Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 153/2021-A
Data da decisão: 2022-05-20  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 14.970,88
Tema: Relação Jurídica de Emprego Público – Suplemento de Risco.
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DECISÃO ARBITRAL


 

1.            Relatório:

O Demandante A... intentou a presente ação contra o Ministério B..., pedindo que, na sua procedência, a) venha a ser considerado nulo o acto administrativo praticado pela Demandada pela prática do vício de violação de lei; b) que venha a ser reconhecido o Suplemento de Risco atribuído às chefias, este no valor de 20% da remuneração base mensal do respectivo cargo, conforme se acha disposto no Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro e actualizações decorrentes dos aumentos salariais e aplicação do Decreto-Lei n.º 275-A/200, de 9 de Novembro, tendo o Decreto-Lei n.º 138/2019, de 13 de Setembro, salvaguardando as remunerações e demais suplementos que o pessoal vinha recebendo desde a LO C... de 1990; c) que venha a ser paga a quantia de € 14 970,88, acrescida de juros vencidos e vincendos; d) Que seja a Demandada condenada, em sede de responsabilidade civil extracontratual, a valor pecuniário, nunca inferior a 20% do valor peticionado. 

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Citada para contestar, veio a Demandada apresentar a sua contestação.

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Findo os articulados, foi proferido despacho nos termos do artigo 18º do Regulamento de Arbitragem Administrativa (RAA), pronunciando-se o tribunal sobre os pressupostos processuais, nomeadamente, competência do tribunal, personalidade e capacidade judiciária, representação em juízo.

As partes foram notificadas do sobredito despacho para, querendo, no prazo de dez dias se pronunciarem sobre o mesmo e, mais especificamente para se pronunciarem: a) sobre o facto do tribunal pretender decidir com base na prova documental e elementos constantes dos autos; b) sobre o oferecimento pelas partes de alegações escritas;  c) qualquer outro aspeto que às partes se afigure relevante e, bem assim, requererem o que entendam útil à boa decisão da causa, contando que não se altere o objeto ou a causa de pedir.

Demandantes e Demandada não se opuseram a que a decisão fosse proferida apenas com base na prova documental e elementos constantes dos autos e deram por reproduzido o já alegado nos respetivos articulados.

 

2.            Saneamento:

Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância afirmados aquando da prolação do despacho inicial.

 

Questões que ao tribunal cumpre solucionar:

A questão que aqui está em causa é a de saber se é devido ou não pela Demandada o pagamento de 20% da remuneração base mensal, considerando que o Demandante exerceu o cargo de chefe de setor entre 3 de julho de 2009 e 30 de setembro de 2021, bem como se estarão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do estado.

 

3.            Dos Factos

A.           Com relevância para a decisão da causa, dão-se por assentes os seguintes factos:

1.            O Demandante exerceu o cargo de chefe de setor no período entre 3/07/2009 e 30/09/2021;

2.            Durante esse período não foi processado o pagamento de 20% da remuneração base mensal pelo exercício de cargo de chefia.

3.            O Demandante não requereu tal pagamento à Direção Nacional da C... . 

 

B.            Dão-se por não provados, com relevância, os seguintes factos:

1.            Não foram provados os danos alegado pelo Demandante, em sede de responsabilidade civil.

 

4.            Do Direito:

Importa, desde logo, salientar que a atribuição de subsídio de risco aos diversos trabalhadores que desenvolvem a sua atividade na Demandada, não constitui uma questão nova, tendo já sido objeto de anteriores pronúncias deste mesmo Centro de Arbitragem, nomeadamente nos Processos n.ºs 1297/2019-A, 17/2017-A, 62/2015-A, 65/2020-A e 161/2020-A.

Com efeito, e tal como exarado na Decisão Arbitral proferida no âmbito do Proc. n.º 62/2015-A do CAAD, “O direito aos suplementos é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente o direito a uma retribuição segundo a quantidade, qualidade e natureza do trabalho (art. 59º da CRP). Cabe à lei ordinária – e suas regulamentações – a fixação do seu regime e dos seus critérios procurando o regime remunerador do trabalho que considere justo. Esse regime está sujeito a alterações, mas importa saber o âmbito temporal de tais alterações, tendo sempre presente, sobretudo em casos difíceis, que a interpretação a fazer deverá ter por pano de fundo o direito constitucional acima referido e, no caso de alterações de vigência temporária, a ratio legis do regime regra aplicável ao caso.

De facto, o Demandante entende que tem direito a receber o suplemento de risco no valor de 20% da respetiva remuneração base mensal desde o início do exercício dos cargos de chefia até 30 de setembro de 2021, nos termos do disposto nos números 1 e 2 do artigo 99º do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro e números 1 e 2 do artigo 161º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro.

A Demandada, por seu turno, defende, na sua contestação que o regime do suplemento de risco das chefias de setor e de núcleo decorria do Decreto-Lei n.º 42/2009 de 12 de fevereiro. Ou seja, embora o artigo 31º desse diploma tivesse revogado (parcialmente) o n.º 1 e o n.º 2 do artigo 161º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro, este manteve-se em vigor para o pessoal de chefia, pelo que o suplemento de risco era de “montante igual ao fixado à data de entrada em vigor deste diploma”. Já de acordo com o n.º 3, para o restante pessoal, o suplemento de risco é apurado “segundo o critério em vigor” à data de entrada daquele diploma, ou seja, atento o critério do artigo 99º do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro. Desta forma as referidas chefias saíram do critério do citado artigo 99º.

Vejamos a quem assiste razão.

 

O Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro veio alterar a Lei Orgânica da C... .

Com interesse para a boa decisão da causa temos de atender ao disposto no artigo 72º do supra referido diploma, que enumera o pessoal dirigente e de chefia, atento o mapa I anexo ao sobredito diploma, onde se contempla como tal o chefe de setor.

 

O artigo 99º consagra expressamente o Suplemento de Risco, nomeadamente no seu n.º 2 - O suplemento de risco para o pessoal dirigente e de chefia é fixado em 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.”.

A regra aqui consagrada é a de que todos os funcionários afetos à C... têm direito a receber suplemento de risco que, no caso do Pessoal Dirigente e de Chefia, o mesmo corresponde a 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo, a partir de 1 de outubro de 1989, cfr. art.º 178.º, n.º1.

O Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro veio revogar o Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro e consagra no artigo 91.º que “o suplemento de isco dos funcionários ao serviço da C..., graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal, será definido e regulamentado em diploma próprio, sem prejuízo do disposto no artigo 161.º.

Por seu turno, o artigo 161.º, nomeadamente o seu n.º 3 determinava que “O restante pessoal da C... mantém o direito ao suplemento de risco segundo o critério em vigor à data da entrada em vigor do presente diploma, até à regulamentação prevista no artigo 91.º”.

Aqui chegados a questão que se coloca é a de saber se o direito ao suplemento de risco se mantinha ou não e, em caso afirmativo, em que montante.

Seguimos de perto a fundamentação da sentença arbitral Proc. nº 161/2000-A do CAAD nos seguintes termos:

“Ora, à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro (como amplamente se encontra explicado anteriormente) o subsídio de risco do Pessoal de Dirigente e de Chefia era de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo, o que, como referido, consubstanciava a regra que decorria da aplicação do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro. Ou seja, o Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro nada mais acrescenta e mantém a mesma disciplina para os cargos Dirigentes e de Chefia. Estes continuam a receber suplemento de risco correspondente a 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo. Quando se lê o n.º1 do artigo 161º tem que se atender (saber) qual era a regra que estava a ser aplicada quando aquele diploma entrou em vigor. Em suma, o legislador veio consagrar, desta feita de forma concreta e objetiva, a mesma regra que era já aplicada até então.    

Do quadro legal que se delimitou, impera uma primeira conclusão: o n.º 1 do artigo 161º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro determina que, com a sua entrada em vigor, o Pessoal Dirigente e de Chefia, enquanto se mantiver no exercício das suas funções, continua a auferir o suplemento de risco no valor de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo. É esta a regra consagrada com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro. Sendo que, de acordo com o n.º 2, o montante do suplemento é ainda atualizável nos termos gerais previstos para a atualização anual da função pública.

 Não podemos olvidar que o artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 42/2009 determina que “São revogados:(…) os n.º 1 e 2 do artigo 161º, exceto no que respeita ao pessoal de chefia (…)”

Assim, por força da alteração operacionalizada pelo Decreto-Lei n.º 42/2009 de 12 fevereiro o n.º 1 do artigo 161º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro passou a ter a seguinte redação: “1 - O pessoal de chefia, enquanto no exercício de tais funções, mantém o direito a suplemento de risco de montante igual ao fixado à data da entrada em vigor deste diploma.”

A presente alteração apenas afeta o pessoal dirigente e não os cargos de Chefia – para estes permanece a vigorar para o Pessoal de Chefia a regra consagrada neste normativo legal (n.º 1 do artigo 161º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 de 9 de novembro), ou seja, enquanto se mantiver no exercício das suas funções o Pessoal de Chefia aufere o suplemento de risco no valor de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.

 

Face ao exposto, verifica-se que assiste total razão ao Demandante, devendo-lhe ser reconhecido o pagamento do Suplemento de Risco no valor de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.

Quanto aos juros de mora peticionados os mesmos são igualmente devidos, à taxa legal em vigor, desde o dia em que deviam ter sido pagos os montantes em falta, até efetivo e integral pagamento, considerando que compete ao Demandado reparar os danos que causou pela mora, que lhe é, assim, exclusivamente imputável (artigo 804º, a) do n.º 2 do artigo 805º e n.º 1 do artigo 806º do Código Civil, artigo 4º e n.º 3 do artigo 173º da LTFP).

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O Demandante requereu que o Demandante fosse condenado a título de Responsabilidade Civil Extracontratual, por uma indemnização de valor nunca inferior a 20% dos valores peticionados.

Para o efeito alega ter sofrido danos patrimoniais” que se traduziram “numa diminuição do valor do Suplemento de Risco que deveria ter sido recebido (…)” e que “deve traduzir-se numa sanção, numa indemnização pecuniária, que nunca deve ser inferior a 20% (…) dos valores a receber pelos mesmos (…)”. Enquadra a sua pretensão no artigo 22º da CRP, Artigo 2º e 3º do Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de novembro de 1967 e Anexo da Lei n.º 67/2007 de 31 de dezembro.

 O artigo 22º da CRP estatui que “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”

A Lei 67/2007 veio consagrar o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas.

Para que o Demandado seja responsabilizado é necessário que se apure a existência de um facto voluntário, ilícito e culposo, que tenha causado danos aos representados do Demandante e que se estabeleça o nexo de causalidade entre aquele facto e estes danos.

Nos presentes autos não foi feita prova suficiente e bastante dos danos, pelo que improcede o pedido formulado.

Não se verificando um dos pressupostos legais e sendo os mesmos cumulativos, improcede o pedido do Demandante no que concerne ao pedido de indemnização por responsabilidade civil extracontratual.

   

5.            Decisão

 

Face ao exposto,

1.            Condena-se a entidade Demandada:

a.            Reconhecer ao Demandante o direito ao pagamento do Suplemento de Risco no valor de 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo, nos termos do n.º 2 do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro e posteriormente do n.º 1 do artigo 161.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro.

b.            Pagar ao mesmo a diferença entre os valores do subsídio de risco calculado nos termos explanados em 1 e o efetivamente pago ao trabalhador;

2.            Absolve-se a Entidade Demandada do demais peticionado.

 

Valor da ação: Fixa-se o valor da ação em €14 970,88 (catorze mil, novecentos e setenta euros e oitenta e oito cêntimos)

 

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 Registe-se e notifique-se.

 

20 de maio de 2022

 

O Juiz Árbitro

Jorge Barros Mendes