Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 394/2022-A
Data da decisão: 2022-09-26  Contratos 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Contratação Pública.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I) RELATÓRIO

 

 1. Constituição do Tribunal Arbitral 

A A... previu nas suas peças do procedimento que, em caso de litígio, o CAAD seria o Tribunal competente para apreciar dos litígios. 

 O Tribunal Arbitral é composto por árbitro único, designado pelo CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa, nos termos dos n.ºs 1 e 3 do artigo 15.º do Regulamento de Arbitragem daquele Centro.

 

2. O pedido e a sua fundamentação

B..., Lda. instaurou neste Tribunal Arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a presente ação contra a A..., doravante A..., sendo contrainteressado a C..., Lda., doravante C..., pedindo que  seja declarado inválido i) o ato de adjudicação datado de 1 de julho de 2022, ii) o ato de não exclusão da proposta da contrainteressada, iii) o contrato celebrado a 4 de julho de 2022 e que seja condenada a demandada a celebrar contrato com a demandante. 

 

Contestaram quer a demandada, quer a contrainteressada defendendo, em síntese, que não assiste razão à demandante, porquanto no seu entender não houve durante todo o processo violação de nenhuma regra do programa de concurso, até porque a demandada podia recorrer a terceiro para prestar o serviço que esta não pode prestar, por não se encontrar registada junto do ANEPC.

 

II) Saneamento do Processo

O Tribunal é competente, as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas, inexistindo nulidades que cumpram apreciar ou questões que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

Do valor da causa

A demandante fixou o valor da causa em € 30 001,00 (trinta mil e um euros), considerando que a mesma é de valor indeterminável, atento o disposto no artigo 34.º do CPTA, aqui aplicável por força do disposto no artigo 26.º, n.º 2 do NRAA. 

Por sua vez, a demandada veio invocar que deverá ser atribuído como valor da causa ou o preço base do concurso, ou seja, € 6 700,00 (seis mil e setecentos euros) ou o valor mensal apresentado na proposta pela demandante, ou seja, o montante de € 6 449,23 (seis mil, quatrocentos e quarenta e nove euros e vinte e três cêntimos). 

 

Cumpre apreciar: 

O artigo 31.º do CPTA determina que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido. 

O artigo 34.º do CPTA, por seu lado, considera que são de valor indeterminável os processos respeitantes a bens imateriais e a normas emitidas ou omitidas no exercício da função administrativa, incluindo planos urbanísticos e de ordenamento do território. 

No caso vertente, verifica-se que não estão em discussão bens, utilidades, posições jurídicas ou interesses insuscetíveis de avaliação pecuniária direta, isto é, como respeitando à efetivação de direito extrapatrimonial, razão pela qual não se inclui a pretensão na previsão do artigo 34º do CPTA, cfr. neste sentido, o AC. TCASUL, proc. 115222/14 de 6.11.2014. 

Aliás, como reconhece a própria demandante nestes autos, no seu art.º 61º de resposta ao pedido de levantamento do efeito suspensivo automático da C..., “a perda do preço contratual: 6.449,23€, por mês; 77.390,76€, por ano; 232.183,08, pelo período de execução contratual, nos termos da proposta da Demandante.”. 

Nestes termos, o valor da causa é a quantia equivalente à vantagem de natureza material, passível de avaliação pecuniária, que a demandante pretende obter, a qual se traduz no valor da proposta que apresentou no âmbito do procedimento concursal em causa, ou seja, €6 449,23/por mês, €77 390,76/ano; €232 172,28/três anos. 

Face ao exposto, fixamos o valor da causa em € 232 172,28 (duzentos e trinta e dois mil, cento e setenta e dois euros e vinte e oito cêntimos). 

 

 

III) Fundamentação 

A. De Facto

1. Factos Provados 

 Com interesse para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a)     Foi pela A... lançado um concurso público urgente para aquisição de serviços de vigilância para as instalações da A... em Braga – anúncio do procedimento .../2022, publicado no DR-II, de 27 de junho de 2022; 

b)    A cláusula 4ª do caderno de encargos previa que o valor do preço base tinha de incluir: 

                                 i.         Serviço regular contratado; 

                               ii.         Serviço anual de manutenção preventiva dos sistemas de deteção de incêndio e intrusão de acordo com a nota técnica 12 da ANPC; 

                              iii.         Bolsa de 200 (duzentas) horas a utilizar pelos serviços de vigilância em horário extraordinário. 

c)     Por seu turno, a cláusula 5ª do sobredito caderno de encargos considerava ser obrigação da adjudicatária: 

                                 i.         Fornecer os serviços à entidade adjudicante, conforme as características técnicas e requisitos constantes do presente caderno de encargos e da proposta adjudicada;

                               ii.         O adjudicatário obriga-se a recorrer a todos os meios humanos e materiais que sejam necessários e adequados à execução do contrato. 

d)    No anexo das especificações técnicas, no artigo 2, n.º 7 era consagrado expressamente que “o preço base para o presente procedimento é de 6 700,00€ (seis mil e setecentos euros) e compreende a prestação mensal do serviço de vigilância de 24 horas, o serviço anual de manutenção preventiva dos sistemas de deteção de incêndios e intrusão de acordo com a nota técnica 12 da ANPC, bem como uma bolsa de 200 (duzentas) horas. 

e)     O critério de adjudicação é feito de acordo com o critério da proposta economicamente mais vantajosa, sendo avaliado apenas o preço, cfr. artigo 8.º do programa de concurso. 

f)     Quer a demandante, quer a C... apresentaram proposta, entre outros candidatos. 

g)    A proposta da C... foi seriada em primeiro lugar, por apresentar um valor base de € 6 400,00 (seis mil, e quatrocentos euros) mensais. 

h)    A norma técnica 12 da ANEPC – Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil vem auxiliar os projetistas, instaladores de SADI – Sistemas Automáticos de Deteção de Incêndio – e entidades de fiscalização elementos técnicos, regulamentares e normativos. 

i)      A demandante encontra-se registada na ANEPC para efeitos da prestação de serviço de comercialização, instalação ou manutenção de equipamentos e sistemas de segurança contra incêndio em edifícios, nos termos da Portaria 773/2019, de 21 de junho, contrariamente ao que sucede com a C..., que não se encontra registada. 

 

2. Factos Não Provados

Não há factos relevantes para a decisão da causa que tenham sido considerados não provados.

 

3. Fundamentação da fixação da matéria de facto 

A fixação da matéria de facto dada como provada foi efetuada com base na apreciação crítica dos documentos juntos aos autos, bem assim como das afirmações feitas pelas partes nos respetivos articulados e da prova testemunhal produzida em sede de audiência de discussão e julgamento. 

 

 

B. De Direito 

A questão a decidir resume-se ao facto de saber se assiste ou não razão à demandante nos vícios que aponta ao ato de adjudicação e consequentemente ao contrato celebrado, ou seja, se era exigível que a C... fosse detentora de registo junto da ANEPC, ou não sendo detentora de tal registo, como é o caso, se se podia socorrer de terceiros para prestar tal serviço, não o tendo referido na sua proposta, pois tal seria permitida pela cláusula 5ª do caderno de encargos. 

 

Cumpre apreciar: 

Dispõe o artigo 81.º, n.º 8 do CCP que o “órgão competente para a decisão de contratar pode sempre solicitar ao adjudicatário, ainda que tal não conste do convite ou do programa do procedimento, a apresentação de quaisquer documentos comprovativos da titularidade das habilitações legalmente exigidas para a execução das prestações objeto do contrato a celebrar, fixando-lhe prazo para o efeito.”

Os participantes no procedimento terão de ser titulares das habilitações quando apresentem as candidaturas ou as propostas, cfr. a este propósito, o TCASul, proc. 1093/17.7BEAVR. 

Determinam os artigos 77.º/2/c) e 92.º do CCP, expressamente, que, após a adjudicação, terão de ser confirmados "… os compromissos assumidos por terceiras entidades relativos a atributos ou termos ou condições da sua proposta…", pelo que, aparentemente, pode ser feita a interpretação de que para esses compromissos serem confirmados, então já teriam de estar anteriormente firmados pelas entidades terceiras.

Por outro lado, na fase da qualificação dos candidatos exige-se logo, com a apresentação da candidatura, a apresentação dos compromissos de subcontratados, cfr. artigo 168.º, n.º 4 do CCP, ou seja, aquando da apresentação da proposta, o concorrente tem de apresentar as declarações de compromisso subscritas pelos subcontratados - Neste sentido, v. MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, in Concursos e outros Procedimentos de Contratação Pública, Almedina, 2016, p. 493 e segs.

De facto, resulta da posição da C... nos presentes autos que a sua intenção seria a de subcontratar o serviço anual de manutenção preventiva dos sistemas de deteção de incêndio e intrusão, de acordo com a nota técnica 12 da ANPC, mas tal intenção não resulta do procedimento administrativo.  

Uma vez que a C... não dispunha de todas os requisitos necessários para prestar o serviço exigido no programa de concurso para a execução do contrato, teria de ter apresentado uma declaração de compromisso com terceiro, que fosse titular da autorização em falta, o que não fez. 

Ora, não o tendo feito, não podia a proposta da demandada ser considerada como respondendo a todas as exigências legais e procedimentais e, por isso, não podia ser admitida a concurso. 

Ainda que se entenda que a proposta podia ser admitida a concurso – uma vez que o critério de adjudicação era o preço mais baixo -, já não poderia ter sido celebrado o contrato, uma vez que a demandada A..., aquando da junção dos documentos de habilitação, deveria ter verificado que a C... não podia prestar o serviço de manutenção anual de manutenção preventiva dos sistemas de detenção de incêndio e intrusão, uma vez que atento o disposto na Portaria 773/2009, tal entidade não se encontra registada na ANEPC e, não foi indicado, na proposta, que tal atividade seria prestada por terceiro. 

Este entendimento foi perfilhado em Acórdão do STA, proferido em 14/1/2021, no processo nº 0955/19.1BEAVR, do qual se extrai o seguinte: “(…) quanto à questão de saber desde quando é que o adjudicatário tem de ser titular das habilitações necessárias à execução do contrato, não restam dúvidas de que o terá de ser ab initio, ou seja dentro do prazo fixado para a apresentação das propostas, sob pena de violação do princípio da intangibilidade das propostas. Não as possuindo e pretendendo de prevalecer-se das habilitações de entidade terceira, teria a A/recorrida de ter junto igualmente ab initio, uma declaração de compromisso que identificasse os terceiros subcontratados e habilitados para esse efeito. Esta posição, referente à titularidade ab initio, no sentido de que não pode aceder a um procedimento quem não detiver à data da apresentação da proposta (ou das candidaturas), os requisitos de habilitação exigidos, é assumida pela doutrina, como referem M. Esteves de Oliveira e R. Esteves de Oliveira in “Concursos e Outros Procedimentos de Contratação Pública”, págs 495 e 496. Quanto à possibilidade de subcontratação, se é certo que não pode ser excluída a possibilidade de recurso a terceiros titulares da habilitação (sub-contratação), também não é menos certo que têm os mesmos de ser indicados na proposta pois terão de ser eles a assegurar o contrato na parte em que este exige a titularidade da habilitação. É o que resulta legalmente previsto no artº 2º, nº 2 da Portaria nº 372/2017 que refere que “para efeitos de comprovação das habilitações (…), o adjudicatário pode socorrer-se das habilitações profissionais de subcontratados, mediante a apresentação de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes”, só assim se preenchendo os requisitos exigidos em termos de capacidade técnica e financeira necessários para a execução integral do contrato. (...).

Assim, não assistia à A/recorrida a possibilidade de, a qualquer momento, obter habilitação para a classe necessária, como veio a fazê-lo [cfr. al. AG da factualidade assente], e nem sequer poderia subcontratar entidades que tivessem a necessária habilitação, uma vez que não apresentou em tempo devido, a imprescindível declaração de compromisso nesse sentido. (…) Deste modo, ser atendível um alvará obtido ou junto posteriormente ao prazo que vem referido, geraria como já disse, uma violação do princípio da intangibilidade das propostas. Quanto à possibilidade de ser concedido, por parte da entidade adjudicante, um prazo adicional para a apresentação de documentos de habilitação em falta, [como decorre do acórdão recorrido] tal só pode ocorrer no caso dessa falta resultar de um facto que não seja imputável ao adjudicatário, o que não sucedeu nos autos, como temos vindo a demonstrar, sob pena de desvirtuamento do disposto nº 7 do artº 3 da Portaria nº 372/2017 – cfr. nº 4 do mesmo artigo onde se consagra a possibilidade de entrega de uma mera declaração que poderá necessitar de confirmação.

Veja-se, que no mesmo sentido, Pedro Gonçalves, in Direito dos Contratos Públicos, 5ª ed., Vol. I, págs. 723 e 724, quando expressamente refere: “Se não dispuser ele próprio da habilitação necessária, o candidato ou concorrente pode recorrer a terceiros titulares da necessária habilitação (v.g. subcontratados), desde que sejam estes terceiros a assegurar a execução do contrato, pelo menos na parte em que este exige a titularidade da habilitação.”

 

IV. Decisão

Face ao exposto, declara-se: 

1.     A invalidade do ato de adjudicação e consequentemente, a invalidade do contrato celebrado a 4.7.2022, uma vez que a C... não consegue prestar o serviço de manutenção preventiva dos sistemas de deteção de incêndio e intrusão e não apresentou uma declaração de compromisso com terceiro, que fosse titular do registo em falta, exigido no programa de concurso. 

2.     Determina-se a exclusão do concurso da C... e nova seriação dos candidatos. 

3.     Deve ser praticado novo ato de adjudicação e celebrado contrato com a aqui demandante, considerando que a mesma ficou seriada em segundo lugar. 

*

Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no CAAD.

 

Porto, 26 de setembro de 2022

 

 

(O Juiz Árbitro)

Jorge Barros Mendes