Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 127/2021-A
Data da decisão: 2022-04-12  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 17.500,00
Tema: Relação jurídica de emprego público – Diferenças de vencimento; reposicionamento remuneratório.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             RELATÓRIO

 

A... veio intentar a presente ação arbitral contra o B..., I.P., pedindo: (i) que lhe seja reconhecido o direito a auferir: 7.362,90 a título de diferenças de vencimento de categoria, e condenado o Demandado no seu pagamento; (ii) que lhe seja reconhecido o direito a auferir € 7362,90, a título de diferenças de vencimento de exercício, e condenado o Demandado no seu pagamento e a recalcular o vencimento da A.; (iii) que lhe seja reconhecido o direito a ser colocado entre os níveis 31 e 35 e entre as posições 5 e 6 da Tabela Remuneratória Única, bem como a auferir as correspondentes diferenças salariais que quantifica em € 2.575,02, e condenado o Demandado no seu pagamento; (iv) que lhe seja reconhecido o direito a receber emolumentos pessoais em falta, a calcular pelo Demandado; (v) que seja afastada a aplicação dos nº 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n. º 145/2019, de 23 de Setembro, "por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual pata apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.0 1448/2001 e suas sucessivas renovações"; (vi) que seja repristinado o Decreto-Lei nº 519-F2/79, de 29 de Dezembro, e o disposto na Portaria nº 940/99 de acordo com os quais se fixa a forma de cálculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018 (diploma que criou o regime da carreira especial dos oficiais de registo) e com base nisso calcular o vencimento nacional de um Escriturário Superior do 2.º escalão e aplicá-lo ao Demandante com consequente alteração da sua posição remuneratória; caso não seja exequível, aplicar ao Demandante o vencimento médio nacional de um Escriturário Superior no 2º escalão à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, com consequente alteração da sua posição remuneratória.

No que respeita aos dois primeiros pedidos, a Demandante alega, no essencial, que:

- em 2000: a Autora recebeu 96.400$00 (índice 165 posição 2), ou seja, €480,84, mas deveria ter recebido 97.084,84$00 (índice 166), ou seja €484,26 Assim, recebeu a menos €3,42 X14 meses (incluindo subsidio de natal), ou seja, no valor total de 47,88;

- em 2001: a Autora recebeu mensalmente em média 100.000$00 (índice 165 posição 2) ou seja, €498,80 – em face da atualização do índice 100 –, mas deveria ter recebido €504.37 (porque o índice 165 passou para o índice 167). Recebeu a menos €5,57 x 14 meses, o que perfaz €78,02

- em 2002: a Autora recebeu 498,83€ nos meses de Janeiro e Fevereiro e €651,69 nos restantes meses (índice 210 posição 1) – em face do aumento do índice 100 –, mas deveria ter recebido €524,45 (índice 169) e €654,79 (índice 211). Recebeu a menos €25,62 x 2 meses e €3,1x12, o que perfaz o valor de €88,44;

- em 2003: a Autora recebeu €651,69. Nesse ano, o índice 211 do escalão 1 atualizou para 214, pelo que a Autora deveria ter recebido €664,10, pelo que recebeu a menos €12,41x 14 meses, ou seja, €173,82.

- em 2004, a Autora recebeu €651,69. No entanto, nesse ano, o índice 214 foi atualizado para 218. Pelo que deveria ter recebido €676,51. A diferença é de 24,82€ multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de €347,48.

- em 2005, a Autora recebeu €651,69 (índice 214) nos meses de Janeiro a Março. Em Março, a Autora foi promovida para 1.ª Ajudante e passou a receber €713,61 (índice 225 escalão 2) nos meses de Abril e Maio, e em Junho passou para índice 255 escalão 1, passando a receber €808,76 nos restantes meses. Nesse ano, o índice 100 manteve-se mas a Autora deveria ter recebido €691,41 (porque o índice 214 passou para o índice 218) nos meses de Janeiro a Março, e € 738,98 (porque o índice 225 passou 233) e €837,30 (porque o índice 255 passou para 264) pelo que a diferença é de €423,59 (que corresponde a €39,72 multiplicada por 3 meses + €25,37 multiplicada por 3 meses + €28,54 multiplicada por 8 meses).

- em 2006, a Autora recebeu €820,90 (índice 255). Nesse ano, apenas o índice 100 foi atualizado. Pelo que o Autor teria direito a receber €849,87 (índice 264). Mas como anteriormente estava mal calculado, a diferença é de €28,97 multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de €405,58.

- em 2007, a Autor recebeu €833,21. Nesse ano, apenas o índice 100 foi atualizado. Assim, a Autora tinha direito a receber €862,62 (índice 264), pelo que a diferença é de €29,41 multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de €411,74.

- em 2008, a Autora recebeu €850,71. Nesse ano, apenas o índice 100 foi atualizado. Pelo que a Autora tinha direito a receber €880,73 (índice 264), sendo a diferença de €30,02. Isso multiplicado por 14 meses perfaz o valor de €420,28.

- em 2009, a Autora recebeu €875,36. Nesse ano, apenas o índice 100 foi atualizado. Pelo que a Autora tinha direito a receber €906,26 (índice 264) pelo que a diferença é de €30,90, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de €432,60.

- em 2010 a 2017, o índice 100 não foi atualizado. A Autora recebeu €875,36. Mas como devia receber €906,26 anteriormente, a diferença anual é de €432,60 multiplicada por 8 anos, perfaz o valor de €3.460,08.

- em 2018, a Autora transitou para a carreira/categoria de 1.º Ajudante índice 265 escalão 1, tendo auferido €918,27. Nesse ano, não houve atualização do índice 100. No entanto, o escalão pelo qual a Autora deveria ver a sua remuneração calculada era pelo 274, ou seja, no valor de 940,59€, pelo que a diferença mensal é de €22,32 multiplicada por 14 meses é de €312,48.

- em 2019, a Autora transitou para a carreira/categoria de 1.º Ajudante índice 280 escalão 3, tendo auferido €939,72 e €929,72 em Dezembro. No entanto, o escalão pelo qual a Autora deveria ver a sua remuneração calculada era pelo escalão 290, pelo que a Autora deveria ter recebido €995,51 pelo que a diferença mensal é de €55,79 multiplicada por 13 meses mais € 34,33 relativo ao mês de Dezembro, perfaz a quantia de €759,60.

 

A Autora alega, ainda que, como os emolumentos pessoais são distribuídos pelos funcionários da repartição na proporção dos respetivos ordenados, o facto de o vencimento de categoria e o vencimento de exercício estarem mal calculados implicaria também um recálculo da distribuição dos emolumentos pessoais.

No que respeita os dois pedidos finais a A. alega, ainda, diversas violações da Constituição relacionadas com o facto de ter sido considerado o vencimento de exercício — somado ao vencimento de categoria — nomeadamente por considerar que o vencimento de exercício se encontrava "transitoriamente congelado" há vários anos, pelo que não retrataria a realidade à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n. º 115/2018, nem garantiria a igualdade entre trabalhadores, sendo certo que a justificação aduzida pelo legislador — respeito pelo não retrocesso salarial — não seria suficiente para criar disparidades salariais ou até pela remuneração mais elevada para profissionais de menor antiguidade. Conclui, pois, que deveria aplicar-se o artigo 54. º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79 e o disposto nos artigos 1.º, 2.º, 3.0 e 8.º da Portaria n.º 940/99 no cálculo do vencimento de exercício dos oficiais de registos, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.0 115/2018, e calcular um vencimento médio nacional e aplicá-lo à Demandante, com o objetivo de repor a justiça relativa.

Regularmente citado, veio o Demandado suscitar a questão prévia da obtenção de acordo do Demandante quanto à recorribilidade da decisão arbitral e invocar as exceções da intempestividade da instauração da presente ação (caducidade do de ação) e da impropriedade do meio processual, defendendo, quanto a estas, em resumo, que o meio próprio seria a ação impugnatória, a intentar nos três meses após a prática dos atos a impugnar.

Defendeu-se ainda por impugnação, defendendo a improcedência da ação.

Foi assegurado o contraditório do Demandante quanto à questão prévia e quanto à matéria de exceção, tendo o mesmo dado o seu acordo à recorribilidade e pugnado pela improcedência das exceções.

 

 

A A. requereu como diligência probatória que o Réu seja notificado para informar qual o vencimento de exercício dos vários 1.º ajudantes com vencimento base correspondente ao 3.º escalão da tabela remuneratória anteriormente aplicável, á data da entrada em vigor do DL

115/2018 para apuramento do vencimento médio nacional de um funcionário com a mesma categoria e tempo de serviço que a Autora. Atenta a defesa apresentada pela Ré que não coloca em causa os fatos alegados pela A., o Tribunal entende que a mesma se revela como impertinente, considerando que a mesma não se afigura necessária para o acertamento dos fatos relevantes para decisão do presente conflito.

 Neste momento, e dada a suficiente explanação das questões a decidir entre a as partes e a ausência de qualquer outro elemento superveniente que o justifique dispensam-se as alegações finais que mais não seriam em face do exposto se não uma repetição do que as partes já alegaram nos seus articulados.

Houve pedido de apensação de processos, que foi indeferido por despacho do Senhor Presidente do CAAD. As partes requereram também a apensação deste processo a outro ainda não julgado e pendente no CAAD, o que o tribunal titular daquele não admitiu.

O presente Tribunal é composto pelo árbitro singular signatário, o qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 13 de outubro de 2021, data da aceitação do cargo e da sua notificação às partes (artigo 17.º do RCAAD).

 

II– Saneamento

1.            Quanto ao valor da causa

A Autora atribuiu à presente ação o valor de € 17.500,00, o que corresponde às diferenças salariais computadas na Petição Inicial. O R.  não se opôs ao valor da causa oferecido pela A. Nos termos do nº 1 do artigo 31º do CPTA, o valor da causa é um valor certo, expresso em moeda legal e representa a utilidade económica imediata do pedido. Conforme viemos referindo, o Demandante formulou vários pedidos. Ainda nos termos do nº 7 do artigo 32º do mesmo Código, quando sejam cumulados na mesma ação vários pedidos, o valor da causa é a quantia correspondente à soma do valor desses pedidos. Ora, no que toca aos três primeiros pedidos, o Demandante pretende obter o pagamento de outras tantas quantias certas, a título de diferenças salariais. Por este motivo, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do mesmo Código, o valor da causa deverá corresponder ao somatório das diferenças salariais.

 

Quanto ao quarto pedido, como o Demandante pediu o pagamento de emolumentos pessoais não tendo dado qualquer noção quanto às quantias que poderiam estar em causa nem ao benefício económico que daí poderia resultar, pelo que o mesmo terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do nº 1 do artigo 34.º do citado Código, atribuindo-se-lhe o valor de € 30.000,01, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

No que respeita aos quinto e sexto pedidos, o Demandante pediu a declaração de inconstitucionalidade de preceitos legais e a repristinação de normas revogadas, com consequente reposicionamento remuneratório, não tendo dado qualquer noção quanto às quantias que poderiam estar em causa nem ao beneficio económico que daí poderia resultar, o valor da causa relativo a cada um desses pedidos terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do nº 1 do artigo 34º do citado Código, atribuindo-se-lhe o valor de € 30.000,01, nos termos do nº 2 do mesmo artigo.

Atendendo, porém, ao disposto no nº 7 do artigo 32º e aos objetivos expressos nos nº 2 e nº 4 do artigo 34.º citados, entende-se que o valor da presente causa deverá corresponder ao somatório dos valores dos três primeiros pedidos com o valor próprio dos pedidos de valor indeterminável.

Assim, deverá fixar-se à causa o valor de €47.500,01, nos termos das disposições conjugadas do nº 1 do artigo 31º, dos nº 1 e 7 do artigo 32º, dos nº 1, 2 e 4 do CPTA e dos nº 1 e 2 do artigo 306º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, bem como do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.

 

2.            Admissibilidade da ação:

As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade e encontram-se devidamente representadas por mandatários regularmente constituídos.

Decidindo agora as exceções deduzidas pela Ré.

             Incompetência do tribunal arbitral

Conclui-se desde já que o presente tribunal é competente. De acordo com a lei, os Estatutos do CAAD e o seu Regulamento, sua competência material inclui, nomeadamente, dirimir os litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público. E isto que resulta da alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º e da alínea c) do n.º 1 do artigo 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, conjugado com o disposto no n.º 2 do artigo 3.º dos Estatutos do CAAD.

Não obstante, a parte final da alínea d) do citado artigo 180º ressalva da competência do tribunal arbitral o julgamento de questões respeitantes a relações de emprego público quando "estejam em causa direitos indisponíveis".

A matéria que constitui o objeto do processo diz respeito a relações jurídicas de emprego, pelo que esse aspeto factual se mostra admitido por acordo das partes e o que está em causa é o alegado não pagamento de diferenças salariais para o montante previsto na legislação aplicável, pelo que se trata de uma prestação remuneratória. Como já ficou decidido em processos arbitrais relativos a objeto idêntico ao aqui colocado para resolução do Tribunal (processos nº 15/21-A e 82/21-A), no qual a defesa da Ré assentou precisamente nesta questão à qual este tribunal adere completamente, sufragando o entendimento ali vertido e que por isso se extrata por ser subscrita por este tribunal: “resulta manifesto que o Ministério ... encontra-se vinculado à jurisdição do CAAD através da Portaria n. º 1120/2009, de 30 de Setembro, no que respeita ao B..., I.P. [alínea j) do artigo 1.0], sendo que, essa vinculação diz respeito a litígios com valor igual ou inferior a € 150.000,000 e que tenham por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público [primeira parte da alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo 1.º], o que sucede neste caso quanto aos dois referidos aspetos. A segunda parte da mesma alínea a) do nº 2 do artigo 1º da citada Portaria reitera a ressalva consagrada na parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 180º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pelo que a vinculação não abrange questões sobre "direitos indisponíveis".

Quanto à questão de saber se estarão em causa direitos indisponíveis que façam aplicar a exceção da parte final da alínea d) do n.º 1 do artigo 180. º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e a segunda parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da Portaria citada, tem sido jurisprudência uniforme do CAAD que o que verdadeiramente se pretendeu subtrair à arbitrabilidade foi os litígios cujo objeto respeite a direitos absolutamente indisponíveis ou irrenunciáveis.

Aliás, se assim não fosse, não se compreenderia a diferença de redação entre a alínea c) do n.º 3 e a alínea a) do n.º 2 do artigo 1. º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, as quais demonstram à saciedade que a matéria das remunerações e dos suplementos não se encontrava abrangida pela alínea a) do n.º 2, pois, se o estivesse, não careceria de autonomização expressa.

Ora, "Na fixação do sentido e alcance da Lei, o interprete presumirá que o Legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube expritn.ir o seu pensamento em termos adequados" (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil).

Por isso, manifestamente não poderá entender-se que a matéria dos direitos indisponíveis abranja remunerações e suplementos remuneratórios.

Importa ainda referir que a questão da irrenunciabilidade da retribuição coloca-se essencialmente nas relações entre entidade empregadora e trabalhador e visa, de alguma forma, obstar à especial fragilidade do trabalhador no seu relacionamento direto com o empregador. Já não se coloca — ou, ao menos, não se coloca com a mesma acuidade — no caso de uma pretensão deduzida em Juízo ou perante um tribunal arbitral, em que o trabalhador se encontra representado por mandatário judicial ou pelos serviços jurídicos do seu sindicato e em que a decisão adjudicatória não compete a nenhuma das partes, mas a um Juiz, ou a um árbitro, imparcial, que decide de acordo com o direito constituído.

Adicionalmente e como já foi doutamente referido em outras decisões arbitrais do CAAD, está em causa a discussão são diferenças salariais correspondentes a uma parte muito inferior a um terço da remuneração mensal do Demandante. Por este motivo, o referido valor sempre deveria considerar-se incluído na esfera de disponibilidade do trabalhador, considerando que, nos termos do artigo 175.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, "O trabalhador não pode ceder, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos a remunerações na medida em que estes sejam impenhoráveis" (note-se que o preceito tem o mesmo sentido que o artigo 280.º do Código do Trabalho, embora este se encontre redigido pela positiva).

Tendo em conta que a impenhorabilidade da retribuição corresponde a um terço, com o mínimo do salário mínimo nacional, e o máximo de três salários mínimos nacionais (n.º 3 do artigo 738.º do Código de Processo Civil), segue-se que o trabalhador Demandante não está impedido de dispor das diferenças salariais que reclama nesta ação.”

 

Vai, consequentemente, indeferida a exceção de incompetência do tribunal arbitral como se deixou logo dito no início deste ponto.

             Por sua vez e que no que se refere ao direito ao recurso da decisão arbitral, ambas as partes estão de acordo quanto à recorribilidade da presente decisão, pelo que nada mais há a decidir quanto a esta questão.

Na sua Contestação, a Ré invoca, ainda, as exceções: (i) da intempestividade da instauração da presente ação; (ii) da impropriedade do meio processual.

Cumpre decidir as mesmas e para o efeito vai este tribunal aderir sem reservas às decisões já emanadas nos processos nº 15/21-A e nº 82/21-A, versando sobre o mesmo objeto e nos quais a mesma demandada deduziu, precisamente, a mesma defesa por exceção. Assim, a exceção de caducidade do direito de ação vai indeferida porquanto:

Alega o Demandado (…) que o Demandante pretende impugnar actos administrativos, que consistem na verificação do facto de se mostrarem reunidos os pressupostos previstos na lei para atribuição de certa quantia remuneratória a cada trabalhador.

Diga-se que, evidentemente, apenas estarão aqui em causa, nesta alegada excepção, os primeiros três pedidos, pois só estes seriam afectados pelo teor dos Docs. n.0s 2 a 4 juntos com a Contestação.

Nos termos do nº1 do artigo 41º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), "Sem prejuízo do disposto na lei substantiva e no capítulo seguinte, a acção administrativa pode ser: proposta a todo o tempo"

Portanto, a regra é a da propositura a todo o tempo das acções administrativas, com as excepções previstas na lei substantiva — nomeadamente os prazos de prescrição da responsabilidade civil — ou no capítulo do CPTA referente à impugnação dos actos administrativos, à condenação à prática do acto devido, à impugnação de normas e à impugnação de contratos, quando sujeitos a prazo (cfr., neste sentido, CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA E MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4. Edição, Coimbra, 2017, Almedina, p. 283).

Referem os mesmos Autores que “A circunstância de não estar, em regra, sujeita a prazo a dedução de pretensões relacionadas com atos administrativos, desde que não sejam de impugnação desses atos, explica que possam ser deduzidos, em regra sem dependência de prazo, pedidos condenatórios (ou de simples apreciação) respeitantes a situações constituídas por atos administrativos impugnáveis, desde que essas pretensões não visem obter a eliminação dos efeitos jurídicos dos atos em causa, mas a tutela de direitos ou interesses jurídicos afectados pelo desenvolvimento da situação jurídica constituída ao abrigo desses atos" (op. cit., p. 284).

Nos termos do artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo, consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta."

Dos actos alegados pelo Demandado, constata-se que nenhum deles produz efeitos jurídicos externos, na medida em que se trata de actos meramente internos. (…)

Além disso, o que o Demandante pede nos três primeiros pedidos não é a anulação nem a declaração de nulidade dos actos em causa. Apenas pede o reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas.

Por estes motivos não está em causa a impugnação de actos administrativos, mas apenas o reconhecimento de situações jurídicas subjectivas decorrentes de normas jurídico-administrativas nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 37. º do CPTA.

Diga-se, ainda, que as disposições legais que constituem a causa de pedir dos indicados pedidos nem sequer reclamavam da Administração a prática de qualquer acto administrativo, tal como não a habilitavam a sua prática.

Deste modo, mesmo que os actos descritos nos Docs. 2 a 4 juntos com a Contestação pudessem ser considerados actos administrativos — e já vimos que não podem — sempre teria de entender-se que a sua prática, desprovida de qualquer base legal, não poderia ter por efeito conduzir à caducidade do direito de acção, por parte do Demandante.”

Nestes termos considera-se improcedente, por não provada, a invocada exceção da intempestividade da instauração da presente ação.

             Não assiste também razão à Demandada no que se refere à invocada impropriedade do meio processual, aderindo-se sem reserva à fundamentação exarada naqueles processos supra identificados e que aqui se extrata: “No essencial, o Demandado entende que o meio processual adequado ao exercício do direito que o Demandante pretende fazer valer na presente acção seria a acção impugnatória e não a acção de reconhecimento de direitos. Tal como dissemos a propósito da excepção anteriormente apreciada, que aqui damos por reproduzido, o Demandado não demonstra que o exercício de qualquer dos direitos que o Demandante pretende fazer valer na presente acção careça da prévia prática de outros tantos actos administrativos. Além disso e como se referiu, a presente acção é idónea, como se vê da alínea f) do n. º 1 do artigo 37.0 do CPTA, para o efeito pretendido pelo Demandante.

Nestes precisos termos, improcede a invocada exceção da impropriedade do meio processual.

 

III - Do mérito da causa

 

A.           Identificação das questões a decidir.

As questões a decidir neste processo são as seguintes:

 

a)            saber se assiste, ou não, ao demandante o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da aplicação de índices salariais inferiores aos devidos e de integração na carreira especial de ... com remuneração de base inferior à devida;

b)           saber se deve à A. ser reconhecido o direito a ser colocada entre os níveis 31 e 35 e entre as posições 5 e 6 da Tabela Remuneratória Única, bem como a auferir as correspondentes diferenças salariais que quantifica em € 2.575,02, e condenado o Demandado no seu pagamento;

c)            saber se assiste, ou não, ao demandante o direito ao pagamento de diferenças a título de emolumentos pessoais, por virtude de alteração da proporção da distribuição dos mesmos, decorrente das correções resultantes da eventual procedência dos três primeiros pedidos;

d)           saber se os n. os 1 e 4 do artigo 10.º do decreto-lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, padecem das inconstitucionalidades invocadas, devendo ser afastada a sua aplicação, e, em consequência, deve ser repristinado regime de cálculo da participação emolumentar anteriormente vigente, pagando ao demandante as diferenças salariais daí resultantes

e)           saber se existe o direito à repristinação de legislação anterior

 

B. Fundamentação

Passemos agora ao conhecimento dos pedidos formulados pelo Demandante.

i) Factualidade

Face ao alegado por ambas as partes e aos documentos juntos, considera-se assente a seguinte factualidade, com interesse para a decisão do pleito:

a) - A Autora é... , exercendo funções em mobilidade na Conservatória ... de ... e ingressou na função pública em 13.10.1986.

b) - Por despacho da subdiretora Geral, de 05.07.1996, publicitado no D.R., nº 242, de 18-10.1996, a Autora foi nomeada escriturária, da Conservatória ... de ..., lugar que aceitou em 18.10.1996, tendo exercido tais funções até 01.10.2000.

c) - Por despacho da subdiretora geral, de 9.10.1997, publicitado no D.R. Nº 250, de 28.10.1997, a referida nomeação foi convertida em definitiva com efeitos a 18.10.1997.

d) - Em 2000 a Autora auferia pelo 2.º escalão índice 165.

e) - Em 28.09.2000, a Autora foi nomeada escriturária, da Conservatória ... de ..., lugar que tomou posse 02.10.2000 (funções que exerceu até 07.03.2002).

f)- Por despacho do Diretor Geral, de 15.02.2002, publicitado no D.R., n.º 57, de 08.03.2002, foi nomeada 2ª ajudante da Conservatória do ... de ..., lugar de que aceitou, em 06.03.2002 (funções que exerceu até 30.05.2005), passando a auferir pelo índice 210 do 1.º escalão;

g)- Em 07.03.2005 a Autora auferia pelo índice 225 do 2º escalão.

h)- Por despacho do Diretor Geral de 24.05.2005, foi destacada para idêntico lugar, da Conservatória do ... de ..., com efeitos a 01.06.2005, data da tomada de posse na Conservatória ... de ..., funções que exerceu até 31.07.2005.

j)- Por despacho do Diretor Geral, de 02.05.2005, publicitado no D.R., n.º 100, de 24.05.2005, foi nomeada 1ª ajudante da Conservatória ... de ..., lugar de que aceitou, em 01.06.2005, funções que exerceu até 19.09.2012, passando a auferir pelo índice 225 do 1º escalão

k)- Por portaria no 298/2012, de 01.10.2012, a Conservatória ... de ... foi extinta, ficando integrada na Conservatória ... de ..., com efeitos a 20.09.2012.

l)- Por despacho do senhor presidente, de 20.11.2012, foi autorizada a exercer funções em regime de mobilidade na categoria na Conservatória ... de ..., com efeitos a 01.12.2012, tendo sido sucessivamente prorrogada até 31.12.2020.

m)- Em 01.01.2018 a Autora auferia pelo índice 265 do 2º escalão

n)- a Autora transitou para a carreira/categoria de ..., com efeitos reportados a 01.01.2018, e ocupando, nessa conformidade, o posto de trabalho na Conservatória ... de ... .

o)- Em 01.01.2019 a Autora auferia pelo índice 280 do 3º escalão

p)- A autora exerce as funções de substituta legal do Conservador, é a que tem melhor avaliação, tem competências delegadas no Balcão de Heranças e Divórcio com partilha e nacionalidade, tendo ainda a seu cargo a contabilidade diária e mensal, trata do encerramento do mês, dos vencimentos, do controlo de faltas, das férias e licenças, das compras eletrónicas, da estatística e comunicações obrigatórias, do ajuste direto (SOU B...), do fundo de maneio, controlo dos stocks existentes, administração

do SIGA.

q)- A título de vencimento de categoria e de exercício, auferiu mensalmente os valores que constam da nota biográfica que aqui se dão por reproduzidos até por não terem sido impugnados pela Ré.

r) - A partir de 2020 a Autora passou a auferir mensalmente o valor de €1.928,13, que se situa entre o nível 27 e 31 e entre a posição 4ª e 5ª, do anexo II, do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro 1 e 2 da tabela remuneratória única.   

s) Do vencimento da A. fazem parte o salário de categoria e de exercício em proporções iguais

 

Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos.

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou dos documentos juntos com a Petição Inicial e não impugnados, em especial o Doc. nº 1 registo biográfico da A., mas também dos Doc. 2 a 4.

A convicção do Tribunal resultou também da sua admissão por acordo, face à sua junção com a Petição Inicial e à sua não impugnação na Contestação.

 

ii) Do direito

 

Dos primeiros dois pedidos (a e b).

 Neste ponto declaramos já que vamos aderir de modo completo à fundamentação jurídica que foi emanada nos processos arbitrais supra referidos por concordar inteiramente com a mesma e, por isso, se sufraga aqui na integra o entendimento jurídico feito das normas em questão em matéria que em tudo é idêntica à questão aqui em julgamento.

Por isso extratamos aqui o que nessas decisões é vertido:

“Apreciemos agora as questões decidendas supra identificadas. A primeira é a de saber se assiste, ou não, ao Demandante o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da aplicação de índices salariais inferiores aos devidos e de integração na Carreira Especial de ... com remuneração de base inferior à devida

No fundo, a discrepância que fundamenta esta questão e os três primeiros pedidos formulados pelo Demandante resulta do facto de o Demandado não ter aplicado as alterações dos índices dos Escalões da Carreira de ... decorrentes da entrada em vigor, respectivamente, em 1 de Janeiro de 2000, do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio; em 1 de Janeiro de 2001, do Decreto-Lei n.º 77/2001, de 5 de Março; em 1 de Janeiro de 2002, do Decreto-Lei n.0 23/2002, de 1 de Fevereiro; em 1 de Janeiro de 2003, do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de Março; e em 1 de Janeiro de 2004, do Decreto-Lei n.º 57 / 2004, de 19 de Março.

Diga-se, a este propósito, que não assiste qualquer razão ao Demandado quando alega (…) que a escala indiciária prevista no Mapa II do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de Abril, nunca teria sido alterada até esse diploma ter sido revogado pelo Decreto-Lei n.0 145/2019, de 23 de Setembro. Tal alegação terá ficado a dever-se a uma interpretação peculiar das pertinentes disposições — nomeadamente do n.º 1 do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio, segundo o qual " Aos escalões da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial a que correspondem os índices constantes da coluna 1 passam, a partir de 1 de Janeiro de 2000, a corresponder os índices constantes da coluna 2"  quando conjugadas com os n.ºs 2 e 3 do artigo 7. º do Código Civil, pois estão em causa diplomas posteriores ao Decreto-Lei n.º 131/91, de idêntica hierarquia, que consagram regime incompatível com o anterior — dizer que o índice 150 passa a 152 é incompatível com a manutenção do índice 150 — e onde é inequívoco que se pretendeu abranger as leis especiais, caso contrário não se teria feito alusão às carreiras de regime especial.”

 

Assim, o que resulta dos autos é que: 

Em 2000, a Autora, colocada no 165 devia ter sido remunerada pelo índice 166

Em 2001, a Autora, colocada no 165 devia ter sido remunerada pelo índice 167

Em 2002, a Autora colocada no € (índice 210 posição 1) devia ter sido remunerada pelo

índice 211.

-Em 2003, a Autora deveria ter sido remunerada pelo índice 214.

- em 2004, a Autora deveria ter sido remunerada pelo índice 218.

- em 2005, a Autora recebeu €651,69 (índice 214) nos meses de Janeiro a Março. Em Março, a Autora foi promovida para 1.ª Ajudante e passou a receber €713,61 (índice 225 escalão 2) nos meses de Abril e Maio, e em Junho passou para índice 255 escalão 1, passando a receber €808,76 nos restantes meses. Nesse ano, o índice 100 manteve-se, mas a Autora deveria ter recebido €691,41 (porque o índice 214 passou para o índice 218) nos meses de Janeiro a Março, e € 738,98 (porque o índice 225 passou 233) e €837,30 (porque o índice 255 passou para 264) pelo que a diferença é de €423,59 (que corresponde a €39,72 multiplicada por 3 meses + €25,37 multiplicada por 3 meses + €28,54 multiplicada por 8 meses).

- em 2006, a Autora colocada no (índice 255) devia ter sido remunerada pelo índice 264.

- entre 2007 a 2017 a autora tinha direito a ser remunerada pelo índice 264 (índice 264),

- em 2018, a Autora transitou para a carreira/categoria de 1.º Ajudante índice 265 escalão 1, tendo auferido €918,27. Nesse ano, não houve atualização do índice 100. No entanto, o escalão pelo qual a Autora deveria ver a sua remuneração calculada era pelo 274,

- em 2019, a Autora transitou para a carreira/categoria de 1.º Ajudante índice 280 escalão 3. No entanto, o escalão pelo qual a Autora deveria ver a sua remuneração calculada era pelo escalão 290.

 

Conclui-se que enquanto se registou uma evolução dos índices a Ré continuou a remunerar o Demandante por aqueles índices em que a A. havia sido anteriormente colocada.

Pelo que como constadas sentenças supra identificadas se compreende, tendo o Demandado remunerado a A. geralmente por índice inferior àquele que era devido, naturalmente são devidas a este as diferenças salariais correspondentes.

Assim, partindo do vencimento da A. e do vencimento do índice no qual devia ter sido colocada verifica-se que:

Em 2000: a Autora recebeu 96.400$00 (índice 165 posição 2), ou seja, €480,84 mas deveria ter recebido 97.084,84$00 (índice 166), ou seja €484,26 Assim, recebeu a menos €3,42 X14 meses (incluindo subsidio de natal), ou seja, no valor total de 47,88

- em 2001: a Autora recebeu mensalmente em média 100.000$00 (índice 165 posição 2) ou seja, €498,80 – em face da atualização do índice 100 –, mas deveria ter recebido €504.37 (porque o índice 165 passou para o índice 167). Recebeu a menos €5,57 x 14 meses, o que perfaz €78,02

- em 2002: a Autora recebeu 498,83€ nos meses de Janeiro e Fevereiro e€651,69 nos restantes meses (índice 210 posição 1) – em face do aumento do índice 100 –, mas deveria ter recebido €524,45 (índice 169) e €654,79 (índice211). Recebeu a menos €25,62 x 2 meses e €3,1x12, o que perfaz o valor de €88,44.

- em 2003: a Autora recebeu €651,69. Nesse ano, o índice 211 do escalão 1 atualizou para 214, pelo que a Autora deveria ter recebido €664,10. Pelo que recebeu a menos €12,41x 14 meses, ou seja, €173,82.

- em 2004, a Autora recebeu €651,69. No entanto, nesse ano, o índice 214 foi atualizado para 218. Pelo que deveria ter recebido €676,51. A diferença é de 24,82€ multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de €347,48.

- em 2005, a Autora recebeu €651,69 (índice 214) nos meses de Janeiro a Março. Em Março, a Autora foi promovida para 1.ª Ajudante e passou a receber €713,61 (índice 225 escalão 2) nos meses de Abril e Maio, e em Junho passou para índice 255 escalão 1, passando a receber €808,76 nos restantes meses. Nesse ano, o índice 100 manteve-se, mas a Autora deveria ter recebido €691,41 (porque o índice 214 passou para o índice 218) nos meses de Janeiro a Março, e € 738,98 (porque o índice 225 passou 233) e €837,30 (porque o índice 255 passou para 264) pelo que a diferença é de €423,59 (que corresponde a €39,72 multiplicada por 3 meses + €25,37 multiplicada por 3 meses + €28,54 multiplicada por 8 meses).

- em 2006, a Autora recebeu €820,90 (índice 255). Nesse ano, apenas o índice 100 foi atualizado. Pelo que o Autor teria direito a receber €849,87 (índice 264). Mas como anteriormente estava mal calculado, a diferença é de €28,97 multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de €405,58.

- em 2007, a Autor recebeu €833,21. Nesse ano, apenas o índice 100 foi atualizado. Assim, a Autora tinha direito a receber €862,62 (índice 264), pelo que a diferença é de €29,41 multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de €411,74.

- em 2008, a Autora recebeu €850,71. Nesse ano, apenas o índice 100 foi atualizado. Pelo que a Autora tinha direito a receber €880,73 (índice 264), sendo a diferença de €30,02. Isso multiplicado por 14 meses perfaz o valor de €420,28.

- em 2009, a Autora recebeu €875,36. Nesse ano, apenas o índice 100 foi atualizado. Pelo que a Autora tinha direito a receber €906,26 (índice 264) pelo que a diferença é de €30,90, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de €432,60.

- entre 2010 a 2017, o índice 100 não foi atualizado. A Autora recebeu €875,36. Mas como devia receber €906,26 anteriormente, a diferença anual é de €432,60 multiplicada por 8 anos, perfaz o valor de €3.460,08.

- em 2018, a Autora transitou para a carreira/categoria de 1.º Ajudante índice 265 escalão 1, tendo auferido €918,27. Nesse ano, não houve atualização do índice 100. O escalão pelo qual a Autora deveria ver a sua remuneração calculada era pelo 274, ou seja, no valor de 940,59€, pelo que a diferença mensal é de €22,32 multiplicada por 14 meses é de €312,48.

- em 2019 , a Autora transitou para a carreira/categoria de 1.º Ajudante índice 280 escalão 3, tendo auferido €939,72 e €929,72 em Dezembro. No entanto, o escalão pelo qual a Autora deveria ver a sua remuneração calculada era pelo escalão 290, pelo que a Autora deveria ter recebido €995,51 pelo que a diferença mensal é de €55,79 multiplicada por 13 meses mais € 34,33 relativo ao mês de dezembro, perfaz a quantia de €759,60.

Tudo o que precede verifica-se também quanto ao vencimento no exercício.

 

Assim, e em resumo, deverá o Demandado pagar ao Demandante a quantia de euros 7362,29 € a título de diferenças salariais quanto ao vencimento de categoria e subsídios de férias e de Natal, discriminadas nos termos supra expostos e ainda mesmo valor a de salário de exercício.

Em face do que antecede, são julgados procedentes os dois primeiros pedidos formulados pela A. nos precisos termos em que o foram. 

No que diz respeito ao pedido formulado sob a al. c), o mesmo, em face da procedência dos pedidos anteriormente apreciados só pode vir a ser também julgado procedente. Com efeito, atentas alterações salariais que deveriam ter sido feitas em todos e cada um dos anos em causa nos presentes autos e incluídos nos pedidos formulados resulta evidente que a A. tem direito a ser reposicionada não nos lugares que lhe foram atribuídos em 2020, mas nos superiores que reclama.

Assim, e ainda usando aqui a fundamentação que foi expendida na decisão 82/21-A sobre a mesma e precisa questão:

“Nos termos do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, que produziu efeitos a 1 de Janeiro de 2020 (n.º 1 do 15. º do mesmo diploma), a remuneração de base, para efeitos de reposicionamento remuneratório na Carreira Especial de ..., é a resultante do somatório do vencimento de categoria e do vencimento de exercício a que os trabalhadores tenham direito na data da entrada em vigor do mesmo diploma.

Nada dizendo o Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, quanto à data da sua entrada em vigor, deve considerar-se que a mesma ocorreu no dia 28 de Setembro de 2019, nos termos do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, na sua redacção actual.”

No caso concreto, o Demandado reposicionou a Demandante na nova Carreira e categoria entre as posições remuneratórias 4 e 5 entre o nível 27 e 31.

Os valores remuneratórios que deviam ter sido pagos à A. deveria o Demandado ter colocado a Demandante entre o nível 31 e 35 e entre as posições 5 e 6 da TRU, uma vez que à mesma deveria ser considerado o vencimento de €2.050,75 (995,51 x 2 + 3%) tudo nos termos das disposições conjugadas dos n. ºs 2, 3 e 4 do artigo 10. 0 do citado Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.

Pelo exposto e sem mais considerações deve também proceder o pedido formulado sob al. c) da petição inicial, condenando-se a Ré a reconhecer direito da Autora a receber €2.050,75 que se situa entre os níveis 31 e 35 e entre as posições 5.º e 6.º da TRU e a título de diferenças e a pagar a mesma quantia à A.

 

No que se refere ao pedido formulado sob d) da petição inicial.

 

O Demandante, quanto a este aspeto apenas alega, em resumo, que, estando os ordenados mal calculados, igualmente estarão incorretamente calculados os emolumentos pessoais, porque os mesmos são pagos na proporção dos ordenados.

Adiante-se, desde já, que não lhe assiste razão.

Com efeito, e aderindo ao entendimento vertido nas decisões 15/21-A e 82/21-A que aqui se transcreve: “para que tal pretensão pudesse proceder seria necessário demonstrar que o facto de o vencimento de categoria ou, em certos casos, o ordenado do Demandante estar mal calculado influiu necessariamente na proporção da distribuição dos emolumentos pessoais.

Para esse efeito, teria de demonstrar que os ordenados dos demais trabalhadores da repartição — e indicar quantos eram em cada momento — estavam bem calculados — ou pelo menos os ordenados de alguns, caso em que teria de refer.fr os outros cujos ordenados estariam também mal calculados — para que daí pudesse resultar uma possível alteração da proporção distributiva.

Não só não o fez como, além disso, os elementos carreados para os autos — inclusive um pedido de apensação de vários processos similares ao presente, que foi indeferido pelo Senhor Presidente do CAAD — indiciam que o Demandado não terá calculado mal apenas os ordenados do Demandante, mas também os ordenados de muitos outros funcionários em idênticas circunstâncias, muito provavelmente, todos (veja-se, por exemplo, o teor dos Docs. n. ºs 2 e 3 juntos com a Contestação).

Assim, nada indicia minimamente nem permite concluir que tenha havido uma desproporção desfavorável à A.

Pelo exposto, este quarto pedido terá necessariamente de improceder.

Do pedido formulado em e)

Por último, a terceira questão decidenda consiste em saber se os nº 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, padecem das inconstitucionalidades invocadas, devendo ser afastada a sua aplicação, e, em consequência, deve ser repristinado regime de cálculo da participação emolumentar anteriormente vigente, pagando ao Demandante as diferenças salariais daí resultante. Dir-se-á desde já que não assiste razão à A. nesta pretensão, aderindo este tribunal na íntegra à fundamentação exarada em qualquer uma das decisões arbitrais supra exaradas que se passa a transcrever:  (….)os pedidos que formulados são incongruentes com os três primeiros pedidos formulados na Petição Inicial e que supra se considerou procedentes. Comecemos pelo final: Foi considerado provado — mediante alegação do Demandante nesse sentido — que o Demandado ao longo de todos estes anos — excepção feita ao ano de 2002, mas que foi corrigida no acima fundamentado — sempre remunerou o Demandante com um vencimento de exercício de valor igual ao do vencimento de categoria. Isto significa que, mesmo até Outubro de 2001, em que os emolumentos poderiam variar em função do trabalho desenvolvido no serviço, o Demandante nunca prestou trabalho em quantidade e qualidade que justificasse um vencimento de exercício superior ao mínimo.

Por outro lado, o Demandante não alega nem demonstra que qualquer trabalhador da mesma Carreira e Categoria e com a mesma antiguidade ou mais moderno aufere, desde 1 de Janeiro de 2020, uma remuneração de base superior à sua e que, auferindo-a, tal não ficou a dever-se a trabalho diferente em quantidade e qualidade ou, dito de outro modo, que o Demandante prestou trabalho em quantidade e qualidade idênticas ao desse trabalhador mais moderno ou de idêntica antiguidade.

Alega também o Demandante que terá sido o artigo 10. º do Decreto-Lei n. º 145/2019, de 23 de Setembro, que perpetuou a ficção da participação emolumentar iniciada, transitoriamente, com a Portaria n. º 1448/2001, de 22 de Dezembro. Todavia, discordamos dessa posição, na medida em que, manifestamente, essa perpetuação começou com a Portaria n. 0 29/2011, de 11 de Janeiro, e continuou com o artigo 27. º da Lei n. 0 42/2016, de 28 de Dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2017.

Com efeito, em vez de uma prorrogação geralmente anual, aqueles diplomas, prorrogaram, em duas penadas, a vigência do regime por mais oito anos, além de que o Parlamento não disse no mencionado artigo 27.º que, com a nova Carreira de ..., seria abandonada a solução adoptada em 2001.

O que o Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, fez foi, tão-só aproveitar os montantes do vencimento de categoria e do vencimento de exercício efectivamente pagos em função do concreto posto de trabalho e considerar o seu somatório para efeitos de reposicionamento remuneratório.

E, ao contrário do que alega o Demandante, tal não sucedeu apenas à luz do princípio do não retrocesso social, mas sim também à luz dos princípios da neutralidade orçamental na transição e da sustentabilidade remuneratória, impostos, quer pelo n.º 2 do artigo 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, quer pelo artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

Não pode, por isso, afirmar-se que uma eventual — e não demonstrada — diferença de tratamento entre o Demandante e outro qualquer ..., decorrente do disposto nos nº 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de Setembro, carece de justificação objectiva bastante, pois esta existe e decorre de Leis anteriores a que o Decreto-Lei em causa devia respeito.

Nem pode, por isso, dizer-se que se trata de uma solução arbitrária ou excessiva. De resto, a solução preconizada pelo Demandante seria evidentemente inadequada para, simultaneamente, observar simultaneamente os três referidos princípios, pois, a existirem Oficiais de Registos com vencimento de exercício superior ao mínimo — 100% do vencimento de categoria — facto que o Demandante nem sequer alega de modo suficientemente concreto, tal significaria que aqueles que auferiam vencimento de exercício pelo mínimo passariam a auferir pela média, mas aqueles que auferiam acima da média passaram a auferir menos — o que prejudicaria a aplicação do princípio do não retrocesso salarial — ou, para estes Oficiais continuarem a auferir o mesmo, ficariam prejudicados, quer o princípio da neutralidade orçamental quer o princípio da sustentabilidade da evolução remuneratória.

Ora, como se referiu, o Demandante não suscitou verdadeiras questões de constitucionalidade nem apreciou se, existindo restrições ou violações de princípios constitucionais, as mesmas eram, ou não, necessárias, adequadas e não excessivas.”

Em face do que antecede, não se considera verificada a arguida inconstitucionalidade, pelo que os pedidos subsequentemente formulados na petição inicial por serem dependentes daquele deverão também eles improceder.

IV – Decisão

Face às considerações que antecedem, decido julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência:

Condenar o Demandado a reconhecer à A. o direito a auferir o valor de €7.362,90 a título de diferenças de vencimento de categoria e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia;

Condenar o Demandado a reconhecer à A. o direito a auferir o valor de €7.362,90 a título de diferenças de vencimento de exercício e o Réu seja condenado no pagamento de tal quantia e ainda a recalcular corretamente o vencimento de exercício da Autora;

Condenar o Demandado a pagar à A. o valor de €2.050,75 que se situa entre os níveis 31 e 35 e entre as posições 5.º e 6.º da TRU e a título de diferenças de vencimento o valor de €2.575,02.

Absolver o Demandado do pedido de reconhecimento do direito do Demandante a receber emolumentos pessoais em falta, a calcular por aquele;

Absolver o Demandado do pedido de afastamento da aplicação dos n.ºs 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, por alegada inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações;

Absolver, consequentemente, em virtude da improcedência do pedido anterior o Demandado do pedido de repristinação do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro e do pedido subsidiário ali formulado.

Registe e notifique.

 

Caad, 12 de abril de 2022

 

A Árbitro

(Maria Elizabeth Moreira Fernandez)