Jurisprudência Arbitral Administrativa


Processo nº 55/2020-A
Data da decisão: 2020-11-23  Relações júrídicas de emprego público 
Valor do pedido: € 1.475,83
Tema: Alteração do posicionamento remuneratório.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I.             Relatório.

A.

O demandante, em representação da sua filiada A..., propôs neste tribunal arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) uma ação administrativa contra o demandado, pedindo a condenação deste a proceder à contabilização do tempo de contrato a termo para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório na carreira em que, sem quebra ou interrupção de funções, foi a sua associada provida no quadro de pessoal, bem como na condenação do demandado a proceder à progressão da sua associada em função do tempo de serviço prestado enquanto contratada e, por fim, na correspondente condenação ao pagamento à mesma da quantia de € 586,59 acrescida de juros de mora já vencidos e vincendos.

Para tanto alega que é um sindicato representativo dos trabalhadores da ... e que a Senhora A... é sua filiada, possuindo assim legitimidade processual para defesa dos respetivos direitos e interesses individuais e coletivos dos trabalhadores que representa.

Sustenta, ainda, que em 01/01/1990 a sua associada foi contratada a termo pelo demandado para exercer funções de escriturária datilógrafa de 2.ª classe e que em 02/08/1990, sem que tenha existido interrupção de funções, tomou posse no quadro de pessoal com a categoria de terceiro-oficial administrativo, tendo passado em 01/11/1991 para o escalão 1, índice 180, com o vencimento de PTE 72.400$00.

Apenas em 01/09/1993 progrediu para o escalão 2, índice 190, com a remuneração de PTE 87.100$00.

Assim, segundo defende, a sua associada tem direito à contagem do tempo de serviço prestado enquanto contratada para efeitos de progressão na categoria e promoção na carreira, como se tivesse sido prestado na categoria em que veio a ingressar no quadro, ao abrigo do disposto no artigo 6.º n.º 4 do Decreto-Lei n.º 409/91, na redação dada pela Lei n.º 6/92.

Termina alegando que a sua associada tinha o direito a estar posicionada a partir de 01/01/1993 no escalão 2, índice 190, com a remuneração de PTE 87.100$00 (e não apenas a partir de 01/09/1993 como veio a suceder), ao invés de estar nesse período posicionada no escalão 1, índice 180, com a remuneração de PTE 72.400$00.

É essa a diferença (PTE 14.700,00, com o contravalor de € 73,32) entre as remunerações correspondentes aos respetivos índices e pelo período de oito meses, de 01/01/1993 a 31/08/1993, que para a sua associada peticiona, bem como os correspondentes juros moratórios.

Juntou a convenção de arbitragem celebrada entre as partes em 10/01/2020 e dois documentos.

 

B.

Regularmente citada para contestar, querendo, o pedido formulado nos autos, o demandado aceitou o percurso profissional da sua trabalhadora e associada do demandante, exposto nos artigos 6.º a 10.º da petição inicial e reconheceu que a esta assiste o direito a ver a sua situação reconstituída nos exatos termos indicados no artigo 18.º da petição inicial, discordando, todavia, dos valores reclamados a esse título pelo demandante.

Ao invés, defende que o diferencial remuneratório da sua trabalhadora associada do demandante no período em causa é de 22,94 € por mês (que deve ser considerada 4 meses, incluindo subsídio de natal), acrescida de juros de mora até à data do respetivo pagamento.

 

A final, com a sua contestação, juntou aos autos diversos documentos.

 

C.

 

Foi proferido despacho inicial, em 20/08/2020, pelo qual, tendo por referência o sobredito objeto da lide, se concluiu que o tribunal é competente em razão da matéria e se mostra regularmente constituído, de harmonia com o disposto nos Despachos n.º 5097/2009, do Secretário de Estado da Justiça e n.º 5880/2018, da Secretária de Estado da Justiça, bem como atento o artigo 1.º n.º 1 da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro e, ainda, os normativos dos artigos 180.º e 187.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

No mesmo despacho solicitou-se que o demandado esclarecesse se os documentos juntos com a contestação constituíam a totalidade do processo administrativo com todos os documentos respeitantes à matéria do litígio, instou-se o demandante a comprovar a efetiva filiação da interessada como sua associada e convidaram-se as partes a pronunciarem-se sobre a perspetivada dispensa de audiência e sobre a apresentação de alegações simultâneas.

O demandante veio apresentar declaração comprovativa da filiação da interessada e em 24/09/2020 foi proferido despacho a admitir essa juntada ao processo, tendo-se ainda decidido pela não realização da audiência por ausência de atos de instrução que dela carecessem e pela notificação das partes para alegações finais simultâneas em 20 dias.

 

II.            Arbitrabilidade do diferendo, convenção de arbitragem, constituição do tribunal e saneamento da causa.

 

A pretensão que acima se apresenta desponta de interesses de natureza patrimonial da filiada do demandante, suportados na sua relação jurídica de emprego público com o demandado município, inicialmente por via de contrato de trabalho a termo certo ao abrigo do disposto no artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de junho e seguidamente por nomeação e posse na categoria de terceiro oficial administrativo da respetiva carreira de oficial administrativo.

A legitimidade do demandante advém-lhe da filiação da trabalhadora do demandado município titular dos direitos e interesse legalmente protegidos em causa nos autos, bem como da declaração da mesma junta com a petição e datada de 26/12/2019, pela qual solicita que o demandante recorra aos meios administrativos e judiciais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Mantêm-se os pressupostos da instância arbitral, designadamente a competência do CAAD nos termos já apreciados no despacho de 20/08/2020 e verifica-se regularmente subscrita pelas partes a convenção de arbitragem, em 10/01/2020, respeitante ao objeto do litígio.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído em 09/07/2020, tendo o signatário, que integra a lista de árbitros do CAAD, aceitado o encargo da sua nomeação como árbitro único, o que foi acolhido por ambas as partes.

Mostram-se na presente instância arbitral, respeitados os princípios da absoluta igualdade das partes e de estrita observância do contraditório.

As partes em juízo são representantes e titulares dos interesses que constituem o objeto do litígio, pelo que são legítimas e se mostram capazes, não existindo nulidades que invalidem o processo ou questões prévias e exceções que obstem ao conhecimento do mérito do diferendo.

 

III.          Os factos provados e sua motivação.

 

1.            Mostram-se provados os seguintes factos, pertinentes para a boa decisão da causa:

a) O demandante B... é um sindicato representativo dos trabalhadores da ... .

b) A interessada A... é filiada no demandante sindicato desde 01/01/1990.

c) Em 01/01/1990 a associada do demandante foi contratada a termo pelo demandado, para tarefas de relacionadas com contabilidade, nos termos do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de junho, com o vencimento mensal da categoria de 2.ª classe da carreira de escriturário datilógrafo da administração local, escalão 1, índice 115.

d) O qual foi renovado nos mesmos termos por contrato de 01/07/1990.

e) Em 11/07/1990, sem que tenha havido interrupção de funções ou alteração do respetivo conteúdo funcional, foi nomeada provisoriamente no quadro de pessoal com a categoria de Terceiro-oficial administrativo, tendo tomado posse em 02/08/1990 e passando a ser remunerada pelo escalão 1, índice 160.

f) Em 01/11/1991 passou para o escalão 1, índice 180, com vencimento de 72.400$00, o qual foi sendo atualizado de acordo com a revisão do índice 100 para os anos de 1992 e 1993.

g) Em 01/09/1993 progrediu para o escalão 2, índice 190, com a remuneração de 87.100$00.

h) Em 09/03/1995, na sequência de concurso e após nomeação definitiva, tomou posse na categoria de Segundo-oficial administrativo, escalão 1, índice 200.

2.            A convicção e motivação do tribunal arbitral para a prova dos sobreditos factos, que se afiguram ser os pertinentes para a boa decisão da causa, resulta dos factos articulados pelo demandante e aceites pelo demandado, bem como da análise crítica da prova documental produzida e que consta dos documentos juntos com a petição inicial, bem como os demais documentos posteriores, quer os juntos com a contestação e que integram o processo administrativo, quer a declaração de filiação junta pelo demandante.

 

IV.          O Direito aplicável.

 

A interessada e filiada do demandante foi admitida fora do quadro pelo demandado em regime de contrato a prazo certo para o desempenho de funções públicas não correspondentes a necessidades permanentes dos serviços, nos termos do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de junho, que estabeleceu o regime de carreiras e categorias no âmbito da administração local.

Considerando a necessidade do serviço, a interessada viria a ser nomeada para o exercício de funções em categoria de ingresso equivalentes às prestadas em regime de contrato, aceitando essa nomeação por ato de posse em 02/08/1990.

O Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro, que estabelecia o estatuto remuneratório da administração pública, previa a progressão por mudança de escalão – artigo 19.º n.º 1 e 2 alínea b) – sendo esta automática e oficiosa – artigo 20.º n.º 1 e 2.

 

Por seu lado, o Decreto-Lei n.º 409/91 de 17 de outubro, que procedeu à aplicação à administração local autárquica do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de dezembro, o qual definia o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública, dispunha no n.º 4 do seu artigo 6.ª sob a epígrafe “transição de pessoal contratado” (na redação dada pela Lei n.º 6/92, de 29 de abril) o seguinte:

 

“4 - O tempo de serviço prestado como contratado nos termos do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de Junho, no exercício de funções correspondentes às da categoria de ingresso releva para efeitos de progressão na categoria e promoção na carreira.”

 

É o próprio demandado, na sua contestação (artigos 2.º e 4.º) bem como na informação dos seus serviços, sem data, mas com despacho de concordância de 15/12/2013, quem reconhece que à representada do demandante sindicato assiste o direito à contagem do tempo de serviço prestado como contratada como tendo sido prestado na categoria em que veio a ingressar no quadro (o que resulta alegado em 16.º e seguintes da petição).

Assim, na respetiva carreira vertical de oficial administrativo, pelo qual se deu o ingresso da interessada no quadro, o respetivo módulo inicial de 3 anos completou-se em 31/12/1992, adquirindo esta o direito automático e oficioso à respetiva mudança de escalão, a partir do dia 1 do mês seguinte, ou seja, o dia 01/01/1993, de conformidade com o disposto no artigo 20.º n.º 3 do Decreto- Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro.

Não subsistem, pois, quaisquer dúvidas que a interessada se encontrou a ser remunerada indevidamente pelo escalão 1, índice 180, no período entre 01/01/1993 e 31/08/1993, quando se deveria encontrar posicionada no escalão 2, índice 190.

Defende o demandante que a interessada auferiu em todo este período a remuneração de PTE 72.400$00, que se alega ser a correspondente, a essa data, ao escalão 1, índice 180, sendo que deveria ter auferido remuneração no valor de PTE 87.100$00, resultante do escalão 2, índice 190.

Ao contrário, o demandado município afirma que o diferencial remuneratório nesse período é menor, pois o escalão 1, índice 180, que originou o processamento de salário à interessada nesse período do ano de 1993, seria já no montante de PTE 82.500$00.

 

E afigura-se que o demandado se defende com fundada razão. Vejamos:

 

A interessada, em 01/11/1991, passou a auferir remuneração de PTE 72.400$00 (escalão 1, índice 180 – artigo 2.º n.º 1 alínea a) e Mapa I do Decreto-Lei n.º 420/91, de 29 de outubro e art.º 1.º da Portaria n.º 53/91, de 19 de janeiro).

E em 01/09/1993, passou a auferir remuneração de PTE 87.100$00 (escalão 2, índice 190 – Mapa I do Decreto-Lei n.º 420/91, de 29 de outubro e artigos 1.º e 8.º da Portaria n.º 1164-A/92, de 18 de dezembro).

Acontece, porém, que em 1 de Janeiro de 1992, o vencimento correspondente ao índice 180 da escala indiciária das carreiras do regime geral passou, por força valor do índice 100 estabelecido pela Portaria n.º 77-A/92, de 5 de fevereiro, dos indicados PTE 72.400$00 para PTE 78.200$00 e, de igual modo, em 1 de Janeiro de 1993, esse mesmo vencimento correspondente ao índice 180 foi revisto ou alterado pela Portaria n.º 1164-A/92, de 18 de dezembro, para PTE 82.467$00.

Para além de nada ter sido alegado que permita duvidar que a remuneração da interessada foi, nesse período, processada de conformidade com o respetivo índice em vigor (ainda que não fosse o correto), dos documentos juntos pelo demandado com a contestação consta a folha de vencimentos da interessada correspondente ao mês de junho de 1992, que não foi impugnada, podendo verificar-se que nessa data a mesma já auferia o montante de PTE 78.200$00, correspondente precisamente ao valor do índice 180 atualizado pela Portaria n.º 77-A/92 (e não o valor alegado de PTE 72.400$00).

A partir de 01/01/1993 e durante o período em causa nos autos, em que a progressão automática na categoria da interessada lhe deve ser reconhecida para o índice 190, há que atender à diferença remuneratória entre os índices 180 e 190, tal como foram revistos e atualizados conjugadamente pelos artigos 1.º e 8.º da Portaria n.º 1164-A/92, de 18 de dezembro, por efeito da fixação do valor do índice 100 da respetiva escala indiciária das carreiras do regime geral.

O índice 100 para o ano de 1993, com a respetiva valorização em 0,5%, foi fixado em PTE 45.815$00, sendo o índice 180 no valor de PTE 82.467$00 e o índice 190 no valor de PTE 87.048$00.

 

E será esta a diferença remuneratória relevante no processamento de vencimentos da interessada no ano de 1993, correspondente aos meses de janeiro a agosto (8 meses): (87.048$00 – 82.467$00 = 4581$00 x 8 = 36.648$00), com o contravalor de € 182,80.

Há ainda a considerar que, por apelo ao disposto no artigo 17.º n.º 3 do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho, a remuneração anual base é abonada em 13 mensalidades, uma das quais corresponde ao subsídio de natal, havendo ainda direito a subsídio de férias nos termos legais.

A interessada, no ano de 1993, terá auferido, nos termos legais (e nada é afirmado que o contrarie), o subsídio de natal de conformidade com a respetiva retribuição e índice 190, mas terá igualmente auferido subsídio de férias ainda por correspondência com a sua retribuição pelo índice 180. Assim, tem igualmente a interessada direito à respetiva diferença remuneratória no seu subsídio de férias (e não de natal como seguramente por lapso foi invocado pelo demandado), importando a mesma em mais PTE 4581$00 com o contravalor de € 22,85.  

   Embora este pedido não resulte diretamente do pedido condenatório pecuniário formulado pelo demandante, emerge dos pedidos de reconhecimento do direito à progressão e à reconstituição da situação atual hipotética que resultam formulados em a) e b) do petitório.

O valor total de diferenças remuneratórias a reconhecer à interessada é, pois, de € 205,65, o qual, contudo, considerando a confissão espontânea do demandado constante do artigo 5.º da sua contestação, se impõe fixar em € 206,46, de consonância com o disposto nos artigos 352º, 356.º e 358.º, todos do Código Civil e no artigo 465.º n.º 1 do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA.

A referida quantia vence juros moratórios às taxas legais aplicáveis, que são as seguintes: desde as datas de vencimento até 29 de setembro de 1995: 15%; de 30 de setembro de 1995 a 16 de abril de 1999: 10%; de 17 de abril de 1999 a 30 de abril de 2003: 7%; e desde 1 de maio de 2003: 4%.

 

Por aplicação das referidas taxas de juro, os juros moratórios ascendem nesta data à quantia de PTE 69.785$97, com o contravalor de € 348,09.

 

V.           Decisão

 

Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, julgar parcialmente procedente a ação, consequentemente condenando-se o demandado a proceder à contabilização do tempo de contrato a termo para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório na carreira em que a interessada e filiada do demandante A... foi provida no seu quadro de pessoal, mais se condenando o demandado a pagar à mesma a quantia de € 206,46 a título de diferenças retributivas do período de janeiro a agosto de 1993, acrescida de juros moratórios vencidos no montante de € 348,09 e vincendos até integral pagamento, quanto ao demais se absolvendo o demandado.

 

Fixa-se à causa o valor de € 1.475,83, indicado pelo demandante sem oposição do demandado.

 

Custas a cargo do demandante e da demandada, na proporção do decaimento.

 

Publique-se, notifique-se com cópia desta decisão arbitral às partes, depositando-se o original e, oportunamente, arquive-se o processo.

 

Lisboa, sede do CAAD, 23 de novembro de 2020

 

O árbitro,

Pedro Bandeira