SUMÁRIO:
I- A impugnabilidade do ato administrativo depende apenas deste consubstanciar uma (i) decisão materialmente administrativa de autoridade cujos efeitos produzidos (ii) se projetem para fora do procedimento onde o ato se insere.
II- O recurso hierárquico ou tutelar previsto no art. 225º da Lei 35/2014, de 20/6 [Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas] tem natureza necessária.
III- A decisão de 11 de março de 2020, do … a aplicar à representada do Demandante a sanção disciplinar de repreensão escrita não é impugnável de per se, atenta a natureza necessária do recurso tutelar interposto nos termos do previsto no art. 225º LTFP.
DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
A Árbitro, Maria José da Costa Miranda Menezes, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 22 de Outubro de 2020, em que é Demandante o …, em representação da sua Sócia e Delegada Sindical, …, e Demandado o … decide nos termos que se seguem:
O Demandante apresentou, no dia 09-09-2020, ao abrigo e nos termos do disposto no art. 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA), um pedido de constituição de tribunal arbitral, o qual foi aceite no dia 10-09-2020 pelo CAAD.
Nos termos do disposto no art. 12.º do NRAA, o CAAD, através de ofício datado de 10-09-2020, citou o … para contestar, no prazo de 20 dias. A contestação veio a ser apresentada no dia 07-10-2020.
No dia 22-10-2020, o CAAD, nos termos do disposto no art. 17.º do NRAA, notificou as Partes da constituição do Tribunal a da nomeação da signatária como árbitro do processo.
No dia 07-01-2020, o Demandante apresentou um requerimento de pronúncia sobre a contestação.
Não tendo as partes requerido produção de outra prova para além da indicada nos articulados, a tramitação dos autos foi processada apenas por escrito.
Posição do Demandante:
Através do pedido de pronúncia arbitral apresentado, o Demandante, em nome da sua representada, pretende, sumariamente, que o … seja condenado a: 1) reconhecer que a sua sócia e representada, …, não cometeu qualquer infração disciplinar; 2) reconhecer que se verificam as circunstâncias dirimentes por si invocadas, a saber: (a) ter agido em legítima defesa, própria e alheia, "por ter sido exposta a sua vida pessoal" (com a revelação a terceiros de aspetos correlacionados com a saúde, nomeadamente a necessidade de comer de 2 em 2 horas) e ainda por ter sido "colocada em causa a sua postura e brio profissional", considerando-se , além disso e em geral, na defesa dos colegas, reclamando que "as exigências de serviço devem ser iguais para todos os trabalhadores com vista ao bom funcionamento dos serviços"; (b) ter também, ainda que segundo a sua perspetiva, ter atuado em exercício de um direito, agindo, como delegada sindical, em prol da generalidade dos trabalhadores do …, reivindicando o que considerou adequado sobre "horários e funcionamento dos serviços", "pausas para o almoço", "idas à casa de banho" e "pausas, horários e presenças nos balcões (assuntos que se reputa respeitar a todos os trabalhadores), denunciando "situações que eram e são do conhecimento geral do serviço", ainda que "sem intenção ofensiva", sempre visando a "melhoria dos serviços, (...) relatando situações existentes de profunda desigualdade"; em qualquer caso, (c) sem ultrapassar os limites autorizados pela liberdade de expressão, não lhe sendo, por isso e em consequência, (d) exigível conduta diversa, "na medida em que, (...), pretendeu apenas, na sua qualidade de delegada sindical, (...) proteger, em especial, o bom funcionamento do serviço, em prol do respeito do principio da igualdade de todos os trabalhadores, in casu, no que concerne ao direito à pausa dos trabalhadores nos serviços";
3) ou, caso assim não se entenda, a reconhecer que a sanção de repreensão escrita que lhe foi aplicada deve ser suspensa na sua execução.
Posição do Demandado:
Citado que foi o … para contestar, este veio, por exceção, alegar a ilegitimidade do …, alegando, para o efeito, que, no caso sub judice, o Demandante, em nome da sua representada, impugna dois atos administrativos, ou seja, a decisão disciplinar aplicada pelo … a … e o despacho de indeferimento do recurso tutelar que esta interpôs daquela decisão para a Ministra da Justiça, da autoria da Secretária de Estado da Justiça (por delegação da Ministra da Justiça). Invoca o art. 10.0 n.0 1 do CPTA que estipula que a ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades titulares de interesses contrapostos aos do autor. Pelo que, no entender do …, para além da entidade autora do ato impugnado, terão de ser obrigatoriamente demandados os contrainteressados a quem o provimento do processo impugnatório possa diretamente prejudicar ou que tenham legítimo interesse na manutenção do ato impugnado e que possam ser identificados em função da relação material em causa ou dos documentos contidos no processo administrativo (art. 57.º do CPTA). Defende estar-se perante uma situação de litisconsórcio necessário passivo entre a entidade autora do ato impugnado e eventuais contra interessados. Entende ainda o … que, se no que se refere à impugnação do primeiro ato, a legitimidade passiva do … é incontestável, (sendo o … integrado na administração indireta do Estado), outro tanto não se pode dizer quanto ao segundo ato, da autoria de um órgão do Governo, que integra a pessoa coletiva Estado. Pelo que, quanto à impugnação desse ato, a entidade detentora de legitimidade passiva, no dizer do Demandado, é o Ministério da Justiça (art. 10.º, n.º 2, do CPTA). Entidade que, por conseguinte, devia ter sido demandada, a par com o … (art. 10.º, n.º 6 do CPTA), sob pena de, não o tendo sido, ocorrer, quanto ao pedido de invalidação desse ato, a exceção dilatória de ilegitimidade do demandado (art. 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, al. e) do CPTA). Conclui, alegando que a verificação da exceção dilatória invocada obsta ao prosseguimento dos autos, pelo que requer o Demandado a absolvição da instância, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 89.º do CPTA.
Resposta do Demandante:
Notificada para exercer o contraditório sobre a questão de excepção, veio o Demandante responder através de requerimento autónomo, alegando que a ação foi intentada para impugnação, essencialmente, da decisão do … de aplicação da sanção disciplinar em causa, conforme resulta da causa de pedir, sendo que o recurso interposto ao abrigo do art. 225.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LTFP), in casu, configura-se como facultativo, pelo que, a decisão que sobre o mesmo recaiu não é impugnável de per se. Razão pela qual, no entender do Demandante, decidindo o CAAD pela declaração de ilegalidade da decisão do …, declarando-a nula ou anulável, será, consequentemente, nula ou anulável a decisão que recaiu sobre o recurso dela interposto. Concluindo que, o Ministério da Justiça não tinha, nem tem de ser demandado na presente ação, tanto mais que, quem tem interesse contraposto contra a Associada, aqui representada pelo Demandante, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 10.º do CPTA é, justamente, a entidade demandada, o …, e, encontrando-se a ação proposta contra quem deve configurar na mesma, deverá improceder totalmente a matéria de exceção invocada pelo Demandado, …, seguindo a ação a sua tramitação. Sem prescindir, por dever de cautela, o Demandante requereu a intervenção provocada do Ministério da Justiça, entidade vinculada ao CAAD, caso se venha a entender que tal intervenção é necessária para assegurar a legitimidade passiva.
Antes de se pronunciar sobre o mérito da causa cumpre a este Tribunal pronunciar-se sobre a exceção deduzida pelo Demandado ou sobre outras exceções que sejam do seu conhecimento oficioso.
A questão suscitada em matéria de exceção sobre quem deve ser demandado num caso como o dos autos em que foi interposto um recurso tutelar ao abrigo do art. 225.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, está amplamente debatida na Jurisprudência, sendo as decisões mais recentes do STA, do TCAN e do CAAD convergentes conforme se poderá constatar da leitura atenta, por exemplo, do acórdão do STA, de 08-06-2017, proferido no processo n.º 0647/17; do acórdão do STA, de 13-03-2019, proferido no processo n.º 0358/18.5BESNT, do acórdão do TCAN, de 31-01-2020, proferido no processo n.º 00600/18.2BECBR, do acórdão do TCAN de 18-09-2020, proferido no processo n.º 00843/15.0BEAVR-S1 e ainda na decisão do CAAD, de 04-09-2020, proferida no processo n.º 66/2020-A.
A exceção invocada pelo Demandado de litisconsórcio necessário passivo (unitário) entre si e o Ministério da Justiça (arts. 10.° n.º 1, 57° e 68.° n. ° 2 do CPTA e art. 33°, n.°s 1 e 2 do CPC, ex vi do art. 1.° do CPTA, remete-nos para a questão de saber, antes de mais, qual é, no caso sub judice, o acto administrativo impugnável.
Acompanharemos de perto o acima referido acórdão do TCAN, de 18-09-2020, proferido no processo n.º 00843/15.0BEAVR-S1, num caso em que são demandados o … e o …, e cuja posição subscrevemos.
Para a definição do que constitui ou deve ser conceptualizado como “ato administrativo impugnável” importa considerar, desde logo, o comando constitucional enunciado no n.º 4 do art. 268.º da CRP.
A nossa Constituição da República garante aos administrados o direito a impugnarem junto dos tribunais administrativos quaisquer atos ou condutas desenvolvidos pela Administração Pública que os lesem na sua esfera jurídica e independentemente da sua forma (art. 268.º, n.º 4 da CRP).
Ora, o CPTA, no seu art. 51.º, veio definir, como princípio geral, o que é tido como ato contenciosamente impugnável, colocando o acento tónico na “eficácia externa”, prevendo-se no preceito legal que “(…) ainda que inseridos num procedimento administrativo, são impugnáveis os atos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (…)” [n.º 1].
Só abrange, expressamente, as decisões administrativas com eficácia externa, ainda que inseridas num procedimento administrativo, em especial os atos cujo conteúdo seja suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 51.º, n.º 1), devendo entender-se que atos com eficácia externa são os atos administrativos que produzam ou constituam (que visem constituir, que sejam capazes de constituírem) efeitos nas relações jurídicas administrativas externas, independentemente da respetiva eficácia concreta. [Cfr. a este propósito, VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa - Lições, 2011, 11.ª edição, pp. 182-183].
Tem, assim, de se concluir que a impugnabilidade do ato depende apenas deste consubstanciar uma (i) decisão materialmente administrativa de autoridade, cujos efeitos (ii) se projetem para fora do procedimento onde o ato se insere.
A impugnabilidade do ato é assim um dos pressupostos processuais da ação de impugnação de atos administrativos e depende da eficácia externa do ato, em especial quando suscetível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
Vejamos então.
A representada do Demandante é escriturária superior na Conservatória do Registo Nacional de Pessoas Coletivas, desde 07-01-2003.
Em 11-03-2020, o Conselho Diretivo do … aplicou-lhe uma sanção de disciplinar de repreensão escrita.
Desta decisão, a representada do Demandante apresentou recurso, que dirigiu à Ministra da Justiça, que não mereceu provimento, conforme despacho de indeferimento da Secretária de Estado da Justiça (por delegação da Ministra da Justiça), de 29-06-2020.
No processo apresentado no CAAD no dia 09-09-2020, o Demandante vem demandar o …, peticionando que sejam declaradas nulas, ou no mínimo declaradas anuláveis, as decisões impugnadas (plural) e por consequência o demandado condenado a : 1) reconhecer que a trabalhadora não cometeu infração disciplinar; 2 ) reconhecer que se verificam as circunstancias dirimentes invocadas ou caso assim não se entenda,3) que se reconheça que a sanção de repreensão escrita deve ser suspensa na sua execução.
Em sede de resposta á contestação veio explicitar que a acção foi intentada essencialmente para impugnação da decisão do …, conforme resulta da sua causa de pedir, concluído que declarada que seja a ilegalidade da decisão do … por nulidade ou anulabilidade será consequentemente nula ou anulável a decisão que recaiu sobre o recurso
Mas, será tal acto impugnável de per se ?
Mostra-se absolutamente decisivo para a resposta a dar a tal questão, saber se o recurso tutelar interposto, nos termos do art. 225º da LTFP, e dirigido à Ministra da Justiça tem natureza necessária ou facultativa, como pretende o Demandante. E isto porque, concluindo-se pela natureza necessária do recurso apresentado, não se pode, desde logo, concluir pela lesividade do ato do Demandado, …
Neste domínio cabe um estudo aturado da acima referida Jurisprudência, sobre a natureza do recurso hierárquico ou tutelar a que se refere o art. 225º da LTFP.
Assim, e por ordem cronológica, no acórdão de 08-06-2017, proferido no processo n.º 0647/17 (www.dgsi.pt), o Supremo Tribunal Administrativo foi chamado a apreciar a questão de saber se se justificava [ou não] admitir revista de decisão do TCA Sul que considerou que o recurso previsto no art. 225º na LTFP, tinha natureza necessária face ao disposto no art. 3º, 1, c) do Dec. Lei 4/2015, de 7 de janeiro. O STA considerou que “(…) O TCA Sul entendeu que o recurso previsto neste preceito tinha a natureza de impugnação administrativa necessária, citando a propósito o disposto no art. 3º, n.º 1, al. c) do Dec. Lei 4/2015, de 7 de janeiro que aprovou o CPA, donde consta - para o que agora nos interessa - que as impugnações administrativas existentes à data da sua entrada em vigor só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões: “(…) a utilização de impugnação administrativa "suspende" ou "tem efeito suspensivo" dos efeitos da impugnação".
“Como decorre da simples leitura do art. 225º, n.º 4, o recurso ali previsto "suspende" os efeitos da decisão impugnada, o que, portanto, torna a decisão do TCA Sul fundamentada e juridicamente plausível (…)”.
Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no teor do aresto também do STA., de 13-03-2019, tirado no processo 0358/18.5BESNT, em que se afirma:
“(…) dispõe o art. 224º da LTFP – Lei 35/2014 de 20.06 - sob a epígrafe “Meios impugnatórios” que «Os atos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente», e o art. 225º, sob a epígrafe “Recurso hierárquico ou tutelar”, que:
«1 - O trabalhador e o participante podem interpor recurso hierárquico ou tutelar dos despachos e das decisões que não sejam de mero expediente, proferidos pelo instrutor ou pelos superiores hierárquicos daquele.
2 - O recurso interpõe-se diretamente para o respetivo membro do Governo, no prazo de 15 dias, a contar da notificação do despacho ou da decisão, ou de 20 dias, a contar da publicação do aviso a que se refere o nº 2 do art. 214º.
(…)
4 - O recurso hierárquico ou tutelar suspende a eficácia do despacho ou da decisão recorridos, exceto quando o seu autor considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público.
5 - O membro do Governo pode revogar a decisão de não suspensão referida no número anterior ou tomá-la quando o autor do despacho ou da decisão recorridos o não tenha feito.
(…)»
Dispõe, por seu lado o art. 3º do DL nº 4/2015 de 07.01 [que aprova o Novo Código de Procedimento Administrativo/versão 2015], que:
«1. As impugnações administrativas existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões:
(…)
c) A utilização de impugnação administrativa «suspende» ou «tem efeito suspensivo» dos efeitos do ato impugnado.
(…)».
Por último, diz-nos o nº 1 do art. 189º do CPA/2015 que «1. As impugnações administrativas necessárias de atos administrativos suspendem os respetivos efeitos».
Assim, como resulta da conjugação do teor das normas transcritas, o meio impugnatório gracioso interposto pelo recorrente em 01.09.2017 do Despacho de 31.07.2017 do Diretor Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que, decidindo o procedimento disciplinar nº ......... contra si instaurado, lhe aplicou a pena de demissão, assume a natureza de recurso hierárquico necessário, como decidido no acórdão recorrido [destaque nosso](…)”.
Posição que se acolheu igualmente no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 31.01.2020, proferido no âmbito do processo 00600/18.2BECBR:
“Como se sabe, apesar de, com a reforma introduzida com o CPTA, ter acabado o princípio da tripla definitividade do acto administrativo, para ser impugnável contenciosamente, tal não significa que não continue a haver casos especialmente previstos na lei, em que se mantenha a precedência obrigatória de impugnação administrativa”.
E entendemos ser esse aqui o caso.
A lei 35/2014, de 20/06 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), prevê no seu art. 225º: (. )
4 - O recurso hierárquico ou tutelar suspende a eficácia do despacho ou da decisão recorridos, exceto quando o seu autor considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público.
(...)
Por outro lado, o art. 3º do DL n.º 4/2015, de 7/1, que aprova o novo CPA, dispõe no seu art. 3º:
1 - As impugnações administrativas existentes à data da entrada em vigor do presente decreto- lei só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões:
a) A impugnação administrativa em causa é «necessária»;
b) Do ato em causa «existe sempre» reclamação ou recurso;
c) A utilização de impugnação administrativa «suspende» ou «tem efeito suspensivo» dos efeitos do ato impugnado. (…)
Assim, e na consideração também desta conjugada leitura, é fora de dúvida que se «Os atos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente» (art. 224.º da LTFP), uma tal disjunção também não importa consagração de uma direta e imediata impugnabilidade, e antes resulta que estamos perante recurso hierárquico necessário (derivando, por força do art. 189º, n.º 1, do CPA: «1. As impugnações administrativas necessárias de atos administrativos suspendem os respectivos efeitos»). (…)”
Reiterando toda esta linha jurisprudencial, que acompanhamos, entendemos ser forçosa a conclusão de que o recurso hierárquico ou tutelar previsto no art. 225º da LTFP tem natureza necessária.
Assim concluiu também o acórdão do TCAN de 18-09-2020, proc. 00843/15.0BEAVR-S1, num caso em que são igualmente demandados o … e o Ministério de Justiça, em que se veio a confirmar a decisão do TAF de Aveiro na parte que julgou procedente a exceção de inimpugnabilidade de uma decisão disciplinar proferida pelo …, absolvendo-o da instância com o seguinte sumário :
“I- A impugnabilidade do ato depende apenas deste consubstanciar uma (i) decisão materialmente administrativa de autoridade cujos efeitos produzidos (ii) se projetem para fora do procedimento onde o ato se insere.
II- O recurso hierárquico ou tutelar previsto no art. 225º da Lei 35/2014, de 20/6 [Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas] tem natureza necessária.
III- Logo, a pena disciplinar visada nos autos apenas se tornará dotada de eficácia externa e potencialmente lesiva, quando a entidade tutelar tiver ensejo de analisar e decidir o recurso para ela interposto no caso concreto.”
Nesta decisão, sustenta o TCAN que: “a pena disciplinar de multa visada nos autos apenas será dotada de eficácia externa e potencialmente lesiva, quando a entidade tutelar (…) decidir o recurso para ela interposto no caso concreto.(…) Do exposto decorre que o ato com eficácia externa, lesivo dos interesses legalmente protegidos da Autora, é, sem margem para qualquer dúvida, a decisão da Ministra da Justiça, datada de 02.10.2015, que indeferiu o recurso tutelar oportunamente apresentado da decisão disciplinar proferida em 1º grau que lhe aplicou a pena disciplinar de multa, na quantia de 500 €, e não a decisão disciplinar proferida em 1º grau pelo Recorrente. O que serve para concluir que o julgamento realizado pelo Tribunal a quo no domínio excetivo em análise mostra-se inteiramente bem realizado, nada havendo a objetar, tanto mais que a contestação argumentativa aduzida pelo Recorrente revela-se absolutamente incapaz de abalar a convicção que se vem evidenciar por se situar a mesma no domínio dos pressupostos processuais relativos às partes, mais concretamente, à legitimidade processual das partes, que, contrariamente ao sustentado nas conclusões de recurso, nada contende com a “decisão confessa dos autos”, que se prende, única e exclusivamente, com a regularidade dos pressupostos processuais relativos ao processo, mais destacadamente, com a recorribilidade do ato impugnado e a necessidade de pronúncia prévia por parte da administração.”
Face ao exposto, forçoso será concluir que o acto com eficácia externa lesivo dos interesses legalmente protegidos da representada do Demandante é, sem margem para qualquer dúvida, a decisão da Secretária de Estado, ao abrigo da delegação de competências conferida pela Ministra da Justiça, que indeferiu o recurso tutelar apresentado da decisão disciplinar proferida em 1º grau a aplicar a pena disciplinar de repreensão registada, e não a decisão disciplinar proferida, em 1º grau, pelo ….
Muito embora não seja claro quais as “decisões” (plural) que o Demandante pretende que “sejam declaradas nulas ou no mínimo anuláveis” a que faz referência no seu pedido, face à posição que assumiu , na sua resposta à contestação, a verdade é que a decisão de 11 de março de 2020, do Conselho Diretivo … a aplicar à representada do Demandante a sanção disciplinar de repreensão escrita não é impugnável de per se, atenta a natureza necessária do recurso tutelar interposto nos termos do previsto no art. 225º LTFP.
E, por outro lado, o … é parte ilegítima na impugnação da decisão de indeferimento do recurso tutelar que a representada do Demandante interpôs para a Ministra da Justiça, já que nos termos do art. 10.0,n.0 1, do CPTA, a ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida.
Sempre se dirá, que nos presentes autos, não se está perante um caso de litisconsórcio passivo necessário, mas antes perante um caso em que a parte demandada é parte ilegítima, por não ser a autora do acto com eficácia externa lesivo dos interesses legalmente protegidos da representada do Demandante. Pelo que não estamos sequer perante um caso em que é possível a intervenção provocada, já que só o Ministério da Justiça é parte legitima para figurar como demandado, nesta impugnação (art. 10.º, n.º 2 do CPTA).
Pelo que, tendo o Demandante intentado o presente processo unicamente contra o …, procedem a exceção de inimpugnabilidade da decisão disciplinar por si proferida em 1º grau bem como a exceção dilatória de ilegitimidade (art. 89.º n.ºs 1, 2 e 4, al. e) do CPTA), deduzida pelo Demandado, quanto à impugnação do acto proferido pela Secretária de Estado em 26-06-2020.
Em face do exposto, devem as exceções de inimpugnabilidade da decisão proferida pelo … e da ilegitimidade deste quanto à impugnação da decisão de indeferimento do recurso tutelar ser julgadas procedentes e, em consequência, ser o Demandado, … absolvido da instância, nos termos do art. 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, als e) e i) do CPTA.
Procedendo as exceções de inimpugnabilidade da decisão proferida pelo … e de ilegitimidade do Demandado, por não ser o autor do acto com eficácia externa, lesivo dos interesses legalmente protegidos da representada do Demandante, fica prejudicado o conhecimento do mérito da causa.
II. DECISÃO:
Pelo exposto, nos termos e com os fundamentos acima explicitados, decide este Tribunal Arbitral:
- julgar procedentes as exceções de ilegitimidade passiva do … relativamente à impugnação da decisão de indeferimento do recurso tutelar proferida pela Secretária de Estado, em 26-06-2020, e de inimpugnabilidade da decisão de 11 de março de 2020, do Conselho Diretivo … absolvendo-se, em consequência, o Demandado da instância;
- condenar o Demandante nas custas do processo.
III. VALOR DA CAUSA:
Fixa-se o valor da acção nos 30.000,01 (trinta mil e um cêntimo), nos termos do nº 2 do art. 34º do CPTA aplicável ex vi art. 29º do NRAA.
IV. CUSTAS:
Custas pelo Demandante.
Notifiquem-se as partes com cópia e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD.
Lisboa, 27 de Agosto de 2021,
A Arbitro,
Maria José da Costa Miranda Menezes