SUMÁRIO:
1. A submissão de um litígio a arbitragem no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, “CAAD”) depende de convenção das partes ou de instrumento normativo;
2. Alternativamente, pode o interessado apresentar um requerimento junto do CAAD com vista a obter a vinculação da parte a demandar através de subscrição de compromisso arbitral;
3. No caso dos autos, constata-se que nenhuma das condições de vinculação à jurisdição do CAAD – prévia convenção das partes ou vinculação através de instrumento normativo e subscrição de compromisso arbitral – se encontra preenchida;
4. A incompetência absoluta do tribunal traduz uma excepção dilatória que obsta ao conhecimento do mérito da causa e que, consequentemente, motiva a absolvição da instância.
5. Os pedidos de pagamento de despesas, procuradoria e honorários de mandatário são, em qualquer caso, inadmissíveis em sede arbitral porquanto não são sustentados em qualquer norma, convenção ou compromisso arbitral que os sustentem.
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
Em 10 de Outubro de 2018, a A..., Demandada, comunicou à B...– Instituição Particular de Solidariedade Social, Demandante, a decisão de não aceitação da candidatura para renovação do Contrato Simples para o ano lectivo 2018/2019, tendo como fundamento o não envio dos documentos solicitados no prazo determinado.
Após reclamação da Demandante, datada de 20 de Dezembro de 2018, a Sra. Directora de Serviços do Ensino Particular e Cooperativo da A... manteve a decisão de não aceitação da candidatura. Em 11 de Março de 2019, a Demandante interpôs recurso hierárquico da decisão, o qual foi indeferido pela Sra. Secretária de Estado da Educação em 16 de Abril de 2020.
Em 8 de Junho de 2020, foi aceite a constituição de Tribunal Arbitral, subsequente à apresentação de requerimento arbitral pela Demandante. Naquele alega, em síntese, a Demandante o seguinte:
1. A não aceitação da candidatura teve como fundamento a não apresentação de comprovativo de IBAN;
2. A obrigação de apresentação de comprovativo de IBAN resulta do manual “procedimentos para o ano letivo 2018/2019”;
3. A referida exigência contraria o Contrato Simples relativo ao ano de 2016/2017, constando de um manual cujo único propósito é agilizar e operacionalizar a renovação de contratos simples, não sendo reconduzível a um programa de Concurso;
4. De qualquer modo, à data da renovação do Contrato Simples, a Demandada já detinha a informação solicitada, atendendo aos dados constantes na plataforma SIGRHE;
5. A desconsideração desses dados e a exigência da respectiva entrega em suporte físico contraria o princípio da Administração electrónica;
6. De acordo com o Decreto-lei n.º 152/2013, de 4 de Novembro, o procedimento de candidatura e renovação dos contratos simples e o seu valor devem ser objecto de portaria;
7. Contudo, a Portaria n.º 64/2018, de 5 de Março, vem apenas fixar o valor do apoio financeiro;
8. Uma vez que o manual “procedimentos para o ano letivo 2018/2019” não pode ser qualificado como uma portaria, inexiste norma habilitante para que a não apresentação do mencionado comprovativo constitua fundamento para a não aceitação da candidatura, desconsiderando tanto a informação introduzida no SIGRHE, como a posteriormente remetida para a Demandada em suporte físico, o que conduz a uma inconstitucionalidade formal e orgânica;
9. Face ao exposto, a exigência de apresentação do comprovativo de IBAN viola o princípio da segurança jurídica e o princípio da proporcionalidade;
10. Por outro lado, à Demandante não foi assegurado o direito de participação e de audiência prévia legalmente consagrado, sem que assistisse à Demandada qualquer fundamento para a sua dispensa.
Peticiona, em consequência, a Demandante:
1. A declaração da ilegalidade do Despacho da Sra. Secretária de Estado da Educação, de 16 de Abril de 2020;
2. A substituição de tais decisões por Sentença Arbitral que declare a renovação do Contrato Simples para o ano lectivo 2018/2019 e para o ano lectivo 2018/2019;
3. A condenação da Demandada no pagamento de comparticipação referente ao ano lectivo de 2018/2019, bem como da comparticipação referente ao ano lectivo de 2019/2020, bem como ao pagamento dos respectivos juros de mora;
4. A condenação da Demandada ao pagamento das despesas com procuradoria condigna, a qual se fixa em € 5.000,00, a título dos honorários do mandatário da Demandante.
É divergente a posição da Entidade Demandada. Em 6 de Julho de 2020, a Demandada apresentou a respectiva contestação, na qual principia por invocar as excepções de incompetência do tribunal arbitral e erro na forma de processo e, subsidiariamente, a excepção peremptória de caducidade do direito de acção, nos seguintes termos:
1. Relativamente à excepção de incompetência do tribunal arbitral, embora a Demandante refira no intróito da petição inicial que a presente acção tem por objecto “questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos”, tal não é o seu objecto, vindo a mesma peticionar a anulação de um acto administrativo;
2. O litígio em questão não se encontra abrangido pela vinculação à jurisdição do Centro de Arbitragem Administrativa (doravante, “CAAD”) resultante da Portaria n.º 219/2014, de 21 de Outubro: em primeiro lugar, a mesma abarca os serviços do Ministério da Educação, não sendo aplicável a Despachos de um Secretário de Estado; por outro lado, circunscreve-se aos litígios que tenham por objecto “questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos”, e não a anulação de actos administrativos;
3. Muito embora a possibilidade de constituir um tribunal arbitral para questões relativas à validade de actos administrativos, inexiste, no caso em apreço, qualquer convenção arbitral;
4. No mais, inexiste qualquer requerimento de apuramento da vontade de subscrição de um compromisso arbitral apresentado pela Demandante, opção relativamente à qual a Demandada expressou a sua oposição;
5. No que respeita à excepção de erro sobre a forma do processo, tratando-se os presentes autos de uma acção anulatória, a Demandante não iniciou o procedimento legalmente devido e regulado nos termos dos artigos 50.º e ss do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (doravante, “CPTA”);
6. Por último, quanto à excepção de caducidade do direito de acção, o objecto processual relevante consiste na decisão de 15 de Fevereiro de 2019 da Sra. Directora de Serviços do Ensino particular e Cooperativo da A... e não na decisão de indeferimento da Sra. Secretária de Estado de Estado da Educação, datada de 16 de Abril de 2020, pelo que a pretensão da Demandante é extemporânea.
No mais, a Demandada pronunciou-se no sentido da improcedência de mérito da acção proposta pela Demandante.
Seguidamente, a Demandante veio pronunciar-se no sentido da improcedência das excepções apresentadas pela Demandada.
Em 17 de Setembro de 2020, tendo por fundamento o não pagamento da taxa arbitral pela Demandante, o Tribunal determinou a suspensão da instância, pelo prazo de 60 dias, até que a mesma ou outra entidade competente procedessem ao pagamento da mencionada taxa arbitral, conforme disposto no artigo 10.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa (doravante, “Regulamento”).
Após requerimento da Demandante datado de 12 de Novembro de 2020, o Tribunal reiterou que a apresentação de comprovativo de pagamento da taxa arbitral constitui uma conditio sine qua non do prosseguimento do processo. Em consequência, determinou a manutenção da suspensão da instância, por mais 60 dias ou até se mostrar paga a taxa de arbitragem pela entidade competente para o efeito, dada a dispensa da Demandante desse pagamento, em virtude do deferimento do pedido de apoio judiciário apresentado junto da Segurança Social.
Por requerimento apresentado em 11 de Janeiro de 2021, a Demandante veio solicitar a dispensa de pagamento da taxa arbitral e consequente prosseguimento dos autos.
Em 18 de Janeiro de 2021, o Tribunal deferiu o requerimento apresentado, declarando cessada a suspensão da instância anteriormente decretada. Foi igualmente determinada a audição das partes, no prazo de 10 dias, sobre a condução do processo apenas com base na prova documental e demais elementos do processo, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 18.º do Regulamento. Ambas as partes aceitaram a condução do processo apenas com base na prova documental e demais elementos do processo, tendo posteriormente apresentado as respectivas alegações escritas.
II. Saneamento do Processo
O Tribunal está, portanto, em condições de se pronunciar sobre as referidas excepções (cfr. alínea a) do n.º 1 e n.º 4 do artigo 88.º e n.os 1-3 do artigo 89.º do CPTA).
O valor da acção é de €111.139,22 (cento e onze mil, cento e trinta e nove euros e vinte e dois cêntimos), conforme indicado pela Demandante no requerimento arbitral e por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 32.º do CPTA, valor não contestado pela Demandada.
No que tange à competência do Tribunal Arbitral, é certo que a submissão de um litígio a arbitragem no âmbito do CAAD depende de convenção das partes ou de instrumento normativo, nos termos dos n.os 1 e 2 do artigo 8.º do Regulamento. De acordo com a mesma disposição, compete ao interessado (autor do ou dos pedidos arbitrais), identificar o instrumento de vinculação (v.g., portaria, regulamento, contrato ou qualquer outro meio legalmente admissível) das entidades demandadas ou a demandar.
Alternativamente, pode o interessado apresentar um requerimento junto do CAAD com vista a obter a vinculação da parte a demandar através de subscrição de compromisso arbitral, ao abrigo do n.º 2 do artigo 8.º e artigo 9.º, ambos do Regulamento.
No caso dos autos, verifica-se que nenhuma das condições de vinculação à jurisdição do CAAD – prévia convenção das partes ou vinculação através de instrumento normativo e subscrição de compromisso arbitral – se encontra preenchida. Se, por um lado, as partes não celebraram qualquer convenção prévia, por outro lado, não foi endereçado a este Tribunal qualquer requerimento com vista a obter a vinculação da parte a demandar através de subscrição de compromisso arbitral. Resta explicitar por que motivo se considera que, no caso em apreço, inexiste vinculação da Demandada à jurisdição do CAAD através de instrumento normativo.
Em primeiro lugar, importa precisar que, considerando os termos como a acção é configurada pela Demandante, o presente litígio não tem manifestamente por objecto “questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos”. Pelo contrário, está em causa a validade de um acto administrativo de um Secretário de Estado a respeito de um pedido impugnatório formulado, pela Demandante, em sede de requerimento arbitral que é claríssimo na sua linguagem e no seu sentido (e cujos demais pedidos assentam em consequências desse mesmo pedido).
Assim, não se negando a vinculação de vários serviços do Ministério da Educação e Ciência à jurisdição do CAAD, nos termos da Portaria n.º 219/2014, de 21 de Outubro, conclui se que o litígio em questão não se encontra abrangido pelo referido instrumento. Desde logo, a referida Portaria abarca os serviços do Ministério da Educação e Ciência, não sendo aplicável a Despachos de um Secretário de Estado, acto que a Demandante impugna no seu petitório; por outro lado, a jurisdição do CAAD constituída pela referida Portaria circunscreve-se aos litígios que tenham por objecto “questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos”, não abrangendo pedidos de anulação de actos administrativos, quer de um Secretário de Estado, quer de outro órgão integrante do Ministério da Educação e Ciência.
Perante o não preenchimento das condições que possibilitam o recurso à jurisdição do CAAD, cabe aos tribunais administrativos estaduais dirimir os litígios respeitantes à anulação de actos administrativos, conforme estatuído nos artigos 4.º, n.º 1, alínea c), e 44.º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, assim como no artigo 2.º, n.º 2, alínea a), do CPTA. Isso mesmo resulta, em linha recta, da competência genérica fixada na Constituição (artigo 212.º, n.º 3) que opera, numa lógica de generalidade face à competência especial a tribunais arbitrais (institucionalizados ou não) que apenas surge quando atribuída por convenção ou instrumento normativo.
Em suma, verifica-se uma excepção dilatória – a incompetência absoluta do tribunal – que obsta ao conhecimento do mérito da causa e que, consequentemente, motiva a absolvição da instância (artigos 14.º e 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea a), do CPTA). Por último, atendendo ao exposto, a análise de outras excepções (dilatórias e peremptórias), como as identificadas pela Demandada, perde a sua pertinência, constituindo o referido fundamento suficiente para ditar a absolvição da Demandada da instância .
Fica prejudicado o pedido de condenação da entidade demandada no pagamento das despesas e honorários do mandatário constituído pela demandante neste processo, sendo de assinalar que, em qualquer circunstância, tal pedido improcederia por falta de base legal ou contratual em que alegada e comprovadamente se pudesse sustentar.
III. Decisão
Em razão do supra exposto, julga-se procedente a excepção dilatória de incompetência do Tribunal Arbitral, absolvendo-se a Demandada da instância, nos termos dos artigos 14.º e 89.º, n.º 2 e n.º 4, alínea a), do CPTA.
- Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original da decisão;
- Fixa-se o valor da causa em €111.139,22 (cento e onze mil, cento e trinta e nove euros e vinte e dois cêntimos), conforme indicado pela Demandante no requerimento arbitral e por aplicação do disposto no n.º 3 do artigo 32.º do CPTA.
- Quanto a custas processuais, fixa-se, por aplicação da tabela VII – Arbitragem Administrativa em Geral – Tribunal Colectivo – o valor de €3.060,00 (€1.530,00, por cada sujeito processual), a suportar integralmente pela Demandante, nos termos do artigo 29º-6, do Regulamento de Arbitragem do CAAD, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido e do procedimento estabelecido no despacho proferido em 18-1-2021.
Lisboa e CAAD, 16 de abril de 2021
O Tribunal Arbitral Coletivo,
José Poças Falcão
Pedro Brito Veiga Moniz Lopes
Maria do Rosário Anjos
(vencida conforme declaração de voto em anexo)
Declaração de voto
Votei vencida a presente decisão arbitral por não perfilhar o entendimento maioritário quanto à questão da incompetência do tribunal arbitral para decidir o litígio submetido à apreciação arbitral.
No essencial importa considerar os termos em que a Requerente deduziu o presente pedido arbitral, alegou e demonstrou a sua causa de pedir e formulou o seu pedido.
Assim, veio a Requerente, apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral, o qual «tem por objecto QUESTÕES RELATIVAS À INTERPRETAÇÃO, VALIDADE E EXECUÇÃO DOS CONTRATOS POR ESTE CELEBRADOS, na sequência do DESPACHO da Sra. Secretária de Estado da Educação de 16-04-2020 (…)» Cfr.: PI.
A Requerente formulou o seu pedido nos termos seguintes: «deve o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado totalmente procedente por provado e, consequentemente, deverá Vª Exa. declarar ilegal o DESPACHO da Sra. Secretária de Estado da Educação de 16-04-2020 (Doc. n.º 20) (…) substituindo tais decisões por Sentença Arbitral que declare a renovação do contrato simples para o ano lectivo 2018/2019 e para o ano lectivo 2019/2020 e, se a nada mais (do que tal ilegal indeferimento daquelas renovações) obstar, a possibilidade da renovação para os anos subsequentes, e, consequentemente, condenar ao Requerido a pagar à B... o valor de €53.169,94 (3 tranches de €17.723,00, tendo a última mais €0,94) devido pela Comparticipação referente ao ano lectivo de 2018-2019.»
Ao longo da PI a Requerente expõe os fundamentos de facto e de direito que deram origem ao pedido arbitral, os quais assentam, exclusivamente, no contrato simples em vigor entre as partes e cuja renovação viu negada por Despacho. Neste contexto, invoca recorrente e abundantemente os preceitos contidos no Decreto Lei nº 152/2013, de 4 de novembro – Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (EEPC), nomeadamente o disposto nos seus artigos 8º a 24º, e em particular os normativos dos artigos 9º, 11º, 12º e 13º que estabelecem o regime dos contratos de apoio financeiro às famílias, entre os quais salienta o regime jurídico aplicável ao contrato simples. Estes são, muito sumariamente, os fundamentos do pedido.
Com este enquadramento, atendendo a tudo o que foi alegado pelas partes, concluo, contrariamente ao decidido, que a questão submetida pela Requerente, tal qual se encontra pormenorizadamente exposta, alegada e peticionada nos autos consubstancia uma questão relativa ao cumprimento e execução do contrato, a qual considero estar perfeitamente contida no âmbito arbitral, à luz da legislação em vigor e da cláusula arbitral, nos termos da vinculação assumida pelo Requerido Ministério da Educação, no que toca a questões relativas à interpretação, validade e execução do contrato, a qual inclui, também, a competência para anular ou declarar a nulidade dos atos administrativos relativos à execução do contrato.
Acresce que, nos termos do disposto nos artigos 180.º e 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, estabelece um leque de matérias arbitráveis, o tribunal arbitral tem competência para «para julgar qualquer das seguintes matérias: “a) Questões respeitantes a contratos, incluindo a anulação ou declaração de nulidade de atos administrativos relativos à respetiva execução.»
Esta foi a posição subjacente ao Despacho Nº 5880/2018 de 1 de junho de 2018, da Senhora Secretária de Estado da Justiça, proferido no exercício das competências que lhe foram delegadas por Sua Excelência a Ministra da Justiça, através do Despacho N.º 6856/2016, de 24 de maio de 2016, e com os fundamentos que constam da Informação com a referência INT-DGPJ/2016/1386, de 17 de novembro de 2016, da Direção-Geral da Política de Justiça, que autorizou «a ampliação da competência material do CAAD em matéria administrativa, passando o mesmo a poder constituir tribunais arbitrais para o julgamento de litígios que tenham por objeto quaisquer matérias jurídico-administrativas que nos termos da lei possam ser submetidas a arbitragem institucionalizada.» (Sublinhado nosso).
Por Portaria n.º 219/2014, de 21 de outubro, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) encontra-se vinculado à jurisdição arbitral relativamente aos litígios que tenham por objeto «questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos.»
Analisados e revisitados os autos, uma e outra vez, concluo que a causa de pedir subjacente ao pedido arbitral formulado, objetiva e detalhadamente caracterizada ao longo da PI (reforçada nos requerimentos subsequentes e nas alegações apresentadas pela Requerente), se caracteriza como uma questão relativa à interpretação, validade e execução do contrato celebrado entre a Requerente e Requerido, na sequência do DESPACHO da Sra. Secretária de Estado da Educação de não renovação do contrato simples para o ano 2018/2019, com respaldo no EEPC, nos normativos referentes aos contratos de apoio financeiro às famílias.
A mesma conclusão extraio da análise dos documentos juntos aos autos, ressaltando que a Requerente desenvolve a causa de pedir sempre por remissão ao contrato e à sua não renovação, considerando que a decisão da sua não renovação foi ilegal. Dito de outro modo, toda a fundamentação do pedido arbitral se reporta, precisamente, ao contrato celebrado entre as partes e à decisão da sua não renovação.
Por tudo isto, é meu entendimento que é exclusivamente este contrato e as suas vicissitudes que está em causa, nomeadamente, a decisão de não renovação, a qual assenta numa concreta interpretação e aplicação do regime jurídico aplicável no âmbito do referido contrato. Matéria que é, salvo melhor opinião, arbitrável à luz do que vem exposto, bem assim como da vinculação arbitral do Requerido Ministério da Educação e Ciência.
Resulta da natureza da atividade administrativa, que as decisões relativas a matéria contratual, assumam a forma típica de formação da decisão pública, a qual assenta em especiais garantias e imperativos legais que a isso obriga, pressupondo a prática de sucessivos e distintos atos administrativos, de natureza intermédia, através dos quais a AP exprime as suas declarações de vontade. Mas não se pode extrair daí que todos os litígios relativos a decisões tomadas no âmbito da interpretação e aplicação e execução dos contratos traduzam ou se reduzam a questões de anulação de atos administrativos. O que releva, na aferição da arbitrabilidade da matéria submetida à apreciação do tribunal é a natureza da causa de pedir. Ora, no caso concreto essa causa de pedir é a questão relativa à não renovação e cumprimento de contrato simples (apoio financeiro às famílias no âmbito do 1º ciclo), celebrado entre as partes em 27 de Março de 2016, celebrado entre o MEC e a Requerente B... (IPSS), mas cujo âmbito essencial é o apoio financeiro às famílias dos alunos de 1º ciclo. O que a Requerente suscita, como causa de pedir é o cumprimento desse contrato cuja renovação considera devia ter ocorrido.
Naturalmente, estando em causa um contrato público o mesmo depende de um procedimento prévio, no âmbito do qual são praticados vários atos. O despacho do Sr. Secretário de Estado configura um desses momentos procedimentais, um desses atos. Em todo o caso, estamos no âmbito de uma questão relacionada especificamente com um contrato, matéria sobre a qual o Tribunal arbitral tem competência.
Por último, entendo que esta posição encontra respaldo na posição sufragada pelo STA no Acórdão de uniformização de jurisprudência proferido em 01/10/2020 pelo Pleno da secção do STA. No caso então em apreço, com relevância para a situação dos presentes autos, estava em causa saber se um despacho proferido pelo Presidente de um Instituto Politécnico, no âmbito de um contrato de emprego público em vigor, configurava ou não um ato administrativo, de modo a determinar se a ação administrativa proposta teria sido ou não a adequada, face ao âmbito da antiga ação administrativa especial em confronto com o da ação administrativa comum. A questão essencial em apreciação era precisamente a mesma que se no caso dos presentes autos: trata-se de questão relativa à interpretação e validade de um contrato ou da anulação, pura e simples, de um ato administrativo?
Face à divergência jurisprudencial sobre essa específica questão, da qual dependia a determinação do âmbito da ação em causa (ao tempo, ação administrativa comum ou especial) veio o Pleno do STA afirmar e fixar o entendimento segundo o qual, no caso concreto a suscitada ilegalidade do despacho não consubstanciava, sem mais, uma ação de anulação de ato administrativo, considerando: “o despacho não se deve configurar como um verdadeiro acto administrativo, que se apresente com eficácia externa e imediatamente executório e que tenha produzido qualquer alteração na esfera jurídica da autora, e deste modo, tenha decidido de forma definitiva a situação laboral da mesma. Com efeito, estamos, perante um acto meramente autorizativo (...) Ou seja, tudo indica que se trate de acto interno ou instrumental; estes actos caracterizam-se na sua essência, como sendo aqueles pelos quais se permite que seja exercido um poder já existente na esfera jurídica de alguém, ou que se limitem a extrair /remover um obstáculo legal ao livre exercício de um direto pré-existente...» Cfr: Ac. STA Pleno Uniformização de Jurisprudência – Proc. Nº 081/19.3 BALSB, de 01-10-2020 – Pleno da secção do Contencioso Administrativo.
Revejo-me neste entendimento, e não posso sufragar o que vem seguido na decisão arbitral proferida, por redutor e, com todo o respeito pela opinião vencedora, excessivamente restritivo na determinação da competência material do Tribunal arbitral.
Lisboa, 16-04-2021
Maria do Rosário Anjos