Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 177/2020-A
Data da decisão: 2021-11-04  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Relação Jurídica de Emprego Público – Suplemento de risco
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – Relatório

 

A - Partes e objeto do litígio

 

A Demandante A..., foi Especialista-Adjunto, de Escalão 9, provida nos Quadros dos Funcionários da B..., a exercer funções, na Diretoria do ...– STI, desde 29 de Junho de 1981 a 31 de Julho de 2020, data da sua aposentação, intentou em 2 de Dezembro de 2020 a presente ação, contra o Demandado Ministério ..., ambas as partes melhor identificados e descritos nos autos.

 

Peticiona a Demandante que:

Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se que a presente acção deva ser julgada procedente e provada, bem como:

 

a)            Que venha a ser considerado nulo o acto administrativo praticado pela Demandada, conforme mencionado no retros mencionados artigos 62º ao 64.º da presente Petição Inicial, pela prática do vício de violação de lei;

 

b)           Que à Demandante venha a ser reconhecido o direito ao Suplemento de Risco, conforme se acha previsto no artigo 99.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro, no valor de 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária, alterado pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 302/98, de 7 de Outubro, e mantido em vigor pelo disposto nos artigos 91.º e 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro.

 

c)            Que à Demandante venham a ser pagos todos os valores relativamente ao Suplemento de Risco previsto nos termos legais retro mencionados, bem ainda, aos valores resultantes do recalculo da pensão, devendo, para o efeito, ser notificada a C.G.A..

 

d)           Que à Demandante venham a ser pagos todos os juros legais, vencidos e vincendos, a que tenha direito, e respeitantes ao período de tempo já indicado;

 

e)           Que, devido à imputação da Responsabilidade Civil Extracontratual que se invocou, a título de indemnização, de modo a ressarcir a Demandante e a repor, desse modo, a situação que não teve por não aplicação do diploma legal exaustivamente identificado, devendo ser-lhe atribuído um valor pecuniário nunca inferior a 20% dos valores a receber relativamente ao Suplemento de Risco idêntico ao pessoal da investigação criminal.

 

Para tanto alega  e requer, em síntese, que seja reconhecidos e efetuados os pagamento de todos os montantes referentes ao Subsídio de Risco, conforme decorre dos preceitos legais, desde 02 de Julho 2009 a 31 de Julho 2020, data da sua aposentação, nos termos do disposto no art. 99.º n.º 3 e n.º 4 do DL 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação dada pelo DL 302/98, de 7 de Outubro, e a condenação do Demandado no pagamento dos valores em dívida, desde 2009, até à presente data, acrescidos dos juros legais e, ainda, a dar conhecimento à Caixa Geral de Aposentações, para que a sua pensão seja recalculada desde o dia 01 de Janeiro e até à data em que foi aposentada, nos termos do peticionado.

 

A Demandante fundamenta a sua pretensão na aplicação à sua situação dos seguintes normativos legais, na exposição de factos descrita, e na respetiva conjugação, na seguinte medida:

- Nos termos do disposto no artigo 99.º n.º 3 e 4 do DL 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação dada pelo DL 302/98, de 7 de Outubro, normas aplicáveis por força do disposto nos artigos  91.º, 161.º e 178.º do DL 275-A/2000, de 9 de Novembro, o suplemento de risco para os trabalhadores da carreira de Grupo de Pessoal de Apoio à Investigação Criminal, da B... é fixado em 25% do índice correspondente ao 1.º escalão da categoria de Inspetor;

- O artigo 2.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de Agosto, determinou o congelamento dos montantes dos suplementos remuneratórios, que não tivessem a natureza de remuneração base, devidos aos funcionários, agentes e demais servidores do Estado.

- Congelamento esse que foi prorrogado até 31 de Dezembro de 2007 pelo artigo 2.º da Lei n.º 53-C/2006, de 29 de Dezembro.

- Cessada a vigência da Lei n.º 53-C/2006, de 29 de Dezembro em 31 de Dezembro de 2007 (artigo 4.º da citada lei), a Lei do Orçamento do Estado para 2008 e a subsequente Lei do Orçamento de Estado para 2009 vieram estabelecer formas de cálculo específicas para a atualização dos suplementos remuneratórios;

 

O Demandado é o Ministério ... que nos termos legais da Lei Orgânica do Ministério ... aprovado pelo Decreto-Lei n.º 123/2011 de 29 de Dezembro na redação dada pela Lei n.º 89/2017, de 21/08, encontra-se vinculada à jurisdição do CAAD no que respeita à composição de litígios de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros que tenham por objeto questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou doença profissional (vide artigo 1º n.º 1 alínea d) e n.º 2 da alínea a) da Portaria n.º 1120/2009 de 30 de Setembro, que vincula à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD vários serviços centrais, pessoas coletivas e entidades que funcionam no âmbito do Ministério ... .

 

Citado no processo, veio o Demandado apresentar contestação em 11 de Janeiro de 2021, invocando, em síntese, as seguintes exceções:

-  Exceção de incompetência do CAAD em razão da matéria por entender que o CAAD não detém as competências legais para a apreciação do presente litígio dado que o objeto tal como configurado pela Demandante não determina a vinculação do Demandado à jurisdição do CAAD;

- Exceção de caso julgado;

- Exceção de incompetência do CAAD para dirimir o presente litígio, em razão de o Demandado não se ter vinculado quanto às matérias relativas a remunerações, e como tal ser este um direito indisponível de ser dirimido pelo CAAD nos termos legais aplicáveis;

- Exceção de caducidade do direito de ação, fundamentado no pressuposto de os atos de processamento de vencimentos e outros abonos constituem verdadeiros atos administrativos, e não meras operações materiais, e como tal suscetíveis de impugnação pelo prazo de três meses, pelo que a presente ação é intentada fora de tempo, pelo decurso desse prazo.

- Litispendência;

 

Pugna o Demandado, a final, pela improcedência dos pedidos e sua consequente absolvição.

 

Procedeu o Demandado à junção do Processo Administrativo, nos termos do artigo 12º n.º 4 do RAA, conforme documento junto na sua Contestação.

 

Foi apresentada Réplica por parte da Demandante, em 22 de Janeiro de 2021, pronunciando-se sobre as exceções invocadas pelo Demandado, requerendo a sua improcedência, mais concluindo peticionando como na petição Inicial apresentada.

 

Findo os articulados foi proferido despacho inicial, nos termos do disposto no artigo 18º do Regulamento da Arbitragem Administrativa (RAA), em 14 de Maio de 2021, onde o Tribunal Arbitral pronunciou-se sobre a condução dos trabalhos e tramitação processual.

 

Foi por este Tribunal agendada audiência de julgamento, que teve lugar no Centro de Arbitragem Administrativa, sita em Lisboa, para inquirição das testemunhas arroladas pela Demandante, e que teve lugar no dia 27 de Julho de 2021.

 

Com o despacho inicial foi dada às partes a oportunidade, nos termos e para os efeitos do artigo 24º do RAA para, querendo, no prazo de dez dias, requererem o que entendessem útil à boa decisão da causa ou apresentarem alegações escritas, em simultâneo, uma vez que não renunciaram ao exercício dessa faculdade. As partes alegaram, tendo a Demandante como e Demandado prescindirem do exercício deste direito.

 

B - Tribunal Arbitral

 

O Tribunal Arbitral é composto por Tribunal Singular designados pelo CAAD (cfr. artigo 15º n.º 1 do Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD).

 

Por correio eletrónico de 6 de Maio de 2021, o Presidente do Conselho Deontológico do CAAD comunicou aos mandatários das partes a designação deste Tribunal Singular.

 

C –  Saneamento do processo

 

Das exceções invocadas

Cumpre apreciar prioritariamente a competência material do Tribunal e as exceções invocadas pela entidade demandada.

 

Seguindo de perto jurisprudência que vem sendo adotada neste CAAD, o qual subscrevemos integralmente as considerações expandidas na decisão proferida no Proc. 1297/2019-A e Processo n.º 117/2020 – A de 10 de Janeiro de 2021do CAAD quanto a algumas das exceções invocadas, vamos por ora debruçar-nos sobre algumas das exceções invocadas, remetendo no essencial para estas decisões que, dada as exceções serem idênticas, nos privamos de voltar a abordar com o detalhe naquelas bastante esplanadas.

 

Vejamos então.

 

(i)           Exceção de incompetência material e exceção de incompetência para dirimir matérias relativas a remunerações

 

 

Na análise da competência do Tribunal, e seguindo de perto jurisprudência trazida aqui á colação por se entender ser a mais adequada ao caso sub judice, diremos que, salvo melhor opinião, cabe apreciar a arbitrabilidade do litígio, na sua vertente objectiva, face ao objecto do litígio, e subjetiva face à posição das partes e do específico Tribunal Arbitral. Trata-se aqui da consagração do chamado princípio da Kompetenz-Kompetenz, que a Lei da Arbitragem Voluntária aprovada pela Lei nº 63/2011, de 14-12, estabelece no seu artigo 18º, sob a epígrafe “competência do tribunal arbitral para se pronunciar sobre a sua própria competência”.

 

A competência do tribunal arbitral pressupõe, antes do mais, a arbitrabilidade do litígio (cujo objeto deve ser abrangido pela convenção de arbitragem), a existência de uma convenção de arbitragem válida e eficaz entre as partes e a regular constituição do Tribunal Arbitral.

 

A competência material do Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD afere-se em função da Lei, dos seus Estatutos e do seu Regulamento de Arbitragem.

 

O CAAD tem por objeto, além de outros, a resolução de litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público – Cfr  alínea c) do n.º 1 do artigo 180.º e 187º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e n.º 2 do artigo 3.º dos Estatutos do CAAD.

 

A matéria em causa nos autos constitui matéria emergente de relação jurídica de emprego público, sem margem para dúvidas.

 

Alegando, por um lado, que a entidade demandada não se vinculou à jurisdição arbitral do CAAD relativamente ao objeto do litígio e, por outro, que o objeto do litígio respeita a remunerações,  excepciona a Ré a incompetência material deste Tribunal.

 

Vejamos:

 

É admissível a constituição de Tribunal Arbitral “(...) para o julgamento de questões respeitantes a relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis (...)” – Cfr artigo 180º-1/d), do CPTA.

 

A B... vinculou-se á jurisdição do CAAD através da Portaria nº 1120/2009, de 30-9, com exclusão dos litígios relativos à carreira de investigação criminal tendo por objeto matéria relativa a remunerações e suplementos [cf artigo 1º-3/c), da citada Portaria].

 

No caso, a Demandante autora foi trabalhadora com funções de apoio à investigação criminal da B..., pertencente ou integrada na carreia informática, nas seguintes categorias:

- 30/06/1981                     Operadora Registos Dados

- 08/07/1985                      Operadora Registo Dados Principal

- 27/04/1988                      Especialista Auxiliar de Polícia N2

- 27/11/1989                      Especialista Auxiliar de Polícia N3

- 18/12/1995                      Especialista Adjunto Escalão 6

- 20/12/2001                      Especialista Adjunto Escalão 7

- 19/12/2004                      Especialista Adjunto Escalão 8

- 13/11/2008                      Especialista Adjunto Escalão 9

 

Ora se assim é, a sobredita norma excepcional [artigo 1º-3/c), da citada Portaria], não deve ser trazida à colação pela simples e cristalina razão de que não é o pessoal da carreira de investigação criminal que está aqui em causa mas antes o da carreira, distinta, de apoio à investigação criminal.

 

E será que estão em litígio direitos indisponíveis, como tal subtraídos à jurisdição do CAAD?

 

Afigura-se que não.

 

Repisando as considerações tomadas e já invocadas em jurisprudência referenciada, na verdade, o que o legislador quis decididamente subtrair à jurisdição do CAAD foram, como se viu supra, por um lado, os litígios relativos a remunerações e suplementos de funcionários da carreira de investigação criminal e, por outro, todos os litígios tendo por objeto direitos absolutamente indisponíveis ou irrenunciáveis.

 

Ora, no caso, tratando-se de discutir a existência ou não do direito a Subsídio de Risco correspondente da remuneração global dos trabalhadores representados pela Demandante, a indisponibilidade do respetivo direito não abrange estas parcelas porquanto a mesma não ultrapassa notoriamente um terço da remuneração e, consequentemente, encontra-se tal parcela na esfera da disponibilidade de cada trabalhador à luz do que dispõe o artigo 175º, da LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – Lei nº 35/2014, de 20-6): “o trabalhador não pode ceder, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos a remunerações na medida em que estes sejam impenhoráveis”.

 

Relativamente aos salários, vencimentos ou remunerações dos trabalhadores em sentido amplo, a impenhorabilidade é, em regra, de dois terços (2/3), sendo limitada no máximo ao equivalente a três salários mínimos nacionais ou remunerações mínimas garantidas e, no mínimo, quando o trabalhador não tenha outros rendimentos, ao equivalente à remuneração mínima – Cfr artigo 738º, do Código de Processo Civil.

 

Decorre do exposto, a indisponibilidade relativa do direito invocado e, consequentemente, improcede totalmente a exceção de incompetência material suscitada pela demandada.

 

 

(ii)          Da invocada caducidade do direito de ação

 

Fundamenta a demandada a exceção de caducidade do direito da Demandante centrada no facto de serem os atos de processamento de vencimentos ou remunerações mensais relativos ao período 2 de julho de 2009 a 31 de julho de 2020, antes de aposentação da Demandante, verdadeiros atos administrativos e, consequentemente, sujeitos à caducidade de três meses, prevista no artigo 58º-1/b), do CPTA.

 

Muito se tem escrito por aquilo que se entende por ato administrativo.

A mais elevada Doutrina que sobre esta matéria tem-se debruçado, é clara quanto a interpretação a ser dada.

 

Começando pela doutrina, explana Rogério Soares (Direito Administrativo, Coimbra) que o ato administrativo “ é uma estatuição autoritária, relativa a um caso individual, manifestada por um agente da Administração no uso de poderes de Direito Administrativo, pela qual se produzem efeitos jurídicos externos positivos ou negativos”.

 

Por seu lado, refere Freitas do Amaral (Curso de Direito Administrativo, vol. II, 2012, 2ª edição) que “ é o acto jurídico unilateral praticado, no exercício do poder administrativo, por um órgão da Administração ou por outra entidade pública ou privada para tal habilitada por lei, e que traduz a decisão de um caso considerado pela Administração, visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta.”

 

Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim (Código de Procedimento Administrativo, comentado), vêm, ainda, referir que “ acto administrativo é a medida ou prescrição unilateral da Administração que produz direta, individual e concretamente efeitos de direito administrativo vinculantes de terceiros.“

 

O STA sobre esta temática e a sua problemática, tem proferido decisões que vão neste sentido:, “(...) os actos de processamento de vencimentos são actos administrativos, quanto às questões sobre as quais tenham tomado posição com vontade de unilateralidade decisória, enquanto consubstanciam decisões, ao abrigo de normas de direito público, produzindo efeitos em situações individuais e concretas e

 (...) são actos de mera execução os praticados em consequência necessária da definição de situações jurídicas constantes de actos administrativos anteriores e que não contenham outros efeitos jurídicos que não sejam a concretização ou desenvolvimento das estatuições jurídicas contidas neles (...)” – Cf Ac. do STA de 10-4-2008 – Proc nº 0544/06.

 

Do exposto se infere que, como refere o próprio artigo 148º do CPA, para que ocorra um ato administrativo, temos de estar perante uma decisão da Administração que produza efeitos externos numa situação concreta. Note-se que, por decisão, tem de entender-se a resolução ou uma tomada de posição sobre um assunto colocado à Administração.

 

 

Ora o ato de processamento de vencimentos apenas pode ser considerado, como se viu, um ato administrativo quando ocorra, de novo, alguma intervenção da Administração e que tenha definido determinada situação concreta. Isto é, quando um órgão da Administração decida sobre uma qualquer questão e a dê conhecer ao interessado.

 

Ou seja, e em conclusão: não se pode considerar ato administrativo o processamento mecanizado mensal dos vencimentos, elaborados normalmente pelos serviços administrativos e financeiros, onde não existe uma qualquer definição sobre um problema concreto. As situações constantes do processamento de vencimentos há muito que estão definidas e o processamento é um ritual quase automático, muitas vezes, ou quase sempre, processado através do sistema informático. Nestes casos estamos a falar de operações materiais e não de atos administrativos.

 

Descendo ao caso dos autos, e novamente, observando de perto e seguindo as considerações tomadas e já invocadas em jurisprudência deste CAAD já referenciada:

 

Analisada a petição inicial, não se surpreende a alegação de que tenha havido qualquer definição voluntária e inovatória da Administração Pública relativamente ao montante do subsídio de risco (que é o que está em causa) processado mensalmente aos trabalhadores.

 

E se assim é, então os atos de processamento de vencimentos não configuram atos administrativos mas meros atos mecanizados mensais de processamento dos vencimentos.

 

Improcede, assim, a exceção de caducidade do direito de ação.

 

 

(iii)         Da Litispendência e Litigância de Má-Fé

 

Fundamenta, também, a demandada a exceção de litispendência.

 

Dispõe o artigo 581º do Código do Processo Civil, ex vie artigo 1º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos, e aplicável a explanação que se irá efetuar o seguinte:

“1 – Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa do pedido.

 2 – Há identidade dos sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.

3 – Há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.

4 – Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.”

 

Ora, a presente ação é intentada pela Demandante, identificada como A..., tratando-se de uma pessoa singular, devidamente identificada no presente processo.

É bom de dizer que estamos em crer que a Demandada confundiu, de algum modo, a Demandante com outros autores em outros processos a correrem termos aqui no CAAD, sem que, no entanto, isso configure, salvo opinião diversa, uma verdadeira litigância de má-fé.

 

Aliás, nos processos mencionados pela Demandada não está a Demandante, nem nunca esteve, mencionada em tais processos.

 

Compulsada a Contestação do Demandado, é certo que o mesmo invocou excepções – como a incompetência material do Tribunal Arbitral, a litispendência e o caso julgado –, bem como alegou o correto processamento de vencimentos, cuja falta de fundamento não deveria ignorar. Todavia, não estamos convencidos de que essa atuação, embora censurável, tenha ficado a dever-se a dolo ou a negligência grave. Importa ainda salientar que o Demandante também não alegou na sua Réplica qualquer facto que pudesse conduzir à prova do requisito de imputação subjetiva do facto ao Demandado.

 

Nestes termos, improcede o pedido de condenação do Demandado como litigante de má-fé.

 

Assim como, e sem mais delongas na exposição, improcede, também, a exceção de litispendência.

 

D – Da prova testemunha:

 

Em 27 de Julho de 2021, pelas 14h00 teve lugar no CAAD a inquirição das testemunhas arroladas pela Demandante, tendo participado nesta inquirição via Cisco Webex Meetings, o ilustre mandatário da Demandante e o ilustre mandatário do Demandado.

 

Aos costumes procederam cada uma das testemunhas à sua identificação, prestando o respetivo juramento.

A 1ª testemunha arrolada pela Demandante, C..., respondeu às questões colocadas pelo mandatário da Demandante, relativamente aos artigos 1º a 25º e 28º.

Para a presente ação e para a boa decisão da causa, disse a testemunha ao presente Tribunal Arbitral que a Demandante sempre privou com a testemunha e trabalhou com aquela desde 1987, e que exerceu funções como Chefe de Informática, que sempre efetuou peritagens no âmbito das suas funções. Referiu que a Demandante deveria receber o subsídio de risco dado que existem colegas seus que também auferem esse subsídio. O depoimento foi claro, objetivo revelando um conhecimento aprofundado das funções da Demandante e em que estas funções consistiam.

O mandatário do Demandado não colocou questões à testemunha.

 

A 2ª testemunha arrolada pela Demandante, D..., respondeu às questões colocadas pelo mandatário da Demandante, relativamente aos artigos 13º a 17º e 21º a 28º.

Transmitiu a testemunha ao Tribunal Arbitral que a Demandante foi chefe deste a partir de 1997; a Demandante chefiava e fazia todo o serviço no que concerne ao departamento de SI e STI; A Demandante era responsável pelas duas redes de SI e STI e que desempenhava um papel ativo nessa função e que a Demandante era chefe de informática. O depoimento foi claro, objetivo revelando um conhecimento aprofundado das funções da Demandante e em que estas funções consistiam.

O mandatário do Demandado não colocou questões à testemunha.

 

E – Do mérito do pedido: questões que ao Tribunal Arbitral cumpre resolver:

 

Tudo visto e analisado, ponderadas as provas existentes, atento o Direito aplicável, cumpre apreciar e decidir do mérito do pedido.

 

São apenas duas as questões a decidir, configuradas a partir da causa de pedir e do pedido e da posição assumida pela Demandante na petição e do Demandado na contestação:

 

             Tem direito ou não a Demandante aos suplementos remuneratórios a título de Subsídio de Risco, no período entre 02 de Julho 2009 a 31 de Julho 2020, até à sua aposentação?

             Se sim, qual ou quais o/s regime/s jurídico/s aplicável/s ao caso, designadamente em matéria de pagamento de suplementos remuneratórios aa Demandante (subsídios de risco, turno e trabalho extraordinário) no período entre Janeiro de 2010 e à data presente?

             Haverá responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas decorrente do não reconhecimento dos suplementos remuneratórios a título de Subsídio de Risco?

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

A – Factos

 

Os factos relevantes para a decisão da causa afiguram-se não controvertidos, existindo apenas um facto dado como não provado, sendo os restantes factos não provados relevantes para a decisão, até porque é bastante preciso o ponto de discórdia entre a Demandante e o Demandando, e que se resume à interpretação a ser dada ao thema decidendum anteriormente explanados no ponto de “C – Questões que ao Tribunal Arbitral cumpre resolver”, isto é, saber se

             “Tem direito ou não a Demandante aos suplementos remuneratórios a título de subsídios de risco, subsídio de Turno e Trabalho Extraordinário no período entre Janeiro de 2010 e à data presente?

             Se sim, qual ou quais o/s regime/s jurídico/s aplicável/s ao caso, designadamente em matéria de pagamento de suplementos remuneratórios aos representados pela Demandante (subsídios de risco) no período entre Janeiro de 2010 e à data presente?

 

A decisão sobre a matéria de facto assentou essencialmente na análise crítica da prova documental de testemunhal produzida nos autos pela Demandante e Demandado.

 

Assim, com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados, os seguintes factos:

I.             A Demandante foi Especialista-Adjunto, de Escalão 9, provida nos Quadros dos Funcionários da B..., a exercer funções, na Diretoria...– STI, desde 29 de Junho de 1981 a 31 de Julho de 2020, data da sua aposentação;

II.            A Demandante encontrava-se no quadro da B..., a 29/06/1981, de acordo com a Ficha Biográfica;

III.          Entre desde 02 de Julho 2009 a 31 de Julho 2020, a Demandante não auferiu, ou auferiu parcialmente, o subsídio de risco nos termos do que é determinado legalmente estabelecido no índice remuneratório correspondente ao escalão a que cada uma está colocada, conforme documentos juntos com a Petição Inicial;

IV.          A Demandante requereu à Direção Nacional da B..., a devida correção, no sentido de lhe ser regularizada a situação, de acordo com o artigo 99.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro, conforme Requerimentos cujas cópias se encontram juntas à Petição Inicial sob doc. 1/A a 1/D.

V.           Tal pedido foi-lhe indeferido em por e-mail pela Direção da DS-GAP, cujo documento se encontra junta à Petição Inicial como doc. 2/A.

VI.          Na presente data encontram-se por pagar os valores devidos a título de subsídio de risco, trabalho por turno e trabalho extraordinário, desde 02 de Julho 2009 a 31 de Julho 2020, data em que a Demandante se aposentou na CGA.

VII.         A Demandante apresentou a sua petição inicial em 2 de Dezembro de 2020;

VIII.       O Demandando apresentou a sua contestação em 11 de Janeiro de 2021;

IX.          A Demandante apresentou a sua réplica em 22 de Janeiro de 2021;

X.            Foi junto pelo Demandado o processo administrativo;

XI.          A Demandante não apresentou alegações escritas e o Demandando não apresentou alegações.

 

 

Assim, com relevância para a decisão a proferir, inexistem factos que se consideram-se não provados, com exceção para a invocação de litispendência invocada pela Demandante, identificada na PI.

Ora, dada a superficialidade e falta de prova da exceção invocada, afigura-se que a mesma não foi conveniente provado, nem a Demandada juntou elementos suficientes e bastantes para prova que de que há uma real e efetiva litispendência em dois processos a correr termos neste CAAD.

Competia em exclusivo à Demandada fazer prova desta litispendência, juntando aos autos elementos credíveis do mesmo e não conjeturando que a semelhança de nome configure, tout court, uma exceção de litispendência.

Por este motivo, consideramos como não provada a presente exceção invocada.

 

B – Direito

 

Uma vez confirmada a improcedência das exceções invocadas pela Demandada, nos termos e com os fundamentos acima melhor expostos, cumpre apreciar a procedência ou improcedência do pedido da Demandante.

Relembrando os pedidos da Demandante, estes são os seguintes:

“Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se que a presente acção deva ser julgada procedente e provada, bem como:

 

a)            Que venha a ser considerado nulo o acto administrativo praticado pela Demandada, conforme mencionado no retros mencionados artigos 62º ao 64.º da presente Petição Inicial, pela prática do vício de violação de lei;

 

b)           Que à Demandante venha a ser reconhecido o direito ao Suplemento de Risco, conforme se acha previsto no artigo 99.º, n.ºs 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de Setembro, no valor de 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária, alterado pelo artigo 1.º, do Decreto-Lei n.º 302/98, de 7 de Outubro, e mantido em vigor pelo disposto nos artigos 91.º e 161.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro.

 

c)            Que à Demandante venham a ser pagos todos os valores relativamente ao Suplemento de Risco previsto nos termos legais retro mencionados, bem ainda, aos valores resultantes do recalculo da pensão, devendo, para o efeito, ser notificada a C.G.A..

 

d)           Que à Demandante venham a ser pagos todos os juros legais, vencidos e vincendos, a que tenha direito, e respeitantes ao período de tempo já indicado;

 

e)           Que, devido à imputação da Responsabilidade Civil Extracontratual que se invocou, a título de indemnização, de modo a ressarcir a Demandante e a repor, desse modo, a situação que não teve por não aplicação do diploma legal exaustivamente identificado, devendo ser-lhe atribuído um valor pecuniário nunca inferior a 20% dos valores a receber relativamente ao Suplemento de Risco idêntico ao pessoal da investigação criminal.

 

Importa, desde logo, salientar que a atribuição de subsídio de riscos, aos diversos trabalhadores que exercem funções na B...  não constitui uma questão nova, tendo já sido objeto de anteriores pronúncias deste mesmo Centro de Arbitragem, nomeadamente nos Processos n.ºs 44/2016 – A, 17/2017-A, 62/2015-A e 1297/2019-A (este último, aliás, objeto de expressa menção da Demandante, na sua réplica).

 

1. A previsão legal do suplemento de risco dos trabalhadores da B...

 

                Dispõe o art.º 99.º do Decreto-Lei 295-A/90, de 21 de Setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei 302/98, de 7 de Outubro, sob a epígrafe “Subsídio de risco”, o seguinte:

                “1. Os funcionários ao serviço da B... têm direito a um suplemento de risco, graduado de acordo com o ónus da função dos diferentes grupos de pessoal

2. O suplemento de risco para o pessoal dirigente e de chefia é fixado em 20% da remuneração base mensal do respetivo cargo.

3. O suplemento de risco para os funcionários da carreira de investigação criminal é fixado em 25% do índice correspondente ao 1.º escalão da categoria prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 119.º.

4. Os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, telecomunicações e segurança têm direito a suplemento de risco de igual montante ao fixado no número anterior.

5. Sem prejuízo do número anterior, os funcionários que integram o grupo de pessoal de apoio à investigação criminal têm direito a um suplemento de risco correspondente a 20% do índice 100 da respetiva tabela indiciária.

6. O pessoal operário e auxiliar tem direito a um suplemento de risco de montante igual ao fixado para o pessoal de apoio à investigação criminal.

7. O suplemento de risco referido nos números anteriores é considerado para efeitos de subsídios de férias e de Natal, estando sujeito ao desconto de quota para aposentação e sobrevivência”.

Não obstante, a revogação do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro, pelo Decreto-Lei 275-A/2000, de 9 de novembro (cfr. Art.º 179.º deste último diploma), a verdade é que, de acordo com os art.ºs 91.º, 161.º e 178.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, até à aprovação do novo sistema remuneratório, o pessoal dirigente e o “restante pessoal da B... mantém o direito ao suplemento de risco segundo o critério em vigor à data da entrada em vigor do presente diploma” (art.º 161.º, n.ºs 1 e 3).

Não obstante a injunção legal no sentido da aprovação de tal regime remuneratório no prazo de 180 dias a contar da entrada em vigor do mesmo diploma de 2000 (art.º 178.º, n.º 1), tal não veio a acontecer, destarte prolongando no tempo a vigência do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro.

Relativamente à razão de ser destes suplementos de risco e às condições da sua atribuição, subscrevemos integralmente as considerações expandidas na decisão proferida no Proc. N.º 17/2017-A do CAAD: “Ao contrário do regime geral dos suplementos por risco na relação jurídica de emprego público, em que o risco tem que ser efetivo, aqui a regra é o subsídio de risco seguir o ónus da «função». Tendo os diferentes grupos funções diferentes, entendeu o legislador que o ónus das funções das carreiras do grupo de pessoal de investigação criminal oferece um risco maior, pelo que para este grupo consagrou a taxa de subsídio maior, de 25%, conforme nº 3 do mesmo diploma e disposição legal. Já para o pessoal dirigente e de chefia, para o grupo de apoio à investigação criminal e para o pessoal operário e auxiliar, a taxa é de 20%.”

 

2. As restrições ao pagamento do subsídio de risco até 2010 e o caso dessas restrições a partir desta última data

 

Não obstante a previsão legal da outorga de subsídio de risco aos diversos profissionais da B... data de 1990, onde se inclui a Demandante, a verdade é que tal suplemento remuneratório nem sempre foi pago ou, pelo menos, não de acordo com os montantes e percentagens legalmente fixadas.

De facto, o art.º 2.º da Lei n.º 43/2005, de 29 de agosto, determinou o congelamento dos montantes dos suplementos remuneratórios, que não tivessem a natureza de remuneração base, devidos aos funcionários, agentes e demais servidores do Estado, congelamento esse prorrogado até 31 de dezembro de 2007 pelo art.º 2.º da Lei n.º 53-C/2006, de 29 de dezembro.

Relativamente ao período posterior a 2008 em diante, socorremo-nos das considerações expandidas na citada decisão do CAAD n.º 62/2005 “para 2008, Lei 67-A/2007, de 31.12, no seu art. 15º/1 sobre «Carreiras e Suplementos Remuneratórios», determinou a suspensão, até 31 de Dezembro de 2008, das revisões de carreiras e do regime e montantes dos suplementos remuneratórios, apenas ressalvando as que «resultem da aplicação da lei que, na sequência da Resolução do Conselho de Ministros n.º 109/2005, de 30 de Junho, defina e regule os novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas e da actualização geral das remunerações e suplementos, bem como das que sejam indispensáveis para o cumprimento de lei ou para a execução de sentenças judiciais.»

A mesma lei, no art. 119º/9, sobre «Regime transitório de progressão nas carreiras e de prémios de desempenho na Administração Pública», determinou que a «actualização de suplementos remuneratórios em 2008 incide sobre o valor abonado em 2007, com referência à data de 31 de Dezembro desse ano.». Esta actualização só se aplica às carreiras e regimes revistos, uma vez que a própria lei manteve a suspensão de actualização dos suplementos iniciada em Agosto de 2005. Aliás, ao contrário do que refere o demandado na contestação, de resto fazendo referência ao Parecer da PGR P000…, homologado em 01-02-2010, a Lei 67-A/2007 não procedeu à actualização dos suplementos, antes suspendeu essa actualização, com as ressalvas mencionadas.

A actualização em 2,1 % prevista no art. 2º da Portaria 30-A/2008, de 10.01 foi apenas dos «índices 100 das escalas salariais dos cargos dirigentes e dos corpos especiais». Deste modo, continuando suspensa a actualização dos suplementos não poderiam ser os mesmo processados segundo o regime normal como pretende o Autor, improcedendo, mais uma vez o seu pedido quanto ao ano de 2008.

Para o ano de 2009 a Lei 64-A/2008, de 31.12, no seu art. 22º, sobre «Actualização de suplementos remuneratórios», estatui a «actualização dos suplementos remuneratórios para 2009», a efectuar por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças e devendo incidir «sobre o valor abonado a 31 de Dezembro de 2008». Pela Portaria 1553-D/2008, de 31.12 (art. 6º), vieram os suplementos a ser actualizados em 2,9% tendo por base os montantes abonados em 2008.”.

A partir de 2010, inclusive, como bem se nota no aresto acabado de transcrever parcialmente, cessaram quaisquer restrições legais ao pagamento do suplemento de risco, passando o respetivo pagamento a regular-se exclusivamente pelo disposto no art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90.

Com efeito e citando novamente a Decisão Arbitral prolatada no Proc. N.º 62/2015-A do CAAD, “O direito aos suplementos é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente o direito a uma retribuição segundo a quantidade, qualidade e natureza do trabalho (art. 59º da CRP). Cabe à lei ordinária – e suas regulamentações – a fixação do seu regime e dos seus critérios procurando o regime remunerador do trabalho que considere justo. Esse regime está sujeito a alterações, mas importa saber o âmbito temporal de tais alterações, tendo sempre presente, sobretudo em casos difíceis, que a interpretação a fazer deverá ter por pano de fundo o direito constitucional acima referido e, no caso de alterações de vigência temporária, a ratio legis do regime regra aplicável ao caso.

O regime relativo à actualização dos suplementos da Lei 64-A/2008, de 31.12, destinou-se a ter vigência apenas para esse ano. O art. 22º desta lei refere-se expressa e inequivocamente à «atualização dos suplementos remuneratórios para 2009», de resto acompanhando nesta parte o princípio da anualidade da lei do orçamento (art. 106º/1 da CRP) o que significa que em 01 de Janeiro de 2010 cessou a vigência da norma, regressando, a partir daí, a situação ao regime normal, que nunca foi expressa ou tacitamente revogada. A Portaria 1553-D/2008, na parte em que regulamenta o art. 22º da Lei 64-A/2008 não poderia exceder o âmbito da mesma, sob pena de ilegalidade e nulidade. Tendo cessado em 31 de Dezembro de 2009 a vigência do regime excepcional e temporário a partir de 2010 os suplementos deveriam ser processados na íntegra e pagos em montantes que tenham por base a remuneração-base e índices da tabela remuneratória em vigor, segundo o regime normal.”

Ora, circunscrevendo-se o pedido da Demandante ao pagamento do suplemento de risco do respetivo período entre 02 de Julho 2009 a 31 de Julho 2020, dúvidas não restam quanto à sua contabilização exclusivamente com base no regime constante do acima transcrito art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro.

 

3. A quantificação do valor do subsídio de risco para a Demandante

 

                Aqui chegados e uma vez demonstrado o direito da Demandante ao percebimento do subsídio de risco, a partir de 02 de Julho 2009, exclusivamente de acordo com a legislação especificamente destinada ao pessoal da B..., importa agora escalpelizar melhor quais os termos de tal atribuição. 

                A este propósito cumpre chamar à colação as duas decisões do CAAD anteriormente enumeradas, para esclarecer o seguinte:

                a) no processo CAAD n.º 62/2015-A, estava em causa um trabalhador pertencente à carreira de segurança do grupo de pessoal de apoio à investigação criminal (vide facto provado n.º 1), tendo sido reconhecido o direito a receber um subsídio de risco no valor de 20% do índice 100 da respetiva tabela indiciária (por aplicação do n.º 5 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro);

                b) pelo contrário, no processo CAAD n.º 17/2017-A a Demandante eram trabalhadores pertencentes ao grupo de pessoal de apoio à investigação criminal, a exercer funções no serviço de telecomunicações e informática (factos provados n.ºs 1 e 2), sendo-lhes reconhecido o direito ao subsídio de risco segundo a taxa prevista no n.º 3 do artigo 99.º, do Decreto-Lei nº 295-A/90, por remissão do n.º 4 do mesmo artigo, isto é, no montante de 25%.

 

                No presente caso, a Demandante encontra-se integrada carreira de apoio à investigação criminal, resultando tal devido à sua colocação no Sector de Telecomunicações e Informática (STI), da Diretoria ... .

                Como resulta do cotejo das duas decisões citadas, a dúvida prende-se (nesses processos, como no presente) com a subsunção dos trabalhadores demandantes na previsão normativa do n.º 4 (com os efeitos previstos no n.º 3) ou, pelo contrário, no n.º 5 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90), com as inerentes consequências ao nível da forma de cálculo do montante do suplemento de risco:

                a) na primeira hipótese, tal quantia ascenderá a 20% do índice correspondente ao 1.º escalão da categoria de agente;

                b) na segunda hipótese, corresponderá a 25% do índice 100 da respetiva tabela indiciária.

                Se colocarmos o acento tónico na tipologia das funções desempenhadas (funções no Sector de Telecomunicações e Informática (STI), tenderemos aderir ao segundo entendimento;

 

                Pela nossa parte, aderimos ao segundo dos entendimentos expostos, aderindo à fundamentação aduzida na já citada sentença arbitral proferida no Proc. N.º 17/2017-A,   da qual transcrevemos o seguinte trecho: “Porém, precisamente em coerência com o critério do «ónus das funções», o legislador do Decreto-Lei nº 275-A/2000, considerando que as funções das áreas de criminalística, de telecomunicações e de segurança têm um risco e ónus de perigosidade idêntico ao das funções próprias do pessoal de investigação criminal, no respeito pelo princípio da igualdade e do direito fundamental à retribuição segundo a quantidade, a natureza e a qualidade do trabalho, equiparou aquelas funções a estas para efeitos de valor da taxa de subsídio de risco. Esta equiparação é aplicável, nos termos do nº 4 do artigo em apreço, aos «funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança» (…) Para o referido nº 4, o relevante não são as funções próprias grupo de pessoal de apoio à investigação criminal que importam; nem são as funções específicas das carreiras de Especialista-superior, Especialista ou Especialista-adjunto, mas o estar integrado – independentemente do grupo de pessoal e carreira-, nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança. O que conta neste contexto são as particularidades das funções que constituem esta unidade num ónus mais agravado de perigosidade.”

                Por isso mesmo e em consequência, “A verdade é que a Demandante estão a exercer funções nas áreas funcionais de criminalística, de telecomunicações e de segurança (facto provado 2.) e tanto basta que lhes seja pago o subsídio de risco à taxa de 25%. Não teriam sequer que provar que exercem efetivamente funções de maior risco, ou seja, de risco equiparável ao do pessoal de investigação criminal (…). Deste modo, não só existe possibilidade legal de pagamento do subsídio de risco aa Demandante pela taxa de 25%, como é imperativo que assim seja, sob pena de violação do princípio da legalidade a que a atuação da administração está sujeita nesta matéria”.

Como argumento adicional, acrescentamos que o conteúdo funcional das várias categorias integradas na carreira de apoio à investigação criminal contempla um conjunto bastante heterogéneo de funções, algumas delas incluídas nos domínios da criminalística, telecomunicações e segurança (mencionadas no n.º 4 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90), enquanto outras exorbitam dessas mesmas áreas (implicando, por isso, que os trabalhadores a elas afetos devem incluir-se, inequivocamente, na previsão normativa do n.º 5 do mesmo preceito legal).

                Tomemos, a título de exemplo, a categoria de especialista principal superior, aos quais compete, designadamente, “Prestar assessoria técnica ou pericial nos domínios jurídico, médico, psicológico, económico, financeiro, bancário, contabilístico ou de mercado de valores mobiliários, da criminalística, das telecomunicações, da informática, da informação pública e dos estudos de prevenção, do planeamento e da organização, da documentação, da tradução técnica e interpretação e da gestão e administração dos recursos humanos e de apoio geral no âmbito das actividades de prevenção e investigação criminal e de coadjuvação judiciária” (art.º 73.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 275-A/00).

                De modo análogo, ao especialista-adjunto compete, designadamente, “executar, a partir de instruções, trabalhos de apoio aos especialistas superiores e especialistas, nos domínios da polícia científica, da polícia técnica, da criminalística, das telecomunicações, da informática e da perícia financeira e contabilística” (art.º 75.º do mesmo diploma elencado no parágrafo anterior).

               

                Ora, confrontando esta descrição do conteúdo funcional das várias categorias de carreira de apoio à investigação criminal com os n.ºs 4 e 5 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, verificamos que a intenção do legislador foi a de incluir a generalidade dos trabalhadores nelas integrada naquele n.º 5, reservando apenas para aqueles de entre eles com funções nas áreas das telecomunicações, segurança ou criminalística o tratamento mais favorável plasmado no n.º 3 (por remissão do n.º 4), por ter considerado que tais concretas funções, por se revestirem de uma especial perigosidade ou risco, justificavam uma discriminação positiva relativamente às demais funções potencialmente desempenhadas pelos trabalhadores desta carreira.

 

                Refira-se, ainda, que o entendimento acabado de expor nem sequer conflitua, necessariamente, com a decisão proferida no processo n.º 62/2015-A do CAAD, porquanto a subsunção da situação do ali Demandante no n.º 5 do art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90 bem pode ter decorrido da não especificação, neste outro processo, das concretas funções desempenhadas pelo mencionado Demandante, uma vez que da factualidade provada consta unicamente a sua integração na carreira de apoio à investigação criminal, no Sector de Telecomunicações e Informática (STI), da Diretoria... .

 

4. Juros de mora

 

Relativamente ao pagamento de juros de mora, dúvidas não restam quanto à sua exigibilidade, na medida em que, conforme salientado na decisão proferida no Proc. N.º 45/2014-A do CAAD, “A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (cf. Art. 804.º do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). O devedor fica constituído em mora a partir da data do vencimento se a obrigação tiver prazo certo (cf. Art. 805.º, n.º 2, al. a) do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; o art. 173.º, n.º 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; e o art. 218.º, n.º 3 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Pública). Nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (cf. Art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Os juros devidos são os juros civis legais (cf. Art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), atualmente de 4% de acordo com a Portaria n.º 291/2003, de 08 de abril (cf. Art. 559.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Ao valor do suplemento acresce, portanto, ainda os respetivos juros de mora, à taxa de juro legal, sucessivamente em vigor, ou seja, à taxa de 4% até à presente data sem prejuízo de outra taxa que, entretanto, venha a vigorar, a contar das datas do respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento da dívida.”.

No caso concreto e sendo os juros moratórios calculados à taxa legal em vigor de 4% (sobre o capital em dívida à Demandante), entre o dia em que devia ter sido pago o montante em falta, correspondente ao subsídio de risco até à data da entrada em juízo da petição inicial dos presentes autos.

Naturalmente que a tais importâncias acrescerão ainda os juros de mora desde a data da entrada em juízo da petição inicial dos presentes autos até efetivo e integral pagamento, à mesma taxa legal de 4%.

 

5. Da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por parte do Demandado

 

O regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas foi, durante décadas, regulado, essencialmente, pelo Decreto-Lei n.º 48051 de 21 de novembro de 1967. Contudo este diploma foi expressamente revogado pela Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro.

 

O regime jurídico a considerar para este efeito é o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, aprovado e publicado em anexo à Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro, em especial os seus artigos 7º a 10º.

 

Este regime confere sentido ao princípio consagrado no artigo 22º da CRP (como referido pelo Demandante) segundo o qual: “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”

 

Não obstante o regime legal especial, os pressupostos da responsabilização das entidades públicas são os mesmos que decorrem do princípio geral vertido no artigo 483º do Código Civil.

 

Assim sendo, no caso concreto, para que o Demandado seja responsabilizado é necessário que se apure a existência de um facto voluntário, ilícito e culposo, que tenha causado danos aos representados do Demandante e que se estabeleça o nexo de causalidade entre aquele facto e estes danos.

 

Se podemos assumir que no presente caso existe: i) um facto voluntário praticado por parte do Demandado (controlável pela vontade humana pois apenas se exclui aqueles que decorrem de causas alheias à vontade, tais como causas naturais) que decorre da atuação/prática contínua inerente ao processamento de vencimentos e mesmo o próprio o ato de indeferimento praticado pelo Direção da DS-GAP; ii) ilicitude (artigo 9º) porque, como supra exposto, o pagamento do Suplemento de Risco foi efetuado em violação do disposto no n.º 2 do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 21 de setembro e n.º 1 do artigo 161.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de Novembro e tal traduziu-se no facto da Demandante não terem recebido o valor do suplemento de risco legalmente devido; iii) que existe culpa, considerando que a Demandante beneficia da presunção de culpa leve, nos termos do n.º 2 do artigo 10º e o Demandando não carreou para o processo qualquer factualidade suscetível de afastar esta presunção, verifica-se, contudo, que a Demandante não prova o iv) dano.

 

Ainda que se encontrem preenchidos os pressupostos suprarreferidos (de natureza cumulativa) o mesmo não se verifica em relação ao dano, até porque com a procedência da ação materializasse na esfera jurídica da Demandante o direito que outrora lhe foi negado, sem que tenha sido dado como provado qualquer dano possa acrescer a este facto da negação do suplemento de risco. A Demandante não faz qualquer tipo de prova dos danos sofridos. Limita-se a tecer considerações genéricas e vagas. Os danos patrimoniais têm que resultar de prova produzida, carreada para o processo, sendo o ónus da prova do Demandante, que, manifestamente, não logrou cumprir na presente ação.

 

Ora, não se verificando um dos pressupostos legais e sendo os mesmos cumulativos, improcede o pedido do Demandante no que concerne ao pedido de indemnização por responsabilidade civil extracontratual.

 

*** III – Decisão ***

 

Em face de tudo o que antecede e na parcial procedência do pedido da Demandante, condena-se a Demandada a:

 

a) Reconhecer a Demandante que exerceram funções de no Sector de Telecomunicações e Informática (STI), da Diretoria ..., provida nos Quadros dos Funcionários da B... o direito ao subsídio de risco, segundo a taxa prevista no nº 3 do artigo 99º, do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 12 de setembro, por remissão do nº 4 do mesmo artigo, no valor de 25% do índice correspondente ao 1.º escalão da carreira de inspeção;

 

b) Pagar a Demandante a diferença entre o valor do subsídio de risco calculado nos termos explicitados em a) e nos termos efetivamente pagos, e os restantes nos termos do do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 12 de setembro e da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas;

 

c) Pagar a Demandante os juros de mora sobre o valor em dívida deste a entrada em juízo da presente ação até integral e efetivo pagamento, acrescido de juros de mora à taxa legal;

 

d) Absolve-se a Entidade Demandada do demais peticionado.

 

Lisboa, aos 4 de Janeiro de 2021

 

***

 

Fixa-se o valor da ação em € € 30.000,01 trinta mil e um euros). (cfr. artigo 32º do CPTA ex vi do artigo 26.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD).

 

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Notifique-se a decisão por cópia e deposite-se o original no Centro (artigo 25º do Regulamento de Arbitragem do CAAD).

 

***

 

Relativamente às custas processuais, observe-se o disposto no n.º 5 do art.º 29.º do Regulamento do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD)

 

***

Notifiquem-se as partes e promova-se a publicitação da decisão arbitral, nos termos do art.º 5.º, n.º 3, do Regulamento de Arbitragem Administrativa (CAAD)

 

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Lisboa, aos 4 de Novembro de 2021

 

O Juiz Arbitro,

(Filipe Marques de Carvalho)