DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório:
A Demandante B..., é um sindicato dotado de personalidade jurídica e capacidade legal para o cumprimento dos seus fins e que visa exclusivamente a promoção e defesa dos interesses económicos, sociais e profissionais, intentou em representação do seu associado B... a presente ação, contra a Demandada C..., pedindo que, na sua procedência, lhes seja reconhecido o pagamento da diferença entre o que foi pago e o que efetivamente deveria ter sido pago referente 1) ao subsídio de risco, 2) ao subsídio de turno, bem como 3) horas extraordinárias. Mais requer a condenação da Demandada no pagamento do subsídio em causa e juros vencidos e vincendos até à liquidação integral.
Alega, para o efeito que a Demandada tem processado tais abonos de forma errada, tal como a própria já reconheceu, o que originou a que corrigisse em relação a 1) e 2) com o processamento de dezembro de 2019 retroativamente ao ano de 2018.
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Citada para contestar, veio a Demandada apresentar defesa por exceção.
Quando à defesa por exceção a Demandada invocou 1) falta de interesse em agir, 2) caducidade do direito de ação.
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Findo os articulados, foi proferido despacho nos termos do artigo 18º do Regulamento de Arbitragem Administrativa (RAAA), pronunciando-se o tribunal sobre os pressupostos processuais, nomeadamente, competência do tribunal, personalidade e capacidade judiciária, representação em juízo, bem como sobre acerca de exceções, nulidades e questões prévias, nomeadamente em relação à matéria de exceção invocada, tendo considerado a mesma improcedente, pelos motivos e fundamentos constantes do referido despacho que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Quanto ao meio processual e forma da ação, o tribunal considerou-o adequado em virtude de estarmos perante uma ação que qualificou de ação de reconhecimento e de condenação resultantes da execução de deveres de prestar decorrentes de relação jurídica de emprego público.
As partes foram notificadas do sobredito despacho para, querendo, no prazo de dez dias se pronunciarem sobre o mesmo e, mais especificamente para se pronunciarem: a) sobre o facto do tribunal pretender decidir com base na prova documental e elementos constantes dos autos; b) sobre o oferecimento pelas partes de alegações escritas; c) qualquer outro aspeto que às partes se afigure relevante e, bem assim, requererem o que entendam útil à boa decisão da causa, contando que não se altere o objeto ou a causa de pedir.
Demandantes e Demandada não se opuseram a que a decisão fosse proferida apenas com base na prova documental e elementos constantes dos autos e prescindiram da faculdade de alegar.
2. Saneamento:
Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância afirmados aquando da prolação do despacho inicial.
Questões que ao tribunal cumpre solucionar:
Deve ou não a Demandada ser condenada ao pagamento das diferenças dos suplementos remuneratórios, nomeadamente do subsídio de risco, subsídio de turno e horas extraordinárias.
3. Dos Factos
Com relevância para a decisão da causa, dão-se por assentes todos os factos alegados pelo Demandante, considerando que a Demandada não impugnou qualquer facto, tendo inclusivamente confessado que pretende proceder ao pagamento efetivos dos diferenciais dos montantes, estando tal pagamento dependente da possibilidade de cabimentar a verba indispensável no orçamento da mesma.
Tenha-se em atenção que procedeu inclusivamente ao pagamento de tal diferencial referente ao ano de 2018, com o processamento salarial de dezembro de 2019, cfr. recibo de vencimento junto aos autos.
4. Do Direito:
Importa, desde logo, salientar que a atribuição de subsídio de risco aos diversos trabalhadores que desenvolvem a sua atividade na Demandada, não constitui uma questão nova, tendo já sido objeto de anteriores pronúncias deste mesmo Centro de Arbitragem, nomeadamente nos Processos n.ºs 1297/2019-A, 17/2017-A e 62/2015-A (este último, aliás, objeto de expressa menção da Demandante).
Com efeito, e tal como exarado na Decisão Arbitral proferida no âmbito do Proc. n.º 62/2015-A do CAAD, “O direito aos suplementos é um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, nomeadamente o direito a uma retribuição segundo a quantidade, qualidade e natureza do trabalho (art. 59º da CRP). Cabe à lei ordinária – e suas regulamentações – a fixação do seu regime e dos seus critérios procurando o regime remunerador do trabalho que considere justo. Esse regime está sujeito a alterações, mas importa saber o âmbito temporal de tais alterações, tendo sempre presente, sobretudo em casos difíceis, que a interpretação a fazer deverá ter por pano de fundo o direito constitucional acima referido e, no caso de alterações de vigência temporária, a ratio legis do regime regra aplicável ao caso.
O regime relativo à actualização dos suplementos da Lei 64-A/2008, de 31.12, destinou-se a ter vigência apenas para esse ano. O art. 22º desta lei refere-se expressa e inequivocamente à «atualização dos suplementos remuneratórios para 2009», de resto acompanhando nesta parte o princípio da anualidade da lei do orçamento (art. 106º/1 da CRP) o que significa que em 01 de Janeiro de 2010 cessou a vigência da norma, regressando, a partir daí, a situação ao regime normal, que nunca foi expressa ou tacitamente revogada. A Portaria 1553-D/2008, na parte em que regulamenta o art. 22º da Lei 64-A/2008 não poderia exceder o âmbito da mesma, sob pena de ilegalidade e nulidade. Tendo cessado em 31 de Dezembro de 2009 a vigência do regime excepcional e temporário a partir de 2010 os suplementos deveriam ser processados na íntegra e pagos em montantes que tenham por base a remuneração-base e índices da tabela remuneratória em vigor, segundo o regime normal.”
De facto, a partir de 2010, inclusive, cessaram quaisquer restrições legais ao pagamento do suplemento de risco, passando o respetivo pagamento a regular-se exclusivamente pelo disposto no art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, que consagra no seu artigo 99.º, n.º 4 que os funcionários integrados nas áreas funcionais de criminalística, telecomunicações e segurança têm direito a suplemento de risco de igual montante ao fixado no número anterior”.
Tendo em conta que nunca chegou a ser aprovado um novo regime remuneratório em relação ao período agora em análise, o sobredito artigo 99.º manteve-se em vigor.
Ora, circunscrevendo-se o pedido da Demandante, em representação do seu Associado ao pagamento do suplemento de risco ao período posterior a 1 de janeiro de 2010, dúvidas não restam quanto à sua contabilização exclusivamente com base no regime constante do acima transcrito art.º 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90, de 21 de setembro, pelo que tem o Demandante a receber a este título a quantia de € 1 026,12 (mil e vinte e seis euros e doze cêntimos), que equivale à diferença entre o valor que foi efetivamente pago e o que deveria ter sido entre o período de janeiro de 2010 e dezembro de 2017 – o tribunal apurou tal valor por confronto com os recibos de vencimento juntos aos autos pela Demandante.
No que ao subsídio de turno diz respeito, a Portaria 98/97 e mais tarde a Portaria 10/2014 preveem o pagamento de um suplemento de turno de 22% ou 25% da remuneração base sucessivamente paga.
De facto, tal como reconhece a Demandada, tal subsídio de turno foi erradamente pago, pelo que se impõe repor a legalidade na esfera jurídica do associado da Demandante, pelo que tem este o direito a receber a quantia de € 948,47 (novecentos e quarenta e oito euros e quarenta e sete cêntimos), que equivale à diferença entre o valor que foi efetivamente pago e o que deveria ter sido entre o período de janeiro de 2010 e dezembro de 2017 - o tribunal apurou tal valor por confronto com os recibos de vencimento juntos aos autos pela Demandante.
No que ao pagamento de horas extraordinárias diz respeito, também aqui se impõe repor a legalidade na esfera jurídica do associado da Demandante. Tal direito resulta também das Portarias 98/07 e da Portaria 10/2004. Sucede que pelos recibos de vencimento juntos aos autos não se consegue apurar, em concreto o valor a que o Demandante tem direito.
Sobre a questão do pagamento de retroativos e dos juros, os mesmos são devidos nos termos que estão formulados no requerimento inicial da Demandante.
Seguimos de perto a fundamentação da sentença arbitral Proc. nº 45/2014A do CAAD nos seguintes termos:
«Os suplementos remuneratórios são devidos deste a data em que se iniciarem as funções que fundamentam a sua atribuição até à data em que cessem tais funções (cf. arts. 145.º, n.º1 e 2, 146.º, 159.º, 172.º e 173.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; os arts. 66.º, 67.º e 73.º da Lei dos Vínculos, Carreiras e Remunerações; os artigos 217.º e 218.º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Pública). A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor e o devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada no tempo devido (cf. art. 804.º do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). O devedor fica constituído em mora a partir da data do vencimento se a obrigação tiver prazo certo (cf. art. 805.º, n.º 2, al. a) do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; o art. 173.º, n.º 3 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas; e o art. 218.º, n.º 3 do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Pública). Nas obrigações pecuniárias a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora (cf. art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Os juros devidos são os juros civis legais (cf. art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), atualmente de 4% de acordo com a Portaria n.º 291/2003, de 08 de abril (cf. art. 559.º, n.º 1 do Código Civil, aplicável ex vi do art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas). Ao valor do suplemento acresce, portanto, ainda os respetivos juros de mora, à taxa de juro legal, sucessivamente em vigor, ou seja, à taxa de 4% até à presente data sem prejuízo de outra taxa que, entretanto, venha a vigorar, a contar das datas do respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento da dívida.»
5. Decisão
Face ao exposto, condena-se a entidade Demandada:
1. Reconhecer ao associado da Demandante o direito ao subsídio de risco, segundo a taxa prevista no n.º 3 do artigo 99.º do Decreto-Lei n.º 295-A/90 de 12 de setembro, por remissão do n.º 4 do mesmo artigo, no valor de 25% do salário bruto;
2. Reconhecer ao associado da Demandante o direito ao subsídio de turno e horas extraordinárias, nos termos das Portarias 98/97 e Portaria 10/2014;
3. Pagar ao mesmo a diferença entre os valores do subsídio de risco calculado nos termos explanados em 1 e o efetivamente pago ao trabalhador;
4. Pagar ao associado da Demandante a diferença entre os valores do subsídio de turno e horas extraordinárias calculado nos termos explanados em 2 e o efetivamente pago ao trabalhador;
5. Pagar ao sobredito associado da entidade demandante juros de mora à taxa legal e sobre o valor em dívida, nos termos expostos, contados desde 1 de abril até integral e efetivo pagamento.
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Valor da ação: Fixa-se o valor da ação em €1 974,59 (mil, novecentos e setenta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos)
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Registe-se e notifique-se.
O Juiz Árbitro
Jorge Barros Mendes