DECISÃO ARBITRAL
A Árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o tribunal arbitral singular constituído em 02 de julho de 2020, em que é demandante B... e Demandado o Ministério ..., decide nos termos que se seguem:
I. RELATÓRIO
O Demandante apresentou, no dia 07.04.2020, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 10.º do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa (NRAA), um pedido de constituição de tribunal arbitral, o qual foi aceite na mesma data pelo CAAD.
Nos termos do disposto no artigo 12.º do NRAA, o CAAD, através de ofício datado de 08.04.2020, citou o Ministério ... para contestar no prazo de 20 dias. A contestação veio a ser apresentada no dia 23.04.2020.
No dia 02.07.2020, o CAAD, nos termos do disposto no artigo 17.º do NRAA, notificou as Partes da constituição do Tribunal a da nomeação da signatária como árbitro do processo.
No dia 07.05.2020, o Demandante apresentou um requerimento de pronúncia sobre a contestação, ao qual o Ministério ... respondeu através de requerimento datado de 11.05.2020.
Posição do Demandante:
Através do pedido de pronúncia arbitral apresentado, o Demandante pretende que o Ministério ... seja condenado a anular a sanção disciplinar que lhe foi imposta no âmbito do processo disciplinar n.º .../2019, que correu termos na A..., e a restituir o valor de € 75 (setenta e cinco euros) correspondente à sanção que lhe foi aplicada no âmbito desse mesmo processo.
O Demandante é funcionário dos quadros da A..., encontrando-se atualmente e desde 10.07.2018 a desempenhar as funções de Segurança Estagiário na U.../AS.
No dia 01.03.2019, o Demandante encontrava-se escalado para prestar serviço no posto designado como E/... com hora de início às 8 da manhã.
O Demandante enviou uma Informação de Serviço ao seu Chefe de Área, no dia 02.03.2019, a justificar a falta dada. O Demandante refere ainda que já tinha justificado a falta, através de SMS enviado para o telemóvel do Chefe de Área às 08:36 do dia 1.03.2019. A razão apresentada pelo Demandante para a falta dada foi o facto de ter estado a prestar assistência ao seu progenitor, que dera entrada no Hospital ... no princípio da noite de 28 de fevereiro e de onde saíra já no dia 01 de março, tendo o Demandante acompanhado o progenitor a casa já no dia 01, por indicação médica e por receio de uma recaída.
Na informação de serviço de 02.03.2019, o Demandante solicitou a justificação da falta com um dia de férias nos termos do artigo 134.º, n.º 2, alínea m) da LTFP. Na sequência do pedido apresentado, o Dirigente da ..., Dr. ..., justificou a falta, como “por conta de dia de férias” e “como assistência a membro do agregado familiar”.
Na Declaração n.º .../2020, facultada pela Direção de Serviços de Gestão e Administração de Pessoal da A..., verifica-se a referência de que o dia 01.03.2019 foi utilizado para descontar nas férias do ano de 2019.
Apesar da justificação, o Demandante viu ser-lhe instaurado um processo disciplinar, o qual correu termos na Unidade Disciplinar e de Inspeção da A... com o número 22/2019, resultante da conversão do processo de inquérito n.º .../2019.
A sanção disciplinar aplicada traduziu-se numa multa no valor de € 75,00.
O Demandante não vê razão para lhe ter sido instaurado um processo disciplinar uma vez que a falta dada foi justificada com um dia de férias.
O Demandante apresentou recurso hierárquico, o qual foi indeferido.
Resumidamente, entende que ao ter sido usado um dia de férias para justificar a falta não pode depois ser-lhe aplicada uma sanção disciplinar sob pena de violação do próprio direito a férias. Entende, por isso, que todos os atos praticados depois “acusação” e “defesa” são nulos.
Mais refere que, além de ter sido justificada com um dia de férias, a falta foi também justificada com a assistência à família (alínea e) do n.º 2 do artigo 134.º da LTFP) e poderia ainda ter sido justificada com base no artigo 134.º, n.º 2, alínea i) em conjugação com o n.º 3 do mesmo artigo (necessidade de tratamento ambulatório de ascendentes).
Os deveres invocados pela entidade patronal para justificar a instauração do processo disciplinar e a aplicação de uma sanção – deveres de zelo e de assiduidade – não foram violados in casu porquanto o Demandante teve que faltar por se ver confrontado com uma situação imprevisível e inadiável. Assim, o procedimento disciplinar deveria ter sido arquivado por inutilidade superveniente, nos termos do disposto no artigo 95.º do CPA quando a falta foi considerada justificada. Aceitar-se a justificação da falta e depois dar-se sequência ao procedimento disciplinar inclusive com aplicação de uma sanção é, no entender do Demandante, incompatível.
Assim, o ato de aplicação da sanção deve ter-se, nos termos do disposto no artigo 161.º, n.º 162.º do CPA, como ato nulo.
Posição da Demandada:
A Demandada começa por referir uma questão prévia atinente ao valor da ação, chamando a atenção para o facto de a Demandante ter atribuído à causa o valor de € 30.000,01 quando o objeto da ação é a aplicação de uma sanção pecuniária no valor de € 75,00.
Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 33.º do CPTA, ex vi artigo 26.º do RAA, estando em causa a aplicação de sanções de conteúdo pecuniário, o valor da causa é determinado pelo montante da sanção aplicada.
Assim, e não obstante vir indicado na p.i. o valor de € 30.000,01, a que corresponde a taxa arbitral de € 150,00, entende a Demandada que estando em causa na presente ação uma sanção disciplinar de multa, no valor de € 75,00, será de aplicar o critério especial previsto na alínea b) do artigo 33.º do CPTA e não o critério supletivo previsto no artigo 34.º do mesmo Código, como fez o Demandante. Entendemos que lhe assiste razão.
Em segundo lugar, o Demandado suscita uma exceção ao invocar a inimpugnabilidade do ato impugnado, isto é, o despacho da Senhora Ministra ..., de 4 de fevereiro de 2020, que em sede de recurso hierárquico interposto do aludido ato sancionatório da A..., o manteve inalterado.
Em seu entender, o ato prolatado por Sua Excelência a Ministra ..., de 4 de fevereiro de 2020, limita-se a confirmar o ato praticado pelo Senhor Diretor da Unidade ... (...) da A..., de 28 de outubro de 2019, em nada inovou na esfera jurídica do Demandante relativamente aos efeitos jurídicos próprios e decorrentes do ato primário que lhe aplicou a sanção disciplinar de multa no valor de € 75,00, ato que o Demandante bem conheceu e que impugnou hierarquicamente em 19 de novembro de 2019, ao abrigo do disposto nos artigos 224.º e 225.º da LTFP.
A decisão que afetou diretamente o Demandante e que produziu efeitos jurídicos externos na sua situação jurídico-funcional, sendo, por isso, impugnável nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 51.º do CPTA e artigo 224.º da LTFP, é, sem qualquer dúvida, o ato de primeiro grau praticado pelo Senhor Diretor da ..., de 28 de outubro de 2019, e não o ato de segundo grau praticado por Sua Excelência a Ministra ..., de 4 de fevereiro de 2020.
Assim sendo, verificar-se-ia a exceção da inimpugnabilidade do ato proferido por Sua Excelência a Ministra ..., de 4 de fevereiro de 2020, objeto de impugnação nos presentes autos, nos termos do disposto na al. i) do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA.
A verificação da exceção dilatória supra invocada obsta ao prosseguimento dos autos, pelo que requer a absolvição da instância, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 89.º do CPTA.
Sobre esta questão, veio o Demandante responder através de requerimento autónomo, invocando jurisprudência em favor da impugnabilidade da decisão da Senhora Ministra ... . A sua tese, apoiada pela jurisprudência citada, é que o ato praticado pela Senhora Ministra ... e que aqui é impugnado não é um ato meramente confirmativo porquanto o recurso hierárquico deve ser tido como um recurso necessário. Nesse sentido, dispõe assim o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 31.01.2020, proferido no âmbito do processo 00600/18.2BECBR:
“Como se sabe, apesar de, com a reforma introduzida com o CPTA, ter acabado o princípio da tripla definitividade do acto administrativo, para ser impugnável contenciosamente, tal não significa que não continuem a haver casos especialmente previstos na lei, em que se mantenha a precedência obrigatória de impugnação administrativa.
E entendemos ser esse aqui o caso.
A lei 35/2014, de 20/06 (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), prevê no seu art.º 225º:
(...)
4 - O recurso hierárquico ou tutelar suspende a eficácia do despacho ou da decisão recorridos, exceto quando o seu autor considere que a sua não execução imediata causa grave prejuízo ao interesse público.
(...)
Por outro lado, o art.º 3º do DL n.º 4/2015, de 7/1, que aprova o novo CPA, dispõe no seu art.º 3º:
1 - As impugnações administrativas existentes à data da entrada em vigor do presente decreto-lei só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma das seguintes expressões:
a) A impugnação administrativa em causa é «necessária»;
b) Do ato em causa «existe sempre» reclamação ou recurso;
c) A utilização de impugnação administrativa «suspende» ou «tem efeito suspensivo» dos efeitos do ato impugnado.
2 - O prazo mínimo para a utilização de impugnações administrativas necessárias é de 10 dias, passando a ser esse o prazo a observar quando seja previsto prazo inferior na legislação existente à data da entrada em vigor do presente decreto-lei.
3 - As impugnações administrativas necessárias previstas na legislação existente à data da entrada em vigor do presente decreto-lei têm sempre efeitos suspensivos da eficácia do ato impugnado.
4 - São revogadas as disposições incompatíveis com o disposto nos n.os 2 e 3.
Assim, e na consideração também desta conjugada leitura, é fora de dúvida que se «Os atos proferidos em processo disciplinar podem ser impugnados hierárquica ou tutelarmente, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, ou jurisdicionalmente» (artigo 224.º da LTFP), uma tal disjunção também não importa consagração de uma directa e imediata impugnabilidade, e antes resulta que estamos perante recurso hierárquico necessário (derivando, por força do artº 189º, n.º 1, do CPA: «1. As impugnações administrativas necessárias de atos administrativos suspendem os respectivos efeitos»).
Neste sentido, os Acs. do STA, de 08/06/2017, proc. n.º 0647/17, e de 13-03-2019, proc. n.º 0358/18.5BESNT.
É, pois, de ter a decisão do recurso hierárquico como acto impugnável.”
(sublinhado nosso)
Na senda da citada jurisprudência, aqui se entende também que a decisão de manutenção da sanção disciplinar proferida pela Senhora Ministra ... e que aqui é impugnada não consubstancia um ato meramente confirmativo, sendo, portanto, impugnável autonomamente. Deve, pois, a ação prosseguir para apreciação do mérito.
Na Resposta apresentada, o Demandado impugna o alegado pelo Demandante nos seguintes termos:
• No dia 1 de março de 2019 o Demandante encontrava-se escalado para o exercício das funções de segurança no posto da “Entrada Principal” do edifício ... ..., no horário compreendido entre as 8h e as 16h.
• Pelas 8h36m desse mesmo dia, comunicou, através de mensagem escrita, ao seu superior hierárquico e orientador de estágio que não conseguia comparecer ao serviço naquele dia, uma vez que tinha passado a noite no hospital em assistência ao seu pai.
• O posto de “Entrada Principal” do edifício da ... abre diariamente às 8h, pelo que, face à ausência do Demandante e uma vez que apenas avisou da sua impossibilidade de comparência ao serviço pelas 8h36m, o citado posto de entrada apenas foi aberto às 8h40m por um outro trabalhador.
• No dia 2 de março de 2019, o Demandante comunicou por escrito ao seu superior hierárquico as razões que motivaram a ausência ao serviço no dia anterior, solicitando a justificação da falta ao abrigo do disposto na al. m) do n.º 2 do artigo 134.º da LTFP, o que veio a ser autorizado.
• Na decorrência dos factos descritos, foi determinada, por despacho do Senhor Diretor da ..., de 21 de junho de 2019, a instauração do Processo Disciplinar n.º.../2019 ao Demandante, mediante conversão do anterior Processo de Inquérito n.º .../2019, por alegada violação dos deveres de zelo e de pontualidade, por aquele não ter comunicado atempadamente a falta ao serviço no dia 1 de março de 2019.
• Concluída a produção de prova, foi elaborado o relatório final em 10 de outubro de 2019 com proposta de aplicação ao Demandante da sanção disciplinar de multa no valor de € 75,00, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 12.º do Regulamento Disciplinar da A... (...), conjugado com o n.º 2 do artigo 181.º da LTFP, por violação dos deveres funcionais de zelo e de pontualidade, previstos na alíneas b) e h) do n.º 2 do artigo 5.º do citado RD... e nas alíneas e) e j) do n.º 2 do artigo 73.º da LTFP.
• Não está em causa, nem nos presentes autos nem no processo disciplinar em que foi visado o ora Demandante, a questão da justificação ou injustificação da falta dada ao serviço no dia 1 de março de 2019.
• Com efeito, não há dúvida de que o Demandante no final do dia 28 de fevereiro de 2019 acompanhou o seu progenitor no Hospital ..., do qual saíram ambos cerca da 1h do dia seguinte (01.03.2019), seguindo-se a sua condução e acompanhamento na residência.
• Também não há dúvida de que a falta ao serviço no dia 1 de março de 2019 foi justificada, aliás, nos precisos termos em que foi requerido pelo aqui Demandante, ou seja, ao abrigo do disposto na al. m) do n.º 2 do artigo 134.º da LTFP (um dia por conta do período de férias).
• Não é verdade, como alega o Demandante, que a falta tenha sido duplamente justificada, isto é, com base nas alíneas e) (prestação de assistência inadiável e imprescindível a familiar) e m) do n.º 2 do artigo 134.º da LTFP. De acordo com os factos dados como provados no relatório final, o Demandante tinha conhecimento da necessidade de assistência ao seu pai pelo menos desde as 23h26m do dia 28 de fevereiro de 2019, pelo que tinha a obrigação de comunicar de imediato ao seu superior hierárquico esse facto, bem como a consequente ausência ao serviço no dia seguinte (1 de março de 2019), o que não fez, pondo em causa o cumprimento dos deveres inerentes ao exercício das funções de segurança (artigo 77.º do DecretoLei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro) e causando efetivas conturbações no serviço normal da A..., nomeadamente quanto ao acesso às instalações da ... .
• O comportamento adotado pelo Sr. Segurança Estagiário B... corresponde a uma infracção reveladora de grave negligência e grave desinteresse pelo cumprimento dos respetivos deveres funcionais (…), conduta que é violadora dos deveres gerais de zelo e de pontualidade, previstos nos artigos (…).
• Com efeito, conhecendo o Demandante a situação clínica de seu pai desde a noite do dia 28 de fevereiro de 2019, bem como a necessidade de o acompanhar e de lhe prestar auxílio nas 24h seguintes (isto é, até às 23h26m do dia 1 de março de 2019), como vem referido pelo próprio na informação por si elaborada a 2 de março de 2019 e atentas as funções de segurança que lhe estão cometidas, bem como o turno que teria de iniciar às 8h do dia 1 de março de 2019, impunha o zelo mínimo que avisasse a respectiva hierarquia ou na noite do dia 28 de fevereiro de 2019 ou na madrugada do dia 1 de março, mas sempre antes do início do serviço (8h), por forma a que atempadamente fosse substituído por outro colega na abertura do posto da “Entrada Principal” do edifício ... .
• Tendo comunicado a ausência ao serviço no próprio dia cerca das 8h36m, ou seja, cerca de 40m depois da hora estabelecida, o citado posto de entrada apenas foi aberto às 8h40m, circunstância que causou efetivas conturbações no serviço normal da A... .
• Com tal conduta, o Demandante agiu com falta de zelo, revelando desconhecimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, não pautando a sua atuação de acordo com os objectivos do serviço, assim violando o dever de zelo, previsto na al. b) do n.º 2 do artigo 5.º do RD... e al. e) do n.º 2 e n.º 7 do artigo 73.º da LTFP, incorrendo em infracção disciplinar, caracterizada nos termos constantes do artigo 4.º do RD... e artigo 183.º da LTFP.
• Assim, e não obstante a entidade demandada ter justificado a falta dada ao serviço pelo Demandante no dia 1 de março de 2019, ao abrigo do disposto na al. m) do n.º 2 do artigo 34.º e artigo 135.º da LTFP, tal não o isenta da responsabilidade disciplinar derivada do facto de não ter comunicado previamente ao início da hora estabelecida para o início de funções a impossibilidade de comparência, sendo que o poderia ter feito e não fez.
• Por conseguinte, a aludida falta ao serviço, não obstante ter sido justificada pela entidade demandada, mantém relevância disciplinar, justificando o processo e a sanção nele decretada.
• Quanto à alegada “impossibilidade ou inutilidade superveniente”, consagrada no artigo 95.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), e que o Demandante pretende ver aplicada no caso dos autos como decorrência da justificação da falta dada ao serviço no dia 1 de março de 2019, não tem aqui aplicação, quer pelos motivos já referidos, quer porque o processo disciplinar foi instaurado muito posteriormente à justificação da falta em causa, o que significa que o ato de justificação dessa falta nunca poderia determinar a extinção/arquivamento do processo disciplinar.
• Improcedem também as alegadas violações a direitos fundamentais do Demandante, previstos nos artigos 26.º, n.º 1, 59.º, n.º 1, al. d), 67.º, n.º 2, al. h), e 72.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, também como decorrência da manutenção do processo disciplinar em face da justificação da falta dada ao serviço, porquanto e como vimos, da atuação da entidade demandada não resulta beliscado nenhum dos alegados direitos fundamentais nem o Demandante o concretiza suficientemente, além de que a justificação da falta é independente da responsabilidade disciplinar e essa justificação ocorreu muito antes da instauração do processo disciplinar.
II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Antes de entrar na apreciação das questões de direito, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, a qual, examinada a prova documental junta aos autos e tendo ainda em conta os factos alegados, se fixa como segue:
II.1 Factos provados
A. O Demandante é trabalhador do quadro de pessoal da A... (A...).
B. Presentemente, e à data dos factos, exerce funções de estagiário na carreira de Segurança.
C. No dia 1 de março de 2019 o Demandante encontrava-se escalado para o exercício das funções de segurança no posto da “Entrada Principal” do edifício da ..., com início às 8 da manhã.
D. Pelas 8h36m desse mesmo dia, comunicou, através de mensagem escrita, ao seu superior hierárquico e orientador de estágio que não conseguia comparecer ao serviço naquele dia, uma vez que tinha passado a noite no hospital em assistência ao seu pai.
E. O posto de “Entrada Principal” do edifício da ... abre diariamente às 8h, pelo que, face à ausência do Demandante e à hora a que comunicou a sua impossibilidade de comparência, o citado posto de entrada apenas foi aberto às 8h40m por um outro trabalhador.
F. No dia 2 de março de 2019, o Demandante comunicou por escrito ao seu superior hierárquico as razões que motivaram a ausência ao serviço no dia anterior, solicitando a justificação da falta ao abrigo do disposto na al. m) do n.º 2 do artigo 134.º da LTFP, o que veio a ser autorizado.
G. Na decorrência dos factos descritos, foi determinada, por despacho do Senhor Diretor da ..., de 21 de junho de 2019, a instauração do Processo Disciplinar n.º .../2019 ao Demandante, mediante conversão do anterior Processo de Inquérito n.º .../2019, por alegada violação dos deveres de zelo e de pontualidade, por aquele não ter comunicado atempadamente a falta ao serviço no dia 1 de março de 2019.
H. Finda a instrução foi deduzida acusação.
I. A acusação foi regularmente notificada ao Demandante, tendo este apresentado a respetiva defesa através do seu mandatário.
J. Concluída a produção de prova, foi elaborado o relatório final em 10 de outubro de 2019 com proposta de aplicação ao Demandante da sanção disciplinar de multa no valor de € 75,00, nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 12.º do Regulamento Disciplinar da A... (RD...), conjugado com o n.º 2 do artigo 181.º da LTFP, por violação dos deveres funcionais de zelo e de pontualidade previstos nas alíneas b) e h) do n.º 2 do artigo 5.º do citado RD... e nas alíneas e) e j) do n.º 2 do artigo 73.º da LTFP.
K. Por despacho do Senhor Diretor da ..., de 28 de outubro de 2019, foi aplicada ao Demandante a sanção disciplinar proposta no relatório final, com base nos fundamentos ali invocados.
L. O despacho de aplicação da sanção disciplinar foi notificado ao mandatário do Demandante em 30 de outubro de 2019 e a este último em 31 de outubro de 2019.
M. Do aludido despacho final foi apresentado recurso hierárquico para Sua Excelência a Ministra ... em 19 de novembro de 2019.
N. A decisão da Ministra ...q, datada de 4 de fevereiro de 2020, manteve a decisão de aplicação da sanção.
O. Não se conformando com a decisão que recaiu sobre o recurso hierárquico, veio o Demandante intentar a presente AA.
II.2 Factos não provados
Não existem factos relevantes para a decisão que tenham sido dados como não provados.
II.3 Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 26.º do NRAA).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 26.º do NRAA).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados. Por outro lado, não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O que está em causa no presente processo é a legalidade da decisão da Senhora Ministra ... de 4 de fevereiro de 2020 que manteve a aplicação de uma sanção disciplinar de multa no valor de € 75,00 ao Demandante.
Nos termos do parecer da Diretora dos Serviços Jurídicos e de Contencioso que antecede o despacho da Senhora Ministra ..., a sanção é aplicada por “violação dos deveres de zelo e de assiduidade associados à não comunicação atempada da impossibilidade de comparência ao serviço no dia 01.03.2019.”
De acordo com os factos provados, o Demandante estava escalado para um turno que tinha início às 8 e só avisou o seu superior hierárquico da impossibilidade de comparência às 08:36. Desse modo, impediu a abertura das instalações da A... onde deveria exercer funções à hora normal. Só depois de contactado outro colega é que foi possível abrir as referidas instalações, já com atraso de 40 minutos relativamente à hora normal.
A questão não é, portanto, a de saber se a falta deve ser considerada justificada ou não. Essa questão foi decidida pela hierarquia do Demandante na sequência do pedido por este formulado e ficou definitivamente encerrada. Tão-pouco é a compatibilização entre a justificação da falta e a aplicação da sanção disciplinar: uma e outra são distintas e autónomas, nada obstando a que se aceite a justificação da falta e, ainda assim, se entenda existirem fundamentos para a aplicação de uma sanção disciplinar.
O ponto nuclear do presente processo é, pois, o de saber se algum aspeto da conduta do Demandante suscita censura ou não.
Ora, face à factualidade provada, estamos em crer que o Demandante poderia – e deveria – ter atuado de outra forma no que respeita ao momento em que procedeu à comunicação da sua ausência no dia 1 de março de 2019 ao respetivo superior hierárquico. Com efeito, não merecendo, obviamente, qualquer censura, a falta e a razão pela qual a mesma foi dada, não deixa de ser verdade que o Demandante soube bastante tempo antes da hora em que se iniciaria o seu turno que não iria poder comparecer à hora a que o mesmo teria início. Também era seu dever saber que, não comunicando atempadamente ao seu superior hierárquico que não poderia estar presente à hora de início do turno, ninguém iria estar presente para abrir as instalações e que isso prejudicaria o normal funcionamento do posto. Ora, este ponto é da maior importância: um funcionário deve ter consciência das circunstâncias em que o seu comportamento pode prejudicar o normal funcionamento da instituição na qual exerce funções e evitar ao máximo que esse prejuízo possa ocorrer. No caso dos autos, era possível ao Demandante ter informado atempadamente o seu superior hierárquico de que não poderia comparecer às 8 horas, dando-lhe assim tempo para indicar outro funcionário para o mesmo turno. Caso o tivesse feito – e sem prejuízo de tudo o resto, ou seja, da assistência ao progenitor e da justificação da falta – teria evitado à instituição onde trabalha o prejuízo de não estar a funcionar no horário normal. Esse é o ponto merecedor de censura na conduta do Demandante e que justifica a aplicação de uma sanção disciplinar que se considera equilibrada face à factualidade relevante. Era possível ao Demandante ter comunicado atempadamente ao seu superior hierárquico que não poderia comparecer às 8 da manhã no posto para o qual estava escalado. Como os factos indicam, bastou a comunicação por SMS para que fossem postas em marcha diligências para substituir o Demandante no seu posto. Embora se compreenda que o Demandante estivesse cansado e preocupado quando deixou o hospital na madrugada do dia 01 de março, a verdade é que o esforço que se lhe exigia era apenas o de enviar uma mensagem ao seu superior hierárquico com a antecedência suficiente para que este pudesse reorganizar turnos e ter alguém disponível às 8 para desempenhar as funções do Demandante no posto. É um esforço pequeno com uma compensação assinalável. O zelo no exercício da função é precisamente o que dita que esse esforço adicional seja empreendido para não se colocar em risco o normal funcionamento da instituição empregadora.
Em face do exposto, deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, por não provada, e o Demandado absolvido do pedido, mantendo-se o ato impugnado e, portanto, a sanção aplicada ao Demandante.
IV. DECISÃO
Pelo exposto anteriormente, nos termos e com os fundamentos explicitados, decide o Tribunal pela não procedência do pedido e consequente absolvição do Demandado.
V. VALOR DA CAUSA
Fixa-se o valor da ação nos € 75 (setenta e cinco euros) nos termos da alínea b) do artigo 33.º do CPTA, aplicável ex vi artigo 29.º do NRAA, sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos legais.
Custas pelo Demandante.
Notifiquem-se as partes, com cópia, e deposite-se o original desta sentença no Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD.
Lisboa, 4 de setembro de 2020
A Árbitro,
Raquel Franco