Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 86/2021-A
Data da decisão: 2022-02-07  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Emprego público – alterações remuneratórias.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Questão prévia: apensação processual

 

                Relativamente ao processo mencionado em epígrafe, foi solicitado pelos Demandantes, na respetiva PI, a apensação do presente processo àquele outro que corre termos neste mesmo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), sob o número 37-2021-A.

Através do Despacho n.º 1 e uma vez que o Demandado não se havia pronunciado acerca desta solicitação na respetiva contestação, foi este último notificado para o efeito.

Em face da ausência de pronúncia do Demandado, foi prolatado o Despacho n.º 2, cujo teor aqui se reproduz parcialmente:

“Dispõe o art.º 13.º, n.º 1, do Regulamento do CAAD que a apensação pode ser ordenada quando “as questões de direito a decidir forem comuns a diferentes arbitragens”.

Nos termos da citada disposição regulamentar, a faculdade de ordenar a apensação pertence, desde logo ao CAAD (antes de constituído o tribunal, e salvo oposição das partes), mas igualmente ao próprio tribunal, após a respetiva constituição.

                Cotejando ambos os processos anteriormente identificados, comprovamos a absoluta similitude entre ambos, verificamos a absoluta similitude dos tríplices pedidos formulados em cada um deles:

                a) constituir a Demanda no dever de praticar todos os atos, jurídicos e materiais, destinados a efetivar, de facto e de direito, um direito efetiva e integralmente reconhecido de reposicionamento remuneratório dos Demandantes (com efeitos entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de janeiro 2017);

                b) condenação da Demandada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória no valor de €66,50 por cada dia de atraso no cumprimento da decisão; e

                c) condenação da Demandada no pagamento das custas do processo.

                Note-se, ainda, que ambos os processos os Demandantes expressamente afirmam não pretenderem a condenação da Demandada na prática de qualquer ato administrativo.

                Em suma, o que diverge são apenas os Demandantes, pelo que se afiguram preenchidos os requisitos plasmados no n.º 1 do art.º 13.º do Regulamento do CAAD, pelo que, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do mesmo art.º 13.º, se determina a apensação dos presentes autos aos que correm termos sob o n.º 37-2021-A”.

                Sucede, porém, que, como bem fez notar a Ex.ma Juíza Árbitra do Processo n.º 37-2021-A, o critério erigido para determinação da apensação não é o da prioridade da entrada das ações em juízo, mas antes da constituição do Tribunal Arbitral, como resulta inequivocamente do n.º 3 do art.º 13 Regulamento da Arbitragem Administrativa do CADD (doravante RCAAD) em vigor.

                Ora, tendo o Tribunal Arbitral respeitante do Processo n.º 86/2021-A sido constituído em 7/10/2021, constatou-se que nessa data ainda se não achava constituído aquele outro relativo ao Processo n.º 37-2021-A

                Assim sendo, proferiu este Tribunal o Despacho n.º 3, nos termos do qual se determinou que “deverá ser o Processo n.º 37-2021-A ser apensado aos presentes autos”, decisão esta que não mereceu a oposição de nenhuma das Partes.

 

II – As exceções invocadas pelo Demandado Ministério  F...

 

1. Incompetência do Tribunal

 

                A vinculação da Demandada à jurisdição do CAAD afere-se à luz da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, de acordo com a qual a B... se encontra vinculada à jurisdição do CAAD para composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros e que tenham por objeto, entre outras, questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional (art.º 1.º, n.ºs 1 e 2).

                Todavia, esta vinculação contempla algumas exceções ou salvaguardas, de entre as quais avulta, com particular relevância para o presente caso, o consagrado no n.º 3 do mesmo art.º 1.º, que assim reza:

“Tendo em conta a natureza do vínculo de nomeação da relação jurídica de emprego público e as funções em causa, o disposto no número anterior é aplicável aos litígios relativos às carreiras de inspecção da Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça, de investigação criminal da B... e do pessoal do corpo da guarda prisional da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais excepto no que respeita a:

a) Avaliação do desempenho profissional;

b) Ingresso, acesso e progressão nas carreiras;

c) Remunerações e suplementos;

d) Questões de âmbito disciplinar.”

 

Ora, na perspetiva do Demandado, relativamente ao Demandante A..., em virtude de este ser detentor da categoria de Inspetor da carreira de investigação criminal (ao contrário dos demais Demandantes, pertencentes a carreiras de apoio à investigação criminal) e por estar em causa um litígio, simultaneamente, do foro remuneratório e atinente à progressão nas carreiras, o CAAD não seria competente.

                Conclui, por isso, o Demandado que “considerando o disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, o CAAD carece de competência para a resolução do presente litígio na parte que respeita ao Demandante A... por este ser detentor de categoria inserida na carreira de investigação criminal da B... e por a matéria em causa nestes autos se prender com a progressão nas carreiras, situação que integra uma exceção quanto à competência do CAAD.”.

                Pelo exposto e estribando-se na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e da alínea a) do artigo 577.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do artigo 1.º do CPTA, invoca o Demandado a exceção dilatória de incompetência do tribunal (apenas relativamente ao mencionado Demandante), rematando que “A verificação de exceção dilatória obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância, o que desde já se requer no que respeita ao Demandante A... por se verificar a exceção da incompetência do CAAD, nos termos previstos na alínea b) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, na alínea a) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA e alínea a) do artigo 577.º do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA.”.

                Dúvidas não parecem restar que, integrando o assinalado Demandante A... a carreira de investigação criminal da B..., o presente Tribunal (ou qualquer outro constituído no âmbito do CAAD) será incompetente, à luz do n.º 3 do art.º 1.º da citada Portaria n.º 1120/2009, por estarem em causa matérias do foro remuneratório de progressão na carreira.

                Todavia, não existe qualquer prova no processo que o mencionado A... pertença, na presente data, à carreira de investigação criminal da B..., nem que a ela pertencesse à data dos factos a que se reporta a presente ação.

                A este respeito, diga-se que se nos afigura irrelevante que, no momento atual, o sobredito funcionário integre a carreira de investigação criminal, porquanto a factualidade (e o respetivo enquadramento jurídico) em apreciação nestes autos reporta-se ao período anterior a 1/1/2011, porventura com reflexos até 2018.

                Releva, por isso, a carreira profissional em que se encontra inserido o funcionário sobretudo no período anterior a 2011 e, a este propósito, dúvidas não restam que ainda em 2016 e 2017 o mesmo se encontrava na carreira de especialista de adjunto, aí se encontrando igualmente no final de 2010, conforme se alcança das listas de antiguidade de 2016 e 2017 juntas pelo Demandado conjuntamente com a respetiva contestação.

                Em face do exposto, não se antolha qualquer incompetência do Tribunal para apreciar e julgar o pedido formulado pelo Demandante A..., improcedendo, por isso, a exceção dilatória invocada pelo Demandado.

 

2. Caso julgado

 

                No que tange aos Demandantes C..., D... e E..., vem o Demandado pugnar pela procedência da exceção do caso julgado, com fundamento na prévia existência de um processo (Processo n.º 99-2018-A CAAD) com idênticos pedido e causa de pedir, no qual os aludidos trabalhadores figuravam igualmente como Demandantes.

                Mais ainda, alega o Demandado que a decisão nesses outros autos “foi objeto de recurso pelos Demandantes para o TCA Sul, onde lhe foi atribuído o n.º 3/2019.1BCLSB, não tendo o recurso sido admitido. Esse processo encontra-se concluído e transitado em julgado com decisão favorável ao Demandado Ministério J... .”.

                Contudo, não faz o Demandado qualquer prova (prova essa a seu cargo, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil) do trânsito em julgado da decisão proferida no Processo n.º 99-2018-A.

                Dito isto, não se ignora que o conhecimento das exceções dilatórias, como o caso julgado, é oficioso (art.º 578.º do CPC), mas em face da não publicação de todas decisões proferidas pelos Tribunais Centrais Administrativos (pese embora a imposição legal nesse sentido plasmada no n.º 3 do art.º 30.º do CPTA), comprova-se que a aludida decisão do TCAS não é pública, não se podendo, por isso, comprovar que o processo já tenha transitado em julgado.

                Isto posto, tal não significa que a existência de um outro processo judicial ou arbitral com idênticos Demandantes, pedir e causa de pedir não possa originar a não apreciação do mérito da causa nos presentes autos, relativamente a esses Demandantes coincidentes, por força da exceção da litispendência (cfr. art.ºs 89, n.º 4, alínea l) do CPTA e art.ºs 577.º, alínea i) e 580.º do CPC).

                Para aquilatar da procedência da exceção da litispendência, importará verificar se os assinalados 3 Demandantes nos presentes autos (C..., D... e E...) também foram naqueles outros que correram termos neste mesmo CAAD sob o n.º 99/2018-A.

                Ora, a consulta destes últimos autos permite constatar a qualidade de Demandantes dos aludidos trabalhadores, destarte conduzindo inelutavelmente à procedência da exceção de litispendência, quanto aos mesmos Demandantes, nos presentes autos, com fundamento no disposto nos art.ºs 89.º, n.º 4, alínea l) do CPTA e 577.º, alínea i) e 580.º do CPC), estes últimos aplicáveis por remissão do art.º 1.º do CPTA).

               

III – Das Partes, do Tribunal Arbitral e do saneamento processual

 

São Demandantes na presente ação arbitral (rectius, nos processos n.ºs 37-2021-A e 86-2021-A) G... e 34 outros, todos eles trabalhadores da B....

O Demandado é, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 10.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o Ministério F... .

 

A legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada, ancora-se no disposto no art.º 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt/) e no Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de Fevereiro de 2009, página 6113.

 

A vinculação da Demandada ao CAAD emerge do disposto no art.º 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, conjugado com o art.º 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro.

No que especificamente respeita à B..., esta encontra-se expressamente mencionada na alínea d) do art.º 1.º da citada Portaria.

A vinculação da Demandada à jurisdição do CAAD abrange “litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros” e que, entre o mais, tenham por objeto “questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”.

 

Em suma, ambas as Partes são legítimas, não apenas por serem parte na relação material controvertida, mas ainda porque:

a) o objeto da pretensão do Demandante enquadra-se no âmbito da vinculação da Demandada à jurisdição do CAAD;

b) o valor da presente ação (€30.000,01 – trinta mil euros e um cêntimo) não excede o valor da vinculação da Demandada à jurisdição do CAAD.

 

Nos termos do artigo 27.º, n.º 2, do RCAAD “se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelos tribunais de 1.ª instância.”.

Nenhuma das Partes exerceu o direito de renúncia ao recurso da presente decisão arbitral, tendo aliás o Demandado enfatizado (art.º 55.º da Contestação) essa possibilidade de recurso, ao asseverar que “ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 39.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro, o Demandado faz constar que não prescinde da possibilidade de recurso para o tribunal estadual competente.”.

Nesta conformidade e de acordo com o preceito transcrito, da presente decisão arbitral caberá recurso nos precisos termos em que o mesmo pode ser interposto de uma decisão de 1.ª instância dos tribunais judiciais administrativos e fiscais.

 

Este Tribunal Arbitral, constituído em 7 de outubro de 2021, é composto por um Árbitro, conforme dispõe o art.º 15.º, n.ºs 1 e 2, do RCAAD, tendo o signatário sido designado como Árbitro para apreciar e decidir a presente causa nos termos do mesmo Regulamento.

 

                No já citado Despacho n.º 3, o Tribunal pronunciou-se nos seguintes termos relativamente à ulterior tramitação processual:

“Da análise dos autos, comprova-se:

a) a ausência de requerimentos probatórios apresentados por qualquer das Partes, designadamente de prova testemunhal;

b) a competência do Tribunal;

c) a capacidade judiciária das Partes; e

d) a ausência de invocação de exceções, nulidades ou incidentes processuais (com exceção da já aludida e esclarecida questão da apensação de processos)

Nesta conformidade e nos termos do n.º 4 do art.º 18.º e no 4 do art.º 7.º do RAA, entende o Tribunal que os ulteriores termos do processo arbitral se poderão basear na prova documental já produzida e nos restantes elementos juntos ao processo, com dispensa de realização de diligências adicionais, nomeadamente da audiência de julgamento e da produção de alegações finais, notificando-se as Partes para se pronunciarem sobre esta tramitação dos autos no prazo de 10 dias.

No mesmo prazo de 10 dias, deverão as Partes pronunciar-se acerca da pertinência da realização de uma tentativa de conciliação, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 18.º do RAA, conjugado com o n.º 4 do art.º 7.º do mesmo Regulamento.”

 

Notificadas do mencionado Despacho n.º 3, ambas as Partes comunicaram a sua não oposição a que os autos prosseguissem os respetivos termos baseados na prova documental já produzida (n.º 4 do artigo 18.º do RCAAD), com dispensa da tentativa de conciliação e da realização das demais diligências adicionais.

 

IV – Breve síntese da posição das Partes e circunscrição do objeto da decisão

 

1. Posição dos Demandantes

 

                Os Demandantes instauraram a presente ação, sumariamente, nos seguintes termos e com os fundamentos que abaixo se expõem.

 

                1. Todos os Demandantes reuniam as condições de facto e de direito para progredirem no escalão no decurso do mês de dezembro de 2010, progressão essa que até 31 de dezembro de 2017 não operou os respetivos efeitos na sua plenitude por o Demandado não ter dado cumprimento às disposições legais que o determinavam.

 

2. Assim, até dezembro de 2017, os Demandantes viram coartado o seu direito de progressão no escalão, materializado nas retribuições que lhe foram processadas indevidamente em referência ao escalão anterior.

 

3. As remunerações base dos Demandantes até dezembro de 2017 foram processadas com referência ao escalão que detinham previamente à reunião das condições, em dezembro de 2010, para a progressão e respetivo reposicionamento em novo escalão, reconhecido nas listas de antiguidade a partir de 2017.

 

4. O Demandado tinha conhecimento da situação e da ilegalidade em que incorria, por ter na sua posse documentos (despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, de 1 de março de 2011, recomendação da Provedora-Adjunta da Provedoria de Justiça, de 16 de março de 2011, e ofícios da Direção-Geral da Administração e do Emprego Público, de 2 de novembro de 2011 e de 19 de agosto de 2013), dando cobertura à pretensão dos Demandantes.

 

5. Somente em janeiro de 2018 o Demandado assumiu, acerca da matéria em crise, a plenitude obrigacional perante os Demandantes, mas desprovida de efeitos ex tunc, ao contrário do legalmente previsto.

 

6. Os Demandantes perfizeram três anos de bom e efetivo serviço no escalão em que se encontravam posicionados em distintos dias do mês de dezembro de 2010, pelo que se constituiu, nessas datas, o direito à progressão, nos termos previstos no artigo 103.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro.

 

8. Entendimento que foi salvaguardado pelo n.º 4 do artigo 24.º da LOE/2011 e que também foi acolhido pelas entidades referenciadas nos documentos n.ºs 4, 5 e 6 juntos com a PI.

 

9. Por isso, aos Demandantes assiste o direito à reposição do diferencial de verbas que resultam do reposicionamento remuneratório, com efeitos entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2017, por estarem reunidos os pressupostos de facto e de direito para a sua constituição plena.

 

10. À luz do que antecede os Demandantes requerem:

 

i) a constituição do Demandado “no dever de prestar, praticando todos os atos jurídicos e realizando todas as operações materiais e necessárias para colocar a situação, de direito e de facto, em conformidade com o direito efetivo e integralmente reconhecido”;

 

ii) o decretamento de sanção pecuniária compulsória ao Demandado, no valor diário de 66,50€ (sessenta e seis euros e cinquenta cêntimos), por cada dia de atraso no cumprimento efetivo e integral da decisão, à luz do n.º 2 do artigo 169.º do CPTA, conjugado com o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 109-A/2020, de 31 de dezembro; e

 

iii) a condenação do Demandado em custas de parte.

 

2. Posição do Demandado

 

                O Demandado alega que o direito à alteração do posicionamento remuneratório dos Demandantes não se encontrava formado em 1/1/2011 e que, por força do quadro normativo aplicável a partir dessa data, essas mesmas progressões se tornaram juridicamente inadmissíveis, situação esta que perdurou até ao final de 2017.

                Com efeito, sustenta o Demandado que:

                a) por um lado, a aferição da aquisição ou não direito a um incremento remuneratório deveria ser efetuada à luz da lei geral vigente para a generalidade dos trabalhadores em funções públicas e não da carreira especial dos funcionários da B...;

               

b) de acordo com tais normativos (Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro e, posteriormente, e Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho), em 1/1/2011 os Demandantes não preenchiam os critérios legais de alteração obrigatória do posicionamento remuneratório; e

               

c) não se encontrando formado o direito à alteração remuneratória em 1/1/2011, a mesma não poderia operar a partir dessa data, por força da proibição de valorizações remuneratórias instituída pelo art.º 24.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011.

 

Em conclusão, o Demandado pugna:

i) pela procedência, relativamente a alguns dos Demandantes, das exceções dilatória de incompetência do tribunal e de caso julgado; e

ii) considera que “deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e o Demandado absolvido do pedido, com as demais consequências legais”.

 

V – Fundamentação de facto

 

                1. Os Demandantes, a 1/1/2021, eram trabalhadores da B..., com as categorias de Especialista Superior, Especialista, Especialista-adjunto e Especialista auxiliar, da carreira de apoio à investigação criminal.

 

                2. Até à presente data, alguns dos Demandantes aposentaram-se e, pelo menos um, veio a falecer.

 

                3. Os Demandantes completaram três anos de bom e efetivo serviço no escalão em que se encontravam posicionados em 20, 28, 30 e 31 de dezembro de 2010.

 

                4. Os Demandantes não beneficiariam de qualquer alteração do posicionamento remuneratório entre 2011 e 2017.

 

                Os factos n.ºs 1, 3 e 4 encontram-se aceites por ambas as Partes.

                O facto n.º 2 comprova-se pela expressa menção dessa qualidade de aposentado ou falecido na PI

 

VI – Fundamentação de direito

 

1. Enquadramento jurídico da pretensão dos Demandantes

 

                A pretensão dos Demandantes radica no invocado direito à alteração do posicionamento remuneratório formado em data anterior 1/1/2011.

Mais precisamente, consideram os Demandantes que, de acordo com os ditames do diploma que regia a respetiva carreira especial (art.º 103.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro), se havia já completado o tempo de serviço (3 anos) e a respetiva classificação, requisitos necessários e suficientes para a efetivação daquele incremento remuneratório.

Na esteira do que se acabou de referir, torna-se imperioso identificar qual o quadro normativo à luz do qual se determinará a existência ou não desse direito, nomeadamente se (como defendem os Demandantes) ou, ao invés, aquele outro vigente para as carreiras gerais da administração pública (como sustenta o Demandado).

Posteriormente e seguindo os ditames das normas legais e regulamentares aplicáveis, concluindo-se pela inexistência de tal direito à alteração remuneratória, o pedido terá impreterivelmente de improceder; aceitando a vigência daquele direito, haverá ainda que avaliar as implicações do art.º 24.º da Lei do Orçamento do Estado para 2011 sobre o mesmo.

              

2. Fundamento jurídico da pretensão do Demandante

 

                As questões acabadas de enunciar não são inovadoras, em particular a respeitante ao quadro normativo aplicável à constituição do direito a alteração do posicionamento remuneratório, por parte dos trabalhadores das carreiras de apoio à investigação criminal da B..., em momento anterior a 1/1/2011, no sentido em que foram já apreciadas em (pelo menos) dois outros processos que correram termos junto do CAAD, mormente com os n.ºs 33-2015-A e 99-2018-A.

                O primeiro deles assume especial relevância, porquanto a respetiva fundamentação foi repescada em grande medida pelo segundo, sendo certo que a única especificidade relativamente aos presentes autos de, no Processo n.º 33-2015-A, todo os Demandantes desempenharem funções de inspetores-chefe (enquanto no presente processo integram distintas carreiras e funções, todas reentrantes no âmbito das carreias de apoio à investigação criminal), diferença esta despicienda para o dilucidar da problemática em exegese em ambos os processos.

                Por nos revermos integralmente na respetiva fundamentação e por uma questão de economia processual, abaixo se transcreve parcialmente o teor da sentença prolatada no Processo n.º 33/2015-A:

                “A LO B... entrou em vigor na ordem jurídica nacional no dia 22.11.2000.

A Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, entrou em vigor no dia 01.03.2008, prevendo-se, no respetivo artigo 118.º, n.º 3, a produção de efeitos na mesma data dos artigos 1.º a 5.º, 7.º e 8.º, a alínea a) do n.º 4 do artigo 9.º, 10.º, 46.º a 48.º, 67.º, na parte em que consagra os prémios de desempenho, 74.º a 76.º, 113.º e 117.º.

Contudo, a matéria de avaliação de desempenho dos elementos das forças e dos serviços de segurança e do pessoal oficial de justiça é regulada em legislação especial, ficando excecionados da aplicação do disposto no artigo 113.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, e sujeitos aos respetivos regimes estatutários, nos termos do artigo 20.º da Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto, que aprova a Lei de Organização da Investigação Criminal.

Portanto, com o quadro até aqui referido, a progressão na carreira dos inspetores-chefes da … teria lugar nos termos do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da LO B... .

Todavia, o artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (LOE2009), com a epígrafe “revisão das carreiras, dos corpos especiais e dos níveis remuneratórios das comissões de serviço”, estabeleceu que “sem prejuízo da revisão que deva ter lugar nos termos legalmente previstos, mantêm-se as carreiras que ainda não tenham sido objeto de extinção, de revisão ou de decisão de subsistência, designadamente as de regime especial e os corpos especiais, bem como a integração dos respetivos trabalhadores, sendo que:

(…)

b) Até ao início de vigência da revisão:

(…)

ii) As carreiras em causa regem-se pelas disposições normativas atualmente aplicáveis, com as alterações decorrentes dos artigos 46.º a 48.º, 74.º, 75.º e 113.º da

Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro (…).”

Esta disposição legal entrou em vigor no dia 01.01.2009. Disposições idênticas constam ainda do artigo 21.º, n.º 1 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (LOE2010), do artigo 35.º, n.º 1, da Lei 55-A/2010, de 31 de dezembro (LOE2011), do artigo 20.º, n.º 1, da Lei 64-B/2011, de 30 de dezembro (LOE2012), do artigo 47.º, n.º 1, da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro (LOE2013), do artigo 34.º, n.º 2, da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro. (LOE 2014) e do artigo 41.º da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas)

Destas disposições das sucessivas leis do Orçamento do Estado, aplicáveis, sucessivamente, desde 01.01.2009, resulta, indubitavelmente, que as carreiras que ainda não foram objeto de revisão se mantêm, designadamente as de regime especial e os corpos especiais, bem como a integração dos respetivos trabalhadores, sendo que, até ao início de vigência da revisão, essas carreiras se regem pelas disposições normativas que lhes forem aplicáveis, com as alterações decorrentes dos artigos 46.º a 48.º, 74.º, 75.º e 113.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

Significa isto que a exceção consagrada no artigo 20.º da Lei 49/2008 foi tacitamente revogada por estas disposições das LOEs, desde logo, pela primeira delas, com efeitos produzidos a partir de 01.01.2009? Poderia, aqui, colocar-se a questão de saber se as referidas normas das LOEs, sendo normas gerais, procederam efetivamente à revogação do artigo 20.º da Lei 49/2009, que é lei especial (rectius, excecional). A este propósito, determina o artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil, que “a lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção do legislador.” A intenção não tem, porém, que ser revelada de forma expressa, podendo resultar do contexto da norma revogatória e da própria razão de ser dos regimes especial e geral em causa. Assim, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA refere que “é importante determinar se permanecem as razões que justificaram a elaboração da lei especial; se tal não suceder, pode concluir-se que o legislador teve a intenção de revogar a lei especial.” (cf. Introdução ao Direito, Almedina, 2012, p. 228).

Ora, neste caso, a lei especial (em concreto, o artigo 20.º da Lei 49/2008) pretendeu isentar algumas carreiras da aplicação do regime criado pelo artigo 113.º da Lei 12-A/2008, excecionando expressamente os elementos das forças e serviços de segurança da aplicação desse mesmo regime. As normas das LOEs que estão aqui em causa estabelecem um regime uniforme para as carreiras não revistas, como é o caso das carreiras da …, determinando que, até que a respetiva revisão ocorra, essas carreiras continuam a reger-se pelas disposições normativas aplicáveis em 31 de dezembro de 2008, mas com as alterações decorrentes dos artigos 46.º a 48.º e 113.º da Lei 12-A/2008. Pretendeu-se, assim, uniformizar o regime de avaliação de desempenho aplicável a todas as carreiras não revistas, criando-se, dessa forma, uma situação de maior igualdade entre as mesmas, não obstante a não revisão dos respetivos regimes jurídicos. Dado este circunstancialismo, parece-nos evidente a intenção do legislador de revogar o regime excecional criado pelo artigo 20.º da Lei 49/2008, pelo que concluímos pela respetiva revogação pelo artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (LOE2009), revogação essa que, de resto, é reforçada por disposições idênticas contidas em todas as LOEs posteriores, até 2014 inclusive, e, ainda, por disposição equivalente contida na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.

Daqui decorre, para o que agora nos interessa, que, a partir de 01.01.2009, passou a aplicar-se à avaliação de desempenho dos inspetores-chefes da ... o regime previsto no artigo 113.º da Lei 12-A/2008 e não o decorrente do artigo 103.º, n.º 2. da LO B..., sendo-lhes ainda aplicável o disposto nos artigos 46.º a 48.º, 74.º e 75.º da mesma lei.

Ora, o direito à progressão na carreira invocado nos presentes autos pelos Demandantes só se teria constituído, ao abrigo do regime previsto no artigo 103.º, n.º 2, da LO B..., em 31.12.2010, pelo que não estava ainda constituído na data em que esse regime foi afastado.

Conclui-se, assim, quanto à questão de saber qual o regime de avaliação de desempenho aplicável aos Demandantes, que, até 01.01.2009 se aplicou o artigo 103.º, n.º 2 da LO B... e que, a partir de 01.01.2009, se passou a aplicar o disposto nos artigos 46.º a 48.º (regras gerais de alteração do posicionamento remuneratório) e 113.º (quanto à relevância das avaliações ocorridas nos anos de 2004 a 2007 na alteração do posicionamento remuneratório e nos prémios de desempenho) da Lei 12-A/2008, por força do disposto no artigo 18.º, n.º 1, da LOE 2009, que foi secundado pelas LOEs posteriores (até à entrada em vigor da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, cujo artigo 41.º continua, contudo, a fazer referência ao regime transitório aplicável até ao início de vigência da revisão das carreiras não revistas). Assim, desde 01.01.2009 que já não é possível beneficiar do regime de progressões automáticas após 3 anos de bom e efetivo serviço previsto no artigo 103.º, n.º 2 da LO B... . Por conseguinte, as atualizações remuneratórias dos Demandantes só podem ter lugar ao abrigo do disposto nos artigos 46.º a 48.º e 113.º da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro.

Por outro lado, desde 01.01.2011 que, por força do disposto no artigo 24.º da LOE2011 e subsequentes artigos 20.º da LOE 2012, 35.º da LOE 2013, 39.º da LOE2014 e 38.º da LOE2015, estão proibidas as valorizações remuneratórias, nomeadamente as resultantes de alterações de posicionamento remuneratório. Assim, no caso dos Demandantes, o direito à alteração remuneratória só existiria se o mesmo se tivesse constituído, ao abrigo do quadro legal aplicável – resultante dos artigos 46.º a 48.º e 113.º da Lei 12-A/2008, de 27 de fevereiro – em data anterior a 01.01.2011.”.

 

Regressando aos presentes autos, poder-se-ia admitir a infirmação da jurisprudência fixada no aresto acabo de reproduzir, considerando a existência de novos argumentos, nomeadamente jurídicos (uma vez que a factualidade assente não é passível de grande controvérsia).

A este propósito, os Demandantes fazem apelo a:

a) a um parecer da Provedoria de Justiça (vide documento n.º 4 junto com a PI e aí melhor identificado), que mereceu declaração expressa de concordância da Direção Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP);

b) a um ofício da mesma DGAEP de 19/8/2013 (vide documento n.º 6 junto com a PI).

 

Relativamente ao parecer da Provedoria de Justiça, este esclarece que deverão ser admitidas as progressões remuneratórias no que concerne aos trabalhadores cujo direito se tenha formado em data anterior a 1/1/2011 (data da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2011, cujo art.º 24.º contemplava o princípio da inadmissibilidade de valorizações remuneratórias).

Não se questiona aqui, como não se questionou no aresto acima reproduzido, que a proibição de valorizações remuneratórias instituída em 2011 não possua efeitos retroativos ou sequer retrospetivos, não alcançando a esfera jurídica daqueles trabalhadores para os quais o direito ao acréscimo remuneratório se constituíra antes de 1/1/2011.

Contudo, o que sucede é que os Demandantes não preenchiam, ante de 1/1/2011, os pressupostos legais de direito a uma valorização remuneratórias, por força da inaplicabilidade, a partir de 2009, do disposto no art.º 103.º da LO B... de 2000 aos trabalhadores das carreiras especiais da B..., entendimento este subscrito no ofício da mesma DGAEP de 19/8/2013, em concordância com a tese expandida, pelo menos, nos já citados processos n.ºs 33/2015-A e 99-2018-A do CAAD.

Por outro lado, os Demandantes invocam a decisão proferida no Processo n.º 40/2018-A do CAAD, na qual, relativamente a idêntico pedido, teria sido proferida decisão favorável à pretensão dos trabalhadores: ora, tal identidade não se verifica, porquanto o que estava em causa nesses outros autos era a determinação do posicionamento remuneratório a atribuir a um trabalhador no momento do seu recrutamento (1/10/2010), como cristalinamente decorre deste trecho da sentença aí proferida “É este o ponto central da presente acção: a demandante entende que nunca poderia ter sido colocada em posição remuneratória inferior à segunda posição, uma vez que, nos termos do quadro legislativo aplicável, não podia ter sido colocada na primeira posição remuneratória porque era detentora de uma licenciatura.”.

Em suma, a alegação dos Demandantes segundo a qual preenchiam, em momento anterior a 1/1/2011, os requisitos condicionantes da outorga de um direito à alteração do posicionamento remuneratório, estribava-se no decurso de 3 anos de serviço, com a classificação mínima de serviço de “Bom” (art.º 103.º, n.ºs 1 e 2, da LO B... de 2000).

Todavia, como se demonstrou, desde 1/1/2009 que os pressupostos condicionantes da alteração do posicionamento remuneratório aplicáveis aos trabalhadores das carreiras de apoio à investigação criminal da B... passaram a ser, não os plasmados no diploma regulador da respetiva carreira, mas antes os fixados para a generalidade dos trabalhadores das carreiras gerais, o que, naturalmente, retarda a obtenção desse direito de progressão salarial (e, por outro lado, fazendo-o depender de pressupostos diversos) e impede que o mesmo se encontrasse perfeito nas esfera jurídica dos Demandantes em antes de 1/1/2011.

Nesta conformidade, não se tendo formado na sua esfera jurídica esse direito antes de 1/1/2011, depois dessa data e até ao final de 2017 ulteriores incrementos remuneratórios foram interditos pelas sucessivas leis orçamentais, apenas voltando as ser consentidas, progressivamente e com efeitos prospetivos (e não retroativos) a partir de 1 de janeiro de 2018 (cfr. art.º 18.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018 - Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro).

 

VII – Decisão

 

                Em face do exposto, decide-se:

 

                a) julgar improcedente a exceção dilatória da incompetência do Tribunal, relativamente ao Demandante A...;

 

                b) julgar improcedente a exceção dilatória do caso julgado relativamente aos Demandantes C..., D... e E...;

 

c) julgar procedente a exceção dilatória da litispendência relativamente aos Demandantes C..., D... e E..., nos termos dos art.ºs 89.º, n.º 4, alínea l) do CPTA e 577.º, alínea i) e 580.º do CPC), estes últimos aplicáveis por remissão do art.º 1.º do CPTA); e

               

d) absolver a Demandada do pedido, com todas as consequências legais.

 

Fixa-se o valor da ação em € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos do art.º 34.º, n.º 2, do CPTA, sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos regulamentares e da Tabele Respetiva.

 

Os encargos devem ser suportados Demandante e Demandada, em partes iguais, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do RCAAD.

 

Registe e notifique-se.

 

Coimbra, 7 de fevereiro de 2022

 

O Árbitro

(Miguel Lucas Pires)