DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
A... veio intentar a presente acção arbitral contra o B..., I.P., pedindo: (i) que lhe seja reconhecido o direito a auferir o valor de € 5.650,11 a título de diferenças de vencimento de categoria, e condenado o Demandado no seu pagamento; (ii) que lhe seja reconhecido o direito a auferir o valor total de € 4.786,43 a título de diferenças de vencimento de exercício, e condenando o Demandado no seu pagamento; (iii) que lhe seja reconhecido o direito a receber € 1.370,36 e a título de diferenças de vencimento o valor de € 1.301,79, e condenado o Demandado no seu pagamento; (iv) que lhe seja reconhecido o direito a receber emolumentos pessoais, a calcular pelo Demandado; (v) que seja afastada a aplicação do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, “por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações”; (vi) que seja repristinado o Decreto-Lei n.º 519-F2/1979, de 29 de Dezembro, e o disposto na Portaria n.º 940/99 de acordo com os quais se fixa a forma de cálculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018 (diploma que criou o regime da carreira especial dos oficiais de registo) e com base nisso calcular o vencimento médio nacional de um escriturário superior no 1.º escalão e aplicá-lo à Demandante com consequente alteração da sua posição remuneratória; caso isso não seja exequível, aplicar à Demandante o vencimento médio nacional de um escriturário superior no 1.º escalão à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, com consequente alteração da sua posição remuneratória.
No que respeita aos dois primeiros pedidos, a Demandante alega, no essencial que, de um, modo geral, desde 2001 foi remunerada pelos escalões 150 de escriturário e de 190 de escriturário superior, quando a verdade é que, de acordo com diversos diplomas legais – Decretos-Leis n.º 70-A/2000, de 5 de Maio; 77/2001, de 5 de Março; 23/2002, de 1 de Fevereiro; 54/2003, de 28 de Março; 57/2004, de 19 de Março – os referidos escalões foram evoluindo, não lhe tendo sendo os respetivos valores sido pagos por aplicação do índice 100 da função pública aprovados para cada ano.
Alegou ainda que o vencimento de exercício deveria, no mínimo, ser de valor idêntico ao do vencimento de categoria, pelo que, tendo este sido erradamente calculado, igualmente deverá ser recalculado o vencimento de exercício.
Relativamente ao pedido de emolumentos pessoais, a Demandante alega, em resumo, que como os emolumentos pessoais são distribuídos pelos funcionários da repartição na proporção dos respectivos ordenados, o facto de o vencimento de categoria e o vencimento de exercício estarem mal calculados implicaria também um recálculo da distribuição dos emolumentos pessoais.
A Demandante alega diversas violações da Constituição relacionadas com o facto de ter sido considerado o vencimento de exercício – somado ao vencimento de categoria – nomeadamente por considera que o vencimento de exercício se encontrava “transitoriamente congelado” há vários anos, pelo que não retrataria realidade à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, nem garantiria a igualdade entre trabalhadores, sendo certo que a justificação aduzida peço legislador – respeito pelo não retrocesso salarial – não seria suficiente para criar disparidades salariais ou até pela remuneração mais elevada para profissionais de menor antiguidade. Conclui que deveria aplicar-se o artigo 54.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79 e o disposto nos artigos 1.º, 2.º, 3.º e 8.º da Portaria n.º 940/99 no cálculo do vencimento de exercício dos oficiais de registos, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, e calcular um vencimento médio nacional de escriturário superior no 1.º escalão e aplicá-lo à Demandante ou, não sendo isso possível, aplicar à Demandante um vencimento médio nacional de escriturário superior no 1.º escalão à mesma data, com o objectivo de repor a justiça relativa.
Juntou documentos.
Regularmente citado, veio o Demandado suscitar a questão prévia relativa à posição da Demandante quanto à recorribilidade da decisão arbitral e invocar as excepções da incompetência do tribunal arbitral, a intempestividade da instrução da presente acção e a impropriedade do meio processual.
Defendeu-se ainda por impugnação, concluindo pela improcedência da acção.
Na sequência do despacho arbitral de 28 de Outubro de 2021 foi assegurado o contraditório da Demandante quanto à questão prévia e quanto à matéria de excepção, tendo a mesma declarado não prescindir do direito de interpor recurso para o tribunal competente da decisão arbitral a proferir, caso não obtenha vencimento de causa e pugnado pela improcedência das excepções.
As partes ofereceram atempadamente alegações finais, conforme determinado pelo mesmo despacho arbitral.
Houve ainda pedido de apensação de processos, que foi indeferido.
Nas suas alegações, as partes reiteraram essencialmente as suas posições expressas nos articulados.
O presente Tribunal é composto pelo árbitro singular signatário, o qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 27 de Outubro de 2021, data da aceitação do encargo e da sua notificação às partes (artigo 17.º do RCAAD).
II – Saneamento
As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade ad causam, e encontram-se devidamente representadas por mandatários regularmente constituídos.
A Demandante veio declarar, em sede de alegações, não prescindir do direito de interpor recurso para o tribunal competente da decisão arbitral a proferir, caso não obtenha vencimento de causa, pelo que nada mais há a decidir quanto a esta questão.
Na sua contestação, o Demandado invoca as excepções: (i) da incompetência do tribunal arbitral; (ii) da intempestividade da instauração da presente acção; (iii) da impropriedade do meio processual.
Cumpre delas conhecer, na medida em que a sua eventual procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição do Demandado da instância (artigo 576.º, n.º 2 e promécio do artigo 577.º do Código de Processo Civil).
(i) Da incompetência do tribunal arbitral
O Demandado alega a incompetência deste Tribunal para conhecer da presente acção, nomeadamente no que concerne ao afastamento da aplicação do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, “por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações” e, bem assim, à repristinação do Decreto-Lei n.º 519-F2/1979, de 29 de Dezembro.
Vejamos.
De acordo com a lei, os Estatutos do CAAD e o seu Regulamento, a sua competência material inclui, nomeadamente, dirimir os litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público. É isto que resulta da alínea d), do n.º 1, do artigo 180.º e da alínea d), do n.º 1, do artigo 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º dos Estatutos do CAAD.
Não obstante, a parte final da alínea d) do artigo 180.º ressalva da competência do tribunal arbitral o julgamento de questões respeitantes a relações de emprego público quando “estejam em causa direitos indisponíveis”.
Não se discute nos presentes autos que a matéria que constitui o objecto do processo diga respeito a relações jurídicas de emprego, pelo que esse aspecto factual se mostra admitido por acordo das partes.
Tão pouco se discute nos presentes autos que está em causa o alegado não pagamento de diferenças salariais para o montante previsto na legislação aplicável, pelo que se trata de uma prestação remuneratória, facto igualmente admitido por acordo das partes.
O Ministério C... encontra-se vinculado à jurisdição do CAAD através da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, no que respeita ao B..., I.P. [cf. alínea j) do artigo 1.º], sendo que essa vinculação diz respeito a litígios com valor igual ou inferior a € 150.000.000 e que tenham por objecto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público [cf. primeira parte da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo 1.º], o que sucede neste caso quanto aos dois referidos aspectos.
A segunda parte da mesma alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da referida Portaria reitera a ressalva consagrada na parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que a vinculação não abrange questões sobre “direitos indisponíveis”.
Quanto à questão de saber se estarão em causa “direitos indisponíveis” que façam aplicar a excepção da parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e a segunda parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da referida Portaria, tem sido jurisprudência uniforme do CAAD que o que verdadeiramente se pretendeu subtrair à arbitrabilidade foi os litígios cujo objectivo respeite a direitos absolutamente indisponíveis ou irrenunciáveis.
Alias, se assim não fosse, não se compreenderia a diferença de redacção entre a alínea c) do n.º 3 e a alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, as quais demonstram à saciedade que a matéria de remunerações e dos suplementos não se encontrava abrangida pela alínea a) do n.º 2, pois, se o estivesse, não careceria de autonomização expressa.
Ora, “[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” [cf. n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil].
Por isso, manifestamente não poderá entender-se que a matéria dos “direitos indisponíveis” abranja remunerações e suplementos remuneratórios.
Importa ainda referir que a questão da irrenunciabilidade da retribuição coloca-se essencialmente nas relações entre a entidade empregadora e o trabalhador e visa, de alguma forma, obstar à especial fragilidade do trabalhador no seu relacionamento directo com o empregador.
Já não se coloca – pelo menos não se coloca com a mesma acuidade – no caso de uma pretensão deduzida em juízo ou perante um tribunal arbitral, em que o trabalhador se encontra representado por mandatário judicial ou pelos serviços jurídicos do seu sindicato e em que a decisão adjudicatória não compete a nenhuma das partes, mas a juiz, ou a um árbitro, independente e imparcial, que decide de acordo com o direito constituído.
Adicionalmente e como já foi referido em outras decisões arbitrais do CAAD, está em causa a discussão de diferenças salariais correspondentes a uma parte muito inferior a um terço da remuneração mensal da Demandante. Por esse motivo, o referido valor sempre deveria considerar-se incluído na esfera de disponibilidade do trabalhador, considerando que, nos termos do artigo 175.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, “O trabalhador não pode ceder, a titulo gratuito ou oneroso, os seus créditos a remunerações na medida me que estes sejam impenhoráveis” (note-se que o preceito tem o mesmo sentido que o artigo 280.º do Código do Trabalho, embora este se encontre redigido pela positiva).
Tendo em conta que a impenhorabilidade da retribuição corresponde a um terço, com o mínimo do salário mínimo nacional, e o máximo de três salários mínimos nacionais [cf. n.º 3 do artigo 738.º do Código de Processo Civil], segue-se que a Demandante não está impedida de dispor das diferenças salariais que reclama nesta acção.
Tão pouco se compreende a afirmação do Demandado, segundo o qual só ao Tribunal Constitucional compete julgar questões de constitucionalidade. Os tribunais arbitrais são, no âmbito das suas competências, tribunais da ordem jurídica portuguesa [cf. n.º 2 do artigo 209.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 150.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que aprova a Lei de Organização do Sistema Judiciário].
O presente Tribunal Arbitral, que julga segundo o direito constituído, deve julgar de acordo com a Constituição [cf. artigo 204.º da Lei Fundamental] e com a lei e, por isso, pode e deve desaplicar normas legais que julgue desconformes com a Constituição, cabendo dessa decisão recurso para o Tribunal Constitucional (cf. alínea a) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa).
A competência dos tribunais arbitrais para conhecer de questões de constitucionalidade é incontroversa na doutrina – veja-se, por exemplo, J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigos 108.º a 296.º”, Volume II, 4.ª Edição Revista, 2010, Coimbra Editora, pág. 521: “Naturalmente, que a obrigação de não aplicar normas inconstitucionais vale para todos os tribunais, incluindo os tribunais arbitrais (...)”.
Também na jurisprudência têm vindo a registar-se pronúncias no mesmo sentido. Assim, a título de exemplo, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 262/2015, relatado pela Conselheira Catarina Sarmento e Castro onde se refere que “O artigo 204.º da Constitucional, sob a epigrafe “Apreciação da inconstitucionalidade” estabelece que “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”. Assim, nos termos do disposto no referido artigo, impende sobre o Tribunal Constitucional o dever de recusar a aplicação de normas que infrinjam a Lei Fundamental.
Como referem J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, 1993, Coimbra Editora, pág. 797 “a obrigação de não aplicar normas inconstitucionais vale para todos os tribunais, incluindo os tribunais arbitrais, sem excluir naturalmente o próprio TC, como tribunal que é, quer quando ele funciona como tribunal de instância, julgando os assuntos que a Constituição e a lei lhe atribuem para além da fiscalização da inconstitucionalidade (cf. n.º 1 do artigo 225.º da Constituição), quer nos processos de inconstitucionalidade, quanto às respetivas normas processuais” (No mesmo sentido, JORGE MIRANDA, “Manual de Direito Constitucional, Tomo VI, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 246)”.
Também o CAAD, no Acórdão de 22 de Setembro de 2020, pronunciou-se pela improcedência da excepção da incompetência nos seguintes termos “Os tribunais arbitrais, nos casos submetidos ao seu julgamento, podem recusar a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade, assim como devem pronunciar-se sobre as questões de constitucionalidade que tenham sido suscitadas pelas partes durante o processo, pelo que haverá sempre possibilidade de recurso para Tribunal Constitucional, em fiscalização concreta, de decisões positivas ou negativas de constitucionalidade proferidas pelos tribunais arbitrais. Nesse sentido, aponta o disposto no artigo 204.º da Constituição, que, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade referem-se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais, e no artigo 280.º da Constituição, que, ao definir o âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.”.
De resto, a admissibilidade do recurso de constitucionalidade de decisões dos tribunais (incluindo os tribunais arbitrais) decorre directamente do próprio texto constitucional (cf. artigo 280.º da Constituição) e de lei de valor reforçado (cf. artigo 70.º da LTC), e não depende de disposição legal que o especificamente o preveja em sede de arbitragem, e nesse sentido, é irrelevante que o artigo 2.º do RJAT, ao definir a competência dos tribunais arbitrais no âmbito da arbitragem tributária, não faça expressa menção ao recurso de constitucionalidade.
O Tribunal Constitucional tem, aliás, vindo a afirmar que os tribunais arbitrais (necessários ou voluntários) são também tribunais, dispondo do poder-dever de verificar a conformidade constitucional de normas aplicáveis no decurso de um processo arbitral e de recusar a aplicação das que considerem inconstitucionais (cf., entre outros, o Acórdão n.º 181/2007) e esse é também o entendimento da doutrina (cf. MIGUEL GALVÃO TELLES, “Recurso para Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais arbitrais”, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Sérvulo Correia, Volume 1, FDUNL, 2010, pp. 645 e seguintes; PEDRO GONÇALVES, “Administração Pública e arbitragem – em especial, o principio da irrecorribilidade de sentenças arbitrais”, Estudos em homenagem a António Barbosa e Melo, Coimbra, 2013, pág. 797; ANTÓNIO PEDRO PINTO MONTEIRO, “Do recurso de decisões arbitrais para o Tribunal Constitucional”, Themis, Ano IX, n.º 16, 2009, pág. 201).
Pelos fundamentos que antecedem, julga-se improcedente a excepção de incompetência do Tribunal.
O Tribunal é, por isso, competente.
(ii) Da intempestividade da instauração da acção
Alega o Demandado que a Demandante discorda do modo como em 2000, 2001, 2002, 2003 e 2004, o Gabinete de Gestão Financeira do Ministério C... interpretou e aplicou os diversos normativos constantes dos Decretos-Leis se Execução Orçamental publicados naquele período, bem como do facto de sido colocada entre a 1.ª e a 2.ª posições remuneratórias e os níveis 15 e 19 da Tabela Remuneratória Única, aquando da transição nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro.
Para tal, refere, em síntese, que a Demandante pretende impugnar actos administrativos, que consistem na verificação do facto de se mostrarem reunidos os pressupostos previstos na lei para atribuição de certa quantia remuneratória a cada trabalhador.
Fundamenta tal alegação, invocando, nomeadamente, o Ofício n.º..., de 29 de maio de 2000, do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério C..., remetido ao Director-Geral dos B..., onde é mencionado que não se procedeu a alterações até ao índice 200. Invoca também o Despacho n.º 20/2003 do Director-Geral dos B..., onde se refere, entre outros aspectos, que “(...) o direito a ser remunerado pelo índice 152 apenas existe enquanto o escriturário, somado o seu vencimento de categoria com o de exercício, não exceda os € 1.008,57, cessando quando terminar aquela circunstância (...)”.
Invoca, ainda, a deliberação do Conselho Directivo do B..., I.P., de 20 de Janeiro de 2020, onde se aprova o modo como é proposta a transição para a nova estrutura remuneratória.
Em termos de facto, dá-se como reproduzido o teor dos Documentos juntos com a Contestação.
Vejamos,
Diga-se que, evidentemente, apenas estarão aqui em causa, nesta alegada excepção, os primeiros três pedidos, pois só estes seriam afectados pelo teor dos Documentos juntos com a Contestação.
Nos termos do n.º 1 do artigo 41.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), “[s]em prejuízo do disposto na lei substantiva e no capítulo seguinte, a acção administrativa pode ser proposta a todo o tempo”.
Ou seja, a regra é a da propositura a todo o tempo das acções administrativa, com as excepções previstas na lei substantiva – nomeadamente, os prazos de prescrição da responsabilidade civil – ou no capítulo do CPTA referente à impugnação dos actos administrativos, à condenação à prática acto devido, à impugnação de normas e à impugnação de contratos, quando sujeitos a prazo (cf., neste sentido, CARLOS ALBERTO FERNANES CADILHA e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª Edição, Coimbra, 2017, Almedina, pág. 283).
Referem os mesmos Autores que “[a] circunstância de não estar, em regra, sujeita a prazo a dedução de pretensões relacionadas com actos administrativos, desde que não sejam de impugnação desses actos, explica que possam ser deduzidos, em regra sem dependência de prazo, pedidos condenatórios (ou de simples apreciação) respeitantes a situações constituídas por actos administrativos impugnáveis, desde que essas pretensões não visem obter a eliminação dos efeitos jurídicos dos actos em causa, mas a tutela de direitos ou interesses jurídicos afectados pelo desenvolvimento da situação jurídica constituída ao abrigo desses actos” (cf., op. cit., pág. 284).
Nos termos do artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo, “(...) consideram-se actos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”.
Com efeito, o que a Demandante pretende nos três primeiros pedidos não é a anulação nem a declaração de nulidade dos actos em causa. Apenas pede o reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas.
O que está em causa nestes pedidos é a “existência de uma anterior norma legal onde radica esse direito a reconhecer, ou seja, de uma norma que, desde que verificados determinados pressupostos ou requisitos, projecta directamente na esfera jurídica do destinatário o direito que pretende seja reconhecido” (cf. Acórdão do STA, de 31 de Maio de 2005, proferido no processo n.º 078/04, disponível em www.dgsi.pt). Neste mesmo sentido pronunciaram-se os Autores acima citados (cf., op. cit., pág. 252).
Por estes motivos, não está em causa a impugnação de actos administrativos, mas apenas o reconhecimento de situações jurídicas subjectivas decorrentes de normas jurídico-administrativas nos termos da alínea f), do n.º 1, do artigo 37.º do CPTA.
Diga-se, ainda, que as disposições legais que constituem a causa de pedir dos indicados pedidos nem sequer reclamavam da Administração a prática de qualquer acto administrativo, tal como não habilitavam a sua prática.
Deste modo, mesmo que os actos descritos juntos com a Contestação pudessem ser considerados actos administrativos – e já vimos que não podem – sempre teria de entender-se que a sua prática, desprovida de qualquer base legal, não poderia ter por efeito conduzir à caducidade do direito de acção, por parte da Demandante.
Acrescente-se, também, que o Demandado não demonstrou que (i) os pedidos formulados pela Demandante careciam da interposição de um ou mais actos administrativos; (ii) que esses actos administrativos foram praticados; (iii) que a Demandante os não impugnou atempadamente.
Nestes termos, considera-se improcedente, por não provada, a invocada excepção da intempestividade da instauração da presente acção.
Pelo que a presente acção é tempestiva.
(iii) Da impropriedade do meio processual
Invocou, ainda, o Demandado a excepção da impropriedade do meio processual.
No essencial, o Demandado entende que o meio processual adequado ao exercício do direito que a Demandante pretende fazer valer na presente acção seria a acção impugnatória e não a acção de reconhecimento de direitos.
Tal como referido a propósito da excepção relativa à intempestividade da acção, o Demandado não demonstra que o exercício de qualquer dos direitos que a Demandante pretende fazer valer na presente acção careça da prévia prática de outros tantos actos administrativos.
Para além do mais, a presente acção é idónea para o efeito pretendido pela Demandante (cf., a alínea f), do n.º 1, do artigo 37.º do CPTA).
Nestes termos, improcede a invocada excepção da impropriedade do meio processual.
Pelo que o presente processo é o adequado.
III – Do mérito da causa
A. Questões a decidir
As questões a decidir nos presentes autos, decorrentes das causas de pedir e dos pedidos, bem como das posições assumidas pelas partes nos seus articulados e outras peças processuais são as seguintes:
a) Saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da aplicação de índices salariais inferiores aos devidos;
b) Saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento de diferenças a título de emolumentos pessoais, por virtude de alteração da proporção da distribuição dos mesmos, decorrente das correcções resultantes da eventual procedência dos três primeiros pedidos;
c) Saber se o n.º 1 e o n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, padecem das inconstitucionalidades invocadas, devendo ser afastada a sua aplicação e, em consequência, deve ser repristinado o regime de cálculo da participação emolumentar anteriormente vigente, pagando à Demandante as diferenças salariais daí resultantes.
B. Fundamentação
Passemos ao conhecimento dos pedidos formulados pela Demandante.
(i) Factualidade
Face ao alegado por ambas as partes e aos documentos juntos ao processo, considera-se assente a seguinte factualidade, com interesse para a decisão.
a) A Demandante é oficial de registos, estando colocada na Conservatória ... de ..., mediante contrato de trabalho em funções publicas por tempo indeterminado (cf., Documento n.º 1 junto com a Petição Inicial).
b) A Demandante encontra-se colocada entre as posições remuneratórias 1.ª e 2.ª do Anexo II do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, e entre os níveis remuneratórios da Tabela Remuneratória Única aprovada pela Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de Dezembro.
c) A Demandante foi admitida em 2 de Maio de 2001 como Escriturário, do Escalão 1, Índice 150.
d) A Demandante progrediu em 4 de Maio de 2005 como Escriturário, para o Escalão 2, Índice 165.
e) A Demandante transitou para a categoria / carreira de ... com efeitos a 1 de Janeiro de 2018 para o Escalão 3, Índice 175.
f) A Demandante foi promovida em 1 de Janeiro de 2019 a Escriturário Superior, do Escalão 1, Índice 190.
g) A Demandante aufere a quantia mensal de € 1.308,37, a título de retribuição base.
h) A Demandante auferiu mensalmente a título de vencimento de categoria e de exercício, os valores constantes na nota biográfica (cf., Documento n.º 1 junto com a Petição Inicial) e que se dão por integralmente reproduzidos.
i) Teor do Documento n.º 1 junto com a Petição Inicial.
j) Teor do Documento n.º 2 junto com a Petição Inicial.
k) Teor do Documento n.º 3 junto com a Petição Inicial.
l) Teor do Documento n.º 4 junto com a Petição Inicial.
Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos.
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou dos documentos juntos com a Petição Inicial e não impugnados.
(ii) Do direito
Apreciemos as questões identificadas acima. A primeira é a de saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da aplicação de índices salariais inferiores aos devidos.
No fundo, a discrepância que fundamenta esta questão e os três primeiros pedidos formulados pela Demandante resulta do facto de o Demandando não ter aplicado as alterações dos índices salariais decorrentes da entrada em vigor, respectivamente, em 1 de Janeiro de 2000, do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio; em 1 de Janeiro de 2001, do Decreto-Lei n.º 77/2001, de 5 de Março; em 1 de Janeiro de 2002, do Decreto-Lei n.º 23/2002, de 1 de Fevereiro; em 1 de Janeiro de 2003, do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de Março; e em 1 de Janeiro de 2004, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de Março.
Com efeito, enquanto por aplicação daqueles diplomas se registou uma evolução dos índices 150, 165, 175 e 190, o Demandado continuou a remunerar a Demandante por aqueles índices.
Tão-pouco assiste razão ao Demandado quando alega que a escala indiciária prevista no Mapa II do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de Abril não teria sido alterada até esse diploma ter sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro. Esta alegação terá ficado a dever-se a uma interpretação peculiar das pertinentes disposições – nomeadamente, do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio, segundo o qual “[a]os escalões da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial a que correspondem os índices constantes da coluna 1 passam, a partir de 1 de Janeiro de 2000, a corresponder os índices constantes da coluna 2” – quando conjugadas com o n.º 2 e n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, pois estão em causa diplomas posteriores ao Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de Abril, de idêntica hierarquia, que consagram um regime incompatível com o anterior – por exemplo, dizer que o índice 165 passa a 166 é incompatível com a manutenção do índice 165 – e onde é inequívoco que se pretendeu abranger as leis especiais, caso contrário, não se teria feito alusão às carreiras do regime especial.
Igualmente não colhe o alegado quanto às especificidades desta carreira e do seu sistema remuneratório que, no entender do Demandado justificariam o modo como actuou, pois nem sequer a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público perfilhava este entendimento, tendo reconhecido, por exemplo, que aos escalões 1 e 2 de Escriturário correspondiam, em 2009, os índices 165 e 175 e que aos escalões 1 e 2 de Escriturário Superior correspondiam os índices 199 e 209 (cf., Documento n.º 2 junto com a Petição Inicial, disponível na integra em www.dgaep.gov.pt).
Importa, ainda, referir que o argumento do Demandado segundo o qual o Escriturário era remunerado pelo dobro do valor do índice onde estava enquanto outro funcionário desse índice concreto é, no mínimo ingénuo. Com efeito, basta comparar nas mesmas tabelas os vencimentos do Escriturário da Carreira de ... com, por exemplo, a Carreira Especial de Secretário Aduaneiro para verificar que os salários eram absolutamente compatíveis, não havendo a discrepância alegada pelo Demandado.
A título de exemplo, os referidos índices tiveram a seguinte evolução:
• 165 passou a 166; 175 passou a 176; 190 passou a 191 e 200 passou a 201, por força do artigo 41.º do citado Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio, com efeitos a 10 de Abril de 2000;
• 166 passou a 167, por força do artigo 49.º do citado Decreto-Lei n.º 77/2001, de 5 de Março, com efeitos a 1 de Janeiro de 2001;
• 167 passou a 169; 176 passou a 177; 191 passou a 192 e 201 passou a 202, por força do artigo 41.º do citado Decreto-Lei n.º 23/2002, de 1 de Fevereiro, com efeitos a 1 de Janeiro de 2002;
• 169 passou a 172; 177 passou a 180; 192 passou a 195 e 202 passou a 205, por força do artigo 41.º do citado Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de Março, com efeitos a 1 de Janeiro de 2003;
• 172 passou a 175; 180 passou a 184; 195 passou a 199 e 205 passou a 209, por força do artigo 43.º do citado Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de Março, com efeitos a 1 de Janeiro de 2004.
Facilmente se compreende, pelo que acaba de se expor, que, tendo o Demandado remunerado a Demandante geralmente por índice inferior àquele que era devido, naturalmente são devidas a esta as diferenças salariais correspondentes.
À Demandante era aplicável o índice 100 do regime geral da função pública (cf., n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de Abril) até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 21 de Dezembro.
Assim,
Ano de 2001: a Demandante recebeu € 453,41 (índice 150, posição 1) mas em face da
actualização do índice 100 e pelo facto de o índice 150 passar para o índice 153, deveria ter recebido € 462,09. Recebeu a menos € 8,68 x 10 meses, o que perfaz € 86,80.
Ano de 2002: a Demandante recebeu € 465,50 (índice 150, posição 1) mas em face do aumento do índice 100 e do índice ser o 155 deveria ter recebido € 481,01. Recebeu a menos € 15,51 x 8 meses (inclui subsídio de férias), o que perfaz o valor de € 124,08. A partir de Agosto passou a receber € 471,37. Pelo que recebeu menos € 9,64 x 7 meses (inclui subsídio de Natal) = € 67,48. Num total de € 191,56.
Ano de 2003: a Demandante recebeu, de Janeiro a Abril o vencimento de € 471,37 e de Maio a Dezembro recebeu € 465,50. Nesse ano, o índice 155 actualizou para 157, deveria ter recebido € 487,22. Pelo que: (a) de Janeiro a Abril: recebeu menos € 15,85 x 4 meses = € 63,40; (b) de Maio a Dezembro: recebeu menos € 21,72 x 10 meses (inclui subsídio de férias e de Natal), o que perfaz o valor de € 217,20. Num total de € 280,60.
Ano de 2004: a Demandante recebeu, de Janeiro a Maio, em média € 481,93; em Junho
recebeu € 512,04; em Julho recebeu € 496,01; e de Agosto a Dezembro recebeu € 527,56. Nesse ano, o índice 157 foi actualizado para 160. Pelo que deveria ter recebido € 496,53. A diferença é de: (a) Janeiro a Maio: menos € 14,60 x 6 meses = € 87,60; (b) Junho: mais €15,51; (c) Julho: menos € 0,52; (d) Agosto a Novembro: mais € 31,03 x 5 meses = € 115,15; (e) Dezembro: mais € 24,82. O que significa que a Demandante recebeu a mais € 67,36.
Ano de 2005: a Demandante recebeu € 532,83. De Janeiro a Abril, a Demandante, por força do índice 160, teria que receber € 507,46. Em Maio, a Demandante progrediu na carreira, passando para o índice 165, posição 2. Todavia, por força da actualização, o índice 165 correspondia, naquela data, ao índice 175. Pelo que a Demandante teria direito a receber € 555,03 (índice 175). Assim, (a) de Janeiro a Abril, recebeu mais € 25,37 x 4 meses = € 101,48; (b) de Maio a Dezembro, recebeu menos € 22,20 x 10 meses (acrescido de subsídio de férias e de Natal) = € 222,00. Pelo que a diferença, a favor da Demandante, é de € 120,52.
Ano de 2006: a Demandante recebeu em Janeiro e Fevereiro, o vencimento de € 532,83, e o valor de € 540,83 de Março a Dezembro. Nesse ano, o índice 100 foi actualizado para € 321,92. Pelo que a Demandante teria direito a receber € 563,36 (índice 175). Mas como anteriormente estava mal calculado, a diferença é de: (a) Janeiro e Fevereiro: € 30,53 x 2 meses = € 61,06; (b) Março a Dezembro: € 22,53 x 12 meses (incluindo subsídio de férias e de Natal) = € 270,36. O que perfaz o valor total de € 331,42.
Ano de 2007: a Demandante recebeu € 548,94. Nesse ano, o índice 100 foi actualizado para € 326,75. Assim, a Demandante tinha direito a receber € 571,81 (índice 175), pelo que a diferença é de € 22,87, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de € 320,18.
Ano de 2008: a Demandante recebeu € 560,47. Nesse ano, o índice 100 foi actualizado para € 333,61. Pelo que a Autora tinha direito a receber € 583,82 (índice 175), sendo a diferença de € 23,35. Isso multiplicado por 14 meses perfaz o valor de € 326,90.
Ano de 2009: a Demandante recebeu € 576,71. Nesse ano, o índice 100 foi actualizado para € 343,28. Pelo que a Demandante tinha direito a receber € 600,74 (índice 175) pelo que a diferença é de € 24,03, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de € 336,42.
Ano de 2010: a Demandante recebeu € 576,71. Nesse ano, o valor do índice 100 manteve-se em € 343,28. Assim, a Autora devia receber € 600,74 (índice 175) pelo que a diferença é de € 24,03, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de € 336,42.
Anos de 2011 a 2017: a Demandante auferiu € 576,71 (escalão 165). Nesse ano, não houve actualização do índice 100. No entanto, o escalão pelo qual a Demandante deveria ver a sua remuneração calculada era pelo índice 175, ou seja, no valor de € 600,74, pelo que a diferença mensal é de € 24,03. Assim, (€ 24,03 x 14 meses) = € 336,42 x 7 anos = € 2.354,94.
Ano de 2018: a Demandante transitou para a carreira/categoria de oficial de registos, por via legislativa, mas continuou a receber pela mesma tabela remuneratória anteriormente mencionada. E fruto do tempo decorrido, passou a auferiu o vencimento pelo escalão 3, índice 175, recebendo € 588,72. No entanto, o índice 175 tinha passado a corresponder ao índice 184 a que correspondia o valor de € 631,64. Pelo que a Demandante tinha direito às diferenças de vencimento, no valor de € 600,88 (diferença mensal de €42,92 x 14 meses).
Ano de 2019: a Demandante auferiu € 652,23/mês. No entanto, em 1 de Janeiro a Demandante foi promovida à categoria de Escriturário Superior (índice 190, posição 1). Por força da actualização do índice 100, o índice 190 correspondia, naquela data, ao índice 199, pelo que a Demandante devia receber € 683,13. Pelo que a Demandante tem direito às diferenças de vencimento, no valor de € 432,60 (diferença mensal de € 30,90 x 14 meses).
O que perfaz o total € 5.786,60, a título de diferenças salariais quanto ao vencimento de categoria.
Por outro lado, além dos valores em dívida, que ascendem a € 5.786,60, aquando da transição para a nova tabela remuneratória, devia ter sido considerado que a Demandante, na categoria de origem, auferia pelo índice 199, no valor de € 683,13 e não pelo índice 190 no valor de € 652,23.
Pelo que a Demandante foi penalizada pelo não recebimento da totalidade dos valores a que tinha direito.
No caso em apreço, verifica-se, ainda, que o vencimento de exercício foi idêntico ao vencimento de categoria.
E, tendo em conta que o vencimento de categoria foi incorretamente calculado, nos termos acima descritos, e face ao disposto na lei, isso teve consequências ao nível da participação emolumentar a que a Autora tinha direito.
Assim,
Ano de 2002: A partir de Agosto passou a receber € 471,37. Mas devido ao aumento do índice e correcção do mesmo para índice 155 deveria ter recebido € 481,01. Pelo que recebeu menos € 9,64 x 7 meses = € 67,48.
Ano de 2003: a Demandante recebeu, de Janeiro a Maio € 2.345,11, o que dá uma média de € 469,02/mês. E de Junho a Dezembro recebeu € 465,50/mês. Nesse ano, o índice 155 actualizou para 157, deveria ter recebido € 487,22. Pelo que: (a) de Janeiro a Maio: recebeu menos € 18,20 x 5 meses = € 91,00; (b) de Junho a Dezembro: recebeu menos € 21,72 x 9 meses, o que perfaz o valor de € 195,48. Num total de € 286,48.
Ano de 2004: de Janeiro a Dezembro, a Demandante recebeu € 6.449,62, quando devia receber € 6.951,42 (índice 157 atualizado para índice 160 pelo que o vencimento de categoria era de € 496,53) A diferença é de € 501,80.
Ano de 2005: a Demandante recebeu € 532,83 por mês. De Janeiro a Abril, a Demandante, por força do indice 160, teria que receber no mínimo € 507,46. Em Maio, a Demandante progrediu na carreira, passando para o índice 165, posição 2. Todavia, por força da actualização, o índice 165 correspondia, naquela data, ao índice 175. Pelo que a Demandante teria direito a receber € 555,03 (índice 175). Assim, de Maio a Dezembro: recebeu menos € 22,20 x 10 meses = € 222,00.
Ano de 2006: a Demandante recebeu € 6.456,00, quando deveria ter recebido € 7.887,04 dado que o índice 100 foi actualizado para € 321,92 e a Demandante teria direito a receber € 563,36 (índice 175) x 14 meses. Assim, tem direito à diferença de € 1.431,04.
Ano de 2007: a Demandante recebeu € 548,94/mês. Nesse ano, o índice 100 foi actualizado para € 326,75. Assim, a Demandante tinha direito a receber € 571,81 (índice 175), pelo que a diferença é de € 22,87, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de € 320,18.
Ano de 2008: a Demandante recebeu € 560,47. Nesse ano, o índice 100 foi actualizado para € 333,61. Pelo que a Demandante tinha direito a receber € 583,82 (índice 175), sendo a diferença de € 23,35. Isso multiplicado por 14 meses perfaz o valor de € 326,90.
Ano de 2009: a Demandante recebeu € 576,71. Nesse ano, o índice 100 foi actualizado para € 343,28. Pelo que a Autora tinha direito a receber € 600,74 (índice 175), pelo que a diferença é de € 24,03, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de € 336,42.
Ano de 2010: a Demandante recebeu € 576,71. Nesse ano o valor do índice 100 manteve-se em € 343,28. Assim, a Demandante devia receber € 600,74 (índice 175), pelo que a diferença é de € 24,03, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de € 336,42.
Anos de 2011 a 2017: a Demandante auferiu € 576,71 (escalão 165). Nesse ano, não houve actualização do índice 100. No entanto, o escalão pelo qual a Demandante deveria ver a sua remuneração calculada era pelo índice 175, ou seja, no valor de € 600,74, pelo que a diferença mensal é de € 24,03 (€ 600,74 - € 576,71). Assim: (€ 24,03 x 14 meses) = € 336,42 x 7 anos = € 2.354,94.
Ano de 2018: a Demandante transitou para a carreira/categoria de oficial de registos, por via legislativa, mas continuou a receber pela mesma tabela remuneratória anteriormente mencionada. Mas fruto do tempo decorrido, passou a auferiu o vencimento pelo escalão 3, índice 175, recebendo € 588,72. No entanto, o índice 175 tinha passado a corresponder ao índice 184 a que correspondia o valor de € 631,64. Pelo que a Autora tinha direito às diferenças de vencimento, no valor de € 600,88 (diferença mensal de € 42,92 x 14 meses).
Ano de 2019: a Demandante auferiu € 652,23/mês. No entanto, em 1 de Janeiro, a Demandante foi promovida à categoria de Escriturário Superior (índice 190, posição 1). E, por força da actualização do índice 100, o índice 190 correspondia, naquela data, ao índice 199, pelo que a Demandante devia receber € 683,13. Pelo que a Demandante tem direito às diferenças de vencimento, no valor de € 432,60 (diferença mensal de € 30,90 x 14 meses).
Perfazendo o total de € 7.217,14.
Em face do que antecede, considera-se que os dois primeiros pedidos formulados pela Demandante deverão ser considerados procedentes.
Por outro lado, em 21 de Dezembro de 2018, foi publicado o Decreto-Lei n.º 115/2018, que estabeleceu o regime da carreira especial de oficial de registos, revendo assim as actuais carreiras de ajudante e escriturário dos registos e notariado. De acordo com o mesmo diploma, transitaram para a carreira especial de oficial de registos, categoria de oficial de registos, os ajudantes principais, primeiros ajudantes e segundos ajudantes integrados nos quadros do registo civil e predial; transitaram igualmente para a mesma categoria os ajudantes principais, primeiros ajudantes e segundos ajudantes que na sequência da privatização optaram pela integração em serviço do B..., IP, bem como aqueles que regressam ao serviço do B..., IP; transitam igualmente para a mesma categoria os actuais ajudantes principais, primeiros ajudantes e segundos ajudantes dos serviços de notariado não abrangidos pela privatização; transitam igualmente para a mesma categoria os actuais escriturários e escriturários superiores da carreira de escriturário dos registos e do notariado, assim como os escriturários e escriturários superiores que na sequência da privatização do notariado, regressem ao serviço do B..., IP. Nesse mesmo diploma previu-se que até à entrada em vigor do previsto no artigo 6.º (a determinação do número de posições remuneratórias e a identificação dos respectivos níveis remuneratórios faz-se por diploma próprio, a aprovar) mantém-se em vigor a situação remuneratória dos trabalhadores que transitam para a carreira especial de oficial de registos (artigo 43.º).
Em 23 de Setembro de 2019, foi publicado o Decreto-Lei n.º 145/2019, que produziu efeitos a 1 de janeiro de 2020, que estabelece o regime remuneratório da carreira especial de oficial de registos constando no seu preâmbulo que: houve actualização do conceito de remuneração base, eliminou-se a divisão entre vencimento de categoria e vencimento de exercício (participação emolumentar), que foram integrados num só; a determinação do número de posições remuneratórias e a identificação dos correspondentes níveis remuneratórios; a transição dos trabalhadores para a nova tabela retributiva garantindo o princípio do não retrocesso salarial.
Neste diploma consta que a remuneração base é o montante pecuniário correspondente ao nível remuneratório da posição remuneratória onde o trabalhador se encontra na carreira e/ou categoria de que é titular (artigo 3.º). Consta ainda que na transição para a nova tabela remuneratória da carreira especial de oficial de registos (anexo II), os trabalhadores desta carreira são reposicionados na posição remuneratória da categoria de ... a que corresponde nível remuneratório cujo montante pecuniário seja equivalente à remuneração base a que têm direito na data de entrada em vigor do presente Decreto-Lei (1 de Janeiro de 2020), mas não inferior ao da primeira posição remuneratória da carreira e categoria de oficial de registos (artigo 10.º, n.º 2). Acrescenta-se ainda no n.º 3 do artigo 10.º que em caso de falta de identidade de nível remuneratório, os trabalhadores são reposicionados em posição remuneratória, automaticamente criada, de nível remuneratório não inferior ao da primeira posição da categoria para a qual transitam, de montante pecuniário equivalente à remuneração base a que têm direito na data de entrada em vigor do presente Decreto-Lei. Esclarece ainda este diploma no seu artigo 10.º n.º 4 que a remuneração base a que se referem os números anteriores, é a que resulta da soma do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito, de acordo com o posto de trabalho de que são titulares na data de entrada em vigor do presente Decreto-Lei.
Com efeito, à data de entrada em vigor deste diploma, o Demandado pagava à Demandante, a título remuneratório:
• como vencimento de categoria € 652,23;
• como vencimento emolumentar € 652,23.
Quando a Demandante deveria receber, conforme o exposto acima:
• como vencimento de categoria € 683,13;
• como vencimento emolumentar € 683,13 (se valor mais elevado não for apurado).
Assim, a Demandante, em 1 de Janeiro de 2020, auferia € 1.308,37 [(€652,23 x 2) + € 3,91 referente à actualização de 0,3% - Decreto-Lei n.º 10-B/2020, de 20 de Março] e por isso foi colocada entre o nível 15 e 19 e entre a posição 1 e 2 da tabela única remuneratória, quando deveria ser considerado o vencimento de € 1.370,36 [(€ 683,13 x 2) + € 4,10 referente à actualização de 0,3% - Decreto-Lei n.º 10-B/2020, de 20 de Março.
A Autora deveria ter auferido mais € 1.301,79 a título de diferenças salariais (€ 1.370,36 – € 1.308,37 = € 61,99) x (14 meses de 2020 = € 867,86) e x (7 meses de 2021 = € 433,93).
Já a segunda questão decidenda consiste em saber se assiste, ou não, à Demandante o direito ao pagamento de diferenças a título de emolumentos pessoais, por virtude de alteração da proporção da distribuição dos mesmos, decorrente das correcções resultantes da eventual procedência dos três primeiros pedidos.
A propósito do quarto pedido, a Demandante alega, em resumo, que os emolumentos pessoais devem ser atribuídos aos funcionários da repartição na proporção dos respectivos ordenados, nos termos do n.º 1 do artigo 137.º do Decreto Regulamentar n.º 55/80, de 8 de Outubro, bem como do n.º 1 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de Dezembro, e do artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de Dezembro, e das tabelas anexas à Portaria n.º 966/98, de 25 de Novembro.
Entende a Demandante que, estando os ordenados mal calculados, igualmente estarão incorrectamente calculados os emolumentos pessoais, porque os mesos são pagos na proporção dos ordenados.
Adiante-se, desde já, que não lhe assiste razão.
Com efeito, para que tal pretensão pudesse proceder seria necessário demonstrar que o facto de o vencimento de categoria ou, em certos casos, o ordenado da Demandante estar mal calculado influiu necessariamente na proporção da distribuição dos emolumentos pessoais.
Para esse efeito, teria de demonstrar que os ordenados dos demais trabalhadores da repartição – e indicar quantos eram em cada momento – estavam bem calculados – ou pelo menos os ordenados de alguns, caso em que teria de referir os outros cujos ordenados estariam também mal calculados – para que daí pudesse resultar uma possível alteração da proporção distributiva.
Não só não o fez como, além disso, os elementos carreados para os autos – inclusive um pedido de apensação de vários processos semelhantes ao presente, que foi indeferido – indiciam que o Demandado não terá calculado mal apenas os ordenados da Demandante, mas também os ordenados de muitos outros funcionários em idênticas circunstâncias, muito provavelmente todos, pelo que, por esse motivo, as proporções poderão manter-se inalteradas.
Pelo exposto, este pedido terá necessariamente de improceder.
Por último, a terceira questão decidenda consiste em saber se o n.º 1 e o n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, padecem das inconstitucionalidades invocadas, devendo ser afastada a sua aplicação, e se, em consequência, deve ser repristinado o regime de cálculo da participação emolumentar anterior vigente, pagando à Demandante as diferenças salariais daí resultantes.
Com efeito, nos quinto e sexto pedidos pretende a Demandante que seja afastada a aplicação do artigo 10.º, n.º 1 e n.º 4, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações e que seja repristinado o Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de Dezembro, e o disposto na Portaria n.º 940/99, de acordo com os quais se fixa a forma de calculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018 e, com base nisso, calcular o vencimento médio anual de um Escriturário Superior ao 1.º escalão à data da entrada em vigor do mesmo diploma, com consequente alteração da sua posição remuneratória e pagamento das diferenças devidas.
Ora, os pedidos que formula são incongruentes com os três primeiros pedidos formulados na Petição Inicial e que acima se considerou procedentes.
Senão vejamos,
Foi considerado provado que o Demandado ao longo de todos estes anos remunerou geralmente a Demandante com um vencimento de exercício de valor igual ao do vencimento de categoria.
Além disso, a Demandante não demonstra que qualquer trabalhador da mesma Carreira e Categoria e com a mesma antiguidade ou mais moderno aufere uma remuneração de base superior à sua e que, auferindo-a, tal não ficou a dever-se a trabalho diferente em quantidade e qualidade ou, dito, de outro modo, que a Demandante prestou trabalho em quantidade e qualidade idênticas ao desse trabalhador mais moderno ou de idêntica antiguidade.
Alega também a Demandante que terá sido o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, que perpetuou a ficção da participação emolumentar iniciada, transitoriamente, com a Portaria n.º 1448/2001, de 22 de Setembro. Todavia, discordamos dessa posição, na medida em que, manifestamente, essa perpetuação começou com a Portaria n.º 29/2011, de 11 de Janeiro, e continuou com o artigo 27.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2017.
Com efeito, em vez de uma prorrogação geralmente anual, daqueles diplomas, garantiram, em duas penadas, a vigência do regime por mais oito anos, alem de que a Assembleia da República não disse no mencionado artigo 27.º que, com a nova Carreira de Oficial de Registos, seria abandonada a solução adoptada em 2001.
O que o Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, fez foi, tão só, aproveitar os montantes do vencimento de categoria e do vencimento do exercício efectivamente pagos em função do concreto posto de trabalho e considerar o seu somatório para efeitos do reposicionamento remuneratório.
Ao contrário do que alega a Demandante, tal não sucedeu apenas à luz do princípio do não retrocesso social, mas sim também à luz dos princípios da neutralidade orçamental na transição e da sustentabilidade remuneratória, impostos, quer pelo n.º 2 do artigo 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, quer pelo artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
Não pode, por isso, afirmar-se que uma eventual diferença de tratamento entre a Demandante e outro qualquer oficial de registo, decorrente do disposto no n.º 1 e n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, carece de justificação objectiva bastante, pois esta existe e decorre das Leis anteriores, às quais o Decreto-Lei em causa devia respeito.
Nem pode, por isso, dizer-se que se trata de uma solução excessiva. De resto, a solução preconizada pela Demandante seria evidentemente inadequada para, simultaneamente, observar os três referidos princípios, pois, a existirem Oficiais de Registos com vencimento de exercício superior ao mínimo – 100% do vencimento de categoria, tal significaria que aqueles que auferiam vencimento de exercício pelo mínimo passariam a auferir pela média, mas aqueles que auferiam acima da media, passariam a auferir menos – o que prejudicaria a aplicação do principio do não retrocesso salarial – ou, para estes Oficiais continuarem a auferir o mesmo, ficariam prejudicados, quer o princípio da neutralidade orçamental, quer o princípio da sustentabilidade da evolução remuneratória.
Como se referiu, a Demandante não suscitou verdadeiras questões de constitucionalidade, nem apreciou se, existindo restrições ou violações de princípios constitucionais, as mesmas eram, ou não necessárias, adequadas e não excessivas.
Em face do que antecede, não se considera verificada a arguida inconstitucionalidade, pelo que o quinto e sexto pedidos deverão improceder.
(i) Valor da causa
A Demandante atribuiu à presente acção o valor de € 14.500,00. O Demandado não se opôs ao valor em causa oferecido pela Demandante.
Nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do CPTA, o valor em causa é um valor certo, expresso em moeda legal e representa a utilidade económica imediata do pedido. Conforme vimos referindo, a Demandante formulou vários pedidos.
Nos termos do n.º 7 do artigo 32.º do mesmo Código, quando sejam cumulados na mesma acção vários pedidos, o valor da causa é a quantia correspondente à soma desses pedidos.
Ora, no que toca aos três primeiros pedidos, a Demandante pretende obter o pagamento de outras tantas quantias certas, a título de diferenças salariais. Por este motivo, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do mesmo Código, o valor da causa deverá corresponder ao somatório das diferenças salariais devidas, a saber: total € 5.786,60, referente ao primeiro pedido; € 7.217,14, referente ao segundo pedido, e € 1.301,79, referente ao terceiro pedido.
Quanto ao quarto pedido, como a Demandante pediu o pagamento de emolumentos pessoais a calcular pelo Demandado, não tendo dado qualquer noção quanto às quantias que poderiam estar em causa, nem ao benefício económico que daí poderia resultar, pelo que o mesmo terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 34.º do citado Código, atribuindo-se-lhe o valor de € 30.000,01, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
No que respeita aos quinto e sexto pedidos, a Demandante pediu a declaração de inconstitucionalidade de preceitos legais e a repristinação de normas revogadas, bem como informação sobre qual o vencimento de exercício dos vários Escriturários Superiores com vencimento base correspondente ao 1.º escalão da tabela remuneratória anteriormente aplicável, e a sua aplicação à Demandante, com consequente reposicionamento remuneratório, não tendo dado qualquer noção quanto às quantias que poderiam estar em causa, nem ao beneficio económico que daí poderia resultar, o valor da causa relativo a cada um desses pedidos terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 34.º do citado Código, atribuindo-se-lhe o valor de € 30.000,01, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.
Atendendo, porém, ao disposto no n.º 7 do artigo 32.º e aos objectivos expressos no n.º 2 e n.º 4 do artigo 34.º citados, entende-se que o valor da presente causa deverá corresponder ao somatório dos valores dos três primeiros pedidos com o valor próprio dos pedidos de valor indeterminável, que assegura o recurso para o Tribunal Central Administrativo, independentemente do número de pedidos que caibam nesta classificação, porque, no fundo, o objectivo da lei é assegurar o recurso em cada um deles.
Assim, deverá fixar-se à causa o valor de € 44.305,54, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 31.º, do n.º 1 n.º 7 do artigo 32.º, do n.º 1, n.º 2 e n.º 4 do CPTA e do n.º 1 e n.º 3 do arrigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, bem como do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.
IV – Decisão
Face às considerações que antecedem, decido julgar a presente acção parcialmente procedente, por provada e, em consequência:
a) Condenar o Demandando a refazer a carreira da Demandante de acordo com os índices legalmente aplicáveis e a pagar-lhe as diferenças salariais entre os valores dos vencimentos de categoria e subsídios de férias e de Natal, no montante de € 5.786,60, sujeito aos descontos legais;
b) Condenar o Demandado a, como consequência do decidido na alínea anterior, pagar à Demandante as diferenças salariais entre os valores dos vencimentos de exercício devidos e os valores efectivamente pagos, no montante de € 7.217,14, sujeito aos descontos legais;
c) Condenar o Demandado a, como consequência do decidido na alínea anterior, a reconhecido o direito a receber € 1.370,36 a título de remuneração e a pagar à Demandante as diferenças salariais entre os valores da remuneração base devidos e os valores efectivamente pagos, no montante de € 1.301,79, sujeito aos descontos legais;
d) Absolver o Demandado do pedido de reconhecimento do direito da Demandante a receber emolumentos pessoais em falta, a calcular por aquele;
e) Absolver o Demandado do pedido de afastamento da aplicação do n.º 1 e n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, por alegada inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e as suas sucessivas renovações;
f) Absolver o Demandado do pedido de repristinação do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de Dezembro, e do disposto na Portaria n.º 940/99, de acordo com os quais se fixaria a forma de cálculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo teriam alegadamente direito à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018 (diploma que criou o regime da carreira especial dos oficiais de registo) e com base nisso calcular o vencimento nacional de um Escriturário Superior do 1.º escalão e aplicá-lo à Demandante com consequente alteração da sua posição remuneratória; caso tal não seja exequível, aplicar à Demandante o vencimento médio nacional de Escriturário Superior do 1.º escalão à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, com consequente alteração da sua posição remuneratória.
Fixa-se à causa o valor de € 44.305,54. A taxa de arbitragem é calculada nos termos das disposições regulamentares aplicáveis. Os encargos são suportados pela Demandante e pelo Demandado nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.
Registe, notifique e publique.
CAAD, 16 de Maio de 2022
O Árbitro
(Hélder Filipe Faustino)