DECISÃO ARBITRAL
I. Do Tribunal Arbitral, das Partes e dos pedidos
Identificação das Partes
A..., divorciada, NIF..., residente em ..., n.º..., ..., ...-... Linda-a-Velha, B..., solteira, maior, NIF ..., residente em Rua ..., n.º ..., ..., ...-... Linda-a-Velha e C..., casado, NIF..., residente em Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral contra o D... (“D...”), NIPC..., com sede na ... n.º..., ...-... Lisboa.
Convenção de arbitragem
A Convenção de arbitragem resultou do acordo das Partes, manifestado nos termos previstos no artigo 9.º do Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem Administrativa, tendo a convenção de arbitragem delimitado o objeto do presente litígio à “Impugnação do ato administrativo, consubstanciado no Ofício do Senhor Vice-Presidente do D..., de 27.11.2018 e condenação à prática do ato devido, em concreto, definição da situação remuneratória dos Primeiros Outorgantes, tendo em conta o descongelamento das valorizações remuneratórias, em 2017, e a circunstância de os Primeiros Outorgantes terem obtido a Agregação e terem sido promovidos a Professores Associados no período do congelamento das valorizações remuneratórias”.
O árbitro nomeado aceitou o encargo, tendo o tribunal ficado constituído no dia 29 de maio de 2019.
Sede da arbitragem
De harmonia com o disposto no artigo 2.º, n.º 3 do Regulamento de Arbitragem Administrativa, a presente arbitragem decorre na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, 1050-091 Lisboa.
Objeto do litígio
De acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 1 alínea b) do Regulamento de Arbitragem Administrativa, a arbitragem rege-se pelos princípios da autonomia do tribunal na condução do processo e na determinação das regras aplicáveis.
Perante tal, e face às posições defendidas pelas partes nos doutos articulados, foi considerada dispensável a realização de tentativa de conciliação, bem como de audiência de julgamento, pois os autos contêm prova documental suficiente para o tribunal decidir, versando o litígio exclusivamente questão de Direito e estando assente toda a matéria de facto, conforme decorre do artigo 1.º da contestação apresentada pelo D... da Universidade de ... .
Assim,
Atendendo a que o tribunal pretendia conduzir o processo arbitral com base na prova documental e nos restantes elementos juntos ao processo, nos termos do artigo 18.º do Regulamento, convidou as partes a pronunciarem-se e a apresentar alegações finais, escritas, simultâneas, nos termos do artigo 24.º, no prazo de 10 dias, o que aconteceu.
O objeto do litígio resume-se, assim, a uma questão de Direito.
Pedidos
Cumpre decidir, tendo os Demandantes apresentado os seguintes pedidos:
“Deve ser anulado o Ofício do D..., de 27.11.2018, nos termos do artigo 163.º do CPA, por vício de violação de lei, nomeadamente por violação dos princípios gerais da atuação administrativa, designadamente o princípio da legalidade, igualdade, da justiça e da razoabilidade e da boa-fé́ (artigos 3.º, 6.º. 8.º e 10.º do CPA) e por vício de falta de fundamentação (artigos 152.º e 153.º do CPA), com as demais legais consequências.
E deve ainda ser o D... condenado à prática do ato devido, que corresponde à definição da situação remuneratória dos Requerentes, nos termos indicados”.
II. Valor da causa
Foi fixado à causa o valor de € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo)..
III. Matéria de Facto Provada e sua fundamentação
1. O Tribunal considerou provados, por acordo, todos os factos (e não as conclusões ou matéria de Direito) devidamente alegados pelos Demandantes, designadamente nos artigos 6.º a 39.º da petição inicial, conforme decorre do artigo 1.º da contestação apresentada pelo D... da Universidade ..., onde este Demandado refere concordar com essa factualidade, o que retira, naturalmente, o acordo de outras alegações constantes nesses artigos (como por exemplo as conclusões vertidas nos artigos 7.º e 8.º da P.I.).
2. Assim, com relevância para a decisão da causa, o Tribunal julga provada a seguinte factualidade:
1) A 30.10.2017, os Requerentes remeteram ao Presidente do D... Requerimento onde expuseram a sua situação e requereram “com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2017, a colocação das suas remunerações no 2.º escalão da categoria de Professor Associado com Agregação, índice 255, o menor escalão nesta categoria compatível com a resolução da incongruência apresentada (...)” (também provado por Documento n.º 2 junto com a P.I.);
2) Tendo em conta a falta de resposta por parte do D..., a 14.11.2018 a Requerente B... remeteu uma nova comunicação a requerer informações sobre a decisão quanto ao pedido formulado no requerimento apresentado anteriormente, no prazo de 10 (dez) dias úteis (também provado por Documento n.º 4 junto com a P.I.);
3) Em resposta, o D... notificou os Requerentes do Ofício do Senhor Vice-Presidente do D..., Exmo. Senhor Prof. Dr. ..., de 27.11.2018, onde se decide que “É nosso entendimento que a interpretação literal do conjunto de normas que, em momentos temporais, levantaram as proibições de posicionamento remuneratório (em particular as resultantes da obtenção do título de agregado cujos efeitos não retroagiram à data da sua obtenção, mas sim a janeiro de 2017) conduz a um tratamento desigual de situações iguais e é, como tal, violadora do princípio da igualdade. Todavia, entendemos também que não nos cabe, dentro das nossas atribuições, proceder a uma interpretação corretiva da lei, pelo que apenas judicialmente esta questão pode ser decidida (...)”. (também provado por Documento n.º 1 junto com a P.I.);
4) A Requerente B... apresentou a 20.12.2018 requerimento onde referiu a “falta de clareza da posição assumida pelo D... sobre esta matéria”, referindo ainda que “salvo melhor opinião, a lei não impõe quaisquer restrições ao reposicionamento remuneratório, mesmo nos casos em que o título de Agregado tenha sido obtido em data anterior à da sua entrada em vigor” (também provado por Documento n.º 5 junto com a P.I.).
5) Em 27.12.2018, o D... respondeu no sentido em que “o procedimento adotado correspondeu, em cada momento, à aplicação das normas legais vigentes. Tomar uma decisão diferente seria, na nossa opinião, violar o que a Lei determina” (também provado por Documento n.º 6 junto com a P.I.).
6) A Requerente B..., com n.º mecanográfico ... é atualmente Professora Associada com Agregação no Departamento de Engenharia Mecânica;
7) Esta Requerente obteve a Agregação em maio de 2014, enquanto Professora Auxiliar (também provado por Documento n.º 7 junto com a P.I.);
8) Em dezembro de 2015, e em resultado de concurso público, a Requerente B... foi promovida à categoria de Professora Associada (também provado pelos Documentos n.ºs 8 e 9 juntos com a P.I.);
9) A sua remuneração manteve-se no valor correspondente ao índice 245, quer no período em que esta era Professora Auxiliar sem Agregação (também provado por Documento n.º 10, junto com a P.I.), quer quando passou a Professora Auxiliar com Agregação (também provado por Documento n.º 11, junto com a P.I.), quer quando passou a Professora Associada com Agregação, o que permanece até hoje (também provado por Documentos n.º 12 e 13 juntos com a P.I.);
10) A Requerente A..., com o n.º mecanográfico ... é atualmente Professora Associada com Agregação no Departamento de Engenharia Civil;
11) Esta Requerente obteve a Agregação em julho de 2014 ainda enquanto Professora Auxiliar (também provado por Documento n.º 14 junto com a P.I.);
12) Foi promovida a Professora Associada em dezembro de 2014 (também provado por Documento n.º 15);
13) A sua remuneração manteve-se no valor correspondente ao índice 245, quer no período em que esta era Professora Auxiliar sem Agregação (também provado por Documento n.º 16), quer no período em que esta passou a Professora Auxiliar com Agregação (provado por Documento n.º 17 e 18), quer quando passou a Professora Associada com Agregação (provado por Documento n.º 19, junto com a P.I.);
14) Em virtude da avaliação de desempenho, a Requerente A... passou a ter a remuneração correspondente ao índice 255, que mantém até hoje (provado igualmente por Documentos n.º 20 e n.º 21, juntos com a P.I.);
15) O Requerente C..., com n.º mecanográfico ... é atualmente Professor Associado com Agregação no Departamento de Matemática.
16) O Requerente obteve a Agregação em janeiro de 2012 ainda enquanto Professor Auxiliar (provado também por Documento n.º 22 junto com a P.I.);
17) Foi promovido a Professor Associado em dezembro de 2014 (provado igualmente por Documentos n.ºs 23 e 24);
18) Em janeiro de 2012 era remunerado no índice 230 (provado por Documento n.º 25);
19) Passou ao índice 245 aquando da promoção a Professor Associado (provado por Documento n.º 26, junto com a P.I.);
20) O Requerente passou para o índice 255, em virtude da avaliação de desempenho, com retroativos a janeiro de 2018 (provado também por Documento n.º 27, junto com a P.I.), mantendo-se atualmente (provado igualmente por Documento n.º 28).
3. Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
IV. Do Direito
A questão central do presente litígio tem a ver com a interpretação e aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 19.º da Lei do Orçamento de Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), que determinava o seguinte:
“O disposto no presente artigo não prejudica igualmente a concretização dos reposicionamentos remuneratórios respetivos decorrentes da obtenção do título de agregado pelos professores auxiliares e associados do ensino superior universitário e pelos professores coordenadores do ensino superior politécnico, em cumprimento do Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de novembro, bem como não prejudica o reposicionamento remuneratório decorrente da obtenção dos títulos de agregado e de habilitado a que aludem as alíneas a) e b) do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 239/2007, de 19 de junho, obtidos pelos investigadores auxiliares ou principais”
Para os Demandantes, este normativo deve ser-lhes aplicável porquanto detêm o título de agregação, pois este, embora obtido num período em que vigorava a proibição de valorizações remuneratórias, não deixa de relevar a partir de 1 de janeiro de 2017 por efeito daquela norma, pelo que requerem o reposicionamento remuneratório desde essa data até então.
Para o Demandado, a aplicação desta disposição legal à situação dos Requerentes é legalmente incorreta, porquanto consubstanciaria uma aplicação retroativa, pelo que mantiveram a mesma posição remuneratória que detinham em 1 de janeiro de 2017, ainda que a não aplicação ao caso dos Autores possa consubstanciar uma certa injustiça e desigualdade.
Perante esta divergência de entendimentos, convém relembrar que os três Requerentes obtiveram a Agregação entre janeiro de 2012 e julho de 2014 enquanto Professores Auxiliares, numa altura em que vigorava a proibição de valorizações remuneratórias por efeito da aplicação de sucessivas LOE desde 2011. E durante este regime “excecional”, mais propriamente entre dezembro de 2014 e dezembro de 2015, foram promovidos a Professores Associados. Contudo, em virtude daquela proibição, mantiveram as respetivas posições remuneratórios, conforme o Demandado explica nos artigos 28.º e seguintes da sua contestação, não tendo, em 1 de janeiro de 2017, alterado essa situação, por entender que isso consubstanciaria a aplicação com efeitos retroativos da norma do n.º 4 do artigo 19.º da LOE 2017.
Ora,
Recordando o trajeto legislativo em causa, recorde-se que o artigo 24.º, n.º 1 da Lei do Orçamento de Estado para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro) veio vedar a prática de quaisquer atos que consubstanciem valorizações remuneratórias dos titulares dos cargos e demais pessoal identificado no n.º 9 do artigo 19.º do mesmo diploma, que abrangia os docentes universitários, como os Demandantes, tendo-se mantido esta proibição ao longo dos anos, da mesma forma, até 1 de janeiro de 2017.
Com a Lei do Orçamento de Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), manteve-se a proibição, mas, tal como se estabeleceu no n.º 1, do artigo 19.º, anunciou-se que “sem prejuízo da eliminação progressiva das restrições e da reposição das progressões na carreira a partir de 2018...” e estabeleceram-se algumas especificidades importantes, que tornaram o regime estabelecido diferente do regime especial (de pura proibição) que vigorou até então.
Na verdade, “durante o ano de 2017 foram prorrogados os efeitos dos artigos 38.º a 42.º, 44.º a 46.º e 73.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro” (ainda n.º 1 daquela artigo 19.º), mas o n.º 4 expressamente determinou que “O disposto no presente artigo não prejudica ... a concretização dos reposicionamentos remuneratórios respetivos decorrentes da obtenção do título de agregado pelos professores auxiliares e associados do ensino superior universitário e pelos professores coordenadores do ensino superior politécnico, em cumprimento do Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de novembro, bem como não prejudica o reposicionamento remuneratório decorrente da obtenção dos títulos de agregado e de habilitado a que aludem as alíneas a) e b) do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 239/2007, de 19 de junho, obtidos pelos investigadores auxiliares ou principais” (carregados nossos).
Ou seja, mitigou a permanência das normas proibitivas com a possibilidade de algumas valorizações remuneratórias, em especial as que decorreriam dos reposicionamentos decorrentes da obtenção do título de agregado pelos professores auxiliares e associados do ensino superior universitário.
Como bem refere o Demandado, o Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de novembro (com várias alterações), estabelece o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica, através de uma escala indiciária, que prevê diferenças remuneratórias consoante se tratem de Professores Auxiliares ou Associados e disponham ou não do título de Agregação.
Recordando o Decreto-Lei n.º 239/2007, de 19 de junho, que aprovou o regime jurídico do título académico de agregado, este é atribuído pelas universidades, mediante a aprovação em provas públicas, designadas provas de agregação (cfr. artigo 4.º, n.º 1), para atestar, num determinado ramo do conhecimento ou sua especialidade (cfr. artigo 3.º):
a) a qualidade do currículo académico, profissional, científico e pedagógico;
b) a capacidade de investigação; e
c) a aptidão para dirigir e realizar trabalho científico independente.
É inegável, como reconhece o Demandado, que a atribuição do título de académico de agregado tem efeitos remuneratórios, diferenciados consoante a categoria em causa (Professor Auxiliar ou Associado). Contudo, conforme factos provados, os docentes Demandantes, quando obtiveram o título de Agregado, não tiveram nenhuma alteração à sua situação remuneratória, porquanto, refere o Demandado (cfr. artigo 19.º da contestação), assim o obrigavam as disposições das LOEs então em vigor (artigo 20.º da LOE 2012, no caso do Professor C..., e artigo 39.º da LOE 2014, nos casos das Professoras B... e A...), que expressamente proibiam valorizações remuneratórias.
Da mesma forma, o Demandado atuou quando os Professores Demandantes lograram ser contratados para a categoria de Professor Associado (cfr. artigos 24.º e seguintes da contestação), o que determinou, em termos remuneratórios, os factos provados sob os n.ºs 8 e seguintes.
Assim, mesmo tendo passado, em dezembro de 2015, à categoria de Professora Associada Agregada, em resultado de concurso público, a Demandante B... manteve a sua remuneração no valor correspondente ao índice 245, que vinha desde que era Professora Auxiliar sem Agregação, dado que as proibições sucessivas atrás referidas atuaram quando passou para Professora Auxiliar com Agregação (Documento n.º 11, junto com a P.I.) e para Professora Associada com Agregação.
Apesar da norma do n.º 4 do artigo 19.º da LOE 2017, a situação dessa Demandante permaneceu até hoje (Documentos n.º 12 e 13 juntos com a P.I.), pois, no entendimento do Demandado, aquela norma não pode ter “eficácia retroativa”.
Da mesma forma, a Demandante A..., que obteve a Agregação em julho de 2014 ainda enquanto Professora Auxiliar e passou a Professora Associada em dezembro de 2014, manteve a sua remuneração no valor correspondente ao índice 245, que vinha desde que era Professora Auxiliar sem Agregação (também provado por Documento n.º 16), tendo transitado para o índice 255 apenas em virtude da avaliação de desempenho, que mantém até hoje (Documentos n.º 20 e n.º 21, juntos com a P.I.).
Já o Demandante C..., obteve a Agregação em janeiro de 2012, sendo então remunerado no índice 230 (Documento n.º 25) ainda enquanto Professor Auxiliar, tendo sido promovido a Professor Associado em dezembro de 2014 (Documentos n.ºs 23 e 24), passando para o índice 245 (Documento n.º 26, junto com a P.I.); transitou para o índice 255, em virtude da avaliação de desempenho, com retroativos a janeiro de 2018 (Documento n.º 27, junto com a P.I.), onde se mantém atualmente (Documento n.º 28).
Portanto, os Demandantes não foram valorizados remuneratoriamente com o novo título académico que lhes foi atribuído, pelo fato de no momento da Agregação estarem vedadas as valorizações remuneratórias, nem mais tarde, quando passaram a Professores Associados, através de concurso, porquanto se mantinha a proibição de valorizações remuneratórias, pelo que permaneceram no índice em que se encontravam, conforme explicou o Demandado na sua contestação.
A única alteração remuneratória que usufruíram (e apenas os Demandantes A... e C...) foi na sequência da avaliação de desempenho, definida pelo Regulamento de Avaliação do Desempenho dos Docentes da Universidade de ..., publicado no DR 2.ª Série, N.º 192, de 06.10.2014, sendo que o n.º 4 do artigo 19.º nunca foi aplicado aos Demandantes, não obstante terem apresentado Requerimento ao D... para o efeito, pelo que, no presente, são Professores Associados com Agregação, mas sem a correspondente posição remuneratória, resultante do reposicionamento que deveria ter ocorrido em 1 de janeiro de 2017, por força do n.º 4 do artigo 19.º da LOE para 2017.
Neste sentido,
Tendo como assente que a norma não tem efeitos retroativos, pois não retroage à data em que obtiveram o título académico de agregado nem à data em que passaram para Professores Associados, discorda-se da aplicação do normativo aqui em apreço defendida pela Entidade Demandada, pois a pretensão dos Demandantes não é a atribuição daquele efeito.
Efetivamente, não está em causa ultrapassar a proibição de valorizações remuneratórias que perdurou de 2011 até 2017, atribuindo, portanto, efeito retroativo ao disposto no n.º 4 do artigo 19.º da LOE para 2017, mas antes, ver reconhecidos os direitos remuneratórios desde que terminou a proibição; como expressam de forma transparente no artigo 91.º da petição inicial, “os Requerentes apenas pretende(m) ver retificada a sua situação remuneratória desde janeiro de 2017”, ou seja, desde que cessou a proibição que vinha vigorando sucessivamente desde a LOE 2011 até 1 de janeiro de 2017.
Conforme a Entidade Demandada reconhece, os Demandantes estão nesta situação porque obtiveram o título de Agregado entre janeiro de 2012 e julho de 2014, em período em que as valorizações remuneratórias estavam proibidas, tal como aconteceu quando passaram a Professores Associados, em julho ou dezembro de 2014. As proibições então vigentes impediam, de facto, as valorizações remuneratórias inerentes à nova situação profissional.
Porém, a partir de 1 de janeiro de 2017, aquela proibição deixou de vigorar, pelo que necessariamente a respetiva situação profissional teria de relevar para todos os efeitos, designadamente para aqueles que, até então, estavam excecionalmente proibidos, sendo evidente que, a partir de então, a Agregação passou a ter, nova e normalmente, relevância para efeitos remuneratórios, bem como a “nova” categoria de Professores Associados, à luz do estatuído no referido Decreto-Lei n.º 408/89.
Não estamos, portanto, perante um caso de retroatividade, que poria em causa a aplicação das normas orçamentais de proibição de valorizações remuneratórias vigentes entre 2011 e 2016, tendo a Entidade Demandada, à luz do princípio da legalidade que a vincula, aplicado a lei durante esse período temporal, em que não relevou o título de Agregação, nem a categoria de Professor Associado para fins remuneratórios (sobre a aplicação dos normativos das LOE deste período, pode ver-se a Sentença Arbitral proferida no Processo n.º 41/2016-A, deste CAAD); contudo, desde 2017 que essa proibição deixou de existir nos termos do n.º 4 do artigo 19.º da LOE 2017, pelo que a “normalidade” regressou, o que implica a aplicação da lei geral a todas as situações nela previstas.
Ora,
Como vimos, é o citado Decreto-Lei n.º 408/89, de 18 de Novembro, conforme decorre do seu artigo 1.º, que “estabelece as regras sobre o estatuto remuneratório do pessoal docente universitário, do pessoal docente do ensino superior politécnico e do pessoal de investigação científica e aprova as escalas salariais para o regime de dedicação exclusiva das mesmas carreiras, constantes, respetivamente, dos anexos n.ºs 1, 2 e 3, que [dele] fazem parte integrante”, pelo que deve, por isso mesmo, e antes de mais, atender-se ao disposto neste diploma, tal como subsequentemente alterado, para aferir da relevância da agregação e da nova categoria para efeitos remuneratórios.
Nos termos do seu artigo 3.º (promoção), a mudança para categoria (remuneratória) superior ocorre por via de promoção “para o escalão 1 da categoria para a qual se faz a promoção” ou “para o escalão a que na estrutura remuneratória da categoria para a qual se faz a promoção corresponda o índice superior mais aproximado, se o interessado vier já auferindo remuneração igual ou superior à do escalão 1, ou para o escalão seguinte, sempre que a remuneração que caberia em caso de progressão na categoria fosse superior”. Quanto à progressão na categoria, dispõe o n.º 1 do artigo 4.º que a mesma se faz por mudança de escalão.
Conforme resulta do Decreto-Lei n.º 239/2007, de 19 de Junho, que revisitamos, a agregação constitui um título académico atribuído pelas universidades mediante a aprovação em provas públicas (cfr. artigos 3.º e 4.º), com inegável relevância para efeitos de reposicionamento remuneratório, à luz do disposto no Decreto-Lei n.º 408/89, uma vez que, nos termos Anexo I ao Decreto-Lei n.º 408/89 de 18 de novembro (com as alterações entretanto introduzidas), a obtenção deste título académico e/ou a passagem para Professor Associado implica uma valorização remuneratória.
Conforme este CAAD referiu, em decisão arbitral proferida no Processo n.º 43/2016-A, a Agregação constitui um título académico e não um grau académico, conferido na sequência de provas públicas com objetivos e efeitos próprios. Por se tratar de um título académico, o qual visa atestar, num determinado ramo do conhecimento ou sua especialidade, a qualidade do currículo académico, profissional, científico e pedagógico, a capacidade de investigação e a aptidão para dirigir e realizar trabalho científico e independente, e sendo um título conferido na sequência de prova públicas, com objetivos e efeitos próprios, não pode nem deve ser confundido com um grau académico ou com procedimentos de progressão na carreira docente universitária.
Como se explica naquela decisão arbitral, o artigo 24.º da LOE 2011 proibiu a prática de atos que produzam valorizações remuneratórias, atos administrativos, nos termos e para os efeitos do Código do Procedimento Administrativo, ou seja, decisões dos órgãos da Administração Pública que, ao abrigo das normas de direito público, visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta, ou atos contratuais, entre os quais se incluem as declarações negociais; são precisamente esses atos que são vedados pelo elenco exemplificativo da norma que enuncia os atos proibidos, as alterações de posicionamento remuneratório, promoções, nomeações ou graduações em posto ou categoria superiores os quais são, em regra, atos que implicam uma prévia determinação de vontade de quem tem o poder de direção dos serviços ou entidades públicas.
Significa, pois, que isto nada tem a ver diretamente com o título de Agregação, que foi legal e devidamente atribuído aos Demandantes nesse período.
Acontece que, não obstante a sua atribuição, os Demandantes não viram, durante o período em que vigorou a proibição de valorizações remuneratórias, a sua situação retributiva alterada. Ou seja, por efeito da proibição que vigorava desde 2011, no caso concreto dos Demandantes, essa atribuição do título não produziu os normais efeitos remuneratórios (evidenciados no Anexo I do diploma legal em aplicação), que ficaram assim “suspensos”, diferidos para quando aquela proibição deixasse de vigorar.
Aliás, neste sentido, pode lembrar-se o ofício subscrito pela Exma. Senhora Diretora Geral da Direção Geral da Administração e Emprego Público (DGAEP), datado de 4 de março de 2011, onde esta entidade reconhece o direito dos docentes serem contratados como professores auxiliares mas difere a concretização do posicionamento remuneratório para o momento em que a Lei do Orçamento de Estado deixe de impor limites a valorizações remuneratórias... Um entendimento paralelo ao que aqui defendemos e que nada tem a ver com a “eficácia retroativa” da lei, pois em causa está a relevância de uma determinada situação apenas após a entrada em vigor da “nova lei” (in casu, 1 de janeiro de 2017, apesar do título e da contratação para nova categoria terem sido anteriores; os Demandantes não pretendem que as valorizações remuneratórias operem à data em que o título e a categoria foram atribuídos, mas sim à data da entrada em vigor da norma nova).
Assim, sem mais delongas, entendemos que o disposto no artigo 19.º, n.º 4 da LOE 2017 é claro ao determinar que só a partir desse ano de 2017 a valorização remuneratória pretendida pela Demandantes será possível, sem quaisquer efeitos retroativos, o que significa que não retroage à data da aquisição do título académico de agregação nem de contratação como Professores Associados, o que, aliás, como acima referimos, é intuído pelos Demandantes, que expressam de forma transparente no artigo 91.º da petição inicial, que “... apenas pretende(m) ver retificada a sua situação remuneratória desde janeiro de 2017”.
Nestes termos,
Concordando com os Demandantes, o ato impugnado está ferido do vício de violação de lei, pois sendo certo que até 2017 a Entidade Demandante atuou nos termos legais, depois de 1 de janeiro de 2017 teria de proceder, conforme norma excecional prevista no n.º 4 do artigo 19.º da LOE 2017, ao reposicionamento remuneratório decorrente da obtenção do título de agregado e da categoria de professor associado, conforme a segunda categoria prevista no Anexo I ao Decreto-Lei n.º 408/89 e nos termos do disposto nos seus artigos 3.º e 4.º.
A anulação do ato impugnado, bem como a condenação à prática do ato devido, tornam inútil a apreciação dos demais vícios alegados pelos Demandantes, embora sempre se diga que o dever de fundamentação do ato, consagrado no artigo 152.º do Código do Procedimento Administrativo, implica certos requisitos legalmente impostos no artigo 153.º, para que o(s) seu(s) destinatário(s) perceba(m) qual o trajeto cognitivo da entidade decisora para tomar aquela decisão, num certo sentido e não noutro.
IV – Da Decisão Arbitral
À luz dos fundamentos expostos, julgo procedente a presente ação interposta pelos Demandantes, anulando o ato administrativo de 27 de Novembro de 2018 praticado pelo Senhor Vice-Presidente do D... e, consequentemente, condenar o Demandado à prática do ato legalmente devido, que corresponde para cada um dos Demandantes ao reposicionamento remuneratório desde 1 de janeiro de 2017, decorrente da obtenção do título de agregado e da categoria de professor associado, conforme a segunda categoria prevista no Anexo I ao Decreto-Lei n.º 408/89 e nos termos do disposto nos seus artigos 3.º e 4.º.
Encargos nos termos previstos no artigo 29.º n.º 5 do RCAAD, tendo em conta o valor do processo, anteriormente já decidido.
Deposite-se, registe-se e notifiquem-se as partes.
Porto, 27 de outubro de 2019
O Árbitro,
Carlos José Batalhão