Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 162/2020-A
Data da decisão: 2021-05-26  Contratos 
Valor do pedido: € 1.310,00
Tema: Sinistro - inexistência de convenção de arbitragem
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DECISÃO ARBITRAL

(PROFERIDOS NOS TERMOS DOS ARTIGOS 18.º E 25.º, DO NOVO REGULAMENTO DE ARBITRAGEM ADMINISTRATIVA DO CAAD)

 

Das Partes

 

A…, portador do número de identificação fiscal …, residente na …, instaurou nos termos do artigo 2.º, do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do Centro de Arbitragem Administrativa (de ora em diante abreviadamente designado por “Regulamento”), ação administrativa comum para resolução de litígio decorrente de um sinistro ocorrido ao km 44,5 da …, no dia …, contra a B…, …, S.A., detentora do número de pessoa coletiva …, com sede na …

 

 

Enquadramento do presente despacho

 

O pedido foi aceite pelo Centro de Arbitragem Administrativa (de ora em diante abreviadamente designado por “CAAD”) no dia 4 de novembro de 2020.

Por email datado de 5 de novembro de 2020, a entidade demandada foi citada para contestar o pedido.

A entidade demandada apresentou requerimento a 10 de dezembro de 2020. No dia 30 de dezembro de 2020 foi constituído o presente Tribunal Arbitral.

Uma vez constituído o Tribunal, caberia proferir despacho inicial, nos termos e para os efeitos do artigo 18.º, do Regulamento, que tem por objeto o seguinte:

a)         A junção de documentos, a correção e esclarecimento de questões suscitadas nas peças processuais ou a realização de diligências complementares,

b)         As questões prévias;

c)         A tramitação processual e agendamento de audiência.

Contudo, entende o tribunal que possui todos os elementos tendo em vista proferir a decisão arbitral. Assim, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade e flexibilidade processual (artigos 5.º e 18.º, n.º 1, do Regulamento), entende o Tribunal proferir decisão arbitral.

 

 

Relatório

 

Em síntese, … (de ora em diante designado por “Demandante”) alega o seguinte:

a) A… no dia …, pelas 22h17, na …, sentido …, ao km 44,5, na freguesia de …, foi vítima de um acidente de viação no qual intervieram cinco veículos ligeiros de passageiros. O sinistro foi causado pelo embate numa pedra que se encontrava na estrada, pedra da qual o Demandante apenas se apercebeu com o embate;

b)         do embate resultaram danos no seu veículo, designadamente no pneu e na jante da frente direita, danos esses cuja reparação foi estimada em 1207,31 €, ao qual acresce o valor necessariamente dispensado pelo Demandante pelo facto de ter ficado impossibilitado de utilizar o veículo durante os nove dias necessários à sua reparação, no valor de 180,00 € (valor estimado em 20,00 € diários);

c)         atendendo ao disposto no artigo 180.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (de ora em diante abreviadamente designado por “CPTA”), conjugado com o disposto no artigo 182.º, do mesmo diploma, pode exigir a aceitação de compromisso arbitral pela Demandada para resolução do litígio, com consequente dispensa de apresentação de convenção arbitral;

d)        encontra-se dispensado de apresentar convenção de arbitragem, com fundamento no estabelecido nos artigos 180.º, n.º 1, al. b) e 182.º, ambos do CPTA, no Decreto-Lei n.º 44-C/2010, de 05 de maio e na Lei de Defesa do Consumidor (artigo 14.º, n.ºs 2 e 3).

Em face das referidas alegações, pretende o Demandante ser indemnizado pelo valor da reparação do veículo acrescido de valor para reparar o dano de privação do uso do mesmo, demandando, nesse sentido, a B…, S.A. (de ora em diante designada por “Demandada”), por considerar ser a mesma responsável pelo sinistro automóvel ocorrido.

Citado o Demandado, o mesmo declinou a submissão a mediação, conciliação e/ou arbitragem do sinistro, por falta de preenchimento dos necessários prossupostos legais para o efeito, porquanto o contrato de concessão (Decreto-Lei n.º 44-C/2010, de 05 de maio) determina a submissão a arbitragem apenas dos conflitos que venham a surgir entre a concessionária e o Estado Português.

 

 

Valor da causa e encargos

 

O Demandante atribuiu à presente causa o valor de € 1310,00, quantia esta acrescida de juros

vincendos à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento.

Nos termos do n.º 1, do artigo 31.º, do CPTA, aplicável ex vi, artigo 26.º, n.º 2, do Regulamento, o valor da causa é um valor certo, expresso em moeda legal, e representa a utilidade económica imediata do pedido.

Atendo o disposto, fixa-se à causa o valor de € 1310,00 (mil trezentos e dez euros).

 

 

Da exceção de incompetência do Tribunal invocada pela Demandada

 

Ambas as Partes já se pronunciaram nos seus articulados sobre o tema da competência do presente Tribunal, importando agora tomar uma decisão sobre a mesma.

Nos termos do n.º 1, do artigo 8.º, do Regulamento, “[a] submissão do litígio a arbitragem depende, nos termos da lei, de convenção das partes, devendo ainda enquadrar-se no objeto do CAAD”, estabelecendo o n.º 2 que “[q]uando, por portaria, NRAA do CAAD ou qualquer outro meio legalmente admissível, os ministérios, instituições públicas de ensino superior ou outras pessoas coletivas se encontrem vinculados à jurisdição dos tribunais arbitrais a funcionar junto do CAAD, o interessado que manifeste vontade em resolver o litígio por via arbitral deve apenas identificar o instrumento de vinculação”.

Inexistindo convenção de arbitragem prévia, pode ser requerido ao CAAD, por qualquer uma das partes, que apure junto da parte contrária a vontade da mesma em subscrever compromisso arbitral.

Apesar do estabelecido no Regulamento, devemos ainda socorrer-nos do estabelecido no CPTA sobre matéria atinente aos Tribunais Arbitrais e Centros de Arbitragem (cfr. artigos 180.º a 187.º).

Neste sentido, nos termos e para os efeitos do artigo 182.º, do CTPA, “[o] interessado que pretenda recorrer à arbitragem no âmbito dos litígios previstos no artigo 180.º pode exigir da Administração a celebração de compromisso arbitral, nos casos e termos previstos na lei”.

Apesar do referido no artigo 182.º, do CPTA, a verdade é que com a redação do referido preceito o legislador não pretendeu prever uma arbitragem necessária, um direito potestativo, em que as entidades públicas (ou entidades que para esse efeito seriam equivalentes) seriam vinculadas à jurisdição dos Tribunais Arbitrais mesmo não o desejando.

De facto, como ensinam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª Ed., Almedina, “[o] preceito remete para a lei a determinação das condições de que depende a constituição e o exercício do direito à outorga e compromisso arbitral”. Assim, aquilo que se verifica é que a eficácia do preceito está condicionada à aprovação de lei específica sobre a matéria à qual caberá densificar a sua previsão genérica e na qual se estabelecerão os domínios em que é reconhecido aos interessados o direito à outorga de compromisso arbitral, sem necessidade de assentimento pela entidade pública.

Ora, a verdade é que não existe qualquer diploma que obrigue A Entidade Demandada a subordinar-se à jurisdição do CAAD, não se encontrando, igualmente, obrigada a outorgar qualquer compromisso arbitral com o Demandado.

Não pode o Demandante socorrer-se do disposto na Base LXXXVIII e na Base LXXXIX, do Decreto- Lei n.º 44-C/2010, de 05 de maio, que dispõe a obrigatoriedade de resolução de conflitos por arbitragem, na medida em que tal se refere à resolução de conflitos surgidos em matéria de aplicação, interpretação ou integração das regras por que se rege a Concessão celebrada entre as partes, isto é, aplica-se na relação estabelecida entre a Demandada e o Estado Português.

Também não tem aplicação no presente caso o disposto no artigo 14.º, n.ºs 2 e 3 da Lei de Defesa do Consumidor, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 24/96, de 31 de Julho. De facto, esse diploma remete para a existência, e competência, de centros de arbitragem de consumo, o que não é o caso.

Não obstante, ainda que a Demandada não se encontre vinculada à jurisdição do CAAD, tal não impediria a sua vinculação voluntária ao presente litígio, pois a inexistência de uma lei específica de vinculação da Demandada à jurisdição do CAAD não constitui impedimento à sua vinculação por outra via.

Ainda assim, esta via alternativa pela qual o Demandante pretende, no presente caso, que a Demandada fique vinculada à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não encontra acolhimento, na medida em que a mesma envolveria necessariamente a submissão à decisão de árbitros de convenção das partes no sentido de resolver um litígio atual.

Assinale-se que no caso sub judice inexiste qualquer acordo das partes que integra tal convenção de arbitragem, pelo que, também nesta base, não é, à partida, possível configurar, em termos materiais, a subtração do presente litígio aos órgãos jurisdicionais estaduais competentes.

É que, quanto à possibilidade de um compromisso arbitral, a Demandada foi taxativa ao declinar “(…) a submissão a mediação, conciliação e/ou arbitragem do referido sinistro, por falta de preenchimento dos necessários pressupostos legais para o efeito”. Inexiste, pois, qualquer vinculação voluntária da Entidade Demandada à jurisdição de Tribunal Arbitral do CAAD para resolução do litígio aqui em presença.

Em jeito de conclusão, tudo radica no princípio da eficácia relativa das convenções de arbitragem, que resulta da natureza contratual destas convenções. Dito de outra forma, o poder do Tribunal funda-se na manifestação de vontade das partes que aceitam submeter-se ao poder arbitral, não podendo o Tribunal impor-se a quem não aceite (ou não seja legalmente obrigado a) submeter-se a esse poder.

Importa ainda referir que o processo já contém a pronúncia de ambas as partes sobre esta matéria, motivo pelo qual se julga inútil promover nova pronúncia dos mesmos e o Tribunal entende estar em condições de proferir decisão arbitral.

 

 

Decisão

 

Resta assim concluir pela inexistência de convenção de arbitragem válida e eficaz, celebrada entre as partes, a atribuir competência a este Tribunal, o que determina que se declare a incompetência deste Tribunal para apreciar o litígio que lhe é apresentado.

Atenta a improcedência da ação, determina-se, nos termos do disposto no artigo 29.º, n.º 6, do Regulamento, que os custos da mesma devem ser suportados pelo Demandante.

 

Notificações e publicidade

 

Notifiquem-se as partes, deposite-se o original da decisão arbitral e promova-se à sua publicitação, nos termos do n.º 3, do artigo 5.º, do Regulamento, do artigo 185.º-B, do CPTA e da Portaria n.º 165/2020, de 07 de julho.

 

Lisboa, 26 de maio de 2021

 

O Árbitro,