dos artigos 303.º e 309.º do Código Civil.
No capítulo seguinte, contendo disposições particulares sobre a impugnação de atos administrativos, o artigo 58.º do CPTA estabelece, com efeito, um pressuposto processual da impugnação de atos administrativos, em particular os anuláveis, relativo à sua tempestividade.
Este regime verte para processo administrativo a distinção substantiva entre atos nulos e atos anuláveis, os primeiros podendo a sua invalidade ser suscitada a todo o tempo, nos termos do disposto no artigo 162.º do Código do Procedimento Administrativo e os segundos, sujeitos a impugnação perante a própria administração ou perante os tribunais administrativos competentes, dentro dos prazos legalmente estabelecidos, como dispõe o artigo 163.º, n.º 3 do Código do Procedimento Administrativo.
Importa, pois, sopesar se os ofícios, despachos, informações, juntos pelo Demandado com a sua contestação (e um deles, já após esse momento) se subsumem à natureza de atos administrativos ou se, ao invés, a pretensão da Demandante resulta direta e imediatamente de normas legais aplicáveis, sem qualquer intermediação de uma atividade administrativa que se traduza na prática de atos administrativos, por contraposição com atos de execução e operações materiais.
Vejamos:
O artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo, tendo por epígrafe “Conceito de ato administrativo”, estabelece que … “consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
Ainda o artigo 51.º, n.º 1 do CPTA, já a propósito do conceito de “atos impugnáveis”, subsume-os a uma e à mesma coisa - às decisões administrativas que no exercício de poderes jurídico-administrativos visem produzir efeitos numa situação individual e concreta.
Ora,
Em nenhum dos alegados atos emanados desde o ano 2000 (o primeiro até anterior à admissão da Demandante na carreira e acima referenciados), se verifica existir uma verdadeira pronúncia autoritária da administração que vise produzir efeitos externos, como o seriam, por exemplo atos de promoção, progressão e descongelamento, que embora existindo não constituem objeto do dissídio.
São atos meramente internos da administração, no sentido de despoletar e auxiliar na aplicação das normas legais.
Com tais atos, a administração visou materialmente dar satisfação aos regimes legais neles indicados, praticando as operações materiais que consubstanciam o processamento mecanizado de vencimentos e suplementos.
Como se concluiu no Acórdão do TCA Norte, de 18.12.2020, processo n.º 1484/16.0BEPRT, que aliás efetua uma resenha da evolução jurisprudencial sobre a temática das operações materiais e dos atos administrativos relativos a processamento de vencimentos “A teoria dos atos processadores de vencimentos ou abonos como atos administrativos está subordinada a um duplo pressuposto: (i) que o ato consubstancie uma definição voluntária da Administração de uma situação jurídica unilateral e que, (ii) essa decisão seja comunicada de forma adequada de modo a permitir uma eficaz comunicação. A falha na demonstração de tais requisitos conduz à conclusão que os atos de processamentos de vencimentos são inoponíveis ao Autor para efeitos impugnatórios.”
Pode assim concluir-se que constitui um verdadeiro ato administrativo e não uma mera operação material, a atuação administrativa que se traduza numa definição inovatória e voluntária, no exercício do seu poder de autoridade e se cada um desses atos tiver sido validamente notificado ao interessado, com indicação do autor do ato, do sentido e da data da decisão.
As normas legais que constituem a causa de pedir dos indicados pedidos em a) a d) nem sequer exigiam da administração a prática dos indicados atos como sendo atos administrativos, tal como não a habilitavam à sua prática, que resulta de uma mera conveniência interna dos serviços tendo em vista facilitar e ou uniformizar os atos materiais de processamento e execução da lei.
Os pedidos da Demandante, concretamente os peticionados em a) a d) não têm por escopo, nem dependem, da impugnação de atos administrativos, antes se subsumem ao reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas.
“O pedido de reconhecimento de um direito pressupõe sempre a existência de uma anterior norma legal onde radica esse direito a reconhecer, ou seja, de uma norma que, desde que verificados determinados pressupostos ou requisitos, projecta directamente na esfera jurídica do destinatário o direito que pretende seja reconhecido” (v. Acórdão do STA, de 31 de maio de 2005, proferido no processo n.º 78/04, apud Mário Aroso de Almeida, ob. Cit., pág. 268).
Não se pode, assim, deixar de concordar com as palavras da Demandante, expressas nos artigos 51.º a 54.º da petição: 51. “As atualizações acima expostas e aqui reclamadas, decorriam imediatamente da lei (conforme os diplomas acima identificados) e eram feitas de forma oficiosa, ou seja, não careciam de requerimento do interessado para serem levadas a cabo. 52. Alem de que não importava uma definição do direito ao caso concreto por ato administrativo. 53. Nem eram objeto de concreta notificação aos interessados. 54. Pelo que se trata do mero reconhecimento de situação jurídicas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas.”
Ante o exposto, as pretensões da Demandante seguem a forma de ação administrativa, nos termos do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea f) do CPTA, caindo na regra geral quanto ao prazo de propositura da ação prevista no artigo 41.º, n.º 1 do CPTA.
Improcede, pois, a exceção de intempestividade da ação.
C. Da alegada impropriedade do meio processual.
Como consequência lógica da exceção anteriormente decidida, o Demandado invoca finalmente a exceção dilatória de impropriedade do meio processual utilizado pela Demandante, socorrendo-se do n.º 2 do artigo 38.º do CPTA, que proíbe a obtenção por outros meios processuais do efeito que resultaria da anulação de ato que se mostre inimpugnável.
No fundo, o que se sustenta na contestação é que a anulação dos atos que o Demandado qualifica como administrativos – que não foram impugnados pela Demandante – e a sua consequente eliminação da ordem jurídica, não pode ser alcançada por outro meio processual que se dirija à impugnação contenciosa desses atos e que não cumpra os pressupostos do processo de impugnação de atos administrativos, desde logo relativos à sua tempestividade.
Todavia, tendo sido já decidido que os atos identificados e documentalmente demonstrados pelo Demandado não constituem atos administrativos na aceção dos artigos 148.º do CPA e 51.º, n.º 1 do CPTA, que a Demandante não carece nem pretende, com a presente ação, de impugnar atos administrativos, mas obter o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas direta e imediatamente decorrentes de normas jurídico-administrativas sem a necessidade de concretização em atos administrativos, que tais atos foram emitidos por conveniência da administração e como meros atos e operações materiais de execução, há que concluir que não se verifica qualquer inidoneidade do meio processual.
Na verdade e nos termos do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea f) do CPTA, a presente ação é adequada e idónea para o efeito pretendido pela Demandante.
Improcede, pois, a invocada exceção de impropriedade do meio processual.
III. Do mérito da causa.
A. Questões a decidir.
As questões a decidir nos presentes autos, decorrentes das causas de pedir e dos pedidos, bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados, são as seguintes:
a) Saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da aplicação de índices salariais inferiores aos devidos.
b) Saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento de diferenças a título de emolumentos pessoais, a calcular em virtude da eventual procedência dos três primeiros pedidos.
c) Saber se o n.º 1 e o n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, padecem das inconstitucionalidades invocadas, devendo ser afastada a sua aplicação e, em consequência, se deve ser repristinado o regime de cálculo da participação emolumentar anteriormente vigente, calculando-se o respetivo vencimento e alterando-se a sua posição remuneratória.
B. Factualidade provada.
1. Mostram-se provados os seguintes factos, pertinentes para a boa decisão da causa:
a) A Demandante é oficial de registos, ocupando o posto de trabalho na Conservatória de Registo Civil de ..., vinculada por contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado.
b) A Demandante encontra-se colocada entre as posições remuneratórias 1.ª e 2.ª do Anexo II do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro e entre os níveis remuneratórios 15.º e 19.º da Tabela Remuneratória Única aprovada pela Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro.
c) Foi admitida com a categoria de escriturário em 26.08.2002, data em que tomou posse, auferindo pelo escalão 1, índice 150.
d) Progrediu na carreira de escriturário em 25.08.2005 para o escalão 2, índice 165.
e) Progrediu em 01.01.2018 para o escalão 3 da categoria de escriturário, índice 175, ainda que tenha transitado para a carreira/categoria de oficial de registos, com efeitos à mesma data.
f) Em 2019 foi catapultada a escriturária superior, passando a auferir pelo índice 190.
g) A Demandante aufere o vencimento de € 1.308,37.
h) A Demandante auferiu, desde a sua tomada de posse, os vencimentos de categoria e de exercício que constam da sua nota biográfica e que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
i) Nesse período auferiu igualmente emolumentos pessoais mensalmente.
j) Dão-se por reproduzidos o teor dos documentos 1 a 4 juntos pela Demandante com a sua petição, respeitantes à sua evolução profissional e remuneratória, bem como os documentos 1 a 6 juntos pelo Demandado com a sua contestação, respeitantes a ofícios, despachos, deliberações, informações e notificações relativas a remunerações de escriturários e oficiais de registos.
Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos.
2. A convicção e motivação do tribunal arbitral para a prova dos sobreditos factos, que se afiguram ser os pertinentes para a boa decisão da causa, resulta dos factos articulados pelo Demandante e aceites pelo Demandado, bem como da análise crítica da prova documental produzida e que consta dos documentos juntos com a petição inicial e com a Contestação.
C. O Direito aplicável.
Expostos os factos pertinentes para a apreciação do mérito da causa, cumpre proceder à apreciação das questões supra enunciadas.
Desde logo, a primeira consiste em saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da aplicação de índices salariais alegadamente inferiores aos devidos.
O próprio Demandado reconhece, embora fundado nos documentos que apresenta nos autos, não ter aplicado as alterações dos índices salariais decorrentes da entrada em vigor, respetivamente, em 1 de janeiro de 2000, do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de maio; em 1 de janeiro de 2001, do Decreto-Lei n.º 77/2001, de 5 de março; em 1 de Janeiro de 2002, do Decreto-Lei n.º 23/2002, de 1 de fevereiro; em 1 de janeiro de 2003, do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março; e em 1 de janeiro de 2004, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março.
Com efeito, enquanto por aplicação daqueles diplomas se registou uma evolução dos índices 150, 165, 175 e 190, o Demandado continuou a remunerar a Demandante por aqueles índices.
Como tem vindo reiteradamente a ser decidido nos processos instaurados junto do CAAD, não tem razão o Demandado quando alega que a escala indiciária prevista no Mapa II do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril não teria sido alterada até esse diploma ter sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro. Esta alegação terá ficado a dever-se a uma interpretação peculiar das pertinentes disposições – nomeadamente, do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de maio, segundo o qual “[a]os escalões da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial a que correspondem os índices constantes da coluna 1 passam, a partir de 1 de Janeiro de 2000, a corresponder os índices constantes da coluna 2” – quando conjugadas com o n.º 2 e n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, pois estão em causa diplomas posteriores ao Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, de idêntica hierarquia, que consagram um regime incompatível com o anterior – por exemplo, dizer que o índice 165 passa a 166 é incompatível com a manutenção do índice 165 – e onde é inequívoco que se pretendeu abranger as leis especiais, caso contrário, não se teria feito alusão às carreiras do regime especial.
Igualmente não colhe o alegado quanto às especificidades desta carreira e do seu sistema remuneratório que, no entender do Demandado justificariam o modo como atuou, pois nem sequer a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público perfilhava este entendimento, tendo reconhecido, por exemplo, que aos escalões 1 e 2 de Escriturário correspondiam, em 2009, os índices 165 e 175 e que aos escalões 1 e 2 de Escriturário Superior correspondiam os índices 199 e 209 (v. Documento n.º 2 junto com a Petição Inicial).
Importa, ainda, referir que não colhe o argumento do Demandado segundo o qual o trabalhador dos registos e notariado era remunerado, no mínimo, pelo dobro do valor do índice onde estava posicionado enquanto para outro funcionário posicionado em determinado índice da escala salarial a sua remuneração correspondia apenas a esse índice, quer porque não apresenta qualquer concretização que permita vislumbrar uma discrepância entre salários correspondentes a funções equivalentes ou similares de outras carreiras, quer porque nesse confronto, facilmente se conclui que embora o índice 100 seja o mesmo referencial para todas as carreiras, evidentemente para funções equivalentes os respetivos índices remuneratórios são sempre superiores a 300.
Por conseguinte, os referidos índices tiveram a seguinte evolução:
• 150 passou a 152; 155 passou a 157; 160 passou a 162; 165 passou a 166; 175 passou a 176; 190 passou a 191; e 200 passou a 201; por força do artigo 41.º do citado Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de maio, com efeitos a 1 de janeiro 2000;
• 152 passou a 153; por força do artigo 49.º do citado Decreto-Lei n.º 77/2001, de 5 de março, com efeitos a 1 de janeiro de 2001;
• 153 passou a 155; por força do artigo 41.º do citado Decreto-Lei n.º 23/2002, de 1 de fevereiro, com efeitos a 1 de janeiro de 2002;
• 155 passou a 157; por força do artigo 41.º do citado Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, com efeitos a 1 de janeiro de 2003;
• 157 passou a 160; por força do artigo 43.º do citado Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, com efeitos a 1 de janeiro de 2004.
Facilmente se compreende, pelo que acaba de se expor, que tendo o Demandado remunerado a Demandante geralmente por índice inferior àquele que lhe era devido, naturalmente são devidas a esta as diferenças salariais correspondentes.
À Demandante era aplicável como referencial remuneratório o índice 100 do regime geral da função pública (cfr., n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril) até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 21 de Dezembro.
Em 2002 a Demandante recebeu €449,98 (índice 150 posição 1) mas em face da evolução do índice remuneratório nesse ano, deveria ter recebido €481,01 (índice 155). Recebeu a menos €31,03 x 6 meses (incluindo subsídio de natal), o que perfaz o valor de €186,18.
Em 2003 a Demandante recebeu €465,50. Nesse ano, o índice 155 evoluiu para 157, pelo que deveria ter recebido €487,22. Assim, recebeu a menos €21,72 x 14 meses (incluindo subsídio de férias e de natal), o que perfaz o valor de €304,08.
Em 2004, a Demandante recebeu em janeiro €530,38; em fevereiro e março recebeu € 471,70, em abril recebeu € 508,94, em maio recebeu € 481,01, em junho a novembro recebeu €465,50 e em dezembro recebeu €474,80. Nesse ano, o índice 157 foi atualizado para 160. Pelo que deveria ter recebido mensalmente a quantia de €496,53 mas, em janeiro, recebeu a mais €33,85, em fevereiro e março recebeu a menos €24,83 x 2 meses, em abril recebeu a mais € 12,41, em maio menos € 15,52, de junho a novembro menos €31,03 x 8 meses (incluindo subsídios de férias e de natal) e em dezembro recebeu menos €21,73. Assim, a Demandante recebeu a menos no seu vencimento de categoria ao longo do ano de 2004 um total de € 288,89 (e não de € 298,20 conforme por erro alegado na petição).
Em 2005, a Demandante recebeu, em janeiro e fevereiro, €474,80; de março a setembro recebeu €475,74; e de outubro a dezembro recebeu €523,31. De janeiro a abril, por força do índice 160 e do valor atualizado do índice 100 que se fixou em €317,16, teria que receber €507,46. Em 25 de agosto, a Demandante progrediu na carreira, passando para o índice 165, escalão 2. Todavia, por força da atualização constante dos mapas anexos aos diplomas referidos, o índice 165 correspondia, naquela data, ao índice 175. Pelo que a Autora teria direito a receber €555,03 (índice 175). Recebeu pois a menos, em janeiro e fevereiro: €32,66 x 2 meses, de março a agosto menos €31,72 x 7 meses (incluindo subsídio de férias), em Setembro: menos €79,29 e de outubro a dezembro: €31,72 x 4 meses (incluindo subsídio de natal). Assim, a Demandante recebeu a menos no seu vencimento de categoria ao longo do ano de 2005 um total de €493,53.
Em 2006, a Demandante recebeu o vencimento de €523,31. Nesse ano, não tendo ocorrido evoluções indiciárias, apenas o valor do índice 100 foi atualizado para €321,92. Pelo que a Demandante teria direito a receber €563,36 (índice 175), sendo a diferença a seu crédito de €40,05 x 14 meses.
Em 2007, a Demandante recebeu o vencimento de €548,94. Nesse ano, não tendo ocorrido evoluções indiciárias, apenas o valor do índice 100 foi atualizado para €326,75. Pelo que a Demandante teria direito a receber €571,81 (índice 175), sendo a diferença a seu crédito de €22,87 x 14 meses.
Em 2008, a Demandante recebeu o vencimento de €560,47. Nesse ano, não tendo ocorrido evoluções indiciárias, apenas o valor do índice 100 foi atualizado para €333,61. Pelo que a Demandante teria direito a receber €583,82 (índice 175), sendo a diferença a seu crédito de €23,35 x 14 meses.
Em 2009, a Demandante recebeu o vencimento de €576,71. Nesse ano, não tendo ocorrido evoluções indiciárias, apenas o valor do índice 100 foi atualizado para €343,28. Pelo que a Demandante teria direito a receber €600,74 (índice 175), sendo a diferença a seu crédito de €24,03 x 14 meses.
De 2010 a 2017, a Demandante recebeu €576,71. Nesses anos, nem ocorreu evolução indiciária, nem o valor do índice 100 sofreu alterações, mantendo-se em € 343,28. Assim, a Demandante devia ter recebido em cada um dos meses desses oito anos o vencimento de €600,74 (índice 175), pelo que a diferença é de €24,03 x 14 meses x 8 anos.
No ano de 2018, a Demandante transitou com efeitos a 01.01.2018 para a carreira/categoria de oficial de registos, mas continuou a receber pela mesma tabela remuneratória, ainda que tenha passado a auferir o vencimento pelo escalão 3, índice 175, recebendo € 600,74. No entanto, o índice 175 tinha passado a corresponder ao índice 184 a que correspondia o valor de € 631,64. Pelo que a Demandante tem direito às diferenças de vencimento mensais de €30,90 x 14 meses.
No ano de 2019, a Demandante auferiu € 652,23. No entanto, foi promovida à categoria de Escriturário Superior (índice 190, posição 1). Por força da atualização do índice 100, o vencimento do índice 190 correspondia, naquela data, ao índice 199, pelo que a Demandante devia receber € 683,13. A Demandante tem assim direito às diferenças de vencimento, no valor de € 30,90 x 14 meses.
O que perfaz o total € 6.373,44, a título de diferenças salariais quanto ao vencimento de categoria, direito que se irá reconhecer à Demandante, nele se condenando o Demandado.
Por outro lado, verifica-se, ainda, que o vencimento de exercício processado à Demandante foi sendo idêntico ao vencimento de categoria, aliás de consonância com o disposto no artigo 4.º da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, que garantiu precisamente que essa participação emolumentar seria, no mínimo, igual a 100% do vencimento de categoria.
Pelo que, tendo em conta que o vencimento de categoria da Demandante foi incorretamente calculado, também a participação emolumentar o foi, pois que ficou frequentemente aquém do montante correspondente a 100% do vencimento de categoria.
Assim, a título de participação emolumentar:
Em 2002, a Demandante recebeu €449,98 (índice 150 posição 1) mas em face do aumento do índice 100, deveria ter recebido €481,01 (índice 155). Recebeu a menos €31,03 x 6 meses (incluindo subsídio de natal), o que perfaz o valor de €186,18.
Em 2003, a Demandante recebeu €465,50. Nesse ano, o índice 155 atualizou para 157, deveria ter recebido €487,22. Pelo que recebeu a menos €21,72 x 14 meses (incluindo subsídio de férias e de natal), o que perfaz o valor de €304,08.
Em 2004, em janeiro a Demandante recebeu €530,38; em fevereiro e março recebeu € 471,70; em abril recebeu € 508,94; em maio recebeu 481,01; e em junho a dezembro recebeu €477,76. Nesse ano, o índice 157 foi atualizado para 160. Pelo que deveria ter recebido €496,53. A Demandante recebeu a mais €33,85 em janeiro; em fevereiro e março recebeu a menos € 15,52 x 2; em abril recebeu a mais € 12,41; em maio recebeu a menos € 15,52; e de junho a dezembro recebeu a menos €18,77 x 9 meses (incluindo subsídios de férias e de natal). A diferença é, pois, de um total de 168,93 e não de € 264,86 como por erro foi alegado em 71.º da petição.
Em 2005, a Demandante recebeu, em janeiro e fevereiro, €477,76; de março a setembro recebeu €475,74; e de outubro a dezembro recebeu €523,31. De janeiro a abril, a Demandante, por força do índice 160 e do valor atualizado do índice 100 que se fixou em €317,16, teria que receber €507,46. Em agosto, a Demandante progrediu na carreira, passando para o índice 165, escalão 2. Todavia, por força da atualização, o índice 165 correspondia, naquela data, ao índice 175. Pelo que a Autora teria direito a receber €555,03 (índice 175). Assim, recebeu a menos em janeiro e fevereiro: €29,70 x 2 meses; de março a agosto: recebeu menos €31,72 x 7 meses (incluindo subsídio de férias); em setembro: €79,29; e de outubro a dezembro: €31,72 x 4 meses (incluindo subsídio de natal). Num total de menos €487,61.
Em 2006, a Demandante recebeu o vencimento de €523,31. Nesse ano, apenas o valor do índice 100 foi atualizado para €321,92. Pelo que a Demandante teria direito a receber €563,36 (índice 175). A diferença é de €40,05 x 14 meses.
Em 2007, a Demandante recebeu €548,94. Nesse ano, apenas o valor do índice 100 foi atualizado para €326,75. Assim, a Autora tinha direito a receber €571,81 (índice 175), pelo que a diferença é de €22,87, multiplicada por 14 meses.
Em 2008, a Demandante recebeu €560,47. Nesse ano, apenas o índice 100 foi atualizado para €333,61. Pelo que a Autora tinha direito a receber €583,82 (índice 175), sendo a diferença de €23,35 multiplicada por 14 meses.
Em 2009, a Demandante recebeu €576,71. Nesse ano, apenas o índice 100 foi atualizado para €343,28. Pelo que tinha direito a receber €600,74 (índice 175), sendo a diferença de €24,03, multiplicada por 14 meses.
De 2010 a 2017, a Demandante recebeu em cada um dos meses €576,71. Nesses anos o valor do índice 100 manteve-se em €343,28. Assim, a Demandante devia ter recebido €600,74 (índice 175) pelo que a diferença é de €24,03 x 14 meses x 8 anos.
Em 2018, a Demandante transitou para a carreira/categoria de oficial de registos, mas continuou a receber pela mesma tabela remuneratória anteriormente mencionada. Passou a auferir vencimento pelo escalão 3, índice 175, recebendo €600,74. No entanto, o índice 175 tinha passado a corresponder ao índice 184, equivalendo ao valor de €631,64. Pelo que a Demandante tem direito à diferença mensal de vencimento de €30,90 x 14 meses.
Em 2019, a Demandante auferiu €652,23. Como tinha ascendido a escriturária superior, o seu vencimento devia corresponder ao índice 199, pelo que deveria ter recebido 683,13€. Assim, tem direito à diferença de 30,90 x 14 meses.
Em suma, a Demandante é, pois, igualmente credora de componentes remuneratórias a título de participação emolumentar, entre os anos de 2002 e 2019, que ascendem ao montante de € 6.247,56, reconhecimento que se fará na parte dispositiva, condenando-se o Demandado o seu pagamento.
Por seu lado, com pertinência ao pedido sob a alínea c) do petitório, nos termos do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, que produziu efeitos a 1 de janeiro de 2020 (cfr. n.º 1 do artigo 15.º do mesmo diploma), a remuneração de base, para efeitos de reposicionamento remuneratório na Carreira Especial de Oficial de Registos, é a resultante do somatório do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito na data da entrada em vigor do mesmo diploma.
Nada dizendo o Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, quanto à data da sua entrada em vigor, deve considerar-se que a mesma ocorreu no dia 28 de setembro de 2019, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, na sua redação em vigor.
O Demandado reposicionou a Demandante na nova Carreira e categoria entre as posições remuneratórias 1.ª e 2.ª do Anexo II do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro e entre os níveis remuneratórios 15.º e 19.º da Tabela Remuneratória Única aprovada pela Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de Dezembro.
À data da entrada em vigor do Decreto-Lei 145/2019, o somatório do vencimento de categoria e do vencimento de exercício devidos à Demandante era de € 1.366,26.
Nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, “2. Na transição para a nova tabela remuneratória da carreira especial de oficial de registos, prevista no anexo II ao presente decreto-lei, os trabalhadores desta carreira são reposicionados na posição remuneratória da categoria de oficial de registos a que corresponda nível remuneratório cujo montante pecuniário seja equivalente à remuneração base a que têm direito na data da entrada em vigor do presente decreto-lei, mas não inferior ao da primeira posição remuneratória da carreira e categoria de oficial de registos. … 4. A remuneração base a que se referem os números anteriores é a que resulta da soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito, de acordo com o posto de trabalho de que são titulares na data de entrada em vigor do presente decreto-lei.”
Nos termos da Tabela Remuneratória Única para 2020, a remuneração base da Demandante situa-se entre a 1.ª e a 2.ª posição remuneratória e entre o 18.º e o 19.ª nível remuneratório da tabela única.
Pelo que, a Demandante, ao contrário do que se afirma no artigo 58.º da petição, não foi erradamente colocada na nova tabela remuneratória.
Todavia, à data da entrada em vigor do sobredito regime, sendo a remuneração base que lhe era devida, quer de exercício, quer de participação emolumentar, no montante de € 1.366,26, nos termos do disposto nos artigos 9.º, n.º 3 e 10.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 145/2019, essa remuneração deve servir de referência para integração na respetiva tabela, mantendo o direito a remuneração equivalente, mediante posição remuneratória automaticamente criada.
E manteve-se tal remuneração no ano de 2021, como resulta do Decreto-Lei n.º 10/2021, de 1 de fevereiro, mas foi atualizada em 0,9% no ano de 2022, com efeitos a 1 de janeiro, como resulta dos artigos 4.º e 7.º do Decreto-Lei n.º 109-A/2021, de 7 de dezembro, sendo atualmente de € 1.378,55.
Assim, tendo em conta que, desde 1 de janeiro de 2020, o Demandado tem pago à Demandante a quantia de € 1.308,37 mensais, a título de remuneração de base, incluindo subsídios de férias e Natal, quando deveria ter pago € 1.366,26 mensais, são devidas diferenças mensais de € 57,89, o que considerando as catorze prestações em 2020 e as catorze prestações em 2021, corresponde a € 1.620,96.
Também relativamente ao ano de 2022, o Demandado deve pagar à demandante a diferença entre o vencimento que lhe estará a processar mensalmente – e que se desconhece dado que não se sabe se e em que termos foi efetuada a atualização remuneratória para 2022 – e a remuneração devida de € 1.378,55, multiplicada por catorze meses, incluindo os subsídios de férias e de Natal.
Entrando agora na análise da segunda questão decidenda, sustenta a Demandante em 78.º a 84.º da petição que encontrando-se incorretamente calculados os vencimentos, consequentemente também os emolumentos pessoais foram incorretamente calculados, dado que estes eram pagos na proporção dos respetivos ordenados, nos termos do n.º 1 do artigo 137.º do Decreto Regulamentar n.º 55/80, de 8 de outubro, bem como do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro e das tabelas anexas à Portaria n.º 996/98, de 25 de novembro.
Requereu em 84.º da petição que o Demandado fosse notificado para informar quais os valores efetivamente pagos à Demandante a título de emolumentos pessoais ao longo dos anos, dado que isso estava omisso na nota biográfica junta, o que foi indeferido por despacho arbitral de 11 de agosto de 2022, com o seguinte fundamento:
“Na sua petição inicial, a Demandante requereu, por um lado, que o Demandado seja notificado para informar os valores pagos à demandante a título de emolumentos pessoais ao longo dos anos, por tal estar omisso na sua nota biográfica …
Na contestação apresentada, a Demandada opõe-se a esta pretensão, nos termos dos artigos 5.º, n.º 1 e 410.º do CPC e do artigo 20.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD, invocando a falta de alegação de factos essenciais a demonstrar com o meio probatório requerido, bem como a desproporção entre a utilidade dessa pretensão e o esforço que para tal fim será exigível à Demandante.
Assegurado o contraditório, cumpre decidir.
Vigora no direito processual o princípio da cooperação dos intervenientes processuais, com natural refração na arbitragem voluntária, como flui dos artigos 8.º, n.º 1 do CPTA e 5.º, n.º 1, alínea e) do Regulamento de Arbitragem do CAAD.
Posto é que, no caso dos autos, a prova requerida como estando em poder da parte contrária, tenha interesse para a decisão da causa.
É este o âmbito da instrução, nos exatos termos consignados no artigo 429.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 90.º, n.º 2 do CPTA.
Assim, a atividade instrutória na causa, não podendo redundar na prática de atos inúteis, só deve ter por objeto os factos relevantes para o exame e boa decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou a carecer de produção de prova.
O artigo 30.º, n.º 4, da Lei da Arbitragem Voluntária estabelece que os poderes do tribunal arbitral compreendem o de determinar, entre outros, a admissibilidade e a pertinência da prova que se visa produzir. Já o artigo 20.º, n.º 1, alínea c) do Regulamento de Arbitragem do CAAD atribui ao tribunal o poder de oficiosamente ou a pedido, ordenar a realização de diligências probatórias que considere convenientes.
Compulsada a petição inicial, a Demandante peticiona o reconhecimento do direito à correção e pagamento das quantias devidas a título de emolumentos pessoais, na proporção do que esteja em falta. Entende que os mesmos terão sido mal calculados porque eram pagos na proporção dos respetivos vencimentos, não quantificando em momento algum os montantes que lhe foram pagos ou que lhe seriam devidos. …
Por um lado e quanto aos emolumentos pessoais pagos pelo Demandado à Demandante ao longo dos anos, esta não aponta qualquer razão que a impedisse de, discordando do seu montante ou modo de cálculo, juntar aos autos os respetivos recibos de vencimento relativos aos períodos em causa. Por outro lado, em relação a ambos os pedidos instrutórios, não se afigura pertinente ou com interesse para a decisão da causa, a produção de tal prova requerida, atenta a factualidade alegada pela Demandante na sua petição inicial. A Demandante em momento algum alegou as quantias que lhe foram pagas a título de emolumentos pessoais ou a posição remuneratória e vencimento base que considera ser-lhe devida, pelo que a apreciação das suas pretensões quanto a tais pedidos indicados em d), e) e f) e caso nada obste ao seu conhecimento, deverá ter por escopo o reconhecimento de uma posição jurídica subjetiva e não a condenação da Demandada numa quantia certa, líquida e exigível.
Pelas apontadas razões, seria ociosa a atividade necessária à prestação de tais informações, pelo que se indeferem os sobreditos pedidos instrutórios.”
Ora,
A Demandante, quanto a este aspeto não alega minimamente quaisquer factos dos quais se possa concluir, para além do que ficou provado, (i) qual o montante de emolumentos pessoais que recebeu ao longo dos anos por atos praticados em condições especiais; (ii) que diretamente nesses atos tenha colaborado; (iii) que numa eventual repartição dos mesmos tenha sido prejudicada relativamente aos demais trabalhadores da respetiva repartição.
A Demandante não afirma, com o mínimo grau de probabilidade, que efetivamente o Demandado tenha calculado mal os emolumentos pessoais que lhe teriam sido pagos em qualquer um dos períodos em causa, nem sequer exemplificativamente indicando um caso ou situação em que tal tenha ocorrido.
É, pois, patente que a Demandada não circunstanciou quaisquer factos que possam ser considerados suficientes, como ónus de alegação dos factos essenciais constitutivos da sua pretensão, sequer em termos que permitam ao tribunal reconhecer qualquer direito, ainda que a liquidar.
Por outro lado, parece evidente que não lhe assiste razão.
Com efeito, para que tal pretensão pudesse proceder seria necessário demonstrar que o facto de o vencimento de categoria ou, em certos casos, o ordenado da Demandante estar mal calculado influiu necessariamente na proporção da distribuição dos emolumentos pessoais.
Para esse efeito, teria de demonstrar que os ordenados dos demais trabalhadores da repartição – e indicar quantos eram em cada momento – estavam bem calculados – ou pelo menos os ordenados de alguns, caso em que teria de referir os outros cujos ordenados estariam também mal calculados – para que daí pudesse resultar uma possível alteração da proporção distributiva.
Nada indicia, portanto, que no recebimento de emolumentos pessoais, tenha havido uma desproporção desfavorável à Demandante.
Pelo exposto, este o pedido formulado sob a alínea d) terá necessariamente de improceder.
Resta, pois, a terceira questão decidenda, que consiste em saber se os n.ºs 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, padecem das inconstitucionalidades invocadas, devendo ser afastada a sua aplicação, e se, em consequência, deve ser repristinado o regime de cálculo da participação emolumentar anteriormente vigente, pagando à Demandante as diferenças salariais daí resultantes.
Também a este propósito, a Demandante apresentou requerimento probatório para que o “Réu seja notificado para informar qual o vencimento de exercício dos vários escriturários superiores com vencimento correspondente ao 1.º escalão da tabela remuneratória anteriormente aplicável, á data da entrada em vigor do DL 115/2018 para apuramento do vencimento médio nacional de um funcionário com a mesma categoria e tempo de serviço que a Autora”, que foi rejeitado por despacho arbitral de 11 de agosto de 2022.
Aí se tendo decidido que “no que respeita ao pedido de informação respeitante ao vencimento de exercício dos vários escriturários superiores, pretende, como resulta do extensamente alegado nos artigos 97.º a 205.º da petição, ver alterada a sua posição remuneratória e o seu vencimento base, ainda que para tal seja afastada, por inconstitucionalidade, a aplicação do artigo 10.º n.º 1 e n.º 4 do DL n.º 145/2019, de 23/09, na interpretação segundo a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações. Visa, ainda, a repristinação do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29/12 e do disposto na Portaria n.º 940/99.
… Por outro lado, em relação a ambos os pedidos instrutórios, não se afigura pertinente ou com interesse para a decisão da causa, a produção de tal prova requerida, atenta a factualidade alegada pela Demandante na sua petição inicial. A Demandante em momento algum alegou as quantias que lhe foram pagas a título de emolumentos pessoais ou a posição remuneratória e vencimento base que considera ser-lhe devida”…
Numa extensa e abstrata alegação, a Demandante insurge-se quanto às soluções normativas consagradas no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, mas não coloca perante este Tribunal verdadeiras questões de constitucionalidade, como também unanimemente vem sendo decidido em casos similares pelo CAAD, entre eles a sentença proferida no Processo nº 82/2021-A, que se secunda.
Como tem sido decidido, não chega, sequer, em momento algum, a afirmar como corolário da sua construção teórica, qual a posição remuneratória ou vencimento de exercício que resultaria do afastamento da aplicação do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019 ou da repristinação do Decreto-Lei n.º 519-F2/1979.
Além disso, os pedidos que formula são incongruentes com os três primeiros pedidos formulados na Petição.
Foi considerado provado – mediante alegação da Demandante nesse sentido – que o Demandado ao longo de todos estes anos remunerou geralmente a Demandante com um vencimento de exercício de valor igual ao do vencimento de categoria.
Além disso, a Demandante não alega nem demonstra que qualquer trabalhador da mesma Carreira e Categoria e com a mesma antiguidade ou mais moderno aufere, desde 1 de janeiro de 2020, uma remuneração de base superior à sua e que, auferindo-a, tal não ficou a dever-se a trabalho diferente em quantidade e qualidade ou, dito de outro modo, que a Demandante prestou trabalho em quantidade e qualidade idênticas ao desse trabalhador mais moderno ou de idêntica antiguidade.
Alega também a Demandante que terá sido o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, que perpetuou a ficção da participação emolumentar iniciada, transitoriamente, com a Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro. Todavia, discordamos dessa posição, na medida em que, manifestamente, essa perpetuação começou com a Portaria n.º 29/2011, de 11 de janeiro, e continuou com o artigo 27.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2017.
Com efeito, em vez de uma prorrogação geralmente anual, aqueles diplomas, garantiram a vigência do regime por mais oito anos, além de que o Parlamento não disse no mencionado artigo 27.º que, com a nova Carreira de Oficial de Registos, seria abandonada a solução adotada em 2001.
O que o Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, fez foi, tão-só, aproveitar os montantes do vencimento de categoria e do vencimento de exercício efetivamente pagos em função do concreto posto de trabalho e considerar o seu somatório para efeitos de reposicionamento remuneratório.
E, ao contrário do que alega a Demandante, tal não sucedeu apenas à luz do princípio do não retrocesso social, mas sim também à luz dos princípios da neutralidade orçamental na transição e da sustentabilidade remuneratória, impostos, quer pelo n.º 2 do artigo 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, quer pelo artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro.
Não pode, por isso, afirmar-se que uma eventual – e não demonstrada – diferença de tratamento entre a Demandante e outro qualquer oficial de registo, decorrente do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, carece de justificação objetiva bastante, pois esta existe e decorre de Leis anteriores, às quais o Decreto-Lei em causa devia respeito.
Nem pode, por isso, dizer-se que se trata de uma solução arbitrária ou excessiva. De resto, a solução preconizada pela Demandante seria evidentemente inadequada para, simultaneamente, observar os três referidos princípios, pois, a existirem Oficiais de Registos com vencimento de exercício superior ao mínimo – 100% do vencimento de categoria – facto que a Demandante nem sequer alega de modo suficientemente concreto, tal significaria que aqueles que auferiam vencimento de exercício pelo mínimo passariam a auferir pela média, mas aqueles que auferiam acima da média passaram a auferir menos – o que prejudicaria a aplicação do princípio do não retrocesso salarial – ou, para estes Oficiais continuarem a auferir o mesmo, ficariam prejudicados, quer o princípio da neutralidade orçamental quer o princípio da sustentabilidade da evolução remuneratória.
Em face do que antecede, não se considera adequadamente suscitada ou verificada a arguida inconstitucionalidade, pelo que os pedidos constantes das alíneas e) e f) deverão improceder.
IV. Valor da causa.
A Demandante atribuiu à causa o valor de € 15.000,00, sem indicar qualquer disposição legal ou critério norteador.
Por despacho de 16 de maio de 2022, foi decidido o seguinte:
“A final, atribui como valor à ação o montante de € 15.000,00.
Não sem antes formular os pedidos que submete à apreciação do tribunal e que seguidamente se transcrevem:
a) ser reconhecido o direito da Autora a auferir o valor de €6.382,75 a título de diferenças de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia;
b) ser reconhecido o direito da Autora a auferir o valor total de €6.343,90 a título de diferenças de vencimento de exercício e o Reu seja condenado no pagamento de tal quantia e a recalcular corretamente o vencimento de exercício da Autora;
c) ser reconhecido o direito da Autora a receber a título de diferenças de vencimento o valor de €1.735,72 e o Reu seja condenado no pagamento de tal quantia, assim como se reconhecido que a mesma tem direito ao vencimento mínimo de 1.370,36€;
d) ser reconhecido o direito da Autora a receber os emolumentos pessoais em falta a calcular pelo Réu;
e) ser afastada a aplicação do art. 10.º n.º 1 e n.º 4 do DL n.º 145/2019 de 23/09 á Autora por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações;
f) ser repristinado o Decreto-Lei n.º 519-F2/1979 de 29 de dezembro e o disposto na Portaria n.º 940/99 de acordo com os quais se fixa a forma de calculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito á data da entrada em vigor do DL 115/2018 (diploma que criou o regime da carreira especial dos oficiais de registo) e com base nisso calcular o vencimento médio nacional de um escriturário superior no 1.º escalão e aplicá-lo á Autora com consequente alteração da sua posição remuneratória; caso isso não seja exequível, aplicar á Autora o vencimento médio nacional de um escriturário superior no 1.º escalão á data da entrada em vigor do DL 115/2018, com consequente alteração da sua posição remuneratória.
Ora, o valor da causa deve corresponder à utilidade económica dos pedidos formulados, como flui do disposto no artigo 31.º, n.º 1 do CPTA, sendo certo que nos autos a Demandante formula, em separado e a título principal, todos os pedidos acima transcritos. A Demandante formula nas alíneas a), b) 1.ª parte e c) 1.ª parte, pedidos pelos quais pretende ver reconhecido o seu direito ao pagamento de quantias em dinheiro, sendo o valor de cada uma delas o relevante para a fixação do valor da causa, como decorre do n.º 7 do artigo 32.º do CPTA.
Já em cada uma das alíneas b) 2.ª parte, c) 2.ª parte, d), e) e f) do seu petitório, a Demandante enuncia pedidos, alguns deles ainda com eventual reflexo ou expressão monetária, mas de valor ou quantificação complexa ou, porventura, indeterminável. Assim, atendendo ao exposto e aos poderes de intervenção do tribunal na fixação do valor da causa, devem as partes pronunciar-se, querendo e ao abrigo do princípio do contraditório, sobre a projetada modificação do valor da causa, passando esta a corresponder à soma de todos e cada um dos pedidos formulados a título principal, quer os respeitantes ao pagamento de quantias, quer os demais pedidos atinentes a quantias futuras ou a pretensões de valor indeterminável.”
Notificadas as partes, não se opuseram à fixação do valor da causa pelo tribunal, tendo por referência os pressupostos referidos, o que por despacho de 11 de gosto de 2022 se relegou para a decisão final.
Aqui chegados, como já referido e nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do CPTA, o valor da causa é um valor certo, expresso em moeda legal e representa a utilidade económica imediata do pedido.
Na presente ação, a Demandante formula pedidos de pagamento de diferenças salariais, com origem em erros no processamento dos vencimentos de categoria e de exercício e no errado posicionamento na TRU.
Nos termos do n.º 7 do artigo 32.º do CPTA, quando sejam cumulados na mesma ação vários pedidos, o valor da causa é a quantia correspondente à soma do valor desses pedidos.
Ora, no que toca aos três primeiros pedidos [alíneas a), b) e c)], a Demandante pretende obter o pagamento de quantias certas, a título de diferenças salariais.
Por este motivo, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do mesmo Código, o valor da causa deverá corresponder ao somatório das diferenças salariais peticionadas: €6.382,75, referente ao primeiro pedido, €6.343,90, referente ao segundo pedido, e €3.106,08, referente à soma das diferenças e do vencimento mínimo peticionados no terceiro pedido, o que perfaz o montante total de €15.832,73.
Quanto ao quarto pedido, a Demandante pediu o pagamento de emolumentos pessoais a calcular pela Entidade Demandada, não tendo fornecido nenhuma ideia quanto às quantias que poderiam estar em causa nem quanto ao benefício económico que daí poderia resultar, pelo que o mesmo terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 34.º do CPTA, atribuindo-se-lhe o valor de €30.000,01, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
No que respeita aos quinto e sexto pedidos, a Demandante pediu a declaração de inconstitucionalidade de preceitos legais e a repristinação de normas revogadas, bem como o cálculo do vencimento médio de um escriturário superior, e a sua aplicação à Demandante, com consequente reposicionamento remuneratório, não tendo fornecido qualquer aproximação ou ideia quanto às quantias que poderiam estar em causa nem ao benefício económico que daí poderia resultar. Nesse sentido, o valor da causa relativo a cada um desses pedidos terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 34.º do citado Código, atribuindo-se-lhe conjuntamente o valor de €30.000,01, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
Atendendo, ao disposto no n.º 7 do artigo 32.º e aos objetivos expressos nos números 2 e n.º 4 do artigo 34.º do CPTA, entende-se que o valor da presente causa deverá corresponder ao somatório dos valores dos três primeiros pedidos com o valor próprio dos pedidos de valor indeterminável constantes, por um lado, do petitório em d) e, por outro lado, do petitório em e) e f), o que assegura o direto ao recurso, aliás acautelado por ambas as partes.
Assim, fixa-se à causa o valor de €75.832,75, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 31.º, dos n.ºs 1 e 7 do artigo 32.º, dos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 34.º do CPTA e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, bem como do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.
V. Dispositivo.
Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, julgar parcialmente procedente a ação, consequentemente:
a) Reconhecendo-se o direito da Demandante a auferir o valor de €6.373,44 a título de diferenças de vencimento de categoria, de 2002 a 2019, sendo o Demandado condenado no pagamento de tal quantia, sujeita aos descontos legais;
b) Reconhecendo-se o direito da Demandante a auferir o valor total de €6.247,56 a título de diferenças de vencimento de exercício, de 2002 a 2019, sendo o Demandado condenado no pagamento de tal quantia, sujeita aos descontos legais;
c) Reconhecendo-se o direito da Demandante a receber a título de diferenças de vencimento dos anos de 2020 e 2021 o montante de € 1.620,96, sendo o Demandado condenado no pagamento de tal quantia, sujeita aos descontos legais; Já relativamente ao ano de 2022, reconhece-se o direito da Demandante receber do Demandado a diferença entre o vencimento que lhe estará a processar mensalmente – cujo montante se desconhece – e a remuneração que lhe é devida de € 1.378,55, sujeita aos descontos legais, multiplicada por catorze meses, incluindo os subsídios de férias e de Natal;
d) Julgando-se improcedente o demais peticionado em d) a f) do petitório, absolvendo-se de tais pedidos o Demandado.
Custas a cargo da Demandante e do Demandado, na proporção do decaimento.
Publique-se, notifique-se com cópia desta decisão arbitral às partes, depositando-se o original e, oportunamente, arquive-se o processo.
Lisboa, 21 de outubro de 2022
O árbitro,
Pedro Bandeira