Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 27/2021-A
Data da decisão: 2022-04-07  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 20.000,00
Tema: Relações jurídicas de emprego público – Vencimento de categoria e de exercício, remuneração de base, reposicionamento remuneratório.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I              - Relatório

A... (doravante, o Demandante) veio intentar a presente ação arbitral contra o B..., I.P., (doravante, a Entidade Demandada) pedindo:

(i) que lhe seja reconhecido o direito a auferir € 8.790,14, a título de diferenças de vencimento de categoria, e que seja a Entidade Demandada condenada no seu pagamento;

(ii) que lhe seja reconhecido o direito a auferir €6.939,85 a título de diferenças de vencimento de exercício, e que seja a Entidade Demandada condenada no seu pagamento;

(iii) que lhe seja reconhecido o direito a ser colocado entre os níveis 27 e 31 e entre as posições 4 e 5 da Tabela Remuneratória Única com o direito a receber a título de diferenças de vencimento o valor de €3.759,84 e que seja a Entidade Demandada condenada no seu pagamento;

(iv) que lhe seja reconhecido o direito a receber os emolumentos pessoais em falta, a calcular pela Entidade Demandada;

(v) que seja afastada a aplicação dos n.ºs 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, “por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações”;

(vi) que seja repristinado o Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, e o disposto na Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, onde se fixava a forma de cálculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo tinham direito à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, (diploma que criou o regime da carreira especial dos oficiais de registo) e, com base nessa forma de cálculo, calcular o vencimento médio nacional de um 1.º Ajudante no 5.º escalão e aplicá-lo ao Demandante com a consequente alteração da sua posição remuneratória; caso isso não seja exequível, aplicar ao Demandante o vencimento médio nacional de um 1.º Ajudante no 5.º escalão à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, com consequente alteração da sua posição remuneratória.

 

Em síntese, alega o Demandante o seguinte:

A.           Quantos aos primeiros dois pedidos

a)            Desde 2000 até 2019, enquanto 1.º Ajudante da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de ..., o Demandante foi sendo progressivamente remunerado pelos índices 255, 265, 280, 290 e 305 nos termos do Mapa II em anexo ao Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, que aprovou as escalas indiciárias relativas aos ordenados dos conservadores e notários e dos oficiais de registos e do notariado.

b)           Por via de sucessivos decretos de execução orçamental – nomeadamente o Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio, o Decreto-Lei n.º 77/2001, de 5 de Março, o Decreto-Lei n.º 23/2002, de 1 de Fevereiro, o Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de Março e o Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de Março – os índices associados aos escalões da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial foram evoluindo, pelo que o Demandante deveria ter auferido vencimentos de categoria superiores aos que recebeu.

c)            Por via da publicação de diversas portarias de atualização do índice 100 da escala indiciária do regime geral, o Demandante deveria ter auferido vencimentos de categoria superiores aos que recebeu.

d)           Considerando que a lei determinava, até 2020, que o vencimento de exercício deveria, no mínimo, ser de valor idêntico ao do vencimento de categoria, e tendo este sido erradamente calculado, o Demandante deveria também ter recebido vencimentos de exercício superiores aos que recebeu.

 

B.            Quanto ao terceiro pedido

e)           Em janeiro de 2020, no quadro da revisão das antigas carreiras de conservador, de notário, de ajudante e de escriturário operada pelo Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, e na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, que aprovou o novo regime remuneratório das carreiras especiais de conservador de registos e de ..., a Entidade Demandada integrou o Demandante na categoria de ... entre as posições remuneratórias 4.ª e 5.ª (níveis 27 e 31 da Tabela Remuneratória Única), tendo considerando o somatório do vencimento de categoria e do vencimento de exercício que o Demandante auferia à época, nos termos dos n.ºs 2 a 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro. Ora, na medida em que os seus vencimentos de categoria e de exercício, à data da integração da nova categoria, deveriam ser superiores àqueles efetivamente recebidos, alega o Demandante que deverá ser reposicionado entre a posição 5.ª e 6.ª e os níveis 31 e 35 da Tabela Remuneratória Única.

 

C.            Quanto ao quarto pedido

f)            Na medida em que os emolumentos pessoais deveriam ser distribuídos pelos funcionários de cada repartição na proporção dos respetivos ordenados, o Demandante alega que o facto de o vencimento de categoria e o vencimento de exercício estarem mal calculados implica, necessariamente, um recálculo da distribuição dos emolumentos pessoais.

 

D.           Quanto ao quinto e sexto pedidos

g)            O Demandante vem pedir que seja afastada a aplicação do art.° 10.°, n.º 1 e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro "por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações.”, pedindo, por conseguinte, que seja repristinado o Decreto-Lei n.º 519-F2/1979 de 29 de dezembro e o disposto na Portaria n.º 940/99 para efeitos de cálculo do" vencimento médio nacional de um 2º ajudante no 3.° escalão e aplicá-lo ao Autor.”

h)           O Demandante considera que as referidas normas padecem de inconstitucionalidade material, por violação dos artigos 47.º, n.º 2, 58.º, n.º 1 e 59.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, bem como dos princípios fundamentais da igualdade, da justiça, da confiança ou do direito à progressão na carreira.

i)             O Demandante alega que havia, nos termos da lei, uma ligação forte entre a forma de cálculo do vencimento de exercício e o rendimento efetivo da conservatória e que, com a entrada em vigor da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, em 2002, essa ligação foi posta em causa, pelo facto de o vencimento de exercício ter ficado transitoriamente congelado até 2019, o que originou o “eternizar de diferenças remuneratórias não fundadas no desempenho atual da conservatória”. Nessa medida, sustenta o Demandante que, em respeito “pelos princípios da igualdade e do mérito”, na transição para a nova estrutura remuneratória deveria ser tido em conta o vencimento de exercício auferido pela conservatória onde se encontrava o ... na data em que operou efeitos a transição e que “a remuneração mais justa, seria calcular o vencimento de exercício de cada funcionário de acordo com as normas não transitórias e estabelecer uma média nacional, de cada categoria (extinta) de oficiais de registos e de acordo com o índice remuneratório dos mesmos e aplicá-los aos oficiais de registo à data da transição para a nova tabela, para assim se repor alguma da igualdade possível.”

j)             Conclui, pois, que deveria aplicar-se à sua situação o revogado artigo 61.º do Decreto- Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro , e o disposto nos revogados artigos 1.º, 2.º, 3.º e 8.º da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, no cálculo do vencimento de exercício dos oficiais de registos, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, e, com base nisso, calcular o vencimento médio nacional de um 1.º Ajudante no 5.º escalão à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro e aplicá-lo ao Demandante, com a consequente alteração da sua posição remuneratória.

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Juntou documentos e requereu diligência probatória (cfr. artigo 84.º e parte final da petição inicial)

Regularmente citada, veio a Entidade Demandada suscitar a questão prévia da obtenção de acordo do Demandante quanto à recorribilidade da decisão arbitral e invocar as exceções da incompetência do tribunal arbitral, da intempestividade da instauração da presente ação e da impropriedade do meio processual utilizado. Defendeu-se ainda por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.

 

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Na sequência do despacho arbitral de 21 de março de 2022, foi indeferida a requerida diligência probatória e assegurado o contraditório do Demandante quanto à questão prévia suscitada e quanto à matéria de exceção, tendo o mesmo dado o seu expresso acordo quanto à recorribilidade da decisão arbitral e pugnado pela improcedência das exceções.

 

Por despacho arbitral de 6 de abril de 2022, e depois de ouvidas as partes, foi determinada a dispensa de alegações finais.

 

Houve pedido de apensação de processos, que foi indeferido por despacho do Senhor Presidente do CAAD e posteriormente também pelo árbitro titular do processo n.º 22/21-A.

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O presente Tribunal é composto pelo árbitro singular signatário, o qual integra a lista de árbitros do CAAD em matéria administrativa, e foi constituído em 8 de outubro de 2021, data da aceitação do encargo e da sua notificação às partes (artigo 17.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD, doravante, Regulamento).

 

II             - Saneamento

 

As partes gozam de personalidade e capacidade jurídica e judiciária, bem como de legitimidade processual, e encontram-se devidamente representadas por mandatários regularmente constituídos.

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Como se referiu no Relatório, ambas as partes estão de acordo quanto à recorribilidade da presente decisão, pelo que nada mais há a decidir quanto a esta questão.

 

Na sua Contestação, o Entidade Demandada invoca as exceções:

(i)           da incompetência do tribunal arbitral;

(ii)          da intempestividade da instauração da presente ação; e

(iii)         da impropriedade do meio processual.

Cumpre delas conhecer, na medida em que a sua eventual procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição do Entidade Demandada da instância (cfr. artigo 89.º, n.º 2 do Código do Processo dos Tribunais Administrativos, doravante, CPTA).

 

(i)           Da incompetência do tribunal arbitral

 

A Entidade Demandada vem invocar a incompetência material deste Tribunal para conhecer da presente ação, nomeadamente no que toca aos quinto e sexto pedidos deduzidos pelo Demandante, alegando que este “recorre à presente instância arbitral com vista a declaração de inconstitucionalidade do DL n.º 145/2019, da Portaria n.º 1448/2001, e das já atrás referidas normas constantes quer dos decretos de execução orçamental, quer de diversas LOE anteriormente aprovadas pelo legislador” (cfr. artigo 18.º da contestação). 

Mais considera a Entidade Demandada que "o Demandante, sob a aparente pretensão impugnatória dos critérios tidos em consideração na forma de cálculo das retribuições e vencimentos processados ao longo das últimas 2 décadas (…) visa, verdadeiramente, impugnar atos legislativos e regulamentares” (cfr. artigo 28.º da contestação).

Por outro lado, invocando o disposto no artigo 6.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (doravante, a Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional), e o disposto no artigo 1.º da Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro (doravante, Lei da Arbitragem Voluntária), conclui a Entidade Demandada ser inquestionável que as “pretensões formuladas pelo Demandante no que respeita ao reconhecimento da invocada inconstitucionalidade e ilegalidade do DL n.º 145/2019 e demais atos legislativos e normativos, constitui matéria excluída do âmbito de competência material, estando-lhe vedado pronúncia ou decisão sobre questão de que não pode conhecer” (cfr. artigo 37.º da contestação).

Vejamos.

Em primeiro lugar, cumpre atentar no disposto no artigo 3.º, n.º 2 dos Estatutos do CAAD, onde se estabelece que o CAAD tem “por objeto promover a resolução de litígios respeitantes a matérias administrativas e matéria fiscal, através de informação, mediação, conciliação ou arbitragem, nos termos definidos pelo seu regulamento e que por lei especial não estejam submetidos exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária”.

Por outro lado, segundo o artigo 8.º do Regulamento do CAAD, podem ser submetidos à jurisdição dos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD os litígios que, nos termos da lei, de convenção de partes ou de portarias de vinculação, se enquadrem no objeto do CAAD. Ora, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea j) e n.º 2, alínea a) da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, a Entidade Demandada encontra-se vinculada à jurisdição do CAAD para a “composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros”, que tenham por objeto “[q]uestões respeitantes a relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”.

Finalmente, de acordo com o artigo 180.º, n.º 1, alínea d) do CPTA, podem ser constituídos tribunais arbitrais para o julgamento de “[q]uestões respeitantes a relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional”.

Sendo absolutamente inequívoco que o objeto do presente processo diz respeito a relação jurídica de emprego público – o que não é posto em causa por qualquer das partes - e tendo em conta as normas acima elencadas, dúvidas não subsistem que este tribunal arbitral tem competência material para dirimir litígios respeitantes a relações jurídico-administrativas de emprego público. De igual forma, dúvidas não subsistem de que está em causa, inter alia, o alegado não pagamento de diferenças salariais, estando, portanto, essencialmente, em causa a condenação da Entidade Demandada em deveres de prestar.

Todavia, a segunda parte da alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, e a segunda parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 180.º do CPTA determinam que a vinculação à jurisdição dos tribunais arbitrais não pode abranger questões que tenham que ver com “direitos indisponíveis”.

Quanto à questão de saber se estarão em causa direitos indisponíveis, tem sido jurisprudência uniforme do CAAD que o que verdadeiramente se pretende subtrair à jurisdição arbitral são os litígios cujo objeto respeite a direitos absolutamente indisponíveis ou irrenunciáveis, no âmbito dos quais os titulares não têm o poder de disposição sobre o direito. Ora, não se pode entender que as matérias em análise, relacionadas essencialmente com prestações remuneratórias, consubstanciem questões que tenham que ver com direitos indisponíveis.

Por um lado, cumpre referir que a questão da irrenunciabilidade da retribuição se coloca essencialmente nas relações entre a entidade empregadora e o trabalhador, visando proteger o trabalhador no seu relacionamento direto com o empregador. Já não se colocará no âmbito de um litígio submetido a um tribunal arbitral, em que o trabalhador se encontra representado por mandatário judicial e em que a decisão compete a um árbitro, independente e imparcial, que decide de acordo com o direito constituído.

Por outro lado, é manifesto que o legislador pretendeu que fossem subsumíveis à alínea a) do n.º 2 do artigo 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro a generalidade das questões relacionadas com “remunerações e suplementos”. De outra forma, dificilmente se perceberia a necessidade que o legislador teve de excluir expressamente essa mesma matéria na alínea c) do n.º 3, o qual estende a aplicação do disposto no n.º 2 aos litígios relativos às carreiras de inspeção, de investigação prisional e do pessoal do corpo da guarda prisional.

Sublinhe-se, ainda, que se encontram em causa diferenças salariais correspondentes a uma parte muito inferior a um terço da remuneração mensal do Demandante. Atentando no artigo 175.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho, onde se dispõe que “[o] trabalhador não pode ceder, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos a remunerações na medida em que estes sejam impenhoráveis”, e tendo em conta que a impenhorabilidade da retribuição corresponde a dois terços da parte líquida do vencimento, tendo como limite mínimo o salário mínimo nacional e como limite máximo três salários mínimos nacionais (cfr. n.ºs 1 e 3 do artigo 738.º do Código de Processo Civil), será sempre de concluir que o valor em causa sempre se deveria considerar incluído na esfera de disponibilidade do trabalhador.

A Entidade Demandada vem também alegar que o “reconhecimento da invocada inconstitucionalidade (…) constitui matéria excluída do âmbito de competência material”, dando a entender que considera que os tribunais arbitrais não têm competência para conhecer da inconstitucionalidade de normas legais, invocada perante si.

Ora, os tribunais arbitrais são, no âmbito das suas competências, tribunais da ordem jurídica portuguesa (cfr. o artigo 209.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e artigo 150.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário). Como é sabido, no quadro do sistema português de fiscalização difusa e concreta da constitucionalidade, o presente Tribunal Arbitral, que julga segundo o direito constituído, deve julgar de acordo com a Constituição e com a lei e, por isso, pode e deve desaplicar normas legais que julgue desconformes com a Constituição, como o impele o artigo 204.º da Lei Fundamental.

“Como sublinha o Tribunal Constitucional em jurisprudência constante, não sofre dúvidas que, além da arbitragem constituir um modo legítimo de composição de conflitos, «O tribunal arbitral é um órgão que […] se constitui precisamente para exercer a função jurisdicional» (Acórdão n.º 230/86).

Na perspetiva da Constituição, os tribunais arbitrais são, por um lado «verdadeiros tribunais» e, por outro, não são, em determinados aspetos, «tribunais como os outros» (Acórdão n.º 230/1986- cfr. por último, Acórdão n.º 543/2019). Assim, mesmo que se entenda que os tribunais arbitrais não se enquadram “na definição de tribunais enquanto órgãos de soberania”, nos termos do artigo 202.º, n.º 1 da Constituição, «nem por isso podem deixar de ser qualificados como tribunais para outros efeitos constitucionais, visto serem constitucionalmente previstos como categoria autónoma de tribunais […]. Com efeito, o ‘juiz árbitro’ desenvolve uma função jurídica pela qual declara o direito (jurisdictio) […]. As decisões do árbitro são verdadeiras e próprias decisões jurisdicionais, dotadas de autoridade» (Acórdão n.º 52/92).”

 

Em conformidade com a natureza jurisdicional das suas decisões, a competência dos tribunais arbitrais para conhecer de questões de constitucionalidade é incontroversa na doutrina – veja-se, por exemplo, o entendimento expressado por GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, em comentário ao artigo 204.º da Constituição: “Naturalmente, que a obrigação de não aplicar normas inconstitucionais vale para todos os tribunais, incluindo os tribunais arbitrais (…)” .

Acresce que, em acórdão arbitral proferido no quadro do CAAD a 8 de novembro de 2021, foi julgada improcedente a exceção da incompetência agora suscitada nos seguintes termos: “Os tribunais arbitrais, nos casos submetidos ao seu julgamento, podem recusar a aplicação de normas com fundamento na sua inconstitucionalidade, assim como devem pronunciar-se sobre as questões de constitucionalidade que tenham sido suscitadas pelas partes durante o processo, pelo que haverá sempre possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional, em fiscalização concreta, de decisões positivas ou negativas de constitucionalidade proferidas pelos tribunais arbitrais. Nesse sentido, aponta o disposto no artigo 204.º da CRP, que, ao admitir o controlo difuso da constitucionalidade refere- se genericamente aos tribunais, não distinguindo entre tribunais estaduais e tribunais arbitrais, e no artigo 280.º da CRP, que, ao definir o âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade, admite o recurso de constitucionalidade relativamente a decisões dos tribunais, referindo-se a decisões de quaisquer tribunais.”

Pelos fundamentos que antecedem, julga-se improcedente a exceção da incompetência do Tribunal.

O Tribunal é, por isso, competente.

 

(ii)          Da intempestividade da instauração da ação

 

A Entidade Demandada afirma também que o Demandante discorda essencialmente do modo como, entre 2000 e 2004, o Gabinete de Gestão Financeira do ... interpretou e aplicou os diversos normativos publicados naquele período. No seu entender, “pretende o Demandante por via de recurso à presente instância, o (…) reconhecimento de que os ordenados e retribuições que foram processados e pagos desde o ano 2000, por terem sido calculados em estrita observância das leis aplicáveis, se encontram incorretos (…) carecendo de ser, assim – sempre sem conceder - revistos e corrigidos, de forma retroativa.” (cfr. artigos 42.º e 43.º da contestação).

Alega ainda a Entidade Demandada que “caso tivesse ocorrido qualquer desconformidade no âmbito do cálculo e/ou processamento das remunerações devidas ao Demandante, anteriores à transição para a nova tabela remuneratória, tais atos deveriam ter sido impugnados nos termos e prazos estabelecidos nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA.” (cfr. artigo 46.º da contestação).

É, portanto, entendimento da Entidade Demandada que, com a presente ação arbitral, o Demandante pretende verdadeiramente impugnar atos administrativos praticados pela Entidade Demandada. Nesse sentido, alega que “a tese propugnada pelo Demandante, para justificar a oportunidade de recurso à presente via, e de tempestividade da mesma, no sentido de que, por traduzirem simples operações materiais, o cálculo e processamento dos vencimentos por parte do Demandado não consubstanciam qualquer ato administrativo, não corresponde à realidade” (cfr. artigo 51.º da contestação)

Por forma a fundamentar tal entendimento, a Entidade Demandada invoca:

a)            O Ofício n.º ..., de 29 de Maio de 2000, do Gabinete de Gestão-Financeira do ..., remetido ao Diretor-Geral dos..., através do qual foram divulgadas as tabelas de atualizações dos vencimentos e participações emolumentares dos conservadores, notários e oficiais, e onde é referido que “não se procedeu a alterações até ao índice 200, conjugados que foram o artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio, a Portaria n.º 239/2000, de 29 de abril, e o n.º 2 da Circular Série A, n.º 1271 de 17 de Abril da Direção Geral do Orçamento” (junto como Doc. n.º 1 à contestação);

b)           O Despacho n.º 20/2003 do Diretor-Geral ..., publicado no Boletim dos Registos e do Notariado n.º 10/2003 (doravante, BRN), intitulado “Aplicação aos serviços externos da Portaria n.º 303/2004, de 14 de abril, relativa aos aumentos salariais para o corrente ano (junto como Doc. n.º 2 à contestação);

c)            Uma Informação da Direção de Serviços de Recursos Humanos, publicada no BRN n.º 10/2004, intitulada “Aplicação aos serviços externos da Portaria n.º 205/2004, de 3 de março, relativa aos aumentos salariais para o corrente ano” (junto como Doc. n.º 3 à contestação);

d)           A deliberação do Conselho Diretivo do B..., I.P., de 20 de Janeiro de 2020, onde se aprova o modo como é proposta a transição para a nova estrutura remuneratória (junta como Doc. n.º 4 à contestação); e

e)           A notificação do reposicionamento remuneratório do Demandante, através de e-mail datado de 29 de janeiro de 2020 (junto como Doc. n.º 5 à contestação);

Em termos de facto, dá-se aqui por reproduzido o teor dos Documentos n.ºs 1 a 5 juntos com a contestação.

Vejamos.

A Entidade Demandada sustenta, essencialmente que, estando em causa atos administrativos por si praticados entre 2000 e 2020, os mesmos se encontrarão já consolidados no ordenamento jurídico, sendo agora inimpugnáveis, tendo em conta o prazo de impugnação judicial de 3 meses estabelecido no artigo 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA. Nessa medida, defende a Entidade Demandada que caducou o direito de ação, exceção dilatória que deve obstar ao conhecimento do mérito da causa.

Cumpre, desde logo, notar que a Entidade Demandada não logrou demonstrar em que medida é que os dos Docs. n.º 1, 2, 3, 4 e 5 acima referidos constituem prova da prática de atos administrativos relevantes para a situação agora em apreço.

De toda a forma, cumpre aferir se os documentos em causa são suscetíveis de ser qualificados como verdadeiros atos administrativos.

Nos termos do artigo 148.º do Código do Procedimento Administrativo (doravante, CPA), “consideram-se atos administrativos as decisões que, no exercício de poderes jurídico-administrativos, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta”. Ora, analisando os vários atos enumerados pela Entidade Demandada, constata-se que nenhum deles produz efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta, com caráter decisório e inovatório. Antes, estarão em causa atos meramente internos, orientações de serviço, e meras operações materiais da Administração.

Como é sabido, numa boa parte das vezes, o reconhecimento de direitos a prestações de conteúdo material não está dependente da emissão de atos administrativos e nem sequer é objeto de uma pronúncia autónoma. Com efeito, o particular vê frequentemente reconhecida a sua situação jurídica subjetiva sem que haja uma específica atuação administrativa dirigida a esse reconhecimento. A verdade, porém, é que numa Administração ainda muito hierarquizada e constantemente dependente de orientações superiores, sobretudo quando estão em causa conteúdos pecuniários, é frequente assistir-se à emissão de declarações que corporizam as referidas meras atuações administrativas, como é o caso dos documentos enumerados pela Entidade Demandada.

Como muito bem nos explica MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, “a emissão, por parte da Administração, de uma declaração desse tipo pode ser necessária e desempenhar, mesmo, um papel da maior importância no plano da organização interna da pessoa coletiva pública, para efeito de constituir o título sem o qual os serviços não poderão processar a atividade necessária à satisfação da pretensão do interessado. Mesmo quando seja esse o caso, cumpre, no entanto, sublinhar que não está aí em causa a emissão de um ato jurídico definidor da situação do interessado, que, nesse caso, já se encontra diretamente definida pela lei, sem necessidade de intermediação administrativa, e, portanto, que a declaração da Administração não exprime o exercício de um poder de definir a situação do interessado, em termos de porventura lançar sobre ele o ónus da sua impugnação tempestiva, na hipótese de eventual incorreção dos termos em que a declaração seja emitida” . Ou seja, não está em causa a emissão de um verdadeiro ato administrativo.

Por outro lado, cumpre também sublinhar que tem sido entendimento da Doutrina e da Jurisprudência que os atos de processamento de abonos e de vencimentos por parte dos serviços do Estado configuram meras operações materiais, e não verdadeiros atos administrativos. Conforme nos ensina ainda MÁRIO AROSO DE ALMEIDA: “com efeito, o processamento de abonos e vencimentos é, em si mesmo, uma mera atuação jurídica, que se limita a materializar um direito previamente definido. Na verdade, os trabalhadores da Administração Pública têm, desde logo, direito a auferir o seu vencimento mensal e, portanto, a que ele seja corretamente processado. Por conseguinte, se houver erro nesse processamento, pelo qual o trabalhador não aufira o vencimento a que tem direito, o ato de processamento, em si, e o erro nele cometido, não têm relevo autónomo. O que conta é que o trabalhador é titular de um direito de crédito que não foi devidamente satisfeito e é esse direito de crédito que ele irá fazer valer, através de uma ação administrativa comum, dentro do respetivo prazo de prescrição” .

Neste mesmo sentido, e citando VIEIRA DE ANDRADE, o TCA Sul já considerou também que: “[o pedido de condenação no dever de prestar] pressupõe a existência de situações em que não esteja previsto, nem tenha de haver um verdadeiro ato administrativo, mas simples atuações de autoridade no contexto de relações jurídico-administrativas paritárias em que a lei confere aos particulares direitos a prestações administrativas.”

 

Por outro lado, diga-se também que nenhuma das disposições legais que constituem a causa de pedir na presente ação habilitava a Entidade Demandada a praticar qualquer ato administrativo relativo a situações individuais e concretas dos seus trabalhadores, no quadro de uma zona de discricionariedade decisória. Na verdade, as disposições legais em causa eram de aplicação imediata, não carecendo da intermediação de um ato administrativo prévio para serem imediatamente implementadas pelos serviços da Entidade Demandada.

Além disso, ao instaurar a presente ação, o Demandante não pretendeu obter - por via dos três primeiros pedidos deduzidos – nem a anulação, nem a declaração de nulidade de atos administrativos. O que o Demandante veio solicitar a este Tribunal é, antes, o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas.

Nas palavras do Demandante:

“As atualizações acima expostas e aqui reclamadas, decorriam imediatamente da lei (conforme os diplomas acima identificados) e eram feitas de forma oficiosa, ou seja, não careciam de requerimento do interessado para serem levadas a cabo. Além de que não importava[m] uma definição do direito ao caso concreto por ato administrativo. (…) Pelo que se trata do mero reconhecimento de situação jurídicas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas. Ou seja, perante a legislação vigente, aplicava-se de forma automatizada ao caso do Autor, bastando a inserção dos dados, tratando-se por isso de meras operações materiais.” (cfr. artigos 51.º a 55.º da petição inicial).

Verifica-se, pois, que o que está em causa nos presentes autos é a aferição da “existência de uma anterior norma legal onde radica [o] direito a reconhecer, ou seja, de uma norma que, desde que verificados determinados pressupostos ou requisitos, projeta diretamente na esfera jurídica do destinatário o direito que pretende seja reconhecido” .

Conclui-se, portanto, não estar em causa a impugnação de atos administrativos, mas apenas o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas decorrentes de normas jurídico-administrativas nos termos do artigo 37.º, n.º 1, alínea f) do CPTA.

Nestes termos considera-se improcedente, por não provada, a invocada exceção da intempestividade da instauração da presente ação.

 

(iii)         Da impropriedade do meio processual

 

Como decorrência da decisão da exceção anteriormente referida, a Entidade Demandada veio ainda invocar a exceção da impropriedade do meio processual utilizado, na medida em que o artigo 38.º, n.º 2 do CPTA determina que “não pode ser obtido por outros meios processuais o efeito que resultaria da anulação do ato inimpugnável”. Deste modo, a Entidade Demandada entende que o meio processual adequado ao exercício do direito que o Demandante pretende fazer valer seria a ação impugnatória e não a ação de reconhecimento de direitos.

Ora, tal como já explicado na secção precedente, o Demandante não pretende, com a presente ação, impugnar atos administrativos, mas apenas obter o reconhecimento de situações jurídicas subjetivas decorrentes de normas jurídico-administrativas. De igual modo, não ficou demonstrado que o exercício de qualquer dos direitos que o Demandante pretende fazer valer na presente ação careça da prática de atos administrativos.

Assim, nos termos do disposto no artigo 37.º, n.º 1, alínea f) do CPTA, a presente ação afigura-se idónea para o efeito pretendido pelo Demandante.

Improcede, pois, a invocada exceção da impropriedade do meio processual.

 

III            - Do mérito da causa

A.           Questões a decidir

 

Atento o exposto pelas partes nos respetivos articulados, as questões a decidir nos presentes autos são essencialmente as seguintes:

a)            Saber se assiste, ou não, ao Demandante o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da aplicação de índices salariais inferiores aos devidos, tanto quanto ao vencimento de categoria, como quanto ao vencimento de exercício, bem como o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes da integração na carreira especial de ... com remuneração de base inferior à devida;

b)           Saber se assiste, ou não, ao Demandante o direito ao pagamento de diferenças a título de emolumentos pessoais, por virtude da alteração da proporção da distribuição dos mesmos, alteração essa decorrente das correções resultantes da eventual procedência dos três primeiros pedidos;

c)            Saber se os n.ºs 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, padecem das inconstitucionalidades invocadas, devendo ser afastada a sua aplicação, e, em consequência, ser repristinado o regime de cálculo da participação emolumentar anteriormente vigente, sendo pagas ao Demandante as diferenças salariais daí resultantes.

 

B.            Fundamentação

 

i)             Factualidade

 

Face ao alegado por ambas as partes e aos documentos juntos ao processo, considera-se assente a seguinte factualidade:

a)            O Demandante é ... da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial de ..., vinculado por contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado;

 

b)           O Demandante encontra-se atualmente colocado entre as posições remuneratórias 4.ª e 5.ª do Anexo II do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, e entre os níveis remuneratórios 27.º e 31.º da Tabela Remuneratória Única aprovada pela Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro;

 

c)            Em 29 de março de 1989, o Demandante foi admitido na carreira de ..., com a categoria de ..., auferindo pelo escalão 1, índice 150.

 

d)           Em 1 de outubro de 1997, o Demandante progrediu para o escalão 2, índice 165, da mesma categoria.

 

e)           Em 21 de fevereiro de 1994, o Demandante foi promovido à categoria de 2º Ajudante, passando a auferir pelo escalão 1, índice 210 dessa categoria;

 

f)            Em 21 de fevereiro de 1997, o Demandante progrediu para o escalão 2, índice 225, da mesma categoria.

 

g)            Em 3 de maio de 1999, o Demandante foi promovido à categoria de 1º Ajudante, passando a auferir pelo escalão 1, índice 255 dessa categoria;

 

h)           Em 3 de maio de 2002, o Demandante progrediu para o escalão 2, índice 265, da mesma categoria;

 

i)             Em 2 de maio de 2005, o Demandante progrediu para o escalão 3, índice 280, da mesma categoria;

 

j)             Em 1 de Janeiro de 2018, o Demandante progrediu para o escalão 4, índice 290, da mesma categoria;

 

k)            Em 1 de Janeiro de 2019, o Demandante progrediu para o escalão 5, índice 305, da mesma categoria, e transitou para a categoria/carreira de ..., com efeitos a 1 de Janeiro de 2018;

 

l)             O Demandante aufere a quantia mensal de € 1.996,99, a título de retribuição base.

 

m)          No ano de 2000, o Demandante auferiu os seguintes valores, a título de vencimento de categoria e a título de vencimento de exercício (cfr. Doc. n.º 1, junto pelo Demandante):

 

 

 

 

n)           No ano de 2001, o Demandante auferiu os seguintes valores, a título de vencimento de categoria e a título de vencimento de exercício (cfr. Doc. n.º 1, junto pelo Demandante):

 

 

 

o)           No ano de 2002, o Demandante auferiu os seguintes valores, a título de vencimento de categoria e a título de vencimento de exercício (cfr. Doc. n.º 1, junto pelo Demandante):

 

 

 

 

 

p)           No ano de 2003, o Demandante auferiu os seguintes valores, a título de vencimento de categoria e a título de vencimento de exercício (cfr. Doc. n.º 1, junto pelo Demandante):

 

 

 

 

q)           No ano de 2004, o Demandante auferiu os seguintes valores, a título de vencimento de categoria e a título de vencimento de exercício (cfr. Doc. n.º 1, junto pelo Demandante):

 

 

 

 

 

r)            No ano de 2005, o Demandante auferiu os seguintes valores, a título de vencimento de categoria e a título de vencimento de exercício (cfr. Doc. n.º 1, junto pelo Demandante):

 

 

 

 

 

s)            No ano de 2006, o Demandante auferiu os seguintes valores, a título de vencimento de categoria e a título de vencimento de exercício (cfr. Doc. n.º 1, junto pelo Demandante):

 

 

 

 

t)            Nos anos de 2007 a 2020, o Demandante auferiu os seguintes valores, a título de vencimento de categoria e a título de vencimento de exercício (cfr. Doc. n.º 1, junto pelo Demandante):

 

 

 

 

u)           Teor do Documento n.º 1 junto com a Petição Inicial;

 

v)            Teor do Documento n.º 2 junto com a Petição Inicial

 

w)          Teor do Documento n.º 1 junto com a Contestação;

 

x)            Teor do Documento n.º 2 junto com a Contestação;

 

y)            Teor do Documento n.º 3 junto com a Contestação;

 

z)            Teor do Documento n.º 4 junto com a Contestação;

 

aa)         Teor do Documento n.º 5 junto com a Contestação;

 

bb)         Teor do Documento n.º 6 junto com a Contestação.

 

Não ficaram provados outros factos com interesse para os presentes autos.

 

*

A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou dos documentos juntos com a petição inicial e que não foram impugnados.

 

ii)            Do Direito

 

1)            Do direito ao pagamento de diferenças salarias

 

Cumpre decidir as questões em apreço.

A primeira questão consiste em saber se assiste, ou não, ao Demandante o direito ao pagamento de diferenças salariais decorrentes (i) da aplicação de índices salariais inferiores aos devidos e da (ii) integração na carreira especial ... com remuneração de base inferior à devida.

Conforme já aflorado acima, os três primeiros pedidos que o Demandante deduz prendem-se com a alegada não-aplicação das alterações ao índice 100, alterações essas operadas numa base anual, até 2009, e com a alegada não-aplicação das alterações dos índices dos escalões salariais da carreira de ..., decorrentes da entrada em vigor de vários decretos de execução orçamental.

Quanto à atualização anual do índice 100, entre 1999 e 2009, veja-se a seguinte tabela:

 

 

Portaria               Revisão Anual do Índice 100

Portaria n.º 147/99, de 27 de fevereiro

Atualiza as remunerações dos funcionários e agentes da administração central, local e regional, atualizando os índices 100 e as escalas salariais em vigor

Link

1.º O índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial é atualizado em 3%, sendo fixado em 56959$00.

Portaria n.º 239/2000, de 29 de abril

Procede à revisão anual das remunerações dos funcionários e agentes da administração central, local e regional, atualizando os índices 100 e as escalas salariais em vigor

Link

1.º O índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial é atualizado em 2,5%, sendo fixado em 58383$00.

Portaria n.º 80/2001, de 8 de fevereiro

Procede à revisão anual das remunerações dos funcionários e agentes da administração central, local e regional, atualizando os índices 100 e as escalas salariais em vigor

Link

1.º O índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial é atualizado em 3,71%, sendo fixado em 60549$00.

Portaria n. 88/2002, de 28 de janeiro

Atualiza as remunerações dos funcionários e agentes da administração central, local e regional, atualizando os índices 100 e as escalas salariais em vigor

Link

1.º O índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial é atualizado em 2,75%, sendo fixado em (euro) 310,33.

Portaria n.º 303/2003, de 14 de abril

Estabelece as linhas de orientação da política salarial para o ano 2003 dos funcionários e agentes da administração central, local e regional

Link

 

1.º O índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial mantém o valor de (euro) 310,33.

Portaria n.º 205/2004, de 3 de março

Estabelece as linhas de orientação da política salarial para o ano 2004 dos funcionários e agentes da administração central, local e regional

Link

 

1.º O índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial mantém o valor de (euro) 310,33.

Portaria n.º 42-A/2005, de 17 de janeiro

Atualiza as remunerações dos funcionários e agentes da administração central, local e regional, atualizando os índices 100 e as escalas salariais em vigor,

Link

1.º O índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial é atualizado em 2,2%, sendo fixado em (euro) 317,16.

Portaria n.º 229/2006, de 10 de março

Procede à revisão anual das remunerações dos funcionários e agentes da administração central, local e regional, atualizando os índices 100 e as escalas salariais em vigor,

Link

1.º O índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial é atualizado em 1,5%, sendo fixado em (euro) 321,92.

Portaria n.º 88-A/2007, de 18 de janeiro

Procede à revisão anual das remunerações dos funcionários e agentes da administração central, local e regional

Link

1.º O índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial é atualizado em 1,5%, sendo fixado em (euro) 326,75.

Portaria n.º 30-A/2008, de 10 de janeiro

Procede à revisão anual das remunerações dos funcionários e agentes da administração central, local e regional

Link

1.º O índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial é atualizado em 2,1 %, sendo fixado em (euro) 333,61.

Portaria n. º 1553-C/2008, de 31 de dezembro

Aprova a tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas, contendo o número de níveis remuneratórios e o montante pecuniário correspondente a cada um e actualiza os índices 100 de todas as escalas salariais

Link

1.º É aprovada a tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas, em anexo à presente portaria, contendo o número de níveis remuneratórios e o montante pecuniário correspondente a cada um.

2.º Nos termos da subalínea i) da alínea b) do artigo 18.º da Lei do Orçamento do Estado para 2009 e dos n.os 3 e 4 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de Outubro, os índices 100 de todas as escalas salariais são atualizados em 2,9 %.

3.º O índice 100 foi fixado em €343,28 (por via da atualização de 2,9%).

 

Quanto à alteração dos índices das escalas salarias da carreira de ..., entre 2000 e 2003, vejam-se as seguintes tabelas de correspondência, retiradas das normas legais relevantes:

i)             Com entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2000, o Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de Maio, veio alterar os índices dos escalões da seguinte forma:

 

 

 

ii)            Com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2001, o Decreto-Lei n.º 77/2001, de 5 de Março, veio alterar os índices dos escalões da seguinte forma:

 

 

 

iii)           Com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2002, o Decreto-Lei n.º 23/2002, de 1 de Fevereiro, veio alterar os índices dos escalões da seguinte forma:

 

 

 

iv)           Com entrada em vigor a 1 de janeiro de 2003, o Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de Março, veio alterar os índices dos escalões da seguinte forma:

 

 

 

 

v)            Com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2004, o Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de Março, veio alterar os índices dos escalões da seguinte forma:

 

 

 

 

Com efeito, por aplicação destes diplomas, teve lugar uma evolução dos índices 255, 265, 280, 290 e 305, tendo, contudo, a Entidade Demandada continuado a remunerar o Demandante por aqueles índices.

A Entidade Demandada alega, quanto a este ponto, que a escala indiciária prevista no Mapa II do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, nunca teria sido alterada até esse diploma ter sido revogado pelo Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro (cfr. artigo 82.º da contestação).

Segundo a Entidade Demandada:

“(…) temos que o supracitado Decreto-Lei n.° 131/91, de 02/04 (…) estabelecia no próprio preâmbulo e fazendo referência ao disposto no art.° 41°, n.° 4 do D.L. n.° 184/89, de 02/06, bem como ao art.° 43° do D.L. n.° 353-A/89, de 16/10, que: aos trabalhadores dos registos e do notariado se aplicam as «respectivas disposições estatutárias pelo que ficaram excluídos do âmbito de incidência do novo sistema retributivo.»”(cfr. artigo 155.º da contestação).

Acresce que, embora conceda a Entidade Demandada que:

“(…) ainda que o art.° 1° desse diploma determinasse que a escala indiciária (…) se referenciava ao índice 100 da escala indiciária do regime geral e acompanhava a actualização desse índice 100”,

 vem depois afirmar:

 “(…) [a]contece que, o regime remuneratório dos trabalhadores dos registos e notariado apresentava especificidades únicas”, na medida em que, “em termos práticos, estas diferenças de regime significavam que (…) um trabalhador dos registos e do notariado — por força da singularidade do seu regime remuneratório — quando estava posicionado em determinado índice da escala salarial que lhe era aplicável, a sua remuneração mensal correspondia, no mínimo, ao dobro do valor equivalente a esse concreto índice”,

concluindo, assim, que:

 “(…) bem andou, na altura, o Gabinete de Gestão Financeira do Ministério ... e, mais recentemente, o ora Demandado quando, a fim de aferir da necessidade de alterar, ou não, a «escala salarial (ou indiciária)» aplicável ao vencimento de categoria de tais trabalhadores cuidou de atender a estas particularidades” (cfr. artigos 157.º a 163.º da contestação).

Para a Entidade Demandada, as “especificidades únicas” do regime em causa prendiam-se então com o facto de qualquer valorização remuneratória na carreira de registos e notariado se traduzir, em termos práticos, no dobro do valor do respetivo índice. Isto porque determinava o n.º 4 da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, que “aos oficiais de registo e do notariado fica assegurada, como mínimo, uma participação emolumentar correspondente a 100% do seu vencimento de categoria”.

Vejamos.

Deve, em primeiro lugar, referir-se que o entendimento propugnado pela Entidade Demandada parece encerrar uma interpretação peculiar das disposições em causa. Embora a Entidade Demandada não o afirme de forma expressa e inequívoca, o seu entendimento parece encontrar-se alicerçado no seguinte raciocínio:

(i)           o regime aplicável aos oficiais de registo e de notariado possui determinadas particularidades quando comparado com o regime geral, e constitui, assim, lei especial;

(ii)          os vários decretos de execução orçamental que foram aumentando os índices salariais da função pública são de aplicação geral e constituem, assim, lei geral;

(iii)         a lei nova geral não revoga a antiga lei especial, exceto se tal for intenção inequívoca do legislador;

(iv)         assim, a lei nova geral (i.e., os vários decretos de execução orçamental que foram aumentando os índices salariais da função pública), não é aplicável ao trabalhador em questão, cujo estatuto jurídico é regulado, enquanto..., por lei especial.

Aqui chegados, cumpre recordar que as normas relevantes dos decretos de execução orçamental em causa determinam, de forma inequívoca, que “[a]os escalões da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial a que correspondem os índices constantes da coluna I passam (…) a corresponder os índices constantes da coluna 2”.

Atenta a redação destas normas, conclui-se que o legislador terá pretendido a aplicação universal das alterações dos índices dos escalões salariais a todos os funcionários públicos, das carreiras de regime geral e de regime especial. Nestes termos, ainda que a situação jurídico-laboral do Demandante fosse regulada por um regime especial, diferente do regime geral, afigura-se evidente que o legislador terá pretendido, de forma inequívoca, regular tanto os regimes especiais, como os regimes gerais da função pública, de acordo com o elemento literal da interpretação.

Cumpre também atentar na norma constante do artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil, segundo a qual a revogação da lei antiga pela lei nova pode ser expressa ou tácita, podendo a revogação tácita resultar da (i) incompatibilidade entre a lei nova e a lei antiga ou (ii) do facto de a lei nova regular toda a matéria da lei anterior.

In casu, é indubitável que estão em causa diplomas posteriores ao Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, de idêntica hierarquia, e que consagram um regime incompatível com aquele. De um ponto de vista normativo, é evidente que dizer, por exemplo, que o índice 165 da coluna 1 passa ao índice 166 da coluna 2 é incompatível com a manutenção do índice 165.

Nestes termos, é inequívoco que o legislador terá pretendido abranger a situação jurídico-laboral do Demandante.

Diga-se, também, que nem a própria Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (doravante, DGAEP) perfilhava o entendimento propugnado pela Entidade Demandada, tendo reconhecido, por exemplo, que aos escalões 1 e 2 da categoria de 1.º Ajudante correspondiam, em 2009, aos índices 264 e 274, ao contrário do disposto na versão original do Mapa II do antigo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril (cfr. Doc. n.º 2 junto à petição inicial) .

Por conseguinte - e considerando que o Demandante auferia, desde 2002, pelo índice 265 – observe-se a seguinte evolução:

a)            O índice 265 passou a 269, por força do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, com efeitos a 1 de Janeiro de 2003;

b)           O índice 269 passou a 274, por força do artigo 43.º do citado Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, com efeitos a 1 de Janeiro de 2004.

 

No entanto, como se pode constatar na Nota Biográfica do Demandante (cfr. Doc. n.º 1 junto à petição inicial), o Demandante continuou a auferir pelo antigo índice 265 nos anos de 2003 e de 2004, pelo que a Entidade Demandada terá remunerado o Demandante por índice inferior àquele que era devido nestes anos.

 

Tendo agora em conta os efeitos operados pelo artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março – o último diploma a atualizar os índices das escalas salariais – na versão mais atualizada do Mapa II do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, verifica-se a seguinte evolução dos índices:

 

 

 

Não obstante a tabela de vencimentos aplicável à situação do Demandante a partir de 2004, verifica-se que:

(i)           Pese embora o Demandante tenha progredido para o escalão 3, em maio de 2005, continuou a auferir pelo antigo índice 280, e não pelo novo índice 290;

(ii)          Pese embora o Demandante tenha progredido para o escalão 4, em janeiro de 2018, continuou a auferir pelo antigo índice 290, e não pelo novo índice 300;

(iii)         Pese embora o Demandante tenha progredido para o escalão 5, em janeiro de 2019, continuou a auferir pelo antigo índice 305, e não pelo novo índice 316.

Por conseguinte, verifica-se que a Entidade Demandada efetivamente remunerou o Demandante por índices da escala salarial inferiores àqueles que eram legalmente devidos, ignorando o disposto nos sucessivos decretos de execução orçamental.

Pelo que se conclui que são devidas ao Demandado as diferenças salariais correspondentes.

Atentemos agora nas atualizações anuais do índice 100 do regime geral da função pública, as quais também influíam na escala indiciária aplicável ao Demandante (cfr. artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril), até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 21 de dezembro.

 

Ano 2000 – neste ano, o índice 100 foi fixado em Esc. 58.383$00 (€291,21) pelo artigo 1.º da Portaria n.º 239/2000, de 29 de abril.

Por força da atualização do valor do índice 100, ao índice 255 passou a corresponder o valor de 148.900$00 (€724,75). Uma vez que o Demandado recebeu, a título de vencimento de categoria, Esc.145.300$00 (€724,75) nos meses de janeiro a abril, pelo recebeu menos €17,96 x 4 meses = €71,84.

Nos termos do artigo 4.º da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, aos oficiais dos registos e notariado fica assegurada, como mínimo, uma participação emolumentar correspondente a 100% do vencimento da categoria. Neste quadro, a título de vencimento de exercício, o Demandado recebeu em janeiro Esc.145.300$00 (€724,75) mas por força da atualização do valor do índice 100, devia ter recebido 148.900$00 (€742,71), pelo que recebeu menos €17,96.

 

Ano de 2001 – neste ano, o índice 100 do regime geral da função pública foi fixado em Esc. 60.549$00 (€302,02) pelo artigo 1.º da Portaria n.º 80/2001, de 8 de fevereiro.

Por força da atualização do valor do índice 100, ao índice 255 passou a corresponder o valor de Esc.154.400$00 (€770,14)

A título de vencimento de categoria, a Entidade Demandada pagou em janeiro ao Demandado o montante de Esc.148.900$00 (€742,71), pelo que o Demandado recebeu menos €27,43.

 

Ano de 2002 – neste ano, o índice 100 foi fixado em €310,33 pelo artigo 1.º da Portaria n.º 88/2002, de 28 de Janeiro.

Ao índice 255 correspondia o valor de €791,34, quantia que a Entidade Demandada pagou corretamente ao Demandante, a título de vencimento de categoria e a título de vencimento de exercício até ao mês de maio.

Tendo o Demandado progredido, em maio deste ano, para o 2.º escalão da categoria de 1.º Ajudante, passando a auferir pelo índice 265, passou a receber, de junho a dezembro desse ano, o correto valor de €822,37, a título de vencimento de categoria, ao qual correspondia o novo índice 265.

 

Ano de 2003 – neste ano, o índice 100 manteve-se nos €310,33, nos termos do artigo 1.º da Portaria n.º 303/2003, de 14 de Abril. Mas houve atualização de índices, de acordo com o disposto no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 54/2003 de 28 de março. Nesses termos, o índice 265 evoluiu para o índice 269.

Ao índice 269 correspondia o montante de €834,79. No entanto, o Demandante recebeu, a título de vencimento de categoria, de janeiro a dezembro deste ano, o montante de €822,37 (isto é, menos €12,42 mensais) pelo que terá direito ao pagamento da diferença: €12,42 x 14 meses (incluindo subsídio de férias e Natal), ou seja, €173,88.

Também a título de vencimento de exercício, o Demandante recebeu €822,37 nos meses de janeiro, fevereiro, novembro e dezembro, e teria direito a receber, nesses meses, o referido montante de €834,79. Assim, o Demandante tem direito a receber a diferença: €12,42 x 4 meses, ou seja, €49,68.

 

Ano de 2004 – neste ano, o índice 100 manteve-se nos €310,33, nos termos do artigo 1.º da Portaria n.º 205/2004, de 3 de março. No entanto o artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março, atualizou os índices das escalas salariais, pelo que o índice 269 evolui para o índice 274.

Nestes termos, o Demandante teria direito a receber €850,30, mas recebeu €822,37, de janeiro a dezembro, a título de vencimento de categoria. Nestes termos, o Demandante tem direito a receber a diferença: €27,93 x 14 meses (incluindo subsídio de férias e de Natal) = €391,02.

Por outro lado, a título de vencimento de exercício, o Demandante recebeu €822,37 de janeiro a abril, quando devia ter recebido, pelo menos, o montante de €850,30. Por conseguinte, tem direito a receber a diferença: €27,93 x 4 meses = €111,72.

 

Ano de 2005 – neste ano, o índice 100 foi atualizado para € 317,16, nos termos do artigo 1.º da Portaria n.º 42-A/2005, de 17 de janeiro. Ao índice 274 correspondia o valor de €869,02.

No entanto, o Demandante recebeu, de janeiro a maio, a título de vencimento de categoria, o montante de €840,47, pelo que tem direito a receber a diferença: €28,55 x 5 meses = 142,75.

Em junho, o Demandante progrediu ao escalão 3 da categoria de 1.º Ajudante, passando a auferir de acordo com o índice 290, de acordo com a mais recente tabela salarial, atualizada pelo artigo 43.º do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março.

Ao índice 290 correspondia o montante de €919,76. Tendo recebido, de junho a dezembro, o montante de €888,05, a título de vencimento de categoria, conclui-se que o Demandante tem direito a diferença: €31,71 x 9 meses (incluindo subsídio de férias e de Natal) = €285,39.

A título de vencimento de exercício, o Demandante recebeu, de agosto a dezembro, o montante mensal de €888,05, e verifica-se que teria direito, no mínimo, ao montante mensal €919,76. Nesses termos, tem direito ao pagamento da diferença: €31,71 x 5 meses = €158,55

 

Ano de 2006 – neste ano, o índice 100 foi atualizado para € 321,92 pelo artigo 1.º da Portaria n.º 229/2006, de 10 de março.

Ao índice 290 correspondia o valor de €933,57, mas o Demandante recebeu o montante de €888,05 em janeiro e fevereiro, em novembro o montante de €871,45, e o montante de €901,38 de março a outubro, e em dezembro.

Nestes termos, tem direito a receber a diferença:

a)            Janeiro e fevereiro: €933,57 - €888,05= €45,52 x 2 meses= €91,04;

b)           Novembro: €933,57 - €871,45 = €62,12;

c)            Março a outubro, e dezembro: €933,57 - €901,38= €32,19 x 11 meses (inclui subsídio de férias e de Natal) = €354,09.

O que perfaz o total de €507,25.

Já a título de vencimento de exercício, o Demandante recebeu o montante de €888,05 em janeiro e fevereiro, em novembro o montante de €871,45, e o montante de €901,38 de março a outubro, e em dezembro.

 Nestes termos, tem direito a receber a diferença:

a)            Janeiro e fevereiro: €933,57 - €888,05= €45,52 x 2 meses= €91,04;

b)           Novembro: €933,57 - €871,45 = €62,12;

c)            Março a outubro, e dezembro: €933,57 - €901,38= €32,19 x 9 meses = €289,71

O que perfaz o total de €442,87

 

Ano de 2007 – neste ano, o índice 100 foi atualizado para € 326,75 pelo artigo 1.º da Portaria n.º 88-A/2007, de 18 de janeiro. Ao índice 290 correspondia o valor de € 947,59.

A Entidade Demandada pagou ao Demandante a quantia mensal de €914,90 a título de vencimento de categoria. Por conseguinte, o Autor tem direito à diferença mensal de €32,68, a qual, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de €457,52.

Já no que diz respeito ao vencimento de exercício, a Entidade Demandada pagou ao Demandante a quantia mensal de €914,90. Por conseguinte, o Autor tem direito à diferença mensal de €32,68, a qual, multiplicada por 12 meses, perfaz o valor de €392,16.

 

Ano de 2008 – neste ano, o índice 100 foi atualizado para € 333,61 pelo artigo 1.º da Portaria n.º 30-A/2008, de 10 de janeiro. Ao índice 290 correspondia o valor de €967,47.

A Entidade Demandada pagou ao Demandante €934,11 a título de vencimento de categoria. Nestes termos, o Demandante tem direito à diferença de €33,36, a qual, multiplicada por 14 meses perfaz o valor de €467,04.

Já a título de vencimento de exercício, a Entidade Demandada pagou ao Demandante €934,11 mensais. Nestes termos, o Demandante tem direito à diferença de €33,36, a qual, multiplicada por 12 meses perfaz o valor de €400,32.

 

Ano de 2009 – neste ano, o índice 100 foi atualizado para €343,28 pelo artigo 2.º da Portaria n.º 1553-C/2008, de 31 de dezembro. Ao índice 290 correspondia o valor de €995,51.

Na medida em que a Entidade Demandada pagou ao Demandante a quantia mensal de €961,18, o Demandante tem direito a receber a diferença mensal de €34,33, a qual, multiplicada por 14 meses, perfaz o valor de €480,62.

No que concerne ao vencimento de exercício, a Entidade Demandada pagou ao Demandante a quantia mensal de €961,18. Nestes termos, o Demandante tem direito a receber a diferença mensal de €34,33, a qual, multiplicada por 12 meses, perfaz o valor de €411,96.

 

Anos de 2010 a 2017 – nestes anos, o índice 100 manteve-se nos € 343,28. Ao índice 290 correspondia o valor de €995,51.

No entanto, ao longo deste período, a Entidade Demandada continuou a pagar ao Demandante o montante mensal de €961,18, tanto a título de vencimento de categoria como a título de vencimento de exercício.

Pelo que se conclui que o Demandante tem direito às seguintes diferenças:

a)            A título de vencimento de categoria: €34,33 x14 meses x 8 anos = €3.844,96.

b)           A título de vencimento de exercício: €34,33 x12 meses x 8 anos, o que perfaz o valor de €3.295,68.

 

Ano de 2018 – neste ano, o índice 100 manteve-se em €343,28.

No entanto, em 1 de janeiro de 2018, o Demandante progrediu para o escalão 4 da categoria de 1.º Ajudante , a que correspondia, de acordo com a tabela salarial mais recente (atualizada pelo Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março), o índice 300.

O índice 300 correspondia, nesta altura, ao montante de €1.029,84.

Todavia, a Entidade Demandada pagou ao Demandante o montante mensal de €978,35 a título de vencimento de categoria e de exercício.

Nestes termos, o Autor tem direito às seguintes diferenças de vencimento:

a)            A título de vencimento de categoria, no valor de €720,86 [(€1.029,84- €978,35 = €51,49) x 14 meses];

b)           A título de vencimento de exercício, no valor de €617,88 [(€1.029,84- €978,35 = €51,49) x 12 meses].

 

 

 

Ano de 2019 – neste ano, o índice 100 manteve-se em € 343,28.

No entanto, em 1 de janeiro de 2019, o Demandante progrediu para o escalão 5 da categoria de 1.º Ajudante, a que correspondia, de acordo com a tabela salarial mais recente (atualizada pelo Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março), o índice 316.

O índice 316 correspondia, nesta altura, ao montante de €1.084,76.

No que diz respeito aos vencimentos de categoria e de exercício, a Entidade Demandada pagou ao Demandante, de janeiro a novembro, a quantia mensal de €986,93. No entanto, a partir de dezembro, passou a pagar-lhe a quantia de €995,51, tendo também pagado retroativos até janeiro de 2019, nesse mesmo montante.

Nestes termos, o Autor tem direito às seguintes diferenças de vencimento:

a)            A título de vencimento de categoria, no valor de €1.249,50 (diferença mensal de 1084,76 – 995,51 x 14 meses);

b)           A título de vencimento de exercício, no valor de €1071,00 (diferença mensal de 1084,76 – 995,51 x 12 meses)

 

Assim, e em resumo, deverá a Entidade Demandada pagar ao Demandante:

a)            a quantia total de €8.820,06 a título de diferenças salariais quanto ao vencimento de categoria e subsídios de férias e de Natal; e

b)           a quantia total de €6.970,22, a título de diferenças salariais quanto ao vencimento de exercício.

Em face do que antecede, julgam-se os dois primeiros pedidos formulados pelo Demandante procedentes.

*

Atentemos agora no terceiro pedido, respeitante ao reposicionamento do Demandante na nova tabela remuneratória.

Resulta do que antecede que, à altura do seu posicionamento na nova tabela remuneratória, tinha o Demandante tinha direito a auferir um total remuneratório de €2.176,03, composto por €1.084,76, a título de vencimento de categoria e idêntica quantia a título de vencimento de exercício (a que se acrescenta o montante de €6,51 referente à atualização de 0,3% operada pelo Decreto-Lei n.º 10-B/2020 de 20 de março.

Não obstante, como se viu, na prática, ao Demandante era paga a quantia de €995,51 a título de vencimento de categoria e idêntica quantia a título de vencimento de exercício, o que perfaz um total remuneratório de €1991,02.

Ora, nos termos do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, que produziu efeitos a 1 de janeiro de 2020 (conforme determinava o seu artigo 15.º, n.º 1), a remuneração de base que era considerada, para efeitos de reposicionamento remuneratório na nova carreira de ..., consistia no somatório dos vencimentos de categoria e de exercício a que os trabalhadores tinham direito no momento do reposicionamento.

Nos termos da Tabela Remuneratória Única para 2020 , aos níveis remuneratórios em causa correspondiam os seguintes valores:

Posições remuneratórias             Níveis remuneratórios da tabela única

1             15 (€1.205,08)

2             19 (€1.411,67)

3             23 (€1.618,26)

4             27 (€1.824,84)

5             31 (€2.031,43)

6             35 (€2.238,01)

7             37 (€2.341,30)

8             39 (€2.444,60)

9             42 (€2.599,54)

 

Por e-mail datado de 29 de janeiro de 2020 (cfr. Doc. n.º 5 junto com a contestação), a Entidade Demandada comunicou ao Demandante o reposicionamento na nova carreira e categoria de ... tendo por base a incorreta remuneração base de €1991,02.

Deste modo, ficou o Demandante (erradamente) posicionado entre as posições remuneratórias 4.ª e 5.ª do Anexo II do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, e entre os níveis remuneratórios 27.º e 31.º da Tabela Remuneratória Única aprovada pela Portaria n.º 1553- C/2008, de 31 de dezembro.

Ora, como já demonstrado, a remuneração base – somatório do vencimento de categoria e do vencimento de exercício - a que o Demandante tinha direito em janeiro de 2020 correspondia ao montante de €2.176,03, pelo que o Demandante deveria ter sido posicionado entre as 5.ª e 6.ª posições remuneratórias, correspondentes aos níveis 31º e 35.º da Tabela Remuneratória Única, com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2020, nos termos das disposições conjugadas dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 10.º do citado Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.

Assim, tendo em conta que, desde 1 de janeiro de 2020, a Entidade Demandada tem pago à Demandante a quantia mensal de €1996,02 mensais a título de remuneração de base, incluindo subsídios de férias e Natal, quando deveria ter pago, em vez, a quantia mensal de €2.176,03, conclui-se ser devido o pagamento total de €5013,12 a título de diferenças salariais (2.176,03 – 1996,99 = 179,04) x (14 meses de 2020) e x (14 meses de 2021).

Deve, por isso, a Entidade Demandada reposicionar o Demandante nos termos expostos e pagar-lhe as mencionadas diferenças salariais, que totalizam o montante de €5013,12.

 

2)            Do direito ao pagamento de emolumentos pessoais

 

Cumpre, agora, apreciar se assiste, ou não, ao Demandante o direito ao pagamento de diferenças a título de emolumentos pessoais, por virtude de alteração da proporção da distribuição dos mesmos, decorrente das correções resultantes da procedência dos três primeiros pedidos.

O Demandante alega, em resumo, que os emolumentos pessoais devem ser atribuídos aos funcionários da repartição na proporção dos respetivos ordenados, conforme determinam o artigo 137.º, n.º 1 do Decreto Regulamentar n.º 55/80, de 8 de outubro, o artigo 9.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, o artigo 63.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, e conforme o disposto nas tabelas anexas à Portaria n.º 996/98, de 25 de novembro.

Nesse sentido, sustenta o Demandante que, estando os vencimentos mal calculados, estarão igualmente mal calculados os emolumentos pessoais, na medida em que os mesmos são pagos na proporção dos ordenados dos oficias do registo.

Note-se, desde logo, que o Demandante não faz na sua petição inicial nenhuma referência ao recebimento de quantias mensais a título de emolumentos pessoais, nem a Nota Biográfica junta como Doc. n.º 1 à petição inicial permite descortinar o recebimento de quaisquer emolumentos pessoais.

Não obstante, cumpre apreciar, em abstrato, a questão colocada.

Ora, para que tal pretensão fosse considerada procedente, seria necessário demonstrar que o facto de o vencimento do Demandante estar mal calculado influiu, necessariamente, na proporção da distribuição dos emolumentos pessoais.

Para esse efeito, teria de ter ficado demonstrado pelo Demandante que os vencimentos dos demais trabalhadores da repartição em apreço estavam bem calculados – ou, pelo menos, que os vencimentos de alguns dos trabalhadores estavam bem calculados, sendo, nesse caso, também necessário referir quais estariam mal calculados – para que daí se pudesse resultar uma possível alteração da proporção distributiva.

Ora, não só não ficou este aspeto demonstrado, como os elementos carreados para os autos – inclusive um pedido de apensação de vários processos similares ao presente – indiciam que a Entidade Demandada não terá calculado mal apenas os vencimentos do Demandante, mas também os vencimentos de muitos outros funcionários em idênticas circunstâncias, muito provavelmente, todos (veja-se, por exemplo, o teor dos Docs. n.ºs 2 e 3 juntos com a Contestação), pelo que, por este motivo, as proporções poderão manter-se inalteradas.

Conclui-se, assim, que inexistem indícios que permitam concluir que os emolumentos pessoais a que o Demandante teria hipoteticamente direito estariam mal calculados, de forma desfavorável para o Demandante.

Pelo exposto, improcede o quarto pedido deduzido pelo Demandante.

 

3)            Das inconstitucionalidades suscitadas

Cabe, em último lugar, aferir se os n.ºs 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, padecem das inconstitucionalidades invocadas pelo Demandante.

O Demandante vem essencialmente pedir que seja afastada a aplicação do art.° 10.°, n.º 1 e n.º 4 do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro "por inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001 e suas sucessivas renovações”, pedindo, por conseguinte, que seja repristinado o Decreto-Lei n.º 519-F2/1979 de 29 de dezembro e o disposto na Portaria n.º 940/99 para efeitos de cálculo do" vencimento médio nacional de um 2º ajudante no 3.° escalão e aplicá-lo ao Autor.”

O Demandante invoca, na sua petição inicial, diversas inconstitucionalidades materiais, nomeadamente a violação do disposto nos artigos 47.º, n.º 2, 58.º, n.º 1 e 59.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, bem como dos princípios fundamentais da igualdade, da justiça, da confiança ou do direito à progressão na carreira.

Sustenta essencialmente o Demandante que, com a entrada em vigor da Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, em 2002 – a qual “congelou” o vencimento de exercício nesse ano, e foi sucessivamente prorrogada até 2019 – ocorreu um “eternizar de diferenças remuneratórias não fundadas no desempenho atual da conservatória”, na medida em que, desde 2002 até 2019, o vencimento de exercício não correspondia ao rendimento efetivo da conservatória, mas sim aos valores “fixados” em 2002. Nesta base, sustenta o Demandante que, em respeito “pelos princípios da igualdade e do mérito”, na transição para a nova estrutura remuneratória deveria ser tido em conta o vencimento de exercício auferido pela conservatória onde se encontrava o ... na data em que operou efeitos a transição e que “a remuneração mais justa, seria calcular o vencimento de exercício de cada funcionário de acordo com as normas não transitórias e estabelecer uma média nacional, de cada categoria  (extinta) de oficiais de registos e de acordo com o índice remuneratório dos mesmos e aplicá-los aos oficiais de registo à data da transição para a nova tabela, para assim se repor alguma da igualdade possível.”

Conclui, nesse sentido, que deveria aplicar-se à sua situação o revogado artigo 61.º do Decreto- Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro , e o disposto nos revogados artigos 1.º, 2.º, 3.º e 8.º da Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, no cálculo do vencimento de exercício dos oficiais de registos, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, e, com base nisso, calcular o vencimento médio nacional de um 1.º Ajudante no 5.º escalão à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro e aplicá-lo ao Demandante, com a consequente alteração da sua posição remuneratória.

Ora, cumpre, desde logo, sublinhar que o Demandante não coloca perante este Tribunal verdadeiras questões de constitucionalidade.

Por outro lado, verifica-se que os pedidos agora em análise se afiguram incongruentes quando confrontados com os três primeiros pedidos.

Pois vejamos.

Em primeiro lugar, ficou dado como provado nos presentes autos que a Entidade Demandada ao longo de todos estes anos remunerou geralmente o Demandante com um vencimento de exercício de valor igual ao do vencimento de categoria, conforme determina a Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro.

Por outro lado, e apesar de se referir a um “eternizar de diferenças remuneratórias”, não logrou demonstrar o Demandante que qualquer trabalhador da mesma carreira e categoria, e com a mesma antiguidade, ou mais recentemente contratado, aufira, desde 1 de janeiro de 2020, uma remuneração de base superior à sua e que, auferindo-a, tal não tenha ficado a dever-se a trabalho diferente em quantidade e/ou qualidade.

Alega também o Demandante que terá sido o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, que perpetuou a ficção da participação emolumentar iniciada, transitoriamente, com a Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro. Este argumento improcede na medida em que essa “perpetuação” começou, na verdade, com a Portaria n.º 110/2003 de 29 de janeiro, à qual se seguiu a Portaria n.º 110/2004 de 29 de janeiro, a Portaria n.º 52/2005, a Portaria n.º 40/2006 de 12 de janeiro, e por assim sucessivamente, até à Portaria n.º 29/2011, de 11 de janeiro, cujos efeitos vieram ainda ser prorrogados pelo artigo 27.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2017.

Com efeito, em vez de uma “prorrogação anual”, como vinha sendo feito até à publicação da Portaria n.º 29/2011, de 11 de janeiro, esta portaria e a Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro tiveram o condão de, em conjunto, perpetuar a vigência do regime transitório iniciado pela Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, por mais oito anos.

Afigura-se, assim, que Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, nada tinha que ver com a perpetuação da “ficção da participação emolumentar”, na medida em que apenas veio estabelecer, para efeitos de reposicionamento remuneratório, que deveriam ser considerados os montantes do vencimento de categoria e do vencimento de exercício efetivamente pagos em função do concreto posto de trabalho, em cumprimento do princípio da proibição do retrocesso salarial.

Acresce, todavia, que ao contrário do que alega o Demandante, a operação de reposicionamento determinada pelo referido diploma não tinha como único objetivo o cumprimento do princípio do não retrocesso social, mas visava também cumprir os princípios da neutralidade orçamental na transição e da sustentabilidade remuneratória, os quais são impostos quer pelo artigo 41.º, n.º 2 da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, quer pelo artigo 104.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.

Atento o exposto, não poderá ser afirmado que exista qualquer diferença de tratamento entre o Demandante e outro qualquer ... em situação igual à sua, decorrente do disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro.

De resto, refira-se lateralmente, a título de obter dicta, que a solução preconizada pelo Demandante seria evidentemente inadequada para, simultaneamente, observar os três referidos princípios, pois, a existirem oficiais de registos com vencimento de exercício superior ao mínimo – a que corresponde 100% do vencimento de categoria – tal significaria que aqueles que aufeririam o vencimento de exercício pelo mínimo passariam a auferir pela média, mas aqueles que aufeririam acima da média passariam a auferir menos – o que prejudicaria a aplicação do princípio do não retrocesso salarial. Por outro lado, se se atuasse por forma a assegurar que esses oficiais de registo – os que auferem acima da média - continuassem a auferir os mesmos montantes, ficariam também beliscados, quer o princípio da neutralidade orçamental, quer o princípio da sustentabilidade da evolução remuneratória.

Ora, como se referiu, o Demandante não suscitou, in casu, verdadeiras questões de constitucionalidade nem apreciou se, existindo restrições ou violações de princípios constitucionais, as mesmas eram, ou não, necessárias, adequadas e não excessivas.

Em face do que antecede, não se considera verificada nenhuma das inconstitucionalidades invocadas, pelo que improcedem os quinto e sexto pedidos.

 

iii)           Do valor da causa

 

O Demandante atribuiu à presente ação o valor de € 20.000,00, o que corresponde a um pouco mais do que as diferenças salariais inicialmente computadas na petição inicial. A Entidade Demandada não se opôs ao valor da causa oferecido pelo Demandante.

Nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do CPTA, o valor da causa é um valor certo, expresso em moeda legal e representa a utilidade económica imediata do pedido. Na presente ação, o Demandante formula pedidos de pagamento de diferenças salariais, com origem em erros no processamento dos vencimentos de categoria e de exercício e no errado posicionamento na TRU.

Nos termos do n.º 7 do artigo 32.º do CPTA, quando sejam cumulados na mesma ação vários pedidos, o valor da causa é a quantia correspondente à soma do valor desses pedidos.

Ora, no que toca aos três primeiros pedidos, o Demandante pretende obter o pagamento de quantias certas, a título de diferenças salariais. Por este motivo, nos termos do n.º 1 do artigo 32.º do mesmo Código, o valor da causa deverá corresponder ao somatório das diferenças salariais devidas: €8.820,06, referente ao primeiro pedido, €6.970,22, referente ao segundo pedido, e €5.013,12, referente ao terceiro pedido, o que perfaz o montante total de €20.803,40.

Quanto ao quarto pedido, o Demandante pediu o pagamento de emolumentos pessoais a calcular pela Entidade Demandada, não tendo fornecido nenhuma ideia quanto às quantias que poderiam estar em causa nem quanto ao benefício económico que daí poderia resultar, pelo que o mesmo terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 34.º do CPTA, atribuindo-se-lhe o valor de €30.000,01, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

No que respeita aos quinto e sexto pedidos, o Demandante pediu a declaração de inconstitucionalidade de preceitos legais e a repristinação de normas revogadas, bem como o cálculo do vencimento médio de um 1.º Ajudante, e a sua aplicação ao Demandante, com consequente reposicionamento remuneratório, não tendo fornecido qualquer aproximação ou ideia quanto às quantias que poderiam estar em causa nem ao benefício económico que daí poderia resultar. Nesse sentido, o valor da causa relativo a cada um desses pedidos terá de considerar-se indeterminável, nos termos da primeira parte do n.º 1 do artigo 34.º do citado Código, atribuindo-se-lhe o valor de €30.000,01, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

Atendendo, ao disposto no n.º 7 do artigo 32.º e aos objetivos expressos nos números 2 e n.º 4 do artigo 34.º do CPTA, entende-se que o valor da presente causa deverá corresponder ao somatório dos valores dos três primeiros pedidos com o valor próprio dos pedidos de valor indeterminável, o que assegura o recurso para o Tribunal Central Administrativo.

Assim, deverá fixar-se à causa o valor de €80.803,42, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 31.º, dos n.ºs 1 e 7 do artigo 32.º, dos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 34.º do CPTA e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 306.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, bem como do artigo 29.º do Regulamento do CAAD.

 

IV           – Decisão

 

Face às considerações que antecedem, decide-se julgar a presente ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência:

a)            Condenar a Entidade Demandada a reconstituir a carreira do Demandante de acordo com os índices legalmente aplicáveis e a pagar-lhe as diferenças salariais entre os valores dos vencimentos de categoria e subsídios de férias e de Natal devidos no período de 1 de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2019 e os valores efetivamente pagos a esse título no indicado período, no total de €8.820,06, sujeitos aos descontos legais;

 

b)           Condenar a Entidade Demandada a pagar ao Demandante as diferenças salariais entre os valores dos vencimentos de exercício devidos no período de 1 de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2019 e os valores efetivamente pagos a esse título no indicado período, no total de €6.970,22, sujeitos aos descontos legais;

 

c)            Condenar a Entidade Demandada a integrar o Demandante, com efeitos a 1 de Janeiro de 2020, entre a 5.ª e a 6.ª posições remuneratórias da carreira especial de oficial de registos, ou seja, entre os níveis 31 e 35 da Tabela Remuneratória Única, bem como a, consequentemente, pagar-lhe as diferenças salariais entre os valores da remuneração de base e subsídios de férias e de Natal devidos no período de 1 de janeiro de 2020 a 31 de dezembro de 2021 e os valores efetivamente pagos a esse título no indicado período, no total de €5013,12, sujeitos aos descontos legais;

 

d)           Absolver a Entidade Demandada do pedido de reconhecimento do direito do Demandante a receber emolumentos pessoais em falta, a calcular por aquele;

 

e)           Absolver a Entidade Demandada do pedido de afastamento da aplicação dos n.ºs 1 e 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro, por alegada inconstitucionalidade na interpretação de acordo com a qual para apuramento do vencimento base será considerado o vencimento de exercício calculado com base na Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, e suas sucessivas renovações;

 

f)            Absolver a Entidade Demandada do pedido de repristinação do Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, e do disposto na Portaria n.º 940/99, de 27 de outubro, de acordo com os quais se fixaria a forma de cálculo do vencimento de exercício a que os oficiais de registo teriam alegadamente direito à data de entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro (diploma que criou o regime da carreira especial dos oficiais de registo) e, com base nessa forma de cálculo, calcular o vencimento médio nacional de um 1.º Ajudante no 5.º escalão e aplicá-lo ao Demandante com a consequente alteração da sua posição remuneratória; caso isso não seja exequível, aplicar ao Demandante o vencimento médio nacional de um 1.º Ajudante no 5.º escalão à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 115/2018, de 21 de dezembro, com consequente alteração da sua posição remuneratória.

 

Fixa-se à causa o valor de €80.803,42.

A taxa de arbitragem é calculada nos termos das disposições regulamentares aplicáveis. Os encargos são suportados pelo Demandante e pela Entidade Demandada nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 5 do Regulamento do CAAD.

Registe, notifique e publique.

07 de abril de 2022

 

O Árbitro,

Henrique Rodrigues da Silva