DECISÃO ARBITRAL
I – Das Partes, do Tribunal Arbitral e do saneamento processual
É Demandante na presente ação arbitral o A... (A...), em representação de B..., sendo Demandada a Câmara Municipal C... .
A legitimidade do Demandante advém da filiação da trabalhadora titular dos direitos a acautelar nos presentes autos e, ademais, do documento junto aos autos conjuntamente com a PI, do qual resulta inequivocamente a vontade da mencionada trabalhadora de ser representada pelo Demandante no âmbito dos processos administrativos e judiciais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
A legitimidade do CAAD, enquanto centro de arbitragem institucionalizada, ancora-se no disposto no art.º 3.º, n.º 2, dos Estatutos do CAAD (disponíveis em www.caad.org.pt) e no Despacho n.º 5097/2009, de 27 de janeiro de 2009, no Diário da República, 2.ª série – N.º 30 – 12 de Fevereiro de 2009, página 6113.
Considerando a inexistência de pré-vinculação do Município C... à jurisdição do CAAD, a vinculação das Partes a este Tribunal emerge do disposto no art.º 187.º, n.ºs 1 e 2, do CPTA, conjugado com a convenção de arbitragem prévia celebrada entre as Partes e junta como anexo à Petição Inicial.
Em suma, ambas as Partes são legítimas, não apenas por serem parte na relação material controvertida, mas ainda por força das mencionadas disposições legais e regulamentares e da convenção arbitral.
Nos termos do artigo 27.º, n.º 2, do Novo Regulamento de Arbitragem Administrativa do CAAD - disponível em www.caad.org.pt) “se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelos tribunais de 1.ª instância.”. Não tendo qualquer das Partes exercido o direito de renúncia da presente decisão arbitral, de acordo com o preceito transcrito, da decisão proferida nos presentes autos caberá recurso nos mesmos aplicáveis a uma decisão de 1.ª instância dos tribunais estaduais.
Este Tribunal Arbitral, constituído em 9 de julho de 2020, é composto por um Árbitro, conforme dispõe o art.º 15.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem, tendo o signatário sido designado como Árbitro para apreciar e decidir a presente causa nos termos do mesmo Regulamento.
No Despacho n.º 1, proferido em 11 de julho de 2020, o Tribunal deliberou:
“Relativamente ao processo mencionado em epígrafe, entendo que os elementos constantes autos contêm prova documental e outros elementos bastantes para a decisão do mérito da causa, sem necessidade de realização de qualquer diligência adicional.
Nesta conformidade, notifico os Ilustres Mandatários das Partes para nos termos dos n.ºs 1, alínea c) e 4 do art.º 18.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa do Centro de Arbitragem Administrativa, se pronunciarem sobre a tramitação futura do processo, nomeadamente relativamente à necessidade ou não de produção de alegações escritas.”
Notificadas do mencionado Despacho n.º 1, ambas as Partes, por requerimentos datados de 15/7/2020 e de 23/7/2020, comunicaram a sua não oposição a que os autos prosseguissem os respetivos termos baseados na prova documental já produzida (n.º 3 do artigo 18.º do Regulamento de Arbitragem Administrativa), com dispensa da tentativa de conciliação e da realização das demais diligências adicionais, nomeadamente a produção de alegações escritas.
II – Breve síntese da posição das Partes e circunscrição do objeto da decisão
O Demandante conclui, na petição inicial, requerendo a este Tribunal que seja:
a) “Condenada a entidade demandada a proceder à contabilização do tempo de contrato a termo para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório na carreira em que, sem quebra ou interrupção de funções, foi a associada do A. provida no quadro de pessoal;
b) Condenada a entidade demandada a proceder à progressão da associada do A. em função da contabilização do tempo de serviço prestado enquanto contratada;
c) Condenada a processar à associada da A. a quantia de €1.248,91, acrescida de juros de mora já vencidos até à presente data no montante de €1.562,02 e dos que se vencerem até efetivo e integral pagamento.”
Por seu turno, a Demandada conclui que “Consequentemente, o Município deve à sua trabalhadora e associada do A., a quantia global de 695,70€, acrescida de juros de mora até à data do respetivo pagamento”.
III – Fundamentação de facto
1. A trabalhadora do Demandante foi contratada pela Demandada em 1/1/1990, com um contrato a termo certo para o desempenho funções no serviço de aprovisionamento, pelo período de 2 meses, auferindo a quantia de $40.800 (correspondente ao vencimento de mensal da categoria de escriturário datilógrafo de 2.ª classe, escalão 1, índice 115).
2. Em 1/3/1990, foi celebrado pelas mesmas partes um novo contrato a termo certo, pelo período de 6 meses, continuando a auferir a quantia de $40.800, para desempenho de funções às anteriores.
3. A trabalhadora do Demandante esteve, assim, contratada a termo certo pela Demandada pelo período de 7 meses e 3 dias, entre 1/1/1990 e 2/8/1990.
4. Em 2/8/1990, ingressou no quadro de pessoal da Demandada, com a categoria de terceiro oficial administrativo, auferindo $56.7000 (escalão índice 1, índice 160 – nos termos do Anexo II do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de 10 outubro e da Portaria n.º 904-A/89, de 16 de outubro).
5. Em 1/11/1991, passou para auferir o vencimento de $72.400 (escalão 1, índice 180 – art.º 2.º, n.º 1, alínea a) e Mapa I do Decreto-Lei n.º 420/91, de 29 de outubro e art.º 1.º da Portaria n.º 53/91, de 19 de janeiro).
6. Em 1/9/1993, passou a auferir $87.100 (escalão 2, índice 190 – Mapa I do Decreto-Lei n.º 420/91, de 29 de outubro e art.ºs 1.º e 8.º da Portaria n.º 1164-A/92, de 18 de dezembro).
7. Em 1/9/1996 passou a auferir $104.600 (escalão 3, índice 200 – Mapa I do Decreto-Lei n.º 420/91, de 29 de outubro e art.º 8.º da Portaria n.º 101-A/96, de 4 de abril)
8. Em 1/9/1998 passou a auferir €116.200 (escalão 3, índice 210 – Decreto-Lei n.º 404-A/98 de 18 de dezembro, Decreto-Lei n.º 412-A/98, de 30 de dezembro e Portaria n.º 29-A/98, de 16 de janeiro)
9. Em 1/8/2000, por concurso, foi provida como assistente administrativo principal, escalão 2, índice 225, com o vencimento de €131.400
A factualidade dada como provada encontra-se assumida pelas Partes, seja pelo Demandante (na PI), seja pela Demandada (na respetiva Contestação e, ainda, no Documento n.º 1 junto com esta).
IV – Fundamentação de direito
O art.º 6.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de outubro, na redação conferida pela Lei n.º 6/92, de 29 de abril, dispõe que “O tempo de serviço prestado como contratado nos termos do artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 247/87, de 17 de junho, no exercício de funções correspondentes às da categoria de ingresso releva para efeitos de progressão na categoria e promoção na carreira”.
Complementarmente, o art.º 6.º-A, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 409/91, de 17 de outubro, na redação conferida pela Lei n.º 6/92, de 29 de abril, consagram o direito à contagem do tempo de serviço como contratado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 781/76, de 28 de outubro.
Conforme reconhecido pela própria Demanda (art.º 2.º da contestação), a trabalhadora filiada no Demandante tem direito à contagem de tempo de serviço prestado como contratada, num total de 7 meses e 3 dias (entre 01/01/1990 e 01/08/1990), nos termos preconizados no art.º 21.º da PI.
Em suma, não restam dúvidas, até por nisso concordarem ambas as Partes, que o tempo de serviço da trabalhadora como contratada reporta-se aos períodos compreendidos entre:
a) 1 de janeiro de 1993 e 31 de agosto de 1993; e
b) 1 de janeiro de 1996 e 31 de agosto de 1996.
Ora, a relevância do tempo de serviço para a progressão e promoção da trabalhadora deve ser mensurado confrontando os valores que a trabalhadora auferiu durante os hiatos temporais mencionados e o que teria recebido acaso aquele tempo de serviço lhe houvesse sido contabilizado.
Não se percebe, por isso, qual o referencial que a Demanda toma como base para apurar a diferença entre o vencimento legalmente prescrito e aquele que foi efetivamente liquido à trabalhadora durante os aludidos períodos, tanto mais que do Documento n.º 1 junto com a contestação (fls. 1 a 4), a Demandada expressamente assume que os valores indicados pelo Demandante como auferidos pela trabalhadora estão corretos.
Assim, os valores a considerar serão, como sustenta a Demandante:
a) a diferença remuneratória do ano de 1993, corresponde 8 meses (87.100$00 – 72.400$00 = $14.770 x 8 = $117.600), o que equivale a €586,59 b) a diferença remuneratória do ano de 1996, correspondente a 8 meses ($104.600 – $87.100 = 17.500 x 8 = $140.000), o que equivale a €698,32
perfazendo um total de €1.284,91
Note-se que, para além dos valores acima indicados, a própria Demandada reconhece (vide art.ºs 4.º a 6.º da Contestação) três reflexos adicionais do direito à reconstituição da carreira da trabalhadora da Demandante:
a) direito ao subsídio de férias do ano de 1993;
b) direito ao subsídio de férias do ano de 1996;
c) direito à diferença salarial entre 1 de janeiro de 1998 e 31 de agosto de 1998, acrescida do subsídio de Natal.
Contudo e por força do disposto no art.º 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art.º 26.º, n.º 2, do Regulamento da Arbitragem Administrativa do CAAD, “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”, pelo que não pode a Demandada ser condenada no pagamento das quantias acabadas de elencar.
Como bem se afirma no Acórdão da Relação de Lisboa de 26/11/2009, “Se o autor formula, com toda a clareza e simplicidade, um pedido muito concreto, que é o da condenação do réu no pagamento de quantia certa, acrescida de juros de mora legais (civis), verifica-se que o juiz profere uma sentença ultra petitum, ao condenar o réu numa quantia superior a título de capital”.
Em face do exposto, o valor da condenação da Demandada cifra-se em €1.284,91, valor ao qual acrescem juros de mora, desde 1/9/1996 até integral e efetivo pagamento.
Na presente data, tais juros ascendem ao montante de €1.587,61, calculados do seguinte modo:
i) entre 01/09/1996 e 16/04/1999, à taxa de 10,00%: 336,89€
ii) entre 17/04/1999 e 30/04/2003, à taxa de 7,00%: 363,22€
iii) 01/05/2003 e 01/08/2020, à taxa de 4,00%: 887,40€
V – Decisão
Em face do exposto e na integral procedência do pedido:
a) condena-se a demandada a contabilizar o tempo de serviço prestado ao abrigo de contrato a termo para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório na carreira em que, sem quebra ou interrupção de funções, foi a trabalhadora associada do Demandante provida no quadro de pessoal; e
b) consequentemente, condena-se a Demandada a pagar à trabalhadora associada do Demandante da a quantia de €1.284,91, acrescida de juros de mora já vencidos até à presente data (no montante de €1.587,61) e dos que se vencerem até efetivo e integral pagamento.
Fixa-se o valor da ação em € 2.846,93 (dois mil oitocentos e quarenta e seis euros e noventa e três cêntimos), por estar em causa o pagamento de uma quantia certa, considerando o disposto no n.º 1 do art.º 31.º e no n.º 1 do art.º 32.º do CPTA), sendo a taxa de arbitragem a calcular nos termos regulamentares.
Os encargos processuais devem ser suportados por Demandante e Demandada, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 29.º do Regulamento de Arbitragem do CAAD.
Registe e notifique-se.
Coimbra, 1 de agosto de 2020
O Árbitro
(Miguel Lucas Pires)