DEMANDANTE: A...
DEMANDADO: B..., I.P.
DECISÃO ARBITRAL
Sumário:
I – Na situação sub judice, por detrás de um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade, o que substancialmente se nos depara é uma alegação de inconstitucionalidade por omissão das soluções legais consideradas adequadas, já que a inconstitucionalidade verdadeiramente visada pela Demandante tem sim a ver com a indisponibilidade do enquadramento legal que considera adequado para a fixação do seu “vencimento de exercício” a ser tido em consideração como pressuposto da sua transição para o regime retributivo da nova carreira de “oficial de registos”, matéria que é da exclusiva competência do Tribunal Constitucional (cfr. artigo 283.º da CRP) e do legislador, estando absolutamente arredada da jurisdição dos demais tribunais e, assim mesmo, deste Tribunal Arbitral.
II – A estatuição do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, não incide sobre qualquer cálculo do “vencimento de exercício”, mas sim, rigorosamente, apenas, sobre a relação entre os anteriores “vencimento de categoria” e “vencimento de exercício” ao tempo efetivamente abonados e a nova “remuneração base”, limitando-se a tomar em consideração aqueles para determinação desta, incluindo quanto às imediatas decorrências legais a nível de posicionamento da nova carreira; aquela estatuição não incide, pois, sobre a questão concreta sub judice colocada, qual seja a aplicação ao “vencimento de categoria” do índice 259, a partir de 1 de janeiro de 2003, do índice 264, a partir de 1 de janeiro de 2004, e do índice 274, a partir de 1 de janeiro de 2018; devendo, nessa questão concreta sub judice colocada, entender-se a presente ação, não como uma impugnação de atos administrativos [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alínea a), do CPTA], mas sim como tendo por objeto o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, com condenação da Administração ao restabelecimento de direitos violados e ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorrem de normas jurídico-administrativas e não envolvem a emissão de um ato administrativo impugnável [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alíneas f), i) e j), do CPTA], podendo uma tal ação administrativa ser proposta a todo o tempo [cfr. artigo 41.º do CPTA].
III – As correspondências entre os anteriores e os novos escalões da escala indiciária salarial estatuídas, seja no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, seja no artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, aplicam-se aos escalões indiciários salariais previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, e, consequentemente, o “vencimento de categoria” resultante de tais correspondências não pode deixar de ser tomado em consideração para efeitos dos artigos 10.º, n.º 4, e 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.
IV – Não ficou demonstrado que o facto de o Demandado não ter, generalizadamente, aplicado aos escalões indiciários salariais previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, as correspondências entre os anteriores e os novos escalões da escala indiciária salarial estatuídas, seja no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, seja no artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, tenha afetado, nalguma medida, o montante dos “vencimentos de exercício” e dos “emolumentos pessoais” da Demandante, tendo presente que ambos assentam numa percentagem pré-determinada de receita mensal do serviço em causa e na distribuição do montante assim apurado pelos funcionários, respetivamente, na proporção dos respetivos “vencimentos de categoria” e na proporção dos respetivos “ordenados”.
I – Das Partes, do Tribunal Arbitral e do saneamento processual
I.1 – É Demandante na presente ação arbitral A..., pertencente à carreira/categoria de oficial de registos, desempenhando funções na Conservatória ... .
É Demandado, conforme a norma do n.º 2 do artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o B... I.P..
I.2 – A presente arbitragem em matéria administrativa relativa a relação jurídica de emprego público decorre junto do CAAD, na Avenida Duque de Loulé, n.º 72 A, 1050-091 Lisboa.
Não oferece qualquer dúvida a legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada [cfr. artigo 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt/) e Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de Fevereiro de 2009, página 6113], nem a possibilidade de vinculação prévia à sua jurisdição.
Conforme a Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, e na decorrência do artigo 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, o Ministério ..., no âmbito do qual funciona o B... I.P., está vinculado à jurisdição do CAAD “para composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional” [cfr. artigo 1.º, n.º 1, alínea j), e n.º 2, da referida Portaria].
Pelo valor da presente causa, que se fixou no Despacho n.º 1, de 16 de dezembro de 2021, a mesma integra-se inequivocamente no âmbito da referida vinculação do Ministério ... à jurisdição do CAAD.
Já em termos do seu objeto, e como se deixou claro naquele mesmo Despacho n.º 1, a questão da competência deste Tribunal Arbitral, face à matéria de exceção deduzida pelo Demandado relativa à questão de (in)constitucionalidade alegada pela Demandante, seria apreciada e decidida em sede da presente Decisão Arbitral, como permitido pelo artigo 18.º, n.º 4, do Regulamento da Arbitragem [cfr. “Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa”, aplicável à arbitragem em matéria administrativa que decorre no CAAD, disponível em www.caad.org.pt/].
Veremos infra, em IV.1.1, que deve realmente entender-se estar arredada da jurisdição do Tribunal Arbitral o conhecimento e a declaração da concreta inconstitucionalidade peticionada pela Demandante no seu quinto (e último) pedido.
Por outro lado, não restam dúvidas de que na presente causa não estamos perante direitos indisponíveis, pois o seu objeto reconduz-se a questões de montantes retributivos, sendo que, em qualquer caso, deveria entender-se a limitação como focalizada apenas nos direitos absolutamente indisponíveis/irrenunciáveis e não abrangendo questões de montantes retributivos, e sendo, para mais, que os montantes retributivos em causa na presente ação não contendem com os créditos retributivos da Demandante considerados impenhoráveis (e, por isso, insuscetíveis de cedência), conforme o artigo 175.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas –, e o artigo 738.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Civil (CPC).
Este Tribunal Arbitral, constituído em 2 de novembro de 2021, é composto por um Árbitro, conforme estatuição do artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem; e, nos termos dos artigos 15.º, n.º 3, e 16.º, n.º 1, do mesmo Regulamento, o signatário foi o Árbitro designado para apreciar e decidir a presente causa; devendo fazê-lo segundo o direito constituído, conforme estatuem os artigos 5.º, n.º 1, alínea f), e 26.º, n.º 1, do Regulamento da Arbitragem [cfr., ainda, artigo 39.º, n.º 1, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) e artigo 185.º, n.º 2, do CPTA].
Logo no Despacho n.º 1, de 16 de dezembro de 2021, o Tribunal explicitou que, à luz dos artigos 5.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 26.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem, poderia recorrer subsidiariamente às normas da LAV e do CPTA.
Nesse mesmo Despacho n.º 1, de 16 de dezembro de 2021, anotou-se que o Demandado suscitou a apensação de arbitragens, situação prevista no artigo 13.º do Regulamento da Arbitragem; tendo o Presidente do CAAD, por Despacho de 30 de setembro de 2021, assumido não “poder ordenar a requerida apensação, desde logo, pela falta de acordo entre as partes quanto aos termos da apensação, exigível à luz do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Regulamento de Arbitragem Administrativa”, “sem prejuízo de posterior decisão do tribunal arbitral”; sendo que, em qualquer caso, tal eventual apensação não seria feita na presente arbitragem [cfr. artigo 13.º, n.º 3, do Regulamento da Arbitragem] e a Demandante declarou expressamente aceitar “apenas que os processos sejam apensados desde que ainda não tenha sido constituído o Tribunal e desde que estejam em causa oficiais de registo que antes de 2020 tinham a mesma categoria profissional” (cfr., ainda, artigo 28.º do CPTA).
Aquando da prolação do Despacho n.º 1 – 16 de dezembro de 2021 –, parecia, pois, estar ultrapassada a questão da apensação de arbitragens; o que não veio a confirmar-se, dado que, por requerimento da Demandante de 20 de dezembro de 2021 (confirmado por requerimento conjunto de ambas as Partes de 14 de janeiro de 2022), foi requerida a apensação dos autos da presente arbitragem à arbitragem tramitada no CAAD como Processo n.º 22/2021-A.
Tal requerimento viria a ser indeferido por Despacho de 1 de fevereiro de 2022, considerando-se notificado em 3 de fevereiro de 2022, conforme o artigo 7.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem. O que significa que, para todos os efeitos e “por motivo justificado”, a tramitação da presente instância arbitral esteve suspensa durante 46 (quarenta e seis dias), incluindo os 13 (treze) dias correspondentes às férias judiciais de Natal de 2021/2022 (cfr. artigo 272.º, n.º 1, do CPC).
As Partes não renunciaram à possibilidade de recurso da Decisão Arbitral a ser proferida na presente arbitragem, considerando o artigo 27.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem; tendo, aliás, por razões que especifica (cfr. artigos 1.º a 5.º da Contestação), o Demandado dito expressamente não prescindir da possibilidade desse recurso e requerido a notificação da Demandante “para manifestar, de forma expressa, a sua posição quanto à possibilidade de ser interposto recurso jurisdicional no presente processo” (cfr., ainda, artigos 39.º, n.º 4, e 46.º, n.º 1, da LAV e artigo 185.º-A do CPTA).
Notificada nesse sentido, de acordo com a promoção constante do Despacho n.º 1, de 16 de dezembro de 2021, a Demandante declarou “não prescindir de interpor recurso para o Tribunal Competente da decisão arbitral a proferir, caso não obtenha vencimento de causa”.
I.3 – Ainda no Despacho n.º 1, de 16 de dezembro de 2021, o Tribunal Arbitral saneou o processo, pronunciando-se sobre a sua competência, nos termos há pouco referidos, declarando que as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas, declarando que não se verificam nulidades processuais ou questões prévias (e que nem as Partes as suscitaram, para além da já referida questão colocada pelo Demandado relativa à possibilidade de recurso da Decisão Arbitral a ser proferida na presente ação), declarando que toda a matéria relativa às exceções invocadas pelo Demandado seria decidida a final, na Decisão Arbitral (cfr. artigo 18.º, n.º 4, do Regulamento da Arbitragem) e fixando o valor da presente causa nos termos seguintes:
A Demandante – sem que o Demandado se tivesse pronunciado sobre o tema – indica na Petição Inicial para a presente causa, embora sem fundamentar tal opção, o valor de € 10 000,00 (dez mil euros).
Contudo, conforme os artigos 32.º, n.ºs 1 e 7, e 34.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, fixa-se para a presente causa o valor de € 37 987,99 (trinta e sete mil novecentos e oitenta e sete euros, noventa e nove cêntimos), resultante da soma do valor de € 7336,98, correspondente ao primeiro pedido da Demandante (...), com o valor de € 651,00, correspondente a parte do terceiro pedido da Demandante (...) e com o valor de € 30 000,01, correspondente ao quinto pedido da Demandante (...), na medida em que deve considerar-se que este quinto pedido [senão mesmo também o referido terceiro pedido (...)] comporta um valor indeterminável, respeitante a bens imateriais.
Sublinha-se que esta fixação do valor da presente causa não tem carácter definitivo, na medida em que a utilidade económica dos segundo (...) e quarto (...) pedidos formulados pela Demandante só poderá vir a definir-se na sequência desta ação (cfr. artigos 299.º, n.º 4, e 306.º, n.º 2, CPC, aplicáveis ex vi artigos 1.º e 31.º, n.º 4, do CPTA).
Fixa-se para a presente causa, agora definitivamente, o valor de € 37 987,99 (trinta e sete mil novecentos e oitenta e sete euros, noventa e nove cêntimos).
Ainda no Despacho n.º 1, de 16 de dezembro de 2021, com insistência junto do Demandado no Despacho n.º 2, de 1 de março de 2022, o Tribunal Arbitral promoveu a pronúncia simultânea das Partes (para além de sobre a já referida questão colocada pelo Demandado relativa à possibilidade de recurso da Decisão Arbitral a ser proferida na presente ação) nos termos seguintes:
a) (...);
b) Convida-se a Demandante a, querendo, se pronunciar sobre as exceções invocadas pelo Demandado (...);
c) Deve a Demandante juntar aos autos cópias legíveis dos documentos 5 e 6, juntos com a Petição Inicial (...);
d) Deve o Demandado juntar aos autos o documento 5 da Contestação, que já antes protestara juntar (...);
e) Convida-se o Demandado a, de modo documentado, concretizar a afirmação que faz no artigo 259.º da Contestação;
f) Sem prejuízo da decisão autónoma que o Tribunal Arbitral proferirá sobre a questão, convida-se a Demandante a, querendo, se pronunciar sobre a posição manifestada pelo Demandado relativamente às informações dele requeridas (...);
g) Tendo presente que as Partes não requerem a produção de prova testemunhal e que o Tribunal Arbitral considera suficiente a prova documental junta aos autos (considerando ainda a decisão anunciada na alínea anterior), devem as Partes pronunciar-se sobre a possibilidade de condução do processo arbitral “com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo”, conforme hipótese prevista no artigo 18.º, n.º 3, do Regulamento da Arbitragem;
h) E mais devem as Partes pronunciar-se sobre, se delas não prescindirem expressamente, a “produção de alegações finais, escritas ou orais, sucessivas ou simultâneas”, nos termos e para os efeitos da previsão do artigo 24.º do Regulamento da Arbitragem.
A Demandante pronunciou-se sobre as exceções invocadas pelo Demandado, juntou aos autos cópias legíveis dos Documentos 5 e 6 da Petição Inicial, afirmou não prescindir das informações requeridas do Demandado [em concreto, os vencimentos de categoria e de exercício e os índices dos funcionários com a mesma categoria dela antes da integração no novo regime jurídico (1.º ajudante, 2.º escalão) e até com categoria inferior (escriturários, escriturários superiores, 2.º ajudantes) que integram a Conservatória ...] e mais declarou não se opor à condução do processo arbitral “com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo”, pretendendo produzir alegações finais escritas simultaneamente com o Demandado e sugerindo para isso o prazo de 20 (vinte) dias.
Por seu turno, o Demandado – que não concretizou nem documentou a afirmação feita no artigo 259.º da Contestação – juntou aos autos o Documento 5 da Contestação, pronunciou-se, na lógica do que já dissera na Contestação, pelo indeferimento do requerimento da Demandante para junção aos autos das referidas informações [“atendendo à total falta de fundamento ou objetivo do pedido formulado, à falta de alegação de quaisquer factos essenciais para a boa decisão da causa, assim como ao esforço desproporcional que implicaria (...), e considerando que se afigura desnecessário conhecer os referidos montantes”] e mais declarou nada ter a opor à condução do processo arbitral “com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo”, pretendendo produzir alegações finais escritas simultaneamente com a Demandante e em prazo não inferior a 20 (vinte) dias.
Foi então, em 28 de março de 2022, proferido o Despacho n.º 3, nos termos seguintes:
Ultrapassada a questão da apensação de arbitragens e tendo as Partes dado cumprimento ao determinado no ponto III (“Da promoção”) do Despacho n.º 1, de 16 de dezembro de 2021:
a) Por se revelar desnecessário para a apreciação e decisão da presente causa, indefiro o requerimento da Demandante relativo à apresentação de informações pelo Demandado [cfr. alínea f) do ponto III (“Da promoção”) do referido Despacho];
b) Determino a condução do processo arbitral “com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo” [cfr. alínea g) do ponto III (“Da promoção”) do referido Despacho];
c) Concedo às Partes prazo até ao próximo dia 22 de abril (inclusive) para produção simultânea de alegações finais escritas [cfr. alínea h) do ponto III (“Da promoção”) do referido Despacho].
Anote-se que só a Demandante produziu alegações finais escritas, as quais, no essencial, retomam as afirmações que fizera nas peças processuais anteriores que por si foram apresentadas.
II – Do objeto da presente ação e das posições das Partes
II.1 – Como se disse no Despacho n.º 1, de 16 de dezembro de 2021, a Demandante termina a Petição Inicial, que deu entrada no CAAD em 7 de julho de 2021, formulando o seguinte pedido:
Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente e provada, e por via dela deve:
a) ser reconhecido o direito da Autora a auferir o valor de € 7336,98 a título de diferenças de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia;
b) ser reconhecido o direito da Autora a ver recalculado pelo B... o seu vencimento de exercício atentas as diferenças apuradas a título de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia;
c) ser reconhecido o direito da Autora a ser recolocada entre os níveis 39 e 42 e entre as posições 8 e 9 por ter direito a auferir 2473,21 € desde 01-01-2020, caso valor superior não seja apurado, e receber a título de diferenças de vencimento o valor de € 651,00 e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia;
d) ser reconhecido o direito da Autora a receber os emolumentos pessoais em falta a calcular pelo Réu;
e) ser afastada a aplicação do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 4, do DL n.º 145/2019, de 23/09, à Autora por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações por permitir que funcionários com a mesma categoria e índice (ou até inferior), no mesmo local de trabalho, com funções idênticas, com maior antiguidade, igual classificação de serviço, tenham vencimentos totalmente dispares sem fundamento na quantidade, qualidade ou complexidade do trabalho prestado, devendo ser idêntico o vencimento da Autora e o desses colegas.
II.2 – Como também se disse no Despacho n.º 1, de 16 de dezembro de 2021, na sua Contestação – tempestivamente apresentada em 20 de setembro de 2021 –, o Demandado defende-se por exceção (cfr. artigos 12.º a 72.º da Contestação) e por impugnação (cfr. artigos 73.º a 271.º da Contestação), concluindo esta impugnação por que a presente ação seja, em qualquer caso, julgada absolutamente improcedente, com a sua absolvição dos pedidos.
Quanto à defesa por exceção, assenta ela em três momentos, cada um deles, se procedente, a determinar a sua absolvição da presente instância arbitral:
a) Invoca o Demandado uma “exceção de incompetência material desta instância arbitral para conhecer e declarar a inconstitucionalidade de atos legislativos e normativos legais” (cfr. artigos 12.º a 42.º da Contestação);
b) Invoca o Demandado, depois, uma “exceção dilatória de intempestividade da prática de ato processual (in casu, de instauração da presente ação)” (cfr. artigos 43.º a 59.º da Contestação);
c) Invoca o Demandado, por fim, uma “exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual” (cfr. artigos 60.º a 72.º da Contestação).
Cumpre, pois, apreciar e decidir a presente ação.
III – Da fundamentação de facto
III.1 – O Tribunal decide considerar provados os factos que, tendo sido alegados e que relevam para a decisão da presente causa, a seguir se especificam:
1.º - A Demandante foi admitida, em 1982/04/21, com a categoria de “escriturário”, como funcionária da entidade na altura antecessora do Demandado, com o exercício de funções relatado na sua Nota Biográfica, correspondente ao Documento 1 junto à Petição Inicial.
2.º - Das referidas funções relatadas nessa Nota Biográfica, destaca-se que, a partir de 2005/10/10, a Demandante foi afeta à 1.ª Conservatória do..., funções que ainda exerce, tendo exercido, em regime de mobilidade, entre 2007/04/09 e 2014/12/31, funções na delegação do ... do Departamento do Cartão do Cidadão.
3.º - Conforme a mesma Nota Biográfica: (i) em 1990/01/01, a Demandante, com a categoria de “escriturário”, foi integrada no escalão 1 do índice retributivo 150; (ii) em 1990/07/01, a Demandante, com a categoria de “escriturário”, foi integrada no escalão 2 do índice retributivo 165; (iii) em 1992/04/25, a Demandante, com a categoria de “escriturário superior”, foi integrada no escalão 1 do índice retributivo 190; (iv) em 1992/10/01, a Demandante, com a categoria de “escriturário superior”, foi integrada no escalão 2 do índice retributivo 200; (v) em 1995/08/22, a Demandante, com a categoria de “2.º ajudante”, foi integrada no escalão 1 do índice retributivo 210; (vi) em 1998/08/22, a Demandante, com a categoria de “2.º ajudante”, foi integrada no escalão 2 do índice retributivo 225; (vii) em 2001/08/22, a Demandante, com a categoria de “2.º ajudante”, foi integrada no escalão 3 do índice retributivo 235; (viii) em 2002/09/12, a Demandante, com a categoria de “1.º ajudante”, foi integrada no escalão 1 do índice retributivo 255; (ix) em 2018/01/01, a Demandante, com a categoria de “1.º ajudante”, foi integrada no escalão 2 do índice retributivo 265.
4.º - Conforme os artigos 53.º, n.º 5, 54.º, n.º 5, 59.º, n.º 3, e 61.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, que aprovou a (nova) “Lei Orgânica dos Serviços de...”, o ordenado equivale ao “vencimento de categoria” e o “vencimento de exercício” é correspondência da participação emolumentar, a qual é considerada para todos os efeitos “vencimento de exercício” e se traduz numa “percentagem da receita global líquida da totalidade dos serviços apurada em cada mês”, em termos fixados por Portaria, tendo, no que releva, a Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, fixado que tal percentagem seria de 15%, que por conta da verba assim apurada a participação emolumentar seria de 16,5% (até 1 500 000$00) e de 8% sobre o excedente, a distribuir por todos os oficiais dos registos na proporção dos respetivos “vencimentos de categoria”, ficando assegurada a cada um, como mínimo, uma participação emolumentar correspondente a 100% do seu “vencimento de categoria”.
5.º - Conforme o artigo 63.º daquele Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, e o artigo 137.º do Decreto Regulamentar n.º 55/80, de 8 de outubro, que aprovou o “Regulamento dos Serviços de...”, no que agora releva, os “emolumentos especiais”, cobrados pela elaboração de requerimentos para atos de registo predial nos termos da lei, revertem, “como emolumentos de natureza pessoal sujeitos aos descontos legais”, para os funcionários da repartição “na proporção dos respetivos ordenados”, desde que direta ou indiretamente neles colaborem, sendo que o montante máximo dos “emolumentos pessoais” é fixado por Portaria, revertendo a parte excedente da receita total para os Serviços Sociais do Ministério ... .
6.º - O Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, aprovou as escalas indiciárias relativas aos ordenados dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado, estatuindo o respetivo artigo 1.º, n.º 2, que tais escalas “referenciam-se ao índice 100 da escala indiciária do regime geral e acompanham a atualização deste índice”.
7.º - Com a Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, erigiu-se um regime (“transitoriamente, para o ano de 2002”) pelo qual, no que releva, “o vencimento de exercício de cada conservador, notário e oficial dos registos e do notariado é constituído pela média aritmética da participação emolumentar apurada de janeiro a outubro de 2001”; sendo que, ocorrendo, a partir de novembro de 2001, ingresso ou progressão na carreira, início de funções noutra conservatória ou alteração da classe de serviço, “o vencimento de exercício (...) passa a ser calculado com base na média aritmética da participação emolumentar a que o funcionário teria direito se estivesse investido na nova situação funcional de janeiro a outubro de 2001”; e mais sendo que aos funcionários de serviço que entrasse em funcionamento após novembro de 2001 era assegurado um vencimento de exercício calculado sobre uma receita mensal líquida de 2 500 000$00, 15 000 000$00 e 20 000 000$00, conforme se tratasse, respetivamente, de serviço de 3.ª, 2.ª e 1.ª classes.
8.º - O regime identificado no 7.º facto considerado provado manteve-se, efetivamente, até à transição para a nova carreira de “oficial de registos” especificada infra no 9.º facto considerado provado.
9.º - Conforme o Documento 5 junto à Contestação (e coerentemente com a referida Nota Biográfica e com os recibos constantes dos Documentos 5 e 6 juntos à Petição Inicial), a Demandante, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, que reviu as antigas carreiras de conservador, de notário, de ajudante e de escriturário dos registos e do notariado, e em cumprimento de deliberação do Conselho Diretivo do Demandado, de 2020/01/20, nos termos do artigo 41.º daquele Decreto-Lei e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, transitou, com efeitos a 2018/01/01, para a nova carreira de “oficial de registos”: estando colocada no escalão 2 do índice retributivo 265 (cfr. 3.º facto considerado provado), com a remuneração base de € 2434,91, foram-lhe agora atribuídos a 7.ª posição inferior na tabela remuneratória, a 8.ª posição superior na tabela remuneratória, o nível inferior na tabela remuneratória 37 e o nível superior na tabela remuneratória 39.
10.º - Nos termos do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, a nova “remuneração base” prevista “é a que resulta da soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito, de acordo com o posto de trabalho de que são titulares na data de entrada em vigor do presente decreto-lei”.
11.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 4 junto à Contestação) a deliberação do Conselho Diretivo do Demandado, de 2020/01/20, identificada no 9.º facto considerado provado, a qual, à luz do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, que erigiu as novas carreiras especiais de “conservador de registos” e de “oficial de registos”, e à luz do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, que erigiu o regime remuneratório dessas novas carreiras e regulou a transição para as novas remunerações, definiu o processo desta transição.
12.º - No que releva para a situação retributiva da Demandante, não foram aplicadas ao seu “vencimento de categoria”, por referência ao índice retributivo 255 que detinha em 31 de dezembro de 2002 (cfr. 3.º facto considerado provado), as novas correspondências dos índices, em concreto: (i) o índice 259, a partir de 1 de janeiro de 2003 [conforme o artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, o diploma de execução do Orçamento do Estado para 2003]; (ii) o índice 264, a partir de 1 de janeiro de 2004 [conforme o artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, o diploma de execução do Orçamento do Estado para 2004]; (iii) o índice 274, a partir de 1 de janeiro de 2018 [por efeito da progressão para o segundo escalão da categoria de “1.º ajudante”, a que correspondia o índice 265 em 31 de dezembro de 2002, quando este índice 265 já correspondia, em 1 de janeiro de 2018, ao índice 274, pelos efeitos conjugados daqueles mesmos dois Decretos-Leis].
13.º - Da sua Nota Biográfica, correspondente ao Documento 1 junto à Petição Inicial, resulta que, desde janeiro de 2003, pelo menos, o “vencimento de exercício” da Demandante foi superior ao seu “vencimento de categoria”; tal como resulta que, mesmo no índice 259, em 2003, e no índice 264, em 2004, o seu “vencimento de categoria” era, ou seria, inferior ao limite das remunerações acima do qual não podiam ser feitos os aumentos salariais fixados para esses anos, identificados infra nos 16.º e 17.º factos considerados provados.
14.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 4 junto à Petição Inicial) uma impressão de uma tabela, obtida no sítio oficial da Direção-Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP), na qual, quanto às “Remunerações 2009-Carreiras de Regime Especial Não Revistas”, quanto aos “Oficiais dos...” e especificamente quanto à categoria de “1.º ajudante”, surgem sequencialmente os índices “264”, “274”, “290”, “300” e “316”.
15.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 1 junto à Contestação) uma comunicação da Diretora-Geral do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério ... para o Diretor-Geral dos ... do mesmo Ministério, de 2000/05/29, na qual se esclarece que, considerando que legalmente o aumento salarial em 2000 não pode ser inferior a 3000$00 e que “somando o valor da atualização do vencimento de categoria e o de exercício, verifica-se em todas as situações um aumento superior a 3000$00, o mesmo acontecendo nas participações emolumentares variáveis”, “não se procedeu a alterações até ao índice 200” (referindo-se, certamente, às novas correspondências dos anteriores índices 110 a 200, previstas na Circular n.º 1271, de 2000/04/17, do Diretor-Geral do Orçamento, para o período posterior a 1 de janeiro de 2000).
16.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 2 junto à Contestação) o Despacho n.º 20/2003, de 2003/11/28, do Diretor-Geral dos ..., sobre o aumento salarial de 1,5% previsto legalmente para 2003, mas limitado às remunerações iguais ou inferiores a € 1008,57, o qual definiu assim os termos da passagem do índice 150 para o índice 152, “conforme Mapa I, anexo ao Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março”.
17.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 3 junto à Contestação) a Informação da Direção de Serviços de Recursos Humanos da Direção-Geral ..., de Novembro de 2004, sobre o aumento salarial de 2% previsto legalmente para 2004, mas limitado às remunerações iguais ou inferiores a € 1024,09 e tendo o Secretário de Estado da ... determinado que se procedesse a essa atualização como se procedera em 2003, a qual definiu assim os termos das passagens do índice 150 para o índice 153, do índice 152 para o índice 155 e do índice 165 para o índice 168.
18.º - Consta dos autos da presente arbitragem (cfr. Documento 6 junto à Contestação) o Despacho n.º 9499/2006 (2.ª série), de 2006/02/23, do Secretário de Estado da ..., determinando que a atualização salarial de 2,2% (relativa a 2005) “dos funcionários abrangidos pelos aumentos salariais de 2003 e 2004 seja efetuada tendo por base os ordenados percebidos pelos funcionários em questão em consequência dos mencionados aumentos”.
Inexistem outros factos, alegados e relevantes para a decisão da presente causa, considerados pelo Tribunal Arbitral como não provados.
III.2 – Todos estes factos considerados provados constituem, objetivamente e entre ambas as Partes, factos incontroversos.
Os 8.º e 12.º factos considerados provados, para além do seu suporte de publicidade e notoriedade, traduzem realidades factuais que ambas as Partes dão por assentes, constituindo, aliás, o cerne factual do dissídio entre elas e por elas pressuposto.
A segunda parte do 13.º facto considerado provado resulta de uma mera comparação de montantes pecuniários, que são públicos, com o “vencimento de categoria” da Demandante, conforme documentado na sua Nota Biográfica, correspondente ao Documento 1 junto à Petição Inicial.
Todos os demais factos considerados provados, sem prejuízo de serem considerados assentes por ambas as Partes, resultam dos documentos ou diplomas normativos neles identificados, traduzindo, como traduzem, meras descrições, factualmente objetivas, de conteúdos textuais, despidos de quaisquer comentários ou interpretações.
Deve sublinhar-se, aliás, que a apreciação e decisão da presente ação não reclama a resolução de determinantes controvérsias factuais entre as Partes, reclamando, isso sim, essencialmente, a dilucidação de relevantes questões de Direito.
IV – Da fundamentação de Direito
IV.1 – Comecemos por apreciar e decidir se o Demandado tem razão na defesa por exceção que deduz.
Como se viu, o Demandado invoca: (i) a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer e declarar a inconstitucionalidade de normas alegada pela Demandante; (ii) a exceção dilatória de intempestividade da instauração da presente ação; (iii) a exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual.
IV.1.1 – Aquela exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer e declarar, como pretendido pela Demandante, a inconstitucionalidade de normas advém do referido citado quinto (e último) pedido da Demandante, a que esta dedica a fundamentação constante dos artigos 99.º a 207.º da Petição Inicial:
e) ser afastada a aplicação do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 4, do DL n.º 145/2019, de 23/09, à Autora por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações por permitir que funcionários com a mesma categoria e índice (ou até inferior), no mesmo local de trabalho, com funções idênticas, com maior antiguidade, igual classificação de serviço, tenham vencimentos totalmente dispares sem fundamento na quantidade, qualidade ou complexidade do trabalho prestado, devendo ser idêntico o vencimento da Autora e o desses colegas.
No Despacho n.º 1, de 16 de dezembro de 2021, analisámos com detalhe este pedido, começando por referir que, se bem se compreende esta pretensão da Demandante, dir-se-á que entende ela, em síntese, que é constitucionalmente censurável a transição remuneratória para a carreira especial/categoria de oficial de registos operada pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, pois, integrando numa só remuneração base os anteriores vencimento de categoria e vencimento de exercício e reposicionando remuneratoriamente [na nova TRU] em função do que então efetivamente recebia, tal opção do legislador eterniza a situação retributiva anterior, também ela constitucionalmente censurável, pois permitia “diferenças remuneratórias não fundadas no desempenho atual da conservatória, mas antes no mérito ou demérito passado (...) da conservatória em 2001, ou seja, há 19 anos atrás”.
E assim seria na medida em que tal situação anterior resulta da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, que erigiu um regime (que, apesar de encarado expressamente como transitório, se manteve até ao reposicionamento remuneratório operado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro) que, independentemente da receita do respetivo serviço, fixou a partir daí o concreto vencimento de exercício de cada funcionário na média aritmética da participação emolumentar apurada de janeiro a outubro de 2001, assim deixando “de se tomar em consideração o rendimento efetivo mensal da conservatória, para se ficcionar um valor reportado ao rendimento da conservatória referente a alguns meses de 2001, congelando-se uma componente relevante da remuneração dos oficiais de registo”.
A Demandante manifesta a sua opinião no sentido de que os pressupostos em que se ancorou a Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, foram, algum tempo depois, postos em causa, sobretudo porque ocorreu:
“a eliminação territorial para execução dos registos” (com a possibilidade de requerer registos on line, distribuídos aleatoriamente pelas conservatórias, e com a possibilidade de apresentação dos pedidos de registo em qualquer conservatória), “o que levou a que algumas conservatórias tenham visto aumentar e outras diminuir o respetivo rendimento emolumentar mensal”;
a abolição, com o Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, em cumprimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, do princípio da progressividade dos emolumentos em função do valor do bem ou do capital social a registar, “passando a existir um montante único para cada tipologia de ato registral”;
a fusão de várias conservatórias entre 2009 e 2013;
o congelamento do tempo de serviço dos funcionários públicos entre 2005 e 2007 e o congelamento remuneratório dos mesmos entre 2011 e 2017, razão pela qual “os vencimentos estiveram congelados e ninguém progrediu de classe até à entrada em vigor do novo diploma de 2018 (Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro)”.
A referida questão da fusão de várias conservatórias entre 2009 e 2013 é invocada pela Demandante porque os funcionários colocados após a fusão nas novas conservatórias dela resultantes viram o seu vencimento de exercício calculado com base num rendimento ficcionado [2 500 000$00, 15 000 000$00 ou 20 000 000$00, tratando-se, respetivamente, de conservatória de 3.ª classe, de 2.ª classe ou de 1.ª classe], levando a que os oficiais de registos “colocados nas conservatórias antes da anexação” tenham um vencimento de exercício “em função do rendimento reportado a 2001” e os “colocados na conservatória após a anexação” tenham um vencimento de exercício “em função do rendimento ficcionado em 2009/2013”, assim “permitindo que funcionários que trabalham lado a lado, com as mesmas habilitações legais, com o mesmo serviço e responsabilidade, com o mesmo tempo de serviço e categoria, tenham vencimentos completamente díspares, apenas e tão só porque estavam no serviço à data da fusão/anexação ou só porque lá foram colocados posteriormente”.
Sendo que tal rendimento ficcionado em três escalões já advém do artigo 6.º da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro: aos funcionários de serviço que iniciasse funcionamento após novembro de 2001 era assegurado um vencimento de exercício calculado sobre uma receita mensal líquida desse serviço de 2 500 000$00, 15 000 000$00 e 20 000 000$00, conforme se tratasse, respetivamente, de serviço de 3.ª, 2.ª e 1.ª classes; e sendo que o regime deste mesmo n.º 6 foi, pela Portaria n.º 110/2003, de 29 de janeiro (e posteriores), estendido aos serviços que tivessem iniciado funcionamento entre 1 de janeiro e 31 de outubro de 2001, “à exceção daqueles cuja receita mensal ilíquida gerada nesse período foi superior à que lhes estaria garantida por efeito da aplicação do disposto naquele número”.
Mas, como dito, a argumentação expendida pela Demandante quanto a este seu quinto (e último) pedido assenta, essencialmente, na alegação de que a Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, erigiu um regime (encarado expressamente como transitório mas mantido até ao reposicionamento remuneratório do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro) que fixou o concreto vencimento de exercício de cada funcionário na média aritmética da participação emolumentar apurada de janeiro a outubro de 2001, assim deixando de considerar o rendimento efetivo mensal do serviço e assim congelando esse vencimento de exercício.
Ou seja, segundo a Demandante, em suma, a Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, “permitiu que uma parte significativa do rendimento do oficial de registos seja determinada (...), não em face dos emolumentos cobrados na atualidade, mas daqueles outros coletados em 2001”; e, assim, os oficiais de registos “que, em 2001, se encontravam em conservatórias com participação emolumentar significativa sabem que, independentemente da sua produtividade, os seus rendimentos não serão afetados”, sendo que, contrariamente, os oficiais de registos “que, em 2001, se encontravam em conservatórias com participação emolumentar pouco significativa sabem que, independentemente da sua produtividade, nunca conseguirão incrementar o seu vencimento de exercício”.
E esta sua perspetiva leva a Demandante a dizer que a manutenção do regime da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, até ao reposicionamento remuneratório operado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, “originou grandes diferenças remuneratórias no vencimento de exercício dos oficiais de registo”, as quais “não se fundavam numa diferente natureza, quantidade ou qualidade do trabalho atual, mas no rendimento em 2001 de cada conservatória (apesar do fim da progressividade dos emolumentos e do fim da competência territorial terem alterado significativamente o rendimento de cada conservatória)”.
Razão por que – diz ainda a Demandante – o regime legal constante do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, perpetua “iniquidades resultantes da regulamentação pretérita, eternizando a solução da Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações”, assim se pondo em causa – sem necessidade, adequação e proporcionalidade – os princípios do mérito, da igualdade e da justiça, pois assim se cristalizou e generalizou “uma gritante desigualdade e injustiça salarial”, “numa total subversão dos princípios da justiça e da equidade subjacentes a uma qualquer reforma remuneratória”, já que esta fica “totalmente desfasada da produtividade de cada um dos visados, não baseada numa diferente natureza, quantidade e qualidade do trabalho”, e já que esta consolida a permissão de “vencimentos totalmente díspares” para pessoas trabalhando lado a lado e realizando as mesmas tarefas e, bem assim, de vencimentos superiores para idênticas categorias e índices (ou até inferiores), antiguidades (ou até inferiores) e classificações de serviço (ou até inferiores), com possível “inversão das posições relativas de trabalhadores”.
Face a esta sua visão das coisas, a Demandante afirma que o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, que lhe é “aplicado diretamente e sem mediação de ato administrativo”, “fere a Constituição da República Portuguesa”, “porque um dos elementos a considerar para o cálculo da remuneração base – o vencimento de exercício – corresponde à média da participação emolumentar da Conservatória no ano de 2001, isto é, com base no mérito ou demérito de quem em 2001 estava na Conservatória (o que sempre foi fixado em termos transitórios)”.
E, com referência a jurisprudência, maxime do Tribunal Constitucional, concretiza tal afirmação alegando especialmente a ofensa aos artigos 13.º (princípio da igualdade), 47.º, n.º 2 (acesso à função pública, incluindo o progresso nas carreiras, em condições de igualdade e liberdade), 58.º, n.º 2, alínea b) (igualdade de oportunidades no emprego), e 59.º, n.º 1, alínea a) (retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, com observância do princípio de que para trabalho igual salário igual), da Constituição.
A Demandante reconhece que o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, pretendeu garantir o princípio do não retrocesso salarial/irredutibilidade da retribuição; mas a Demandante não aceita que tal ocorra “com completa desconsideração do princípio da igualdade das posições remuneratórias”, logo perguntando se “não será desproporcionada a diferenciação remuneratória entre oficiais de registo apenas com o objetivo de garantir a irredutibilidade salarial daqueles que auferem maiores vencimentos”.
E a Demandante mais alega que, diferentemente do princípio da irredutibilidade salarial (afirmado no Código do Trabalho e na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), a exigência de “uma retribuição justa, assente numa correspondência efetiva entre a remuneração atribuída e as funções desempenhadas”, tem consagração constitucional expressa; logo acrescentando que aquele princípio da irredutibilidade salarial, in casu:
“vale para a retribuição em sentido próprio e não para o vencimento de exercício nos termos (transitórios) em que foi calculado, sobretudo porque este não reflete, nem nunca refletiu o trabalho subjacente às participações emolumentares, dado que tais participações privilegiavam o valor dos atos a registar sobre o custo efetivo do serviço prestado com o respetivo registo”;
não é “uma exigência da dignidade da pessoa humana” nem se impõe “como um bem primário ou essencial”, “até porque isso seria insultuoso para todos aqueles cujas remunerações correspondem a metade ou menos dos que beneficiaram da aplicação das regras da Portaria n.º 1448/2001”;
não pode impor-se pelo princípio da proteção da confiança, porque: (i) com a consagração do “princípio da proporcionalidade na tabela emolumentar” [cfr. artigo 3.º (sob a epígrafe “Proporcionalidade”) do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro (Regulamento Emolumentar dos ...): “A tributação emolumentar constitui a retribuição dos atos praticados e é calculada com base no custo efetivo do serviço prestado, tendo em consideração a natureza dos atos e a sua complexidade.”], verificou-se que o regime das participações emolumentares decorrentes dos emolumentos cobrados em cada serviço “não podia subsistir sem graves distorções nos vencimentos dos funcionários (...) e por isso não podia existir qualquer expetativa de continuidade quanto à fórmula de cálculo do vencimento de exercício”; (ii) em qualquer caso, nunca seriam expetativas “legítimas, justificadas ou fundadas em boas razões a partir de 2001”; (iii) não pode invocar-se “planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade” do vencimento de exercício calculado nos termos da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, dado o afirmado caráter transitório do regime desta “(e das suas prorrogações sempre temporalmente limitadas)”; (iv) há razões de interesse público, assentes no respeito pelo princípio da igualdade, “que justificam, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou alguma expetativa que porventura ainda subsistisse”.
Face ao que a Demandante conclui nos termos seguintes (cfr. artigos 199.º e 200.º da Petição Inicial):
Assim, apenas há que tutelar a confiança dos oficiais de registos que invocam o direito fundamental à justa retribuição.
Pelo que também por aqui se conclui que o legislador, para não violar a CRP, deveria ter optado por privilegiar o princípio da justa retribuição da classe de oficiais de registo e não o princípio de irredutibilidade da remuneração.
Sendo que a Demandante, nesta lógica, já anteriormente preconizara (cfr. artigo 144.º da Petição Inicial) que os princípios da igualdade e do mérito devessem ter implicado “que, na transição para a nova estrutura remuneratória, se atendesse ao vencimento de exercício auferido pela conservatória onde se encontrava o oficial de registos na data em que operou efeitos a transição (2019)”.
Assim, segundo a Demandante, o apuramento pelo Demandado dos vencimentos dos oficiais de registos nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, com a consequente integração dos mesmos na nova tabela remuneratória, constitui um ato nulo, por violação do conteúdo essencial de direitos fundamentais, conforme o artigo 161.º, n.º 2, alínea d), do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
Por tudo, segundo este seu quinto (e último) pedido – e se bem se interpreta esse mesmo pedido –, a Demandante pretende ver afastada, por inconstitucionalidade, a sua integração na nova tabela remuneratória mediante o apuramento dos seus vencimentos nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, pretendendo, isso sim, ser integrada nessa nova tabela remuneratória auferindo vencimento idêntico aos vencimentos superiores auferidos pelos funcionários da Conservatória ... com idênticas (ou inferiores) categoria e índice, antiguidade e classificação de serviço.
Sendo que, agora na sua pronúncia sobre as exceções invocadas pelo Demandado (cfr. artigos 78.º a 88.º, maxime artigos 79.º e 87.º) – em termos que, no essencial, são retomados nas suas alegações finais (cfr., maxime, artigos 50.º e 58.º) –, a Demandante parece especificar o que pretende, ao dizer que “não deve ser aplicado à Autora o artigo 10.º, n.º 1 e n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, por inconstitucionalidade e repristinar-se a legislação revogada ou calculando-se um vencimento médio de um oficial de registo com a sua categoria (1.º ajudante), índice e antiguidade e com repercussões na sua colocação na TRU”.
Sendo que tal “legislação revogada” seria o Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, e a Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, com base nos quais “apurava-se o rendimento mensal da conservatória e calculava-se o vencimento mensal de cada um dos funcionários da mesma conservatória”.
E, nesta senda, agora no artigo 11.º (e conclusão HH) das suas alegações finais, a Demandante escreve:
E por isso peticiona o afastamento do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, por inconstitucionalidade, e que seja repristinado o Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, e o disposto na Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, de acordo com os quais se fixa a forma de cálculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, e, com base nisso, calcular o vencimento médio nacional de um 1.º ajudante no índice 265 e aplicá-lo à Autora ou, caso isso não seja possível, e pelos mesmos argumentos, aplicar à Autora o vencimento médio nacional de um 1.º ajudante no índice 265 à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, com a consequente alteração da sua posição remuneratória.
Ora, foi precisamente quanto a esta visão global das coisas por parte da Demandante, que o Demandado, nos artigos 12.º a 42.º da Contestação, invocou, como exceção, entre o mais, no essencial, estarmos nesta matéria, verdadeiramente, perante uma impugnação por inconstitucionalidade de atos legislativos e regulamentares, matéria reservada ao Tribunal Constitucional e, quanto à fiscalização concreta da constitucionalidade das leis, também apenas “aos Tribunais” (e não às instâncias arbitrais), conforme o artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Respondeu a Demandante (cfr., sobretudo, artigos 36.º a 88.º da sua pronúncia sobre as exceções invocadas pelo Demandado), entre o mais, no essencial, não estar a jurisdição arbitral inibida relativamente à fiscalização concreta da constitucionalidade das leis (“o julgamento de questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas não é matéria de reserva de competência jurisdicional exclusiva dos tribunais do estado”, remetendo para a Decisão Arbitral do CAAD de 2020/09/22, proferida no Processo n.º 784/2019-T, e para o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 262/2015) e “que no caso concreto não é sindicada a ilegalidade de normas, em abstrato, mas as consequências da aplicação de certas normas à Autora (...) na medida em que fixa um vencimento muito inferior ao de outros colegas em exatas condições e sem justificação”, matéria inerente a uma relação jurídica de emprego público (acrescentando não estarem em causa direitos indisponíveis).
Anote-se que, agora nos artigos 213.º a 271.º da Contestação (já em sede de impugnação), o Demandado acrescenta, no essencial, o reconhecimento de que o regime da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, não deixou, ainda assim, “de estar dependente das vicissitudes do percurso profissional de cada trabalhador e de cada conservatória” (pois o vencimento de exercício ou participação emolumentar “diferia, necessariamente, em cada mês, de serviço para serviço, e de trabalhador para trabalhador”), mas vincando a sua sujeição ao princípio da legalidade, também na aplicação do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, sendo que só aos tribunais compete a fiscalização concreta da constitucionalidade das leis; não se vislumbrando, contudo, qualquer inconstitucionalidade, pois tal artigo 10.º pretendeu [na senda do artigo 41.º, n.ºs 2 e 4, da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho – Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas –, e do artigo 104.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro – Regimes de Vinculação, de Carreiras e de Remunerações dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas –] garantir a imperatividade do cumprimento do princípio do não retrocesso salarial (não havendo, aliás, outro modo alternativo de proceder) e as disparidades invocadas pela Demandante (mas não concretizadas e comprovadas) “decorrem, e já decorriam, das especificidades do anterior sistema remuneratório dos trabalhadores dos registos” e não desse mesmo artigo 10.º; e, além do mais, “é incontestável que a pretensão da Demandante (em ser reposicionada na nova tabela nos peticionados termos) não tem, sequer, qualquer apoio na lei”.
Vejamos, pois; sendo indispensável atentarmos cuidadosamente naquilo que é a substância do pedido ora em causa da Demandante.
A Demandante, como porventura poderia ter feito, não pede, com efeitos circunscritos ao seu caso, a desaplicação das normas, imediatamente operativas, da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, na sucessão da respetiva vigência até à transição para a nova estrutura retributiva determinada pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro (cfr. artigo 73.º, n.º 2, do CPTA).
Aliás, a Demandante conforma-se expressamente com as decorrências diretas da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro; aquilo com que não se conforma, como também refere expressamente amiúde e fica bem patenteado no modo como redige o seu quinto pedido, é com a “perpetuação” (“cristalização”; “generalização”; “consolidação”) dessas decorrências, “perpetuação” essa que imputa, como inconstitucional, ao artigo 10.º, maxime n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.
É incontestável (sem necessidade, aliás, de outros desenvolvimentos) que este Tribunal Arbitral, constituído no âmbito do CAAD, está, como os demais tribunais, vinculado aos ditames do artigo 204.º da CRP, não podendo aplicar normas inconstitucionais, assim intervindo na fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade prevista no artigo 280.º da CRP.
E a Demandante esforçou-se por sublinhar essa “dimensão concreta” (e não “abstrata”) da declaração de inconstitucionalidade pedida, seja focalizando o seu pedido em si mesma, seja alegando até a nulidade de um ato administrativo de integração na nova tabela remuneratória; caindo aqui, seja em indisfarçável contradição – porque, simultaneamente, afirma a aplicação do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, “diretamente e sem mediação de ato administrativo” e sublinha a ausência de condicionamento temporal para a interposição da presente ação (inerente à existência de um ato administrativo impugnável) –, seja em notório erro, porque (como se perceberá melhor quando, em breve, nos referirmos acessoriamente às inconstitucionalidades invocadas) em caso algum estaríamos perante um ato ofensivo do “conteúdo essencial” de um direito fundamental [cfr. artigo 161.º, n.º 2, alínea d), do CPA], a razão que a Demandante invoca para afirmar uma tal nulidade.
É que esse “conteúdo essencial de um direito fundamental” refere-se, certamente, à “extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” que consagram tais direitos, com o sentido preconizado no artigo 18.º, n.º 3, da CRP para os limites das restrições admissíveis, estando, pois, em causa uma dimensão nuclear absolutamente inatingível e inviolável desse direito, sob pena de ficar vazia a finalidade ou de se obnubilar a valia que a Constituição atribui ao mesmo.
Seja como for, o ponto é que aquela “dimensão concreta” (e não “abstrata”) da declaração de inconstitucionalidade pedida, que a Demandante se esforçou por sublinhar, não pode conceber-se na situação sub judice.
Pois uma tal “dimensão concreta” tem de restringir-se à “recusa de aplicação” (“desaplicação”) de norma inconstitucional, daí resultando, direta e imediatamente, os efeitos pretendidos com o concreto pedido de declaração de inconstitucionalidade (maxime a não consumação da consequência jurídica inerente a essa norma, v.g. a não aplicação de uma sanção).
Ora, é claríssimo que a Demandante não pretende simplesmente que no seu caso seja “desaplicado” o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, o que, aliás, a deixaria num “limbo” de indefinição quanto à integração retributiva na nova carreira; o que a Demandante pretende é, isso sim, obviamente, que, de par com tal “desaplicação”, seja erigida em concreto uma solução jurídica alternativa capaz de lhe proporcionar uma tal integração retributiva na nova carreira nos termos que lhe interessam.
Acontece que isso está vedado aos tribunais – e a este Tribunal Arbitral – no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade prevista no artigo 280.º da CRP.
Desde logo, a repristinação de legislação anterior é uma consequência exclusiva da declaração abstrata, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade, tarefa exclusivamente a cargo do Tribunal Constitucional, como resulta óbvio dos artigos 281.º e 282.º, n.º 1, in fine, da CRP.
Mas, mesmo que assim não fosse, nunca a declaração de inconstitucionalidade do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, implicaria a repristinação equacionada pela Demandante das normas do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, e da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro.
Pois a revogação destas normas (pese embora a disposição revogatória do artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro) não resulta daquele artigo 10.º, maxime do seu n.º 4, o qual, aliás, não incide sobre o cálculo do “vencimento de exercício”, limitando-se a tomar em consideração o “vencimento de exercício” ao tempo efetivamente abonado para determinar, conjuntamente com o “vencimento de categoria”, a nova “remuneração base”.
E, porque a própria Demandante duvida da possibilidade de uma tal repristinação [quando, como se viu, diz “caso isso não seja possível” no artigo 11.º (e conclusão HH) das suas alegações finais], parte então para o pedido da construção concreta por este Tribunal Arbitral de uma solução à medida dos seus intentos, a qual, porque despida de qualquer enquadramento legal, sempre teria de ser recusada, como bem sublinha o Demandado.
Está, pois, patente que, sob o véu do pedido de “recusa de aplicação” (“desaplicação”) por inconstitucionalidade do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, aquilo que, verdadeiramente, a Demandante pretende é que, a montante ainda da aplicação de tal artigo, seja erigida uma solução normativa (distinta da que esteve disponível, que considera inconstitucional) para uma outra fixação, agora a seu contento, do seu “vencimento de exercício”, a ser então tida em consideração por esse mesmo artigo.
Ou seja, haverá, pois, de concluir-se, desde já, que, na situação sub judice, por detrás de um pedido de fiscalização concreta da constitucionalidade, o que substancialmente se nos depara é uma alegação de inconstitucionalidade por omissão das soluções legais consideradas adequadas, já que a inconstitucionalidade verdadeiramente visada pela Demandante tem sim a ver com a indisponibilidade do enquadramento legal que considera adequado para a fixação do seu “vencimento de exercício” a ser tido em consideração como pressuposto da sua transição para o regime retributivo da nova carreira de “oficial de registos”; matéria que é da exclusiva competência do Tribunal Constitucional (cfr. artigo 283.º da CRP) e do legislador, estando absolutamente arredada da jurisdição dos demais tribunais e, assim mesmo, deste Tribunal Arbitral.
Mais se reiterando o que há pouco se disse: precisamente pela indisponibilidade do enquadramento legal considerado adequado, sempre o mérito da pretensão da Demandante inerente a este seu quinto pedido teria de improceder por ilegalidade.
Para além – acrescente-se esta apreciação a título meramente acessório – de se não vislumbrar a inconstitucionalidade alegada pela Demandante na solução normativa que esteve disponível para a fixação do seu “vencimento de exercício” tomado em consideração para efeitos do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.
Como vimos, a Demandante reconduz as inconstitucionalidades por si invocadas aos artigos 13.º (princípio da igualdade), 47.º, n.º 2 (acesso à função pública, incluindo o progresso nas carreiras, em condições de igualdade e liberdade), 58.º, n.º 2, alínea b) (igualdade de oportunidades no emprego), e 59.º, n.º 1, alínea a) (retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, com observância do princípio de que para trabalho igual salário igual), da CRP; permitindo, pois, que a questão se focalize na exigência constitucional de respeito pelo princípio constitucional da igualdade, à luz da formulação constante daquele artigo 13.º.
O princípio constitucional da igualdade comporta uma obrigação de tratamento idêntico ou semelhante das situações idênticas ou semelhantes, respetivamente, e de tratamento desigual de situações substancial e objetivamente desiguais, com verificação por um processo de comparação (tertium comparationis), concebendo-se tratamento diferenciado apenas em função e na medida da diversidade das situações (cfr., na economia da presente Decisão Arbitral, a visão sintetizada de Jorge Miranda, “O princípio da igualdade no Direito Português”, Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 132, novembro de 2015, pp. 22 a 27).
O princípio constitucional da igualdade é diretamente aplicável e vincula entidades públicas e privadas (cfr. artigo 18.º, n.º 1, da CRP), postulando, como se disse, um tratamento igual do que é igual e um tratamento diferente do que é diferente e na medida da diferença, proibindo, assim mesmo, discriminações arbitrárias, em função de critérios meramente subjetivos, mas implicando a obrigação de diferenciar o que é objetivamente diferente.
Trata-se, na essência, de um aferidor das diferenciações admissíveis, segundo um cânone de proporcionalidade (em sentido lato), consagrado em diversas disposições constitucionais e no artigo 7.º do CPA.
O princípio da proporcionalidade implica três aferições: (i) de adequação, em função da aptidão para a obtenção do fim prosseguido; (ii) de necessidade, em função do confronto entre as diferentes opções adequadas e da opção pela que for menos restritiva; (iii) de proporcionalidade (agora em sentido estrito), em função da verificação se a restrição, ainda assim, pode ser considerada equilibrada.
O princípio da proporcionalidade, nos seus subprincípios da “adequação”, da “necessidade” e da “proporcionalidade stricto sensu”, visa, pois, preservar, em concreto, a maior extensão possível dos bens e valores em conflito/colisão/confronto.
Ora, como bem sabemos, o artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, certamente porque o legislador estaria bem consciente das diferenciações estruturalmente resultantes do modo da concreta determinação do vencimento de exercício anteriormente à Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, optou por salvaguardar na constituição da nova “remuneração base” o imperativo da irredutibilidade da retribuição, conforme imposição do artigo 41.º, n.ºs 2 e 4, da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, e do artigo 104.º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro.
Aparentemente, pelo que disse (e há pouco se relatou), a Demandante estaria disponível para preconizar a não salvaguarda deste legalmente imperativo princípio da irredutibilidade da retribuição; fazendo-o, aliás, em termos logicamente algo contraditórios, pois, ao mesmo tempo que critica o vencimento de exercício (“não reflete, nem nunca refletiu o trabalho subjacente às participações emolumentares”) e assume que o mesmo não é digno da proteção do “princípio da confiança”, a Demandante procura defender os seus interesses na presente ação essencialmente mediante a salvaguarda de um valor aumentado do seu vencimento de exercício a ser considerado para efeitos daquele artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.
Convém não olvidar que a opção por ultrapassar aquelas diferenciações estruturalmente resultantes do modo da concreta determinação do vencimento de exercício [maxime de serviço para serviço, de mês para mês e de funcionário para funcionário (em função dos respetivos vencimentos de categoria)] operada pela Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, corresponderia, mutatis mutandis, à que se operaria, não tivesse isso já ocorrido, por efeito do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.
Tal como convém ter presente que a própria Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, buscou mecanismos para colmatar diferenças posteriores inerentes a cada um dos serviços, ao regular as ocorrências (como o início de funções noutro serviço ou o início de funções de novo serviço) a partir de novembro de 2001, como se deixou claro no 7.º facto considerado provado.
Ora a Demandante, como se viu à saciedade, insurge-se contra alegadas diferenciações no seio da Conservatória ..., basicamente emergentes (segundo a própria) da data em que os funcionários iniciaram aí funções, entre “oficiais de registos” com idênticas (ou inferiores) categoria e índice, antiguidade e classificação de serviço.
Só que a Demandante limita-se a alegar tais diferenciações em termos meramente abstratos, inerentes às suas próprias visões e interpretações dos textos normativos em causa, sendo incapaz – como só a si competia – de concretizar tais alegações e, sobretudo, de identificar causas concretas para as que, eventual e comprovadamente, existissem; parecendo também desconsiderar que pode haver percursos, evoluções e circunstâncias profissionais específicos que, sem atentado ao princípio da igualdade, podem justificar diferenciações retributivas e não contender, de todo, com o princípio “para trabalho igual salário igual”.
Olhemos, aliás, para as várias soluções que, como vimos, a Demandante foi propondo na presente ação para a sua transição para a nova “remuneração base” – tivesse alguma delas assento normativo –, e olhemo-las à luz dos próprios pressupostos de análise da Demandante, para constatarmos o quanto nenhuma delas permitiria, com vantagem sobre a solução do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, colmatar as questões alegadas, embora sem concretização e sem comprovação, pela Demandante:
a) A eventual transição através da determinação na Conservatória ... do vencimento de exercício no mês anterior a essa transição, na lógica da repristinação das normas que antecederam a Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, não só não garantiria o imperativo princípio da irredutibilidade da retribuição, como não colmataria diferenciações entre serviços e até no seio do mesmo serviço quanto a transferências posteriores para este de funcionários, limitando-se, de facto, a reportar à data de produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, a opção de 2001;
b) A eventual transição auferindo vencimento idêntico aos vencimentos superiores auferidos pelos funcionários da Conservatória ... com idênticas (ou inferiores) categoria e índice, antiguidade e classificação de serviço, para além de pressupor uma tal diferenciação, o que está por demonstrar, não asseguraria exigências orçamentais públicas, não colmataria diferenciações entre serviços e até no seio do mesmo serviço quanto a transferências posteriores para este de funcionários;
c) A eventual transição com base no cálculo, ao mês anterior a essa transição, da média nacional do vencimento de exercício de um 1.º ajudante no índice 265, não só não significaria que fosse mais favorável à Demandante, como não garantiria o imperativo princípio da irredutibilidade da retribuição;
d) A eventual transição com base no cálculo, agora à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, da média nacional do vencimento de exercício de um 1.º ajudante no índice 265, uma vez mais, não só não significaria que fosse mais favorável à Demandante, como não garantiria o imperativo princípio da irredutibilidade da retribuição.
Em suma, para além de as diferenciações alegadas, sem concretização e sem comprovação, pela Demandante resultarem, a ocorrerem, seja de percursos, evoluções e circunstâncias profissionais específicos, seja das características estruturais do próprio sistema remuneratório anterior, e não do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, não se vislumbra realmente modo alternativo ao deste artigo que pudesse conceber-se como mais proporcionado na perspetiva das preocupações abstratas de constitucionalidade enunciadas pela Demandante.
O que significa que, pudesse este Tribunal Arbitral apreciar e decidir o mérito do quinto pedido formulado pela Demandante, e certamente teria de o considerar improcedente, seja por ausência de base legal, seja por ausência de demonstração das inconstitucionalidades invocadas.
Concluindo, face à fundamentação expendida neste ponto IV.1.1, haverá de decidir-se julgar procedente exceção dilatória invocada pelo Demandado de incompetência material deste Tribunal Arbitral para conhecer e declarar a inconstitucionalidade de normas, constante do quinto pedido da Demandante, a saber que “seja afastada a aplicação do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 4, do DL n.º 145/2019, de 23/09, à Autora por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações por permitir que funcionários com a mesma categoria e índice (ou até inferior), no mesmo local de trabalho, com funções idênticas, com maior antiguidade, igual classificação de serviço, tenham vencimentos totalmente díspares sem fundamento na quantidade, qualidade ou complexidade do trabalho prestado, devendo ser idêntico o vencimento da Autora e o desses colegas”; sendo, consequentemente, o Demandado absolvido da presente instância quanto ao mesmo pedido.
IV.1.2 – O Demandado, como se disse, invoca igualmente, nos artigos 43.º a 59.º da Contestação, uma exceção dilatória de intempestividade da instauração da presente ação, seja quanto à correção reclamada dos vencimentos, seja quanto ao reposicionamento determinado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.
Anota ainda o Demandado a contradição da Demandante – que há pouco também aqui se assinalou –, quando esta, simultaneamente, afirma estar-se perante efeitos automáticos da lei e perante um ato administrativo nulo.
Tratando-se efetivamente de uma aparente contradição, certamente resultante das suas intenções argumentativas, o ponto é que na matéria ora em análise é efetivamente determinante concluir se a presente ação deve conceber-se como tendo por objeto uma impugnação de atos administrativos [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alínea a), do CPTA] ou, diferentemente, como se extrai do que a Demandante diz (relevada tal contradição), um reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alínea f), do CPTA] e/ou, até mesmo, uma condenação da Administração ao restabelecimento de direitos violados e ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorram de normas jurídico-administrativas e não envolvam a emissão de um ato administrativo impugnável [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alíneas i) e j), do CPTA].
Quanto à primeira situação – a correção reclamada dos vencimentos –, invocando os referidos Documentos 1, 2 e 3 juntos à Contestação (cfr. 15.º, 16.º e 17.º factos considerados provados), afirma o Demandado que, “caso tivesse ocorrido qualquer desconformidade no âmbito do cálculo e/ou processamento das remunerações devidas à Demandante, anteriores à transição para a nova tabela remuneratória, tais atos deveriam ter sido impugnados nos termos e prazos estabelecidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA”; sendo que a Demandante, não só não impugnou os atos constantes daqueles Documentos, “como os aceitou e os achou conformes, pelo menos durante 20 anos”, e que não corresponde à realidade estarmos perante simples operações materiais de cálculo e processamento de vencimentos.
Quanto à segunda situação – o reposicionamento determinado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro –, invocando agora os referidos Documentos 4 e 5 juntos à Contestação (cfr., respetivamente, 11.º e 9.º factos considerados provados), afirma o Demandado que “se constata que o ato administrativo de transição para a nova tabela remuneratória, consubstanciado na deliberação do Conselho Diretivo de 20/01/2020 (que aprovou a lista nominativa de transições para as novas carreiras especiais de conservador de registos e de oficial de registos, estabelecidas de acordo com o Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, incluindo para as respetivas novas tabelas remuneratórias previstas nos anexos I, II e III do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, é conhecido da Demandante desde 29 de janeiro de 2020 – data em que foi notificada do seu reposicionamento remuneratório à luz das novas tabelas – pelo que há muito se verifica ultrapassado o prazo de impugnação estabelecido nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA”.
E o Demandado retoma esta alegação nos artigos 205.º e 206.º da Contestação, nos termos seguintes: “houve uma intervenção da Administração quando decidiu que, pelas razões já alegadas, a concreta situação da demandante não se subsumia aos normativos dos diversos decretos-leis de execução orçamental, pelo que, e concludentemente, não procedeu a qualquer alteração da escala indiciária (ou do índice) onde se encontrava posicionada”; “no limite (...), tal intervenção da Administração ocorreu através da deliberação do Conselho Diretivo datada de 20/01/2020, que, precisamente, aquando da revisão do sistema remuneratório dos trabalhadores destas carreiras especiais, aprovou o reposicionamento remuneratório de cada um dos trabalhadores, nos termos previstos no artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro”.
Respondeu a Demandante (cfr., sobretudo, artigos 3.º a 28.º da sua pronúncia sobre as exceções invocadas pelo Demandado, sem incoerência com as suas alegações finais), dizendo, no essencial, o seguinte quanto àquela primeira situação:
a) Que as atualizações reclamadas decorriam imediatamente da lei, deviam ser feitas oficiosamente e não importavam uma definição do direito ao caso concreto por ato administrativo, nem eram objeto de notificação aos interessados, pelo que “se trata do mero reconhecimento de situações jurídicas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas”;
b) Que, conforme Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 2020/12/18, o processamento de vencimentos ou abonos só traduz um ato administrativo se consubstanciar uma “definição voluntária da Administração de uma situação jurídica unilateral” e, cumulativamente, se essa decisão for eficazmente comunicada;
c) Que impugna aqueles Documentos 1, 2 e 3 juntos à Contestação, os quais aliás não permitem as conclusões que deles retira o Demandado, sendo que tão pouco existe prova de que a Demandante tenha tomado conhecimento ou sido notificada dos respetivos teores e/ou de que com estes se tenha conformado.
E mais respondeu a Demandante (cfr., sobretudo, artigos 29.º a 35.º da sua pronúncia sobre as exceções invocadas pelo Demandado, fazendo-o em termos similares à pronúncia que viria a apresentar especificamente sobre Documento 5 junto à Contestação, e sem incoerência com as suas alegações finais), dizendo, no essencial, o seguinte quanto agora àquela segunda situação:
a) Que a informação de que precisava só lhe foi facultada após a instauração de processo judicial de intimação, o que retardou a análise necessária;
b) Que não entende a notificação feita como um ato administrativo, dado que o Demandado “limitou-se a somar o vencimento de categoria e de exercício que lhe pagava, e a integrá-la na tabela remuneratória única”, sendo que “não a pretende impugnar”; apenas pretendendo “fazer valer o direito ao reconhecimento a auferir as quantias em falta – o que resulta da lei – e em face disso a colocação no nível e posição corretas, o que foi apurado tendo em conta as diferenças salariais a que anteriormente tinha direito”;
c) Que o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, “foi aplicado diretamente à Autora, mas na interpretação dada (...) pelo Réu”.
Face a estas posições das Partes, que dizer?
Não restam dúvidas de que, na atuação refletida nos Documentos 1, 2, 3 e 6 juntos à Contestação (cfr. 15.º, 16.º, 17.º e 18.º factos considerados provados), o Demandado pressupõe – como, aliás, fica claríssimo (e melhor veremos ainda) da sua defesa por impugnação – uma sua interpretação jurídica genérica relativamente à aplicação no seu âmbito orgânico das novas correspondências dos índices, em concreto, no que agora releva, conforme o artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, e conforme o artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março (cfr. 12.º facto considerado provado).
Em contrapartida, essa mesma interpretação jurídica genérica do Demandado, tendo naturalmente efeitos indiretos na deliberação e na comunicação constantes dos Documentos 4 e 5 juntos à Contestação (cfr., respetivamente, 11.º e 9.º factos considerados provados), nestas não está pressuposta, já que ambas de todo não incidem (como vimos no ponto IV.1.1 supra) sobre o cálculo do “vencimento de exercício”, incidindo sim, rigorosamente, apenas, sobre o que está em causa no artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro: a relação entre os anteriores “vencimento de categoria” e “vencimento de exercício” ao tempo efetivamente abonados e a nova “remuneração base”, limitando-se a tomar em consideração aqueles para determinação desta.
Acontece que – e este é o ponto essencial – uma tal interpretação jurídica genérica do Demandado, podendo ser necessária à prolação de um ato administrativo, não é suficiente, só por si, para darmos por verificada a existência de um tal ato administrativo.
Conforme o artigo 148.º do CPA, a existência de um ato administrativo implica, obviamente se no exercício de poderes jurídico-administrativos, uma decisão que vise “produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
Ora, no caso dos Documentos 1, 2, 3 e 6 juntos à Contestação (cfr. 15.º, 16.º, 17.º e 18.º factos considerados provados), o que temos é uma comunicação interna, uma informação e dois despachos, todos de natureza genérica e não numa situação individual e concreta devidamente notificada, relativos à efetivação de aumentos salariais, sem qualquer referência específica à questão concreta sub judice colocada pela Demandante, qual seja (cfr. 12.º facto considerado provado) a aplicação ao seu “vencimento de categoria” do índice 259, a partir de 1 de janeiro de 2003, do índice 264, a partir de 1 de janeiro de 2004, e do índice 274, a partir de 1 de janeiro de 2018.
Claramente, inexistem aqui atos administrativos impugnáveis pela Demandante que contendam com a presente ação.
Por outro lado, no caso dos Documentos 4 e 5 juntos à Contestação (cfr., respetivamente, 11.º e 9.º factos considerados provados), não está sequer pressuposta aquela interpretação jurídica genérica do Demandado, como dissemos ainda agora, pois incidem, incluindo a notificação constante do referido Documento 5, não sobre qualquer cálculo do “vencimento de exercício”, mas sim, rigorosamente, apenas, repete-se, sobre o que está em causa no artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro: a relação entre os anteriores “vencimento de categoria” e “vencimento de exercício” ao tempo efetivamente abonados e a nova “remuneração base”, limitando-se a tomar em consideração aqueles para determinação desta.
É certo que no referido Documento 5 estamos perante uma notificação à Demandante da sua individual e concreta situação decorrente de tal relação verificada entre os seus anteriores “vencimento de categoria” e “vencimento de exercício” ao tempo efetivamente abonados e a nova sua “remuneração base” daí decorrente; mas, vendo bem as coisas, o objeto de tal notificação é mais o resultado da mera verificação dessa mesma relação entre montantes pecuniários e do objetivo de a confirmar junto da interessada, incluindo quanto às imediatas decorrências legais a nível de posicionamento da nova carreira, e menos o resultado de um verdadeiro exercício de poderes (jurídico-administrativos).
Razão por que, também aqui, entendemos inexistir um verdadeiro ato administrativo impugnável pela Demandante que contenda com a presente ação.
Aliás, mesmo que entendêssemos diferentemente, nunca então um tal ato administrativo – que não revela mácula na estrita estatuição do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro – teria incidido, incluindo na sua notificação, sobre a questão concreta sub judice colocada pela Demandante, inerente (cfr., uma vez mais, o 12.º facto considerado provado), como dissemos, à aplicação ao seu “vencimento de categoria” do índice 259, a partir de 1 de janeiro de 2003, do índice 264, a partir de 1 de janeiro de 2004, e do índice 274, a partir de 1 de janeiro de 2018.
Deve, pois, nesta questão concreta sub judice colocada pela Demandante, entender-se a presente ação, não como uma impugnação de atos administrativos [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alínea a), do CPTA], mas sim como tendo por objeto o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, com condenação da Administração ao restabelecimento de direitos violados e ao cumprimento de deveres de prestar que diretamente decorrem de normas jurídico-administrativas e não envolvem a emissão de um ato administrativo impugnável [cfr. artigo 37.º, n.º 1, alíneas f), i) e j), do CPTA], numa matéria em que o Demandado está estritamente vinculado ao cumprimento da lei através das operações materiais estritamente necessárias à aplicação das disposições legais; sendo que uma tal ação administrativa pode ser proposta a todo o tempo [cfr. artigo 41.º do CPTA].
Concluindo, face à fundamentação expendida neste ponto IV.1.2, haverá de decidir-se julgar totalmente improcedente a exceção dilatória invocada pelo Demandado de “intempestividade da prática de ato processual (in casu, de instauração da presente ação)”.
IV.1.3 – O Demandado, como se sabe, invoca também, agora nos artigos 60.º a 72.º da Contestação, uma exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual, dizendo, no que releva, o seguinte (com citação de jurisprudência):
Conforme expressamente preceituado nos termos do n.º 2 do artigo 38.º do CPTA, verifica-se a proibição de recurso a outro meio processual para obter o efeito que resultaria da anulação de ato impugnável.
(...)
(...) os atos de processamento de vencimentos que a Demandante visa invalidar, com fundamento na tese de que foram incorretamente calculados a partir do ano 2000, e até à transição para a nova TRU, (...) constituem, na verdade, atos administrativos.
Porquanto, as diferenças salariais aqui reclamadas pela Demandante, resultam do cálculo e decorrem da interpretação e aplicação dos vários diplomas legais sucessivamente aprovados, nesta matéria, e que consubstanciaram diversos despachos, quer do Secretário de Estado da ..., quer do então Diretor-Geral dos ..., os quais foram, há muito, devidamente publicados e publicitados em todos os serviços de registo.
Pelo que, e caso se tivessem verificado quaisquer vícios ou irregularidades (...), teriam visto a sua anulabilidade sanada pelo facto de, deles, não ter sido interposto recurso no prazo legal.
Acrescerá, ainda, dizer que a pretensão deduzida pela Demandante configura um ato revogatório de atos jurídico-administrativos constitutivos de direitos que, à data da sua prática, não poderiam ser revogados após decorrido o prazo de 1 ano, nos termos da legislação à data em vigor (...).
Tendo-se, por isso, consolidado, há muito, em termos definitivos, na esfera jurídica da Demandante.
Verificando-se, in casu, ter a Demandante optado por recorrer à ação (aparentemente) de reconhecimento de situações jurídicas, mas com o verdadeiro objetivo de fazer valer as suas efetivas pretensões impugnatórias, inquestionável será concluir pela impropriedade do meio processual utilizado.
Respondeu a Demandante (cfr., sobretudo, artigos 3.º a 28.º da sua pronúncia sobre as exceções invocadas pelo Demandado, sem incoerência com as suas alegações finais), dizendo, no essencial (para além de que atualmente não existe no CPTA diferença entre a ação comum e a ação especial), que o meio processual é o próprio “para reconhecimento de situações jurídicas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas, dado que a legislação, grande parte dela leis de execução orçamental, aplicava-se de forma automatizada ao caso da Autora, bastando por isso a inserção dos dados, tratando-se de meras operações materiais, sendo por isso oportuna a sua reclamação”.
Com a simples anotação de que não se vê qualquer pertinência na citada referência do Demandado à revogação dos atos administrativos [conforme o artigo 165.º, n.º 1, do CPA, a revogação consiste na cessação por ato administrativo dos efeitos de um outro ato administrativo por razões de mérito, conveniência ou oportunidade], bastará que remetamos aqui para quanto se disse no ponto IV.1.2 supra para ficar imediatamente claro que se impõe que concluamos, inequivocamente, que haverá de decidir-se julgar totalmente improcedente a exceção dilatória inominada de impropriedade do meio processual que o Demandado entendeu igualmente invocar.
IV.2 – Posto isto, olhemos então para as questões colocadas pelo referido primeiro pedido formulado pela Demandante, qual seja, relembre-se: ser reconhecido o direito da Autora a auferir o valor de € 7336,98 a título de diferenças de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia.
A fundamentação da pretensão da Demandante quanto a este seu primeiro pedido assenta, no essencial (cfr. artigos 18.º a 56.º da Petição Inicial), no facto de não lhe ter sido aplicada ao seu vencimento de categoria, por referência ao índice retributivo 255 que detinha em 31 de dezembro de 2002 (cfr. 3.º facto considerado provado), as novas correspondência desse índice, em concreto (cfr. 12.º facto considerado provado): (i) o índice 259, a partir de 1 de janeiro de 2003 [conforme o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março]; (ii) o índice 264, a partir de 1 de janeiro de 2004 [conforme o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março]; (iii) o índice 274, a partir de 1 de janeiro de 2018 [por efeito da progressão para o segundo escalão da categoria de 1.º Ajudante, a que correspondia o índice 265 em 31 de dezembro de 2002, quando este índice 265 já correspondia, em 1 de janeiro de 2018, ao índice 274, pelos efeitos conjugados daqueles mesmos dois Decretos-Leis].
Sendo que aquele montante pedido de € 7336,98 foi apurado para os anos de 2003 a 2019, inclusive, com base no resultado conjugado da referida não aplicação sucessiva, nas referidas datas, dos índices 259, 264 e 274, com as atualizações salariais ocorridas, entre 2005 e 2009, inclusive, maxime por efeito da atualização do índice 100.
Assim, tal montante pedido de € 7336,98 traduz-se na soma dos seguintes montantes considerados em dívida quanto aos seguintes anos: (i) € 173,74, no ano de 2003; (ii) € 391,02, no ano de 2004; (iii) € 399,70, no ano de 2005; (iv) € 430,12, no ano de 2006; (v) € 411,74, no ano de 2007; (vi) € 420,28, no ano de 2008; (vii) € 432,60, no ano de 2009; (viii) € 3460,80, nos anos de 2010 a 2017; (ix) € 672,84, no ano de 2018; (x) € 544,14, no ano de 2019.
O Demandado, na sua impugnação – descrevendo o teor dos diplomas normativos e das normas considerados pertinentes para a situação sub judice, suportando-se nos Documentos juntos à Contestação e relatando a evolução da situação retributiva da Demandante – diz, no que efetivamente releva, o seguinte (devendo considerar-se que esta impugnação, face à sistematização que adota, se refere ainda aos segundo, terceiro e quarto pedidos formulados pela Demandante):
a) As escalas indiciárias relativas aos ordenados dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, mantiveram-se em vigor, sem alteração, até este diploma ter sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro;
b) Como se diz no preâmbulo desse Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, ao pessoal das conservatórias e cartórios notariais aplicam-se as respetivas disposições estatutárias, “pelo que ficaram excluídos do âmbito de incidência do novo sistema retributivo”;
c) No cumprimento do artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril (que estatui que tais escalas próprias “referenciam-se ao índice 100 da escala indiciária do regime geral e acompanham a atualização deste índice”), sempre foram feitas nas conservatórias e cartórios notariais as atualizações do valor base do índice 100 ou os aumentos salariais legalmente determinados (que são exaustivamente descritos), com as devidas repercussões na atualização das remunerações dos funcionários respetivos e também da Demandante; sem que esta, alguma vez, reclamasse ou impugnasse as remunerações recebidas ou a não revalorização do índice em que estava posicionada (por efeito das revalorizações gerais legalmente previstas);
d) O regime remuneratório dos trabalhadores dos registos e notariado “apresentava especificidades únicas”, acrescendo que a Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, lhes assegurava uma participação emolumentar correspondente a 100% do seu “vencimento de categoria”;
e) “Ora, em termos práticos, estas diferenças de regime significavam que quando um trabalhador de uma carreira geral (ou outra carreira especial que não a de registos e notariado), estava posicionado em determinado índice da escala salarial que lhe é aplicável, a sua remuneração mensal correspondia, apenas, e tão-só, ao valor correspondente a esse concreto índice. § Já um trabalhador dos registos e do notariado – por força da singularidade do seu regime remuneratório – quando posicionado em determinado índice da escala salarial que lhe era aplicável, a sua remuneração mensal correspondia, no mínimo, ao dobro do valor equivalente a esse concreto índice.”;
f) “(...) demonstrada que está a singularidade do sistema remuneratório dos trabalhadores desta carreira especial – e face à necessidade do intérprete atender à unidade do sistema jurídico – evidente se torna que bem andou, na altura, o Gabinete de Gestão Financeira do Ministério ... e, mais recentemente, o ora demandado quando, a fim de aferir da necessidade de alterar, ou não a “escala salarial (ou indiciária)” aplicável ao vencimento de categoria de tais trabalhadores cuidou de atender a estas particularidades, e de as conjugar com os citados diplomas de execução orçamental, concluindo, afinal, que as revalorizações indiciárias previstas nos referidos diplomas de execução orçamental, não determinavam qualquer alteração aos específicos escalões indiciários previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, pois o valor da remuneração base dos trabalhadores em apreço incorporava já o aumento resultante dessas mesmas revalorizações.”;
g) “E, atendendo ao seu concreto teor e ao contexto histórico em que surgiram, é indubitável que os aludidos diplomas de execução orçamental tiveram por escopo aumentar os índices salariais mais baixos, de molde a assegurar aumentos mínimos que, através da mera atualização do índice 100 (...) não seriam atingidos; (...).”
h) E, embora nesses diplomas de execução orçamental, o legislador se referisse expressamente a revalorizações dos índices das carreiras de regime geral e de regime especial, “não se conhece qualquer outra carreira de regime especial em que a particularidade inerente às designadas componentes ‘vencimento de categoria’ e ‘vencimento de exercício’ resultava (no mínimo, atente-se!) numa duplicação do valor estabelecido para o índice em que se encontrava posicionado o trabalhador!”; sem esquecer ainda os emolumentos pessoais;
i) Importando ainda não esquecer que, em 2003, só foram autorizados aumentos salariais para as remunerações iguais ou inferiores a € 1008,57 e que, em 2004, só foram autorizados aumentos salariais para as remunerações iguais ou inferiores a € 1024,09, integrando-se nestes limites ambas aquelas componentes retributivas existentes na carreira da Demandante, pelo que não estão preenchidos “os requisitos para a atribuição do direito a que a Demandante se arroga na presente ação”;
j) Quanto à tabela identificada supra no 14.º facto considerado provado, diz-se (para além de que “não dispõe de qualquer força vinculativa, além de não ter aplicação ao caso concreto dos presentes autos”) que “a mesma não reproduz qualquer normativo legal, traduzindo apenas a interpretação – refira-se incorreta e não vinculativa – efetuada por aquela Direção-Geral dos diversos dispositivos dos diplomas de execução orçamental em análise”; “partiu do (erróneo) pressuposto de que – à semelhança do que sucede na maioria dos sistemas retributivos da Administração Pública – igualmente no caso das carreiras especiais dos registos e do notariado, os índices reconduziam-se à totalidade da remuneração base dos trabalhadores, o que, como já se demonstrou, não corresponde à verdade”.
Importa reconhecer que a argumentação do Demandado acabada de enunciar revela seriedade e merece ponderação. Mas será que pode ter-se como a argumentação jurídica a perfilhar? Antecipamos que cremos que não. E pelas razões que vão, desde já, expressar-se.
Não restam dúvidas de que foi erigido, anteriormente ao Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, um regime retributivo particular dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado, seja na existência de “vencimento de categoria” de par com o “vencimento de exercício” e os “emolumentos pessoais” (cfr. 4.º e 5.º factos considerados provados), seja nas escalas indiciárias próprias para o “vencimento de categoria”, fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, vigentes até àquele Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro (cfr. 6.º facto considerado provado).
Um tal sistema retributivo particular obviamente distingue-se do “novo sistema retributivo” geral da função pública, erigido contemporaneamente ao Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril; sendo que a “unidade do sistema jurídico” – para que o Demandado chama a atenção – é constituída por ambas as realidades, bem conhecidas do legislador, que as concebeu atendendo à sua margem de livre conformação normativa e à especificidade dos interesses em causa que pretendeu acautelar.
Ou seja, o legislador garantiu a particularidade do regime retributivo dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado por razões que considerou ponderosas, devendo considerar-se que na regulação posterior das matérias retributivas públicas o legislador tem sempre presente tal particularidade.
Quanto às escalas indiciárias próprias fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, deve anotar-se, como há pouco se deixou antever, que as mesma se referem ao “vencimento de categoria”, só repercutindo diretamente efeitos no “vencimento de exercício” nos casos concretos em que tiver de ser assegurado o mínimo correspondente a 100% do “vencimento de categoria” (cfr. 4.º facto considerado provado); o que – diga-se desde já – não releva para a situação da Demandante ora em causa, conforme resulta claro do 13.º facto considerado provado.
É que, como resulta dos 4.º e 5.º factos considerados provados, quer o “vencimento de exercício”, quer os “emolumentos pessoais”, assentam numa percentagem pré-determinada de receita mensal do serviço em causa e na distribuição do montante assim apurado pelos funcionários, respetivamente, na “proporção” dos respetivos “vencimentos de categoria” e na “proporção” dos respetivos “ordenados”.
O que significa que, porque aferidos sempre “proporcionalmente” no âmbito de um determinado universo de pessoas sujeitas a idênticos procedimentos retributivos, os “vencimentos de exercício” e os “emolumentos pessoais” não são diretamente e imediatamente influenciados pelas escalas indiciárias próprias fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril.
É certo que assim não será – ou seja, que haverá uma relação direta entre as escalas indiciárias próprias fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, e os “vencimentos de exercício” –, precisamente, naqueles casos concretos em que tiver de ser assegurado um “vencimento de exercício” correspondente a 100% do “vencimento de categoria”.
Mas até estes casos concretos – por mais ou menos numerosos que sejam (e que, como dissemos há pouco, não relevam agora para a situação da Demandante) – devem ser vistos como inerentes à criteriosa ponderação e regulação pelo legislador dos interesses em causa relativos ao regime retributivo particular dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado, no seu permanente e consciente paralelo com o sistema retributivo geral da função pública.
Ora, quando o legislador – à semelhança do que já fizera noutros momentos – entendeu, em 2003 e em 2004, alterar os escalões dos índices retributivos através do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, e do artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, ambos diplomas de execução orçamental, fê-lo certamente, como refere o Demandado, tendo nesses momentos “por escopo aumentar os índices salariais mais baixos, de molde a assegurar aumentos mínimos que, através da mera atualização do índice 100 (...) não seriam atingidos”.
O ponto é que o legislador fê-lo igualmente, e necessariamente, plenamente consciente, seja da existência de “vencimentos de exercício” e de “emolumentos pessoais” auferidos por conservadores e notários e oficiais dos registos e do notariado, seja dos efeitos da repercussão direta apenas nos “vencimentos de categoria” desses incrementos dos índices retributivos.
É certo, como também refere o Demandado, que, em 2003, só foram autorizados aumentos salariais para as remunerações iguais ou inferiores a € 1008,57 e que, em 2004, só foram autorizados aumentos salariais para as remunerações iguais ou inferiores a € 1024,09; mas também é certo que o mesmo legislador, em 2003 e em 2004, paralelamente à fixação destes limites, determinou autonomamente os referidos incrementos dos escalões dos índices retributivos, com a inevitável consciência dos efeitos resultantes da sua correspondência nos “vencimentos de categoria” inerentes às escalas indiciárias próprias fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril.
E, neste preciso ponto, importa não esquecer que, conforme o 13.º facto considerado provado, resulta, não só que o “vencimento de exercício” da Demandante foi desde janeiro de 2003 superior ao seu “vencimento de categoria”, como resulta que, mesmo no índice 259, em 2003, e no índice 264, em 2004, o seu “vencimento de categoria” era, ou seria, inferior ao limite das remunerações acima do qual não podiam ser feitos os aumentos salariais fixados para esses anos.
Também não está em causa que o Demandado tenha sempre, como sublinha, conforme o artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril (que estatui que as escalas próprias nele previstas “referenciam-se ao índice 100 da escala indiciária do regime geral e acompanham a atualização deste índice”), feito as atualizações do valor base do índice 100 ou os aumentos salariais legalmente determinados (com as devidas repercussões na atualização das remunerações dos seus funcionários e também da Demandante).
Só que, uma vez mais se afirma, os incrementos dos índices retributivos determinados em 2003 e em 2004 são autónomos dessas atualizações do valor base do índice 100 ou dos demais aumentos salariais legalmente determinados e, certamente, o legislador teve bem consciência destes ao determinar também aqueles.
Aliás, aquela norma do artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril – ao referenciar a escala indiciária particular relativa aos ordenados dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado ao índice 100 da escala indiciária do regime geral e ao determinar o acompanhamento da atualização deste índice –, claramente fortalece o sentido hermenêutico da evolução paralela das duas escalas (a particular e a geral), em detrimento de uma qualquer outra hermenêutica, agora tendente a reconduzir tal evolução paralela apenas à atualização do índice 100 da escala indiciária do regime geral, excluindo da mesma evolução paralela os incrementos dos escalões dos índices retributivos da escala indiciária do regime geral.
Esta argumentação jurídica sai muito reforçada da própria expressão textual utilizada pelo legislador (como já antes, noutros anos, acontecera) no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, e no artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, referindo, como efetivamente refere e o Demandado bem reconhece, que as correspondências entre os anteriores e os novos escalões da escala indiciária salarial se aplicam, quer às carreiras de regime geral, quer às carreiras de regime especial. E, sublinha-se outra vez, o legislador di-lo na plena consciência da especialidade retributiva dos conservadores e notários e dos oficiais dos registos e do notariado.
O que, em termos de interpretação jurídica, nitidamente impõe que, in casu, se conceda prevalência ao cânone hermenêutico “onde o legislador não distingue não deve o intérprete distinguir” (ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus).
É igualmente certo, como diz o Demandado, que a tabela identificada supra no 14.º facto considerado provado (correspondente ao Documento 4 junto à Petição Inicial) “não dispõe de qualquer força vinculativa” e “não reproduz qualquer normativo legal, traduzindo apenas a interpretação” da DGAEP; mas não deixa de ser muito significativo, em prol daquela que deve considerar-se a melhor interpretação jurídica, que precisamente a DGAEP tenha sido naturalmente levada a fazer a interpretação jurídica que publicitou; no sentido de que, contrariamente ao preconizado pelo Demandado, as revalorizações indiciárias previstas nos referidos diplomas de execução orçamental determinavam efetivamente alteração aos escalões indiciários previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril.
Concluindo, face à fundamentação expendida neste ponto IV.2, haverá de decidir-se julgar totalmente procedente o pedido da Demandante de (embora com subordinação ao limite do montante pedido de € 7336,98) aplicação ao seu “vencimento de categoria”, das seguintes novas correspondências dos escalões dos índices retributivos: (i) o índice 259, a partir de 1 de janeiro de 2003 [conforme o artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março]; (ii) o índice 264, a partir de 1 de janeiro de 2004 [conforme o artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março]; (iii) o índice 274, a partir de 1 de janeiro de 2018 [por efeito da progressão para o segundo escalão da categoria de “1.º ajudante”, a que correspondia o índice 265 em 31 de dezembro de 2002, quando este índice 265 já correspondia, em 1 de janeiro de 2018, ao índice 274, pelos efeitos conjugados daqueles mesmos dois Decretos-Leis].
IV.3 – Por seu turno, a fundamentação da pretensão da Demandante quanto ao citado segundo pedido (ser reconhecido o direito da Autora a ver recalculado pelo B... o seu vencimento de exercício atentas as diferenças apuradas a título de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia) assenta, no essencial (cfr. artigos 59.º a 75.º da Petição Inicial), no facto de, segundo alega, o seu vencimento de exercício (participação emolumentar prevista no artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, e conforme a Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro) depender normativamente, entre o mais, da proporção dos respetivos vencimentos de categoria dos oficiais de registos.
O que leva a Demandante a pedir o seguinte (cfr. artigo 75.º da Petição Inicial):
Ora, atendendo ao supra exposto, de que os vencimentos de categoria da Autora estavam incorretamente calculados, e isso influi no cálculo do vencimento de exercício, desde já se requer que seja o Réu também condenado a proceder a esse recálculo, e ao pagamento do mesmo à Autora.
Sublinhe-se que a Demandante tem plena consciência – como afirma expressamente no artigo 70.º da Petição Inicial e se fixou no 13.º facto considerado provado – de que o seu vencimento de exercício “era superior” ao seu vencimento de categoria.
Como ficou claro no ponto IV.2 supra e resulta dos 4.º e 5.º factos considerados provados, quer o “vencimento de exercício”, quer os “emolumentos pessoais”, assentam numa percentagem pré-determinada de receita mensal do serviço em causa e na distribuição do montante assim apurado pelos funcionários, respetivamente, na proporção dos respetivos “vencimentos de categoria” e na proporção dos respetivos “ordenados”.
O que significa que, porque aferidos sempre “proporcionalmente” no âmbito de um determinado universo de pessoas sujeitas a idênticos procedimentos retributivos, os “vencimentos de exercício” e os “emolumentos pessoais” não são direta e imediatamente influenciados pelas escalas indiciárias próprias fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril.
Ora, como também ficou claro no ponto IV.2 supra, o Demandado, sob o entendimento de que as correspondências entre os anteriores e os novos escalões indiciários salariais estatuídas nos diplomas de execução orçamental se não repercutiam nos escalões indiciários salariais previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, generalizadamente não alterou estes; o que terá permitido preservar aquela “proporcionalidade”, ou seja, terá permitido preservar a posição relativa dos “vencimentos de categoria” dos vários funcionários, e, assim mesmo, preservar a integridade dos “vencimentos de exercício” e dos “emolumentos pessoais” desses mesmo funcionários.
Não se põe obviamente de parte que, se o Demandado tivesse aplicado as correspondências entre os anteriores e os novos escalões indiciários salariais estatuídas nos diplomas de execução orçamental aos escalões indiciários salariais previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, isso não implicasse, em maior ou menor medida, eventuais alterações naquela posição relativa dos “vencimentos de categoria” dos vários funcionários.
Só que, sejamos muito claros neste ponto, a Demandante nada alega nesta precisa matéria, nada concretiza quanto aos efeitos na sua esfera jurídica (maiores ou menores e favoráveis ou desfavoráveis) dessas eventuais alterações na posição relativa dos “vencimentos de categoria” dos vários funcionários e, menos ainda, nada comprova sobre a questão, como só a si competia comprovar.
Aliás, se a Demandante o tivesse feito, certamente ter-se-ia apercebido da sua falta de legitimidade para, por si só, litigar com o Demandado na presente ação quanto ao pedido ora em análise, pois este envolve, pelo que vem de afirmar-se, interesses relevantes de terceiros, também funcionários do Demandado.
A Demandante parece pressupor que as correções do seu “vencimento de categoria”, à luz dos fundamentos expressos no ponto IV.2 supra, seriam suficientes para suscitar correções consequentes nos seus “vencimentos de exercício” e nos seus “emolumentos pessoais”; ou seja, a Demandante parece pressupor que a alteração singular da sua situação relativa ao “vencimento de categoria” seria o quanto basta para, sem mais, extrair para si, e só para si, reflexos positivos nos seus “vencimentos de exercício” e nos seus “emolumentos pessoais”.
Só que a Demandante esquece que isso é uma impossibilidade legal, já que (cfr. supra 4.º e 5.º factos considerados provados) o regime jurídico dos “vencimentos de exercício” e dos “emolumentos pessoais” pressupõe procedimentos uniformes por parte do Demandado para precisamente respeitar aquela “proporcionalidade”; sendo que quaisquer alterações singulares produzem efeitos na esfera jurídica de terceiros, que não podem ser arredados da discussão sobre as mesmas.
Mas o ponto essencial é mesmo aquele que enunciámos há pouco: tendo presente que os “vencimentos de exercício” e os “emolumentos pessoais” assentam numa percentagem pré-determinada de receita mensal do serviço em causa e na distribuição do montante assim apurado pelos funcionários, respetivamente, na proporção dos respetivos “vencimentos de categoria” e na proporção dos respetivos “ordenados”, a Demandante nada alegou, nada concretizou e nada comprovou sobre se o facto de o Demandado não ter, generalizadamente, aplicado aos escalões indiciários salariais previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, as correspondências entre os anteriores e os novos escalões da escala indiciária salarial estatuídas, seja no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, seja no artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, afetou, nalguma medida, o montante dos seus “vencimentos de exercício” e dos seus “emolumentos pessoais”.
Na verdade, a Demandante, com o seu citado segundo pedido (ser reconhecido o direito da Autora a ver recalculado pelo B... o seu vencimento de exercício atentas as diferenças apuradas a título de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia), limita-se a equacionar uma possibilidade, meramente eventual, de afetação do seu “vencimento de exercício”, mas sem concretizar e comprovar se, e em que medida, isso efetivamente aconteceu, nem atentar minimamente no enquadramento jurídico da questão que deve ser tido em conta.
E um tal pedido é insuscetível de conduzir ao reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de determinar ao Demandado qualquer restabelecimento de direitos violados ou cumprimento de deveres de prestar.
Concluindo, face à fundamentação expendida neste ponto IV.3, haverá de decidir-se julgar totalmente improcedente o pedido da Demandante de que seja recalculado o seu “vencimento de exercício”.
IV.4 – O citado terceiro pedido da Demandante (ser reconhecido o direito da Autora a ser recolocada entre os níveis 39 e 42 e entre as posições 8 e 9 por ter direito a auferir 2473,21 € desde 01-01-2020, caso valor superior não seja apurado, e receber a título de diferenças de vencimento o valor de € 651,00 e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia) surge-nos tratado nos artigos 57.º e 58.º e 83.º a 98.º da Petição Inicial, sendo, no essencial, fundamentado nos termos seguintes: com o Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, a Demandante (até aí 1.ª Ajudante) transitou para a carreira especial/categoria de oficial de registos e, agora com o Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, integrando numa só remuneração base os anteriores vencimento de categoria e vencimento de exercício, foi reposicionada remuneratoriamente [na nova tabela remuneratória única (TRU)] em função do que então efetivamente recebia – € 909,69 de vencimento de categoria (correspondente ao índice 265) e € 1525,22 de vencimento de exercício, no total de € 2442,21 (incluindo a atualização salarial de 0,3% feita em 2020) –, quando deveria receber (cfr. supra IV.2) o seu vencimento de categoria pelo índice 274, correspondente a € 940,59, e, porventura, um vencimento de exercício superior àquele montante de € 1525,22, no total, no mínimo, de € 2473,21 (incluindo também a atualização salarial de 0,3% feita em 2020); traduzindo, pois, uma diferença negativa para a Demandante de € 651,00, relativa aos 21 pagamentos que medeiam entre 1 de janeiro de 2020 e 30 de junho de 2021.
Daí a afirmação da Demandante assim expressa no artigo 91.º da Petição Inicial:
Assim, a Autora, em 1 de janeiro de 2020, (...) foi colocada entre o nível 37 e 39 e entre a posição 7 e 8 da tabela remuneratória única, quando (...) deveria ter sido colocada entre o nível 39 e 42 e entre a posição 8 e 9 da TRU.
Compreende-se bem, sem necessidade aliás de mais desenvolvimentos, face aos fundamentos expressos supra em IV.1.2 e, sobretudo, em IV.2, que, aplicando-se as correspondências entre os anteriores e os novos escalões da escala indiciária salarial estatuídas, seja no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, seja no artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, aos escalões indiciários salariais previstos no Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, haverá de concluir-se que, consequentemente, os “vencimentos de categoria” resultantes de tais correspondências não possam deixar de ser tomados em consideração para efeitos do artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, que estatui, como sabemos, que a nova “remuneração base” nele prevista “é a que resulta da soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito, de acordo com o posto de trabalho de que são titulares na data de entrada em vigor do presente decreto-lei”.
Concluindo, face à fundamentação expendida neste ponto IV.4, haverá de decidir-se julgar totalmente procedente o pedido da Demandante de que o seu “vencimento de categoria” resultante de tais correspondências dos escalões dos índices retributivos seja tomado em consideração para efeitos dos artigos 10.º, n.º 4, e 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, assim mesmo se reconhecendo o direito da Demandante a ser recolocada na tabela remuneratória, caso outra daí não resulte, com atribuição da 8.ª posição inferior na tabela e da 9.ª posição superior na tabela e do nível inferior na tabela 39 e do nível superior na tabela 42.
IV.5 – Quanto, por fim, ao quarto citado pedido (ser reconhecido o direito da Autora a receber os emolumentos pessoais em falta a calcular pelo Réu), fundamenta-o a Demandante, no essencial (cfr. artigos 76.º a 82.º da Petição Inicial), no facto de tais emolumentos pessoais (na específica natureza e finalidade dos mesmos) dependerem normativamente, entre o mais, da proporção dos ordenados (vencimento de categoria) dos funcionários com direito aos mesmos em serviço na respetiva conservatória.
O que leva a Demandante a pedir o seguinte (cfr. artigos 80.º e 82.º da Petição Inicial):
Ora, atendendo a que se peticionou supra o reconhecimento de que os ordenados se encontravam incorretamente calculados, consequentemente também os emolumentos foram incorretamente calculados, dado que estes eram pagos na proporção dos respetivos ordenados.
(...)
Pelo que se peticiona o reconhecimento à correção e o pagamento dos mesmos na proporção do que esteja em falta, (...).
Sendo inequívoco que também os montantes a receber por cada funcionário como “emolumentos pessoais” estão dependentes da posição relativa dos “vencimentos de categoria” dos vários funcionários com direito a tais emolumentos, tem naturalmente aplicação nesta matéria, mutatis mutandis, a fundamentação expendida no ponto IV.3 supra.
Razão pela qual, sem necessidade de mais, importa concluir que, face a tal fundamentação, haverá de decidir-se julgar totalmente improcedente este pedido da Demandante de que sejam recalculados os seus “emolumentos pessoais”.
V – Da Decisão Arbitral
À luz dos fundamentos expostos, decide-se:
a) Conforme o ponto IV.1.1 supra, julgar procedente a exceção dilatória invocada pelo Demandado de incompetência material deste Tribunal Arbitral para conhecer e declarar a inconstitucionalidade de normas, constante do quinto pedido da Demandante, a saber: que seja “afastada a aplicação do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 4, do DL n.º 145/2019, de 23/09, à Autora por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações por permitir que funcionários com a mesma categoria e índice (ou até inferior), no mesmo local de trabalho, com funções idênticas, com maior antiguidade, igual classificação de serviço, tenham vencimentos totalmente díspares sem fundamento na quantidade, qualidade ou complexidade do trabalho prestado, devendo ser idêntico o vencimento da Autora e o desses colegas”; sendo, consequentemente, o Demandado absolvido da presente instância quanto ao mesmo pedido;
b) Conforme os pontos IV.1.2 e IV.1.3 supra, julgar totalmente improcedentes as demais exceções deduzidas pelo Demandado: respetivamente, a exceção dilatória de “intempestividade da prática de ato processual (in casu, de instauração da presente ação)” e a exceção dilatória inominada de “impropriedade do meio processual”;
c) Conforme, respetivamente, os pontos IV.2 e IV.4 supra, julgar totalmente procedentes os seguintes pedidos da Demandante, condenando, em conformidade, o Demandado a restabelecer os direitos da Demandante e a pagar-lhe as diferenças pecuniárias concretamente apuradas:
Primeiro, o pedido (neste caso subordinado ao limite do montante pedido de € 7336,98) de aplicação ao seu “vencimento de categoria” das seguintes novas correspondências dos escalões dos índices retributivos: (i) o índice 259, a partir de 1 de janeiro de 2003 [conforme o artigo 41.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março]; (ii) o índice 264, a partir de 1 de janeiro de 2004 [conforme o artigo 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março]; (iii) o índice 274, a partir de 1 de janeiro de 2018 [por efeito da progressão para o segundo escalão da categoria de “1.º ajudante”, a que correspondia o índice 265 em 31 de dezembro de 2002, quando este índice 265 já correspondia, em 1 de janeiro de 2018, ao índice 274, pelos efeitos conjugados daqueles mesmos dois Decretos-Leis];
Segundo, o pedido de que o seu “vencimento de categoria” resultante da aplicação de tais correspondências dos escalões dos índices retributivos seja tomado em consideração para efeitos dos artigos 10.º, n.º 4, e 15.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, assim mesmo se reconhecendo o direito da Demandante a ser recolocada na tabela remuneratória com atribuição, caso outra daí não resulte, da 8.ª posição inferior na tabela e da 9.ª posição superior na tabela e do nível inferior na tabela 39 e do nível superior na tabela 42;
d) Conforme, respetivamente, os pontos IV.3 e IV.5 supra, julgar totalmente improcedentes, deles absolvendo o Demandado, os restantes pedidos da Demandante, inerentes ao recálculo, seja dos montantes do seu “vencimento de exercício”, seja dos montantes dos seus “emolumentos pessoais”.
Registe e notifique.
25 de junho de 2022
O Árbitro,
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Abílio de Almeida Morgado