Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 160/2020-A
Data da decisão: 2021-06-01  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 30.000,01
Tema: Competência material; Caso julgado; Suplemento de risco
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SUMÁRIO:

 

I. O caso julgado exerce duas funções: uma função positiva, que se manifesta através da autoridade do caso julgado, que visa impor os efeitos da decisão transitada, e uma função negativa, que se manifesta através da exceção do caso julgado, que impede que uma causa já julgada seja novamente apreciada pelo tribunal.

 

II. A exceção do caso julgado exige identidade de sujeitos, de pedidos e de causa de pedir em ambas as ações.

 

III. Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando em ambas as ações se pretende o mesmo efeito jurídico; há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico – simples ou complexo.

 

 

DECISÃO ARBITRAL

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 28 de outubro de 2020 a …, em representação dos seus dois Associados …, residente na … e …, residente na R…, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, nos termos do preceituado na al. d), n.º 1 do art. 1.º da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, e dos n.º 1 e 2 do Regulamento de Arbitragem Administrativa do Centro de Arbitragem Administrativa, contra o …, com sede na …, peticionando que, nos termos do art. 161.º, n.º 1 e 2, al. d), 162.º e 163.º do CPA seja anulado e dado como inexistente o ato administrativo exercido pela … ao indeferir o requerimento para cumprimento integral da Sentença dada no âmbito do processo n.º 66/2015-A do CAAD, que à Demandada venha a ser imposto o total cumprimento da sentença dada no âmbito do processo n.º 66/2015-A do CAAD, sendo, neste âmbito, reconhecido o instituto do Enriquecimento sem Causa; que aos associados da Demandante venha a ser pago o Suplemento de Risco igual ao da investigação criminal e nos períodos de tempo compreendidos, para … entre 15 de fevereiro de 2005 e 30 de setembro de 2015, e para … entre 20 de abril de 2009 e 30 de setembro de 2015, ao qual deverão ser acrescidos juros legais vencidos e vincendos, incluindo a título de enriquecimento sem causa e que, imputando-se a responsabilidade civil extracontratual, condenar a demandada, a título de indemnização, a ressarcir os lesados num valor pecuniário não inferior a 20% dos valores pagos a título de Suplemento de Risco idêntico ao da investigação criminal.

 

2.            O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído.

 

3.            A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a demandante alega, em síntese, que:

 

3.1. Os associados da Demandante são funcionários dos Quadros … com as funções de …, a desempenhar funções no Setor das …, sendo que … exerceu as funções desde 1 de dezembro de 1997 até 1 de janeiro de 2005 na …, desde 01/01/2005 até 1 de janeiro de 2011 na …, e entre essa data até ao atual momento na …; … exerceu funções na … desde 20 de abril de 2009 até 2 de dezembro de 2009, e desde essa data até 27 de outubro de 2010 na…, desde 27/10/2010 até 1 de janeiro de 2011 na … e, desde essa data até ao atual momento na ….

               

3.2. Alegando que têm direito ao Suplemento de Risco e que, no âmbito da decisão proferida no âmbito do processo n.º 66/2015-A do CAAD, proferida a 7 de outubro de 2015 lhes foi reconhecido o direito a receber o aludido suplemento.

Os associados da Demandante vieram a ser remunerados do suplemento de risco  a partir de outubro de 2015, data em que foi proferida a aludida sentença, não tendo recebido o montante desde a data em que iniciaram funções o que, de acordo com a Demandante, contraria o teor a aludida sentença.

 

3.3. Perante esta omissão de pagamento foi intentada nova ação que correu termos sob o processo n.º 46/2016-A tendo a Demandada sido absolvida da instância por se verificar exceção dilatória do caso julgado, por identidade com a decisão arbitral proferida no âmbito do processo n.º 66/2015-A. Decisão que veio a ser confirmada em recurso pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º …, Secção de Contencioso Administrativo.

 

3.4. Foi apresentado requerimento a 26 de agosto último para pagamento dos montantes relativos ao Suplemento de Risco entre 15 de Fevereiro de 2005 até finais de Setembro de 2015 para o Associado …, e de 2 de dezembro de 2009 até finais de setembro de 2015 para o Associado … mas, segundo a Demandante, o requerimento foi indeferido, interpretando a sentença no sentido de que o suplemento passou a ser pago a partir da data da sentença, i.e., outubro de 2015. Mas, considerando as aludidas decisões e o recurso apresentado não existe qualquer restrição temporal quanto à atribuição do suplemento, sendo ele devido desde que os associados iniciaram funções.

 

                3.5. A Demandante entende que foi proferido um ato administrativo, posterior à sentença arbitral, que padece, portanto, de ilegalidade material e, portanto, deve ser anulado, nos termos do art. 161.º, n.os 1 e 2, al. d) o CPA, sendo também anulável nos termos do art. 163.º, n.os 1, 2 e 3 do CPA.

 

                3.6. Por outro lado, a Demandante alega que o não cumprimento da sentença arbitral conduziu a uma situação de Enriquecimento sem Causa e Responsabilidade Civil, tendo, segundo a Demandante, sido violado também o art. 59.º, n.º 1 al. a) da CRP, bem como o art. 266.º, n.os 1 e 2 da CRP, por outro lado, viola ainda, segundo a Demandante, o art. 145.º do LGTFP, para além dos princípios da legalidade e constitucionalidade, igualdade, segurança jurídica, boa fé, proteção da confiança, responsabilidade, boa administração, justiça e razoabilidade entre outros.

 

3.7. Do mencionado, a Demandante alega que a atitude da Demandada se traduziu em danos para os seus Associados, numa diminuição desde 1 de janeiro até à presente data, das suas progressões profissionais e remuneratórias, agravadas com o decorrer dos anos, concluindo que a Demandada deve responder por responsabilidade civil extracontratual por ilicitude, conforme disposto em diversos preceitos legais, tal como, art. 22.º da CRP, arts. 2.º e 3.º do DL n.º 48 051, de 21 de Novembro de 1967, entre outros diplomas legais.

 

3.8. A Demandante alega que estão verificados os requisitos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos sendo o facto o ato administrativo referido, o dano, quer danos emergentes, quer lucros cessantes, a ilicitude é o ato que resulta da não aplicação do diploma legal que levou à ofensa das carreiras profissionais e remuneratórias e a culpa, pela negligência na não aplicação do DL n.º 404-A/98, de 18 de Dezembro, ou seja, a imputação feita à demandada devido à prática do ato, que se mostra reprovável; e o nexo causal que se traduziu na não aplicação da disposição legal, nexo causal que se encontra entre o facto e o dano.

 

3.9. Posição esta que conduzirá, segundo a Demandante, à condenação da Demandada no pagamento de numa indemnização pecuniária nunca inferior a 20% dos valores a receber pelos associados.

 

4.            A Demandada, citada para o efeito, apresentou a sua contestação, com o processo administrativo, a 18 de novembro de 2020, defendendo-se por exceção e por impugnação.

 

4.1. Em matéria de exceção a Demandada alega a incompetência material do CAAD, por um lado, e por outro, a exceção do caso julgado considerando que a matéria controvertida foi já decidida no âmbito do processo 66/2015-A, e que o mesmo pedido foi formulado no âmbito do processo 46/2016-A tendo, neste caso, também sido decidida a existência de identidade quanto às ações e, portanto, a demandada absolvida da instância.

 

4.2. Por impugnação a Demandada alega que o pedido de uma indemnização, sempre se dirá que o mesmo nunca poderia proceder, uma vez que o dever de indemnizar pressupõe, desde logo, a verificação dos pressupostos cumulativos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, previstos na Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro (facto ilícito, culpa, dano e nexo de causalidade), que, no caso, não se encontram, de forma alguma, verificados.

 

4.3. Termina a Demandada a sua contestação pugnando pela improcedência da ação.

 

5.            A Demandante veio responder à contestação, apresentando a réplica a 30 de novembro de 2020, pugnando pela improcedência das exceções invocadas e os pedidos da Demandada, bem como peticionando, por outro lado, a condenação da demandada como litigante de má-fé.

 

6.            A signatária foi designada como árbitro e constituído o Tribunal Arbitral nos termos regulamentares, no dia 2 de dezembro de 2020.

 

7.            Por despacho de 4 de dezembro de 2020 foram as partes notificadas para, querendo, se pronunciarem nos termos do art. 18.º, n.º 1 do RAA tendo as partes declarado que nada tinham a opor a que o tribunal conduzisse o processo por escrito, tendo sido concedido, por despacho de 13 de janeiro de 2021, prazo para as partes alegarem por escrito, o que ambas prescindiram.

 

8.            Foi fixado o dia 2 de junho de 2021 para a prolação da decisão final.

 

 

II – SANEAMENTO

 

9.            A Demandada defende-se por exceção suscitando a incompetência material do tribunal arbitral para conhecer da causa. Cumpre, desde já, decidir quanto a esta matéria de exceção.

 

Quanto à exceção da incompetência material do tribunal arbitral para dirimir matérias relativas a remunerações. Cumpre decidir:

                A competência do CAAD afere-se em função da Lei, dos seus Estatutos e do Regulamento de Arbitragem que, entre outros, inclui a resolução de litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público, como é o caso dos presentes autos – al. d) do n.º 1 do art. 180.º e 187.º do CPTA e n.º 2 do art. 3.º dos Estatutos do CAAD.

                A Demandada alega que não se vinculou à jurisdição arbitral do CAAD relativamente ao objeto do litígio relativo a remunerações.

                Nos termos do art. 180.º, n.º 1 al. d) do CPTA é admissível a constituição do Tribunal Arbitral para julgamento de questões respeitantes a relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis.

                A Demandada vinculou-se à jurisdição do CAAD pela Portaria n.º 1120/2009, de 30 de setembro, com exclusão dos litígios relativos à carreira de investigação criminal tendo por objeto  matéria relativa a remunerações e suplementos (art. 1.º, n.º 3, al. c)).

Os associados da Demandante são trabalhadores providos em carreira de apoio à investigação criminal e a prestar funções na área funcional as telecomunicações, pelo que a exceção referida não é aplicável in casu.

 

Quanto à questão de se tratarem de direitos indisponíveis e, por isso, segundo a Demandada, subtraídos à jurisdição do CAAD.

Seguindo a jurisprudência do CAAD, nomeadamente a decisão proferida no âmbito do processo 117/2020-A “[...] o legislador quis decididamente subtrair à jurisdição do CAAD foram [...] por um lado, os litígios relativos a remunerações e suplementos de funcionários da carreira de investigação criminal e, por outro, todos os litígios tendo por objeto direitos absolutamente indisponíveis ou irrenunciáveis.”

“[N]o caso, tratando-se de discutir a existência ou não do direito a Subsídio de Risco, o Subsídio de Turno e o Trabalho Extraordinário correspondente da remuneração global dos trabalhadores representados pelos Demandantes, a indisponibilidade do respetivo direito não abrange estas parcelas porquanto a mesma não ultrapassa notoriamente um terço da remuneração e, consequentemente, encontra-se tal parcela na esfera da disponibilidade de cada trabalhador à luz do que dispõe o artigo 175.º, da LGTFP (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas – Lei n.º 35/2014, de 20-6): “o trabalhador não pode ceder, a título gratuito ou oneroso, os seus créditos a remunerações na medida em que estes sejam impenhoráveis”.

Relativamente aos salários, vencimentos ou remunerações dos trabalhadores em sentido amplo, a impenhorabilidade é, em regra, de dois terços (2/3), sendo limitada no máximo ao equivalente a três salários mínimos nacionais ou remunerações mínimas garantidas e, no mínimo, quando o trabalhador não tenha outros rendimentos, ao equivalente à remuneração mínima – Cfr. artigo 738.º, do Código de Processo Civil.”

Improcede, desta forma, totalmente a exceção de incompetência material suscitada pela Demandada.

 

10.          As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se regularmente representadas. Não se verificam nulidades que cumpra conhecer.

 

11.          Foi alegada a exceção do caso julgado – de conhecimento oficioso nos termos do art. 89.º, n.º 2 do CPTA – que, caso se verifique, obsta ao conhecimento da causa por parte do Tribunal.

Cumpre decidir sobre esta exceção dilatória.

A verificação do caso julgado depende do preenchimento da tríplice identidade a que o artigo 581.º do Código de Processo Civil faz referência, “uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e causa de pedir” (n.º 1), sendo que:

a)      Há “identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (n.º 2);

b)      Há “identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretenda obter o mesmo efeito jurídico” (n.º 3); e

c)      Há “identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. [...]” (n.º 4).

Resta, desta forma, aferir se se verifica, ou não, esta tríplice identidade, em relação ao caso sub judice e ao processo n.º 66/2015-A que as partes invocam.

 

11.1. Quanto à identidade dos sujeitos:

Na ação 66/2015-A os associados da Demandante são, eles próprios, os Demandados (tal como aconteceu na ação 46/2016-A) estando, no caso sub judice, representados pela Demandante.

Podemos dizer que há identidade quanto aos sujeitos?

Na identidade de sujeitos, importa atender à qualidade jurídica das partes, não sendo exigível uma correspondência física nas duas ações.

De acordo com a decisão do Supremo Tribunal de Justiça proferida no âmbito do processo n.º … “III – Para averiguar o preenchimento do requisito da identidade de sujeitos, deve atender-se, não a critérios formais ou nominais, mas a um ponto de vista substancial, ou seja, ao interesse jurídico que a parte concretamente atuou e atua no processo.”

Alberto dos Reis sob o significado da expressão “qualidade jurídica” refere que “[a]s partes são as mesmas sob o aspeto jurídico desde que sejam portadoras do mesmo interesse substancial. O que conta, pois, para o efeito da identidade jurídica, é a posição das partes quanto à relação jurídica substancial (…)”. (in  CPC Anotado, 3.ª ed., 1981, pp. 101 e seguintes) (Também neste sentido acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo n.º …).

                Neste caso, para efeitos processuais, a aqui Demandante, em representação dos associados – e Demandantes na aludida ação de 2015, bem como na ação 46/2016-A – ocupa a posição substantiva que, naquela ação, ocupavam os Associados que agora representa, pelo que o caso julgado lá formado é relevante, também, para a aqui Demandante, já que litiga em relação à mesma relação jurídica, i.e., na mesma qualidade jurídica.

Verifica-se, desta forma, identidade de sujeitos, não sendo admissível uma nova ação, ainda que interposta por outra pessoa, porque se verifica aludida identidade de sujeitos, nos termos definidos pelo n.º 2 do art. 581.º do CPC, uma vez que as partes são as mesmas  do “ponto de vista da sua qualidade jurídica.”

 

11.2. Quanto à identidade dos pedidos:

No processo 66/2015-A os Demandantes reclamavam o direito a receber o suplemento de risco, a que se reporta o artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21/09, alterado pelo Decreto Lei n.º 302/98, de 7/10 e mantido em vigor pelos artigos 91.º e 161.º, n.º 3, do Decreto Lei n.º 275-A/2000, de 9/11, em montante igual ao auferido pelos especialistas adjuntos das … noutras Unidades, Diretorias e …, nomeadamente na …, e que se condenasse a Demandante a pagá-lo.

No presente processo, a demandante requer (pedido formulado na alínea c)) que “Logo, que aos Associados da Demandante venha a ser pago o Suplemento de Risco igual ao da investigação criminal e nos períodos de tempo compreendidos: 1- Ao Associado da Demandante …, entre 15 de Fevereiro de 2005 e 30 de Setembro de 2015; 2- ao Associado da Demandante …, entre 20 de Abril de 2009 e 30 de Setembro de 2015.”

Quanto ao pedido a identidade é perspetivada em função da posição das partes quanto à relação material: existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos, do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado, sem que seja de exigir uma adequação integral das pretensões, nem sequer do ponto de vista quantitativo.

No que tange aos pedidos formulados no processo de 2015 (bem como no processo 46/2016-A relativamente à produção dos efeitos em data anterior a outubro de 2015) e no caso sub judice, mormente formulado na al. c), verifica-se integral coincidência nas duas pretensões. Para além de, no caso do pedido de juros formulado na al. d) o mesmo é decorrência do pedido formulado em c) e, portanto, prejudicial relativamente ao primeiro.

Mas não podemos desconsiderar que a Demandante formula outros pedidos, incluindo: que seja anulado e dado como inexistente o ato administrativo exercido pela … ao indeferir o requerimento para cumprimento integral da Sentença dada no âmbito do processo n.º 66/2015-A do CAAD, que à Demandada venha a ser imposto o total cumprimento da sentença dada no âmbito do processo n.º 66/2015-A do CAAD, sendo, neste âmbito, reconhecido o instituto do Enriquecimento sem Causa, incluindo com o mesmo fundamento, o direito a juros legais vencidos e vincendos e que, imputando-se a responsabilidade civil extracontratual, condenar a demandada, a título de indemnização, a ressarcir os lesados num valor pecuniário não inferior a 20% dos valores pagos a título de Suplemento de Risco idêntico ao da investigação criminal.

Qual a relevância destes pedidos, e de um novo enquadramento jurídico, para aferir desta requisito quanto à exceção do caso julgado?

Na verdade todos os pedidos formulados pela Demandante não são mais do que a decorrência de um alegado incumprimento da sentença 66/2015-A que, por um lado, já decidiu quanto ao direito em litígio – o mesmo na aludida ação de 2015 e na ação sub judice – e, por outro, as consequências do alegado incumprimento nunca integrariam um nova ação, mas sim a execução da primeira.

De facto a Demandante suscita a existência de um alegado facto novo – um alegado ato administrativo proferido depois da decisão de 2015 (bem como depois de proferida a decisão 46/2016-A que absolveu a demandada da instância por verificação da exceção de caso julgado) – cuja anulação requer, e uma nova subsunção jurídica dos factos alegados, no instituto do enriquecimento sem causa e da responsabilidade civil extracontratual da Demandada, para além da invocação de um conjunto de preceitos e princípios, mormente constitucionais, alegadamente em crise pelo incumprimento do pagamento do Subsídio em apreço.

Mas, por um lado, ainda que se tratasse de um ato administrativo, o que estaria em causa era o (in)cumprimento da sentença 66/2015-A o que nunca levaria a uma nova ação, como pretende a Demandante – e uma nova apreciação de mérito quanto à mesma relação jurídica -, mas sim à execução da primeira; por outro lado, o que a Demandante está a fazer é tentar repristinar a relação controvertida, mas já decidida no processo 66/2015-A, dando-lhe um novo enquadramento jurídico, com alegadas novas estatuições mas, na verdade o que está em causa – uma vez mais, e como aconteceu já na sentença 46/2016-A supra referida – é obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa ou do novo exercício de subsunção dos mesmos factos.

Na realidade os pedidos são os mesmos, ainda que não coincidam formalmente, mas mais não são – ainda que numa tentativa de fazer incluir novas formulações petitórias, com novas vestes jurídicas – do que o reconhecimento do mesmo e exato direito subjetivo que a ação de 2015, vertida na decisão 66/2015-A, já decidiu.

 Conforme resulta da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra proferida no âmbito do processo n.º … “a identidade de pedidos pressupõe que em ambas as ações se pretende obter o reconhecimento do mesmo direito subjetivo, independentemente da sua expressão quantitativa e da forma de processo utilizada, não sendo de exigir, porém, uma rigorosa identidade formal entre os pedidos.”

A Demandante mais não fez do que – para ver tutelados os mesmos direitos já objeto da decisão 66/2015-A – fazer um novo exercício de subsunção, suscitando novos institutos jurídicos mas que, in fine, mais não quer e não faz, do que querer o pagamento do aludido Suplemento de Risco, já objeto de decisão judicial transitada em julgado.

A Demandante visa – e isso foi tutelado – o pagamento de uma quantia pecuniária relativa ao aludido suplemento, o que foi reconhecido nos termos da sentença 66/2015-A impondo-se aos Demandantes a respetiva execução em caso de incumprimento. Sendo que aludir – de forma enunciativa – a princípios legais e constitucionais não é suscetível de satisfazer a pretensão da Demandante que tem os meios jurisdicionais para ver efetivada a tutela jurisdicional dos direitos que lhe são, e foram, reconhecidos, não estando – do que resulta dos autos – qualquer meio em crise que obstasse a essa tutela.

O que não pode é a Demandante – tendo já os direitos reconhecidos e tendo os meios para uma tutela efetiva, se os usar, ou se já recorreu a eles – peticionar alegadas novas pretensões que mais não fariam do que conduzir à satisfação do mesmo direito subjetivo.

Desta forma, portanto, nos termos da aludida decisão de Coimbra, verifica-se identidade quanto aos pedidos, porquanto em ambas as ações, o que está em causa é o mesmo direito subjetivo, como se verifica nos presentes autos.

 

11.3. Quanto à causa de pedir no processo n.º 66/2015-A, os associados da Demandante alicerçaram o seu pedido no factos de estarem providos em carreira de apoio à investigação criminal e a prestar funções na área funcional das telecomunicações, tendo por isso direito ao peticionado suplemento de risco nos termos das disposições legais aplicáveis.

No presente processo a Demandante fundamenta o pedido no facto de estarem integrados na referida carreira e de exercerem funções na área das t… o que lhes conferiria direito ao referido suplemento nos termos legais.

Vem agora a Demandante dar-lhe um novo enquadramento jurídico, num exercício de subsunção distinto mas em relação aos exatos mesmos factos constitutivos, i. e, e em suma, no facto de terem sido providos na carreira de apoio à investigação criminal e de exercerem funções na área das t….

A forma de tutela jurisdicional requerida pelos Demandantes na ação de 2015 e pela Demandante nesta ação é a mesma: em ambos, ainda que com formulações aparentemente diferentes – mas que visam tutelar os mesmos direitos subjetivos -, requerem a atribuição do suplemento de risco, alicerçando tais pretensões nos exatos mesmos factos.

A Demandante erige, aliás, sobre o não cumprimento da sentença arbitral uma situação de Enriquecimento sem Causa, i.e., numa posição remissiva expressa para os factos da decisão arbitral. Bem como o faz em relação à alegada responsabilidade civil, que aliás a partir do art. 62.º do articulado inicial se refere a este instituto, refere para “[...] todo o anteriormente mencionado [...]”, i.e., o alegado incumprimento da sentença que, quanto à causa de pedir, constituiu, portanto, o mesmo facto jurídico concreto do qual emergem as pretensões deduzidas.

A causa de pedir corresponde assim ao facto jurídico – complexo – do qual emerge a pretensão deduzida e, tanto na ação 66/2015-A, como nos presentes autos, a causa de pedir é a mesma, ou seja, o facto dos associados da Demandante terem sido providos na carreira de apoio à investigação criminal e de exercerem funções na área das t…, o que lhes confere direito ao pagamento do Suplemento de Risco.

Existe, assim, identidade de causa de pedir uma vez que as pretensões formuladas em ambas as ações emergem de facto jurídico genético do direito reclamado comum a ambas.

 

12. A exceção de caso julgado constitui uma exceção dilatória, que se traduz num pressuposto processual negativo cuja função consiste em impedir o prosseguimento do processo com o objetivo de evitar que o tribunal se veja na contingência de proferir decisão de mérito que contrarie ou repita uma outra, anterior e definitiva. 

O caso julgado material tem força obrigatória dentro do processo e fora dele e, por isso, não pode ser alterado em qualquer ação nova que porventura se proponha sobre o mesmo objeto, entre as mesmas partes e com fundamento na mesma causa de pedir.

Em suma, a pretensão da Demandante é a mesma que já foi objeto de decisão no processo n.º 66/2015-A, havendo uma coincidência com a ação em apreço nos presentes autos.

O efeito preclusivo do caso julgado determina a inadmissibilidade de qualquer ulterior indagação sobre a relação material controvertida definida em anterior decisão definitiva, motivo pelo qual se verifica a exceção dilatória do caso julgado, que obsta este tribunal ao conhecimento da causa e determina a absolvição da Demandada da instância.

 

III – DECISÃO

 

Face ao exposto, absolve-se a Demandada da instância por se verificar a exceção de caso julgado por identidade com a decisão arbitral proferida no processo n.º 66/2015-A, nos termos do art. 89.º, n.º 1, al. i), do CPTA.

 

IV – VALOR

 

Fixa-se o valor da causa para efeitos de encargos processuais no montante € 30.000,01 por aplicação subsidiária do artigo 34.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

 

V – CUSTAS

 

Encargos processuais na importância de € 150,00 por cada sujeito processual, nos termos da tabela aplicável.

 

Lisboa e CAAD, 1 de junho de 2021

 

O árbitro,

(Marisa Almeida Araújo)