SUMÁRIO: Divergência de cálculo de contagem de tempo de serviço prestado a contrato a termo para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, progressão na carreira e pagamento de remuneração devida.
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A – ELEMENTOS ESSENCIAIS DA CAUSA
1. O A..., contribuinte fiscal n.º..., com sede na Rua ..., ...-... em Lisboa (Demandante), em representação da sua associada, B..., veio demandar
2. O Município ..., contribuinte fiscal..., com sede em ..., ...-... ... (Demandado), junto do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), pedindo a condenação daquele a:
a) proceder à contabilização do tempo de contrato a termo para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório da associada do Demandante;
b) proceder à progressão da mesma associada na carreira, em função da contabilização desse tempo de serviço;
c) processar e pagar à associada do Demandante a quantia de €554,16, acrescida de juros mora já vencidos até 2 de março de 2020 (data da propositura da ação), no montante de €840,08 e dos que se vencerem até efetivo e integral pagamento.
3. Assim, o Demandante atribui à causa o valor de €1.394,24.
4. Citado para contestar, o Demandado, a 3 de julho de 2020 , apresenta contestação concluindo que deve à sua trabalhadora e associada do Demandante, a quantia global de €695,70, acrescida de juros de mora até à data do respetivo pagamento.
B – PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
5. O CAAD, centro de arbitragem institucionalizada, é uma associação privada sem fins lucrativos cujo objetivo consiste na resolução de litígios emergentes de contratos e de relações jurídicas de emprego público, através de informação, mediação, conciliação ou arbitragem, nos termos definidos pelo seu Regulamento e que por lei especial não estejam submetidos exclusivamente a tribunal judicial ou a arbitragem necessária (cf. Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 30, de 12 de fevereiro de 2009; e artigos 2.º e 3.º dos Estatutos do CAAD, disponíveis em www.caad.org.pt).
6. A legitimidade processual do Demandante, cf. consagrada pelo artigo 56.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 338.º, n.º 2 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), advém da filiação da trabalhadora titular dos direitos a acautelar nos presentes autos, reiterada pelo documento n.º 1 junto à Petição Inicial (PI) do qual resulta, inequivocamente, a sua vontade em ser representada pelo Demandante para defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
7. O Demandante juntou também à PI procuração forense do advogado Dr..., com escritório na ... n.º ... , ...-... – Coimbra, bem como juntou convenção de arbitragem subscrita por ambas as partes, a 10 de janeiro de 2020, na qual acordam resolver o litígio relativo à reconstituição de carreiras de trabalhadores municipais – contagens de tempo de serviço –, mediante recurso ao CAAD (possibilidade expressa pelo artigo 187.º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo nos Tribunais Administrativos – CPTA).
8. A Demandada representada, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 35.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais , pela Presidente da Câmara Municipal da ..., Dr.ª ... , fez saber que, nos termos do artigo 12.º, n.º 3 do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA) do CAAD, e para efeitos de notificações, deve ser utilizado o endereço de correio eletrónico: ...@cm-... .
9. A 14 de julho de 2020, nos termos dos artigos 15.º, n.º 2; 16.º, n.º 1 e 17.º do NRAA do CAAD, foi designado como árbitro singular, para apreciação do presente processo, o signatário desta decisão arbitral.
C – SANEAMENTO E INSTRUÇÃO PROCESSUAL
10. Após o período de férias judiciais de verão (com os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 7.º do NRAA do CAAD), o tribunal arbitral, por despacho arbitral de 29 de setembro, procedeu à notificação das partes para nos termos do artigo 18.º do NRAA do CAAD, informarem, no prazo de dez dias, se não se opunham a que o processo fosse conduzido com base na prova documental apresentada com os articulados, sem necessidade de realização de qualquer diligência adicional.
11. O Demandante, a 30 de setembro, veio informar que prescindia da realização de audiência de julgamento bem como de apresentar alegações escritas.
12. O Demandado, decorrido o prazo atribuído, não se pronunciou.
13. Assim, nestes termos, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A – Dos Factos
14. Atento às peças processuais e examinada a prova documental junta aos autos, resulta como provados e admitidos pelas duas partes os seguintes factos:
15. Em 1 de Janeiro de 1989 a associada do Demandante foi contratada a termo pelo Demandado para exercer as funções de Escriturária Datilógrafa de 2ª classe, letra S.
16. Em 2 de agosto de 1990, e sem que tenha havido interrupção de funções, tomou posse no quadro de pessoal com a categoria de Terceiro-Oficial Administrativo, tendo sido remunerada pelo escalão 1, índice 160, e 56.700$00 a título de vencimento.
17. Em 1 de novembro de 1991 passou para o escalão 1, índice 180 com vencimento de 72.400$00.
18. Em 1 de setembro de 1993, progrediu para o escalão 2, índice 190, com a remuneração de 87.100$00.
19. Em 9 de março de 1995, na sequência de concurso, tomou posse na categoria de Segundo-Oficial Administrativo, escalão 1, índice 200, com vencimento de 98.700$00.
20. Descrita a factualidade considerada provada, importa agora proceder à aplicação do Direito.
B – DO DIREITO
21. De acordo com o n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de outubro, alterado pela Lei n.º 6/92, de 29 de abril, «[o] tempo de serviço prestado como contratado nos termos do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de Junho, no exercício de funções correspondentes às da categoria de ingresso releva para efeitos de progressão na categoria e promoção na carreira».
22. Conforme reconhecido pelo próprio Demandado, no ponto 2.º da sua contestação, a trabalhadora tem direito à contagem de tempo de serviço prestado como contratada, num total de 1 ano, 7 meses e 3 dias (entre 01/01/1989 e 01/08/1990), nos termos exatos do ponto 18.º da PI, isto é, entre 1 de outubro de 1992 e 1 de setembro de 1993, a trabalhadora do Demandado, filiada do Demandante, deveria ter estado posicionada no escalão 2, índice 190 com a remuneração de 82.500$00.
23. Desse modo, para efeitos de progressão na categoria e promoção na carreira, se deve conjugar, corretamente, o n.º 4 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de outubro, alterado pela Lei n.º 6/92, de 29 de abril; com a alínea b) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 61/92, de 15 de abril; o que aliás, paradoxalmente (num exercício hipotético confuso) é mencionado na alínea b), do ponto 11 do doc. n.º 1 junto com a contestação.
24. Contudo, não se percebe o referencial legal que o Demandante utiliza para apurar a diferença entre o vencimento efetivamente devido e aquele que foi pago à trabalhadora durante o período de 01/10/1992 e 01/09/1993.
25. Assim, os valores a considerar deverão ser calculados, como sustenta o Demandado, da seguinte forma:
a) Tendo em conta que no ano de 1992 o valor do índice 100, da escala indiciária das carreiras de regime geral e de regime especial, correspondia a 43.416$00, conforme artigo n.º 1 da Portaria n.º 77-A/92, de 5 de fevereiro; a diferença remuneratória mensal a apurar será de (82.500$00 – 78.200$00 ) / 200.482 = €21,45 que deveria ser multiplicado (x) por 4 meses, de modo a incluir o subsídio de Natal.
b) Por seu turno, considerando que no ano de 1993 o valor do índice 100, da escala indiciária das carreiras de regime geral e de regime especial, correspondia a 45.815$00, conforme artigos 1.º e 8.º da Portaria n.º 1164-A/92, de 18 de fevereiro; a diferença remuneratória mensal a apurar será de (87.100$00 – 82.500$00) / 200.482 = €22,94 que deveria ser multiplicado (x) por 9 meses, de modo a incluir o subsídio de férias.
26. Desta forma, o Demandado deveria à sua trabalhadora e associada do Demandante, a quantia global de €292,26, acrescida de juros de mora até à data do respetivo pagamento.
27. Não obstante a remuneração base anual ser paga em 14 mensalidades, correspondendo uma delas ao subsídio de Natal e outra ao subsídio de férias (cf. artigo 150.º, n.º 1 da LGTFP) e ainda que seja reconhecido ao trabalhador o direito a um subsídio de Natal de valor igual a um mês de remuneração base mensal, que deve ser pago no mês de novembro de cada ano (cf. artigo 151.º, n.º 1 da LGTFP), bem como o direito a um subsídio de férias de valor igual a um mês de remuneração base mensal, que deve ser pago por inteiro no mês de junho de cada ano (cf. artigo 152.º n.º 2 da LGTFP);
28. Por força do disposto no n.º 2 do artigo 95.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ex vi, artigo 26.º, n.º 2, do NRAA do CAAD: «[a] sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir», pelo que não pode a Demandada ser condenada no pagamento das quantias relativas ao subsídio de férias e natal.
29. Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 26 de novembro de 2009 : «[s]e o autor formula, com toda a clareza e simplicidade, um pedido muito concreto, que é o da condenação do réu no pagamento de quantia certa, acrescida de juros de mora legais (civis), verifica-se que o juiz profere uma sentença ultra petitum, ao condenar o réu numa quantia superior a título de capital».
30. Nestes termos, o valor da condenação do Demandado cifra-se em €247,87 (resultante de €21,45 x 3 [Ano de 1992] + €22,94 x 8 [Ano de 1993]), valor ao qual acrescem juros de mora, desde 1/9/1993 até integral e efetivo pagamento.
31. Na presente data, tais juros ascendem ao montante de €409,68 (resultante de €77,31 + €86,85 + €70,11 + €175,41), calculados do seguinte modo:
a) entre 01/09/1993 e 29/09/1995, à taxa de 15% (cf. Portaria n.º 447/80, de 31 de julho): ((€247,87 x 15%) x 759 dias) / 365 dias (€37,18 x 759 dias) / 365 dias = €77,31.
b) entre 30/09/1995 e 16/04/1999, à taxa de 10% (cf. Portaria n.º 1171/95, de 25 de setembro): ((€247,87 x 10%) x 1295 dias) / 365 dias (€24,48 x 1295 dias) / 365 dias = €86,85.
c) entre 17/04/1999 e 30/04/2003, à taxa de 7% (cf. Portaria n.º 263/99, de 12 de abril): ((€247,87 x 7%) x 1475 dias) / 365 dias (€17,35 x 1475 dias) / 365 dias = €70,11.
d) 01/05/2003 e 30/12/2020, à taxa de 4% (cf. Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril): ((€247,87 x 4%) x 6454 dias) / 365 dias (€9,92 x 6454 dias) / 365 dias = €175,41.
32. Tudo visto e analisado, ponderados os factos e atento ao Direito aplicável, cumpre, por fim, decidir.
III – DECISÃO
33. Assim, face ao exposto, nos termos e com os fundamentos explanados, decido que a ação seja considerada parcialmente procedente, por provada, condenando o Demandado a:
a) contabilizar o tempo de serviço prestado pela associada do Demandante, entre 1 de janeiro de 1989 e 1 de agosto de 1990, ao abrigo do contrato a termo, para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório na carreira em que, sem quebra ou interrupção de funções, foi trabalhadora da Demandada;
b) proceder à progressão na carreira da associada do Demandante, trabalhadora da Demandada, em função da contabilização desse tempo de serviço; e
c) pagar à trabalhadora associada do Demandante, trabalhadora da Demandada, a quantia de €247,87 (duzentos e quarenta e sete euros e oitenta e sete cêntimos) acrescida de juros de mora já vencidos até à presente data, no montante de €409,68 (quatrocentos e nove euros e sessenta e oito cêntimos) e dos que se vencerem até efetivo e integral pagamento.
A – VALOR DA CAUSA E ENCARGOS
34. O Demandante atribuiu à presente causa o valor de €1394,24, que corresponderia, nos moldes peticionados, à soma das diferenças salariais computadas e respectivos juros moratórios, decorrentes da reconstituição da carreira.
35. O Demandado não se opôs ao valor da causa oferecido pelo Demandante.
36. Nos termos do n.º 1 do artigo 31.º do CPTA, aplicável ex vi, artigo 26.º, n.º 2 do NRAA do CAAD, o valor da causa é um valor certo, expresso em moeda legal e representa a utilidade económica imediata do pedido.
37. O Demandante formulou dois pedidos, sendo o primeiro o da contagem do tempo de serviço e o segundo o da reconstituição da carreira, com as correspondentes consequências mediatas, como sejam o pagamento das diferenças salariais.
38. Nos termos do n.º 7 do artigo 32.º do CPTA, aplicável ex vi, artigo 26.º, n.º 2 do NRAA do CAAD, quando sejam cumulados na mesma acção vários pedidos, o valor da causa é a quantia correspondente à soma do valor desses pedidos.
39. Ora, no que toca ao primeiro pedido, o Demandante pretende obter, a título imediato, um benefício diverso de uma quantia certa. Por este motivo, o valor da causa deverá ser a quantia equivalente a esse benefício. No caso sub judice, o benefício corresponde a €657,55, que constituem a quantia decorrente da contagem do tempo de serviço.
40. Quanto ao segundo pedido e por aplicação dos mesmos preceitos legais, segue-se que a quantia equivalente ao benefício obtido (à semelhança do estabelecido na Decisão Arbitral relativa ao processo n.º 60/2020-A, do CAAD, de 16 de setembro de 2020), será também de €657,55.
41. Assim, nos termos das disposições conjugadas do n.º 1 do artigo 31.º e dos n.os 2 e 7 do artigo 32.º do CPTA, subsidiariamente aplicável, ex vi, artigo 26.º, n.º 2 do NRAA do CAAD, deverá fixar-se à causa o valor de €1315,10 (mil e trezentos e quinze euros e dez cêntimos).
42. Nos termos do artigo 29.º, n.º 5 do NRAA do CAAD, tratando-se de assunto relativo a relações jurídicas de emprego público, as custas processuais são fixadas nos termos da tabela de encargos processuais estabelecida pelo CAAD.
B – NOTIFICAÇÕES E PUBLICIDADE
43. Notifiquem-se as partes, deposite-se o original da decisão arbitral e promova-se à sua publicitação, nos termos do n.º 3 do artigo 5.º do NRAA do CAAD, do artigo 185.º-B do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e da Portaria n.º 165/2020, de 7 de julho.
*
44. Não tendo qualquer das partes exercido, na convecção de arbitragem prévia, assinada a 10 de janeiro de 2020, o direito de renúncia de recurso da presente decisão arbitral; como previsto no artigo 27.º, n.º 2, do NRAA do CAAD, da decisão proferida nos presentes autos caberá recurso nos mesmos termos que caberia uma sentença proferida pelos tribunais de 1.ª instância.
Lisboa, 30 de dezembro de 2020.
O Árbitro
(Patrick de Oliveira Pitta Simões)