Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 56/2020-A
Data da decisão: 2021-04-08  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 4.889,30
Tema: Emprego Público - Alteração do posicionamento remuneratório
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – DAS PARTES, DO TRIBUNAL ARBITRAL, DO VALOR E DO SANEAMENTO PROCESSUAL

 

É Demandante na presente acção arbitral o C..., em representação da sua associada A..., sendo Demandado o Município B... .

 

A legitimidade do Demandante relaciona-se com a filiação da trabalhadora titular dos direitos a acautelar nos presentes autos, bem como do documento n.º 1 junto aos autos com a Petição Inicial , no qual se contra plasmada e expressa a vontade da mencionada trabalhadora de ser representada pelo Demandante no recurso “aos meios administrativos e judiciais considerados indispensáveis para defesa individual ou colectiva”  dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.

 

A legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada, encontra respaldo e fundamento no artigo 3.º, n.º 2 dos Estatutos do CAAD, bem como nos artigos 180.º e 187.º, ambos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos .

 

Importa salientar que, a vinculação das partes a este Tribunal emerge do disposto no artigo 187.º, n.ºs 1, alínea c) e 2 do CPTA, conjugado com a convenção de arbitragem prévia celebrada entre as partes e junta como anexo à PI .

 

As partes são assim legítimas, não apenas por serem partes na relação material controvertida, mas ainda por força das mencionadas disposições legais e regulamentares e da convenção arbitral.

 

Nos termos do artigo 27.º, n.º 2, do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD - disponível em www.caad.org.pt) “se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelos tribunais de 1.ª instância.”. Não tendo qualquer das Partes exercido o direito de renúncia da presente decisão arbitral, de acordo com o aludido preceito, da decisão proferida nos presentes autos caberá recurso nos mesmos aplicáveis a uma decisão de 1.ª instância dos tribunais estaduais.

 

Este Tribunal Arbitral, constituído em 10 de Julho de 2020, é composto por um Árbitro, conforme determina o artigo 15.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem, tendo o signatário sido designado como Árbitro para apreciar e decidir a presente causa nos termos do mesmo Regulamento.

 

No Despacho Arbitral proferido em 22 de Setembro de 2020, o Tribunal decidiu: “Relativamente ao processo acima melhor identificado, é nosso entendimento que os elementos constantes dos presentes autos contêm prova documental e outros elementos bastantes para a decisão do mérito da causa, sem necessidade de realização de qualquer diligência adicional. Nesta conformidade, notifico os Ilustres Mandatários das Partes para nos termos do disposto no artigo 18.º, n.º 1, alínea c) e n.º 4 do Regulamento de Arbitragem Administrativa do Centro de Arbitragem Administrativa, se pronunciarem sobre a tramitação futura do processo, nomeadamente quanto à necessidade (ou não) de produção de alegações escritas.”

 

Notificadas do dito Despacho, as duas Partes, por requerimentos datados de 23 de Setembro de 2020 e de 24 de Setembro de 2020, comunicaram a sua não oposição a que os autos prosseguissem os respectivos termos baseados na prova documental já produzida (n.º 3 do artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa), com dispensa da tentativa de conciliação e da realização das demais diligências adicionais, nomeadamente a produção de alegações escritas.

 

 

II – BREVE SÍNTESE DA POSIÇÃO DAS PARTES E DAS QUESTÕES A DECIDIR

 

O Demandante, no seu petitório, requer a este Tribunal a condenação do Demandado nos seguintes termos:

 

a) “Condenada a entidade demandada a proceder à contabilização do tempo de contrato a termo para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório na carreira em que, sem quebra ou interrupção de funções, foi a associada do A. provida no quadro de pessoal;

 

b) Condenada a entidade demandada a proceder e pagar à Associada da A. a quantia de € 2.605,97, acrescida de juros de mora já vencidos até à presente data no montante de € 2.283,33 e dos que se vencerem até efetivo e integral pagamento.”

 

Por seu turno, o Demandado Município B... conclui que: “Consequentemente, o Município deve à sua trabalhadora e associada do A., a quantia global de 2.401,03€, acrescida de juros de mora até à data do respetivo pagamento”.

 

Deste modo, e atentas as posições assumidas pelas Partes nos seus articulados – e bem assim no acervo documental junto aos autos - facilmente se alcança que a motivação da presente demanda se alicerça numa diferença de € 204,94, que corresponde à diferença do valor de capital peticionado de € 2.605,97 e o valor assumido pelo Demandado como efectivamente devido de € 2.401,03.

 

 

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

 

1. A associada do Autor foi contratada pelo Demandado em 15 de Fevereiro de 1998, com um contrato a termo certo para o desempenho funções de Escriturária Datilógrafa de 2.ª classe, letra S.

 

2. Em 2 de Agosto de 1990, e sem que tenha havido interrupções de funções, tomou posse no quadro de pessoal coma categoria de Terceiro-Oficial Administrativo, tendo sido remunerada pelo escalão 1, índice 160, e 56,700$00 a título de vencimento.

 

3. Em 1 de Novembro de 1991, passou para o escalão 1, índice 180 com vencimento de 72.400$00;

 

4. E, 1 de Setembro de 1993, progredido para o escalão 2, índice 190, com a remuneração de 87.100$00;

 

5. Em 9 de Março de 1995, na sequência de procedimento concursal, toma posse na categoria de Segundo-Oficial Administrativo, escalão 1, índice 200, correspondente ao vencimento de 98.700$00;

 

6. Em 1 de Abril de 1998 progrediu para o escalão 2, índice 210, com a remuneração de 116.200$00;

 

7. Em 1 de Dezembro de 1998, na sequência de concurso, foi promovida à categoria de Primeiro-Oficial Administrativo, Escalão 1, índice 220, com a remuneração de 121.700$00;

 

8. Com efeitos reportados a 1 de Dezembro de 1998 (no artigo 13.º da PI é referido o dia 1 de Janeiro de 1998, mas no artigo 22.º da mesma peça processual é já referida a data de 1 de Dezembro de 1998, como é igualmente registado pela Demandada no artigo 1.º in fine da Contestação), a trabalhadora transitou ex vi legis para o 2.º escalão com índice 225 da categoria de Assistente Administrativo Principal com vencimento de 124.500$00.

 

9. Em 24 de Maio de 2000, foi promovida à categoria de Assistente Administrativo Especialista, escalão 1, índice 260 com o vencimento de 151.800$00.

 

 

A factualidade dada como provada encontra-se assumida pelas partes, seja pelo Demandante (na PI), seja pela Demandada (na respectiva Contestação e, ainda, no documento n.º 1 junto com esta).

 

A convicção do tribunal quando aos factos considerados provados resultou da sua admissão por acordo as partes, bem como pelo teor dos documentos juntos aos autos, com especial enfoque para o referido documento n.º 2 junto com a PI (que corresponde ao documento n.º 1 junto com a Contestação), nomeadamente a tabela de “valores das diferenças remuneratórias a pagar à trabalhadora A...”, que se trata de um documento elaborado pelo Demandando e cujos valores contrariam o alegado na Contestação, como se verá adiante.

 

IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

 

Estipula o artigo 6.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de Outubro (na redacção resultante do artigo 1.º da Lei n.º 6/92, de 29 de Abril) que “O tempo de serviço prestado como contratado nos termos do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de junho, no exercício de funções correspondentes às da categoria de ingresso releva para efeitos de progressão na categoria e promoção na carreira”.

 

Acresce que, o artigo 6.º-A, n.ºs 1 e 3 do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de Outubro (na redacção conferida pela Lei n.º 6/92, de 29 de Abril), consagra o direito à contagem do tempo de serviço como contratado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de Outubro.

 

Conforme reconhece o próprio Demandado, maxime no artigo 2.º da Contestação, a trabalhadora filiada no Demandante tem direito à contagem de tempo de serviço prestado como contratada, nos termos indicados no artigo 22º da PI, o que no caso vertente totaliza 2 anos, 5 meses e 19 dias (entre 15/02/1988 e 01/08/1990).

 

É assim apodíctico, evidenciando-se acordo de ambas as partes, que o tempo de serviço da trabalhadora como contratada deverá ser tido em consideração nos períodos compreendidos entre i) 14 de Fevereiro de 1992 e 31 de Agosto de 1993 e ii) 1 de Março de 1995 e 24 de Maio de 2000. Com efeito, a relevância do tempo de serviço para a progressão e promoção da trabalhadora aqui representada pelo Demandante deve ser alcançada mediante o confronto dos valores que a trabalhadora auferiu durante os períodos temporais mencionados e o que teria recebido no caso de aquele tempo de serviço tivesse sido contabilizado, o que não ocorreu in casu, como assumem as partes.

 

Não são assim perceptíveis as razões invocadas pelo Demandado para justificar o valor que assume como devido, porquanto os valores que constam do documento n.º 1 junto com a contestação extravasa inclusivamente o pedido do Demandante.

 

Destarte, deve atender-se aos valores sustentados pela Demandante, a saber:

a) a diferença remuneratória de 4 de Fevereiro de 1992 e 1 de Setembro de 1993, corresponde 19 meses e 18 dias (82.500$00 – 72.400$00 = 10.100$00 x 19 meses e 18 dias = 197.760$00), o que equivale a € 986,42;

b) a diferença remuneratória de 1 de Março de 1995 e 9 de Março do mesmo ano, correspondente a 8 dias (25.470$00 – 22.480$00 = 2.990$00), o que equivale a € 14,91;

c) a diferença remuneratória de 9 de Março de 1995 e 1 de Abril de 1998, correspondente a 36 meses e 23 dias (13.600$00 – 98.700$00 = 4.900$00 x 36 meses e 23 dias), o que equivale a € 898,44;

d)  a diferença remuneratória de 1 de Abril de 1998 e 1 de Dezembro de 1998, correspondente a 8 meses (121.700$00 – 116.200$00 = 5.500$00 x 8 meses), o que equivale a € 219,47;

e) a diferença remuneratória de 1 de Dezembro de 1998 e 24 de Maio de 2000, correspondente a 17 meses e 23 dias (130.000$00 – 124.500$00 = 5.500$00 x 17 meses e 23 dias), o que equivale a € 486,73;

 

perfazendo um total de € 2.605,97.

 

Note-se que, para além dos valores acima indicados, a própria Demandada reconhece nos artigos 4.º a 7.º da Contestação, bem como na tabela de “valores das diferenças remuneratórias a pagar à trabalhadora A...” in fine (documento n.º 2 junto com a PI, que corresponde ao documento n.º 1 junto com a Contestação)),  que o valor das diferenças remuneratórias ascende a € 2.352,15, a que acrescem os totais dos subsídios de férias e de Natal, os quais representam, respectivamente, as quantias de € 178,06 e de € 155,12, o que totaliza o montante de € 2.685,33. Ora, como facilmente se alcança, o referido montante é superior ao valor do pedido, que ascende a € 2.605,97.

 

Todavia, atendendo ao disposto no artigo 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil , ex vi artigo 26.º, n.º 2 do Regulamento da Arbitragem Administrativa do CAAD, “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”, pelo que não pode o Demandado ser condenada no pagamento da quantia acima indicada, sob pena da presente decisão arbitral ser nula, por via do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea e) do CPC .

 

Em face do exposto, o valor da condenação da Demandada cifra-se em € 2.605,97, valor ao qual acrescem juros de mora, desde 24 de Maio de 2000 até integral e efectivo pagamento.

 

Na presente data, tais juros ascendem ao montante de € 2.406,42, calculados do seguinte modo:

i) entre 24/05/2000 e 30/04/2003, à taxa de 7,00%: € 535,26;

ii) 01/05/2003 e 08/04/2021, à taxa de 4,00%: € 1.871,16.

 

 

V – DECISÃO

 

Em face do exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente procedente e, em consequência:

a)            Condena-se o Demandado a contabilizar o tempo de serviço prestado ao abrigo de contrato a termo para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório na carreira em que, sem quebra ou interrupção de funções, foi a trabalhadora associada do Demandante provida no quadro de pessoal;

b)           Condenar o Demandado a proceder à progressão da associada do Demandante em função da contabilização do tempo de serviço prestado enquanto contratada; e

c)            Consequentemente, condena-se o Demandado a pagar à trabalhadora associada do Demandante da quantia de € 2.605,97, acrescida de juros de mora já vencidos até à presente data (no montante de € 2.406,42) e dos que se vencerem até efectivo e integral pagamento.

 

 

Fixa-se à causa o valor de € 4.889,30 (quatro mil oitocentos e oitenta e oito euros e trinta cêntimos), por estar em causa o pagamento de uma quantia certa, considerando o disposto no n.º 1 do artigo 31.º e no n.º 1 do artigo 32.º do CPTA, sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos regulamentares aplicáveis.

 

Os encargos processuais devem ser suportados por Demandante e Demandado, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD.

 

Registe e notifique-se.

 

Vila Nova de Gaia, 8 de Abril de 2021.

 

O Árbitro,

(Pedro Neves de Sousa)