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CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa
Processo n.º 47/2013-A
Requerente: A…, solteira, maior, docente do ensino superior, com o NIF …, residente na ….
Requerido: Instituto Politécnico …, pessoa coletiva de direito público, NIPC …, com sede no ….
SENTENÇA ARBITRAL
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Relatório e saneamento. Da regularidade da instância e competência do tribunal arbitral.
Por requerimento de 2013.09.24, elaborado nos termos previstos no artigo 9.º n.º 1 do Regulamento de Arbitragem do CAAD, a Requerente A… solicitou que fosse, junto do Requerido Instituto Politécnico … (IP…), diligenciado no sentido de aferir da respetiva vontade de esta pessoa coletiva de direito público subscrever compromisso arbitral com vista a dirimir o diferendo cujo objeto então sumariamente indicou.
Notificado o Requerido por ofício de 2013.09.26, ao abrigo do disposto no artigo 9.º n.º 3 do Regulamento de Arbitragem do CAAD, por requerimento de 2013.10.02, subscrito pelo seu Presidente, de consonância com o disposto no artigo 184.º n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), este manifestou a sua aceitação de outorga de compromisso arbitral, o qual satisfaz plenamente os requisitos legalmente exigidos para essa convenção, vertidos no artigo 2.º da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de dezembro.
Outorgado o compromisso arbitral, a Requerente apresentou a sua petição em 2013.10.23, acompanhada de dois documentos, tendo sido promovida a citação do Requerido.
Não tendo sido apresentada contestação, foi validamente constituído o presente tribunal arbitral e foi proferido despacho em 2014.02.07, determinando ao Requerido que procedesse à juntada do processo administrativo ou de todos os documentos que possuísse respeitantes à matéria do processo.
Por requerimento de 2014.02.14, o Requerido solicitou a juntada aos autos do contrato de trabalho em funções públicas celebrado com a Requerente, afirmando ser este o único documento na sua posse respeitante à matéria do processo, o que foi notificado à Requerente.
Por despacho de 2014.03.11 foram as partes notificadas para alegações facultativas e, ainda, por despacho de 2014.04.30 foi a Requerente notificada para proceder à eventual juntada do documento n.º 3 referenciado no artigo 6.º da sua petição, o que satisfez por requerimento cuja juntada aos autos foi igualmente determinada.
Mostram-se, pois, na presente instância arbitral, respeitados os princípios da absoluta igualdade das partes e de estrita observância do princípio do contraditório.
O tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído, considerando a prévia vinculação de ambas as partes à jurisdição arbitral.
As partes em juízo são as titulares dos interesses que constituem o objeto do litígio, pelo que são legítimas, o tribunal é competente e o conflito é arbitrável. Com efeito, a questão submetida à decisão arbitral emerge da relação jurídica de emprego público estabelecida por vínculo contratual existente entre a Requerente e o Requerido e, assim, esta relação jurídica de direito administrativo [v. artigo 4.º n.º 3 d) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais] pode ser submetida a arbitragem, nos termos do disposto no artigo 8.º n.º 4 alínea a) do Regulamento de Arbitragem do CAAD e do artigo 180.º n.º 1 alínea d) do CPTA.
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As questões decididas e o pedido formulado.
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Sustenta a Requerente que tendo ingressado ao serviço do Requerido com a categoria de equiparado a assistente e tendo permanecido neste regime de provimento por mais de 10 anos, contados à data de 14 de maio de 2010, em regime de tempo integral e dedicação exclusiva, ademais detendo a essa data o grau de doutor, a sua transição para a categoria de professor adjunto deveria ter sido efetuada pelo Requerido de harmonia com o disposto no artigo 7.º 6 do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação que lhe foi dada pelo artigo 3.º da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio.
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De tal regime decorreria para a Requerente o direito a transitar, com efeitos a 14 de maio de 2010, para a categoria de professor adjunto, sem outras formalidades e no regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado.
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Ocorre que o Requerido operou a transição da Requerente para aquela categoria, tipo e modalidade contratuais, mediante o estabelecimento de um período experimental de 5 anos, findo o qual se seguirá o procedimento previsto no artigo 10.º-B do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico, estribando-se no disposto artigo 6.º n.º 5 do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação que lhe foi dada pelo artigo 3.º da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio.
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Considera a Requerente que assentando a equiparação a assistente numa ampla base que envolve não só o idêntico conteúdo funcional dos trabalhadores com a categoria de assistente e do pessoal provido na situação de equiparado a assistente, como ainda numa equiparação material e retributiva, por apelo ao princípio da igualdade material, com assento constitucional no artigo 13.º e, ainda, no artigo 13.º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 59/2008, de 11 de setembro, deve a Requerente ficar submetida ao mesmo regime de transição previsto para os assistentes.
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Invoca, ainda, em seu amparo, o normativo do artigo 47.º da Constituição da República, com a epígrafe “liberdade de escolha de profissão e acesso à função pública”, o qual contém ínsitos os direitos de manutenção na função pública e o direito de progressão/promoção.
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Assim, sendo este regime transitório equiparado a uma promoção, no entender da Requerente deve o mesmo subordinar-se a um princípio de igualdade material entre trabalhadores com o mesmo conteúdo funcional e retributivo e a mesma situação jurídica, ou seja, detentores de igual tempo de serviço (10 anos) e grau de doutor, no momento da transição.
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Conclui, pois, que ocorre uma errónea formulação da norma que na sua literalidade lhe seria aplicável (artigo 6.º n.º 5) e, assim, considera ser de aplicar extensivamente à sua transição o regime constante do artigo 7.º n.º 6 do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio.
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Pelo que, a final, pede o reconhecimento do seu direito à transição para a categoria de professor adjunto, com efeitos a 14 de maio de 2010, com vínculo contratual na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, sem sujeição a período experimental, condenando-se a entidade demandada no ato devido de transição da demandante.
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Factos provados com pertinência para a decisão da causa.
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Não tendo o Requerido apresentado contestação, nem assim se deve, sem mais, considerar tal omissão como uma aceitação plena dos factos e alegações da Requerente, de consonância com o disposto no artigo 22.º n.º 2 do Regulamento de Arbitragem do CAAD e no artigo 35.º n.º 2 da Lei da Arbitragem Voluntária. A questão, todavia, não assume no caso dos autos particular importância, pois os factos relevantes para a boa decisão da causa devem ser provados por documentos, que foram juntos aos autos e não foram impugnados pelas partes.
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Mostram-se, pois, provados os seguintes factos alegados, pertinentes para a boa decisão da causa:
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A Requerente é atualmente docente do Requerido IP… com a categoria de professor adjunto, vinculada por contrato de trabalho em funções públicas celebrado em 2010.05.14, na modalidade de contrato por tempo indeterminado e subordinado a período experimental de 5 anos (cf. alegado pela Requerente, comprovado por declaração do Requerido de 2013.07.10 junta como documento n.º 1 com a petição e demonstrado pelo contrato de trabalho em funções públicas junto aos autos pelo Requerido).
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A Requerente defendeu tese de doutoramento em ato público realizado em 2009.10.30, tendo o júri designado para o efeito deliberado considerar a candidata aprovada, o que lhe confere o grau de Doutor pela Universidade … (cf. alegado pela Requerente e comprovado por certidão dos Serviços Académicos da Universidade …, de 8 de junho de 2010, junta como documento n.º 2 com a petição).
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A Requerente ingressou ao serviço do Requerido em 15 de março de 1999 como equiparada a assistente do 1.º triénio (cf. alegado pela Requerente e comprovado por declaração do Requerido de 2013.07.10 junta como documento n.º 1 com a petição).
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A Requerente manteve-se em regime de provimento do pessoal docente equiparado até 31 de agosto de 2009, tendo transitado, sem quaisquer formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas a 1 de setembro de 2009, de consonância com o regime transitório constante do capítulo III do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto (cf. considerando constante do contrato de trabalho em funções públicas junto pelo Requerido aos autos).
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De 15 de setembro de 2009 e até 13 de maio de 2010 a Requerente manteve-se ao serviço do Requerido como equiparada a assistente do 2.º triénio (cf. alegado pela Requerente e comprovado por declaração do Requerido de 2013.07.10 junta como documento n.º 1 com a petição).
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Em 20 de dezembro de 2010, alguns docentes do IP… que em 14 de maio de 2010 se encontravam na situação de equiparados a assistente, por terem excedido o tempo máximo legal de permanência na categoria de assistente mas que se haviam vinculado na carreira docente e na categoria de assistente por concurso, expuseram e requereram ao IP… que a sua transição fosse feita sem a sujeição ao período experimental (cf. alegado pela Requerente e demonstrado pelo documento n.º 3 junto aos autos).
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O Direito aplicável.
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Perante o quadro factual assente, a questão colocada à apreciação e decisão deste tribunal arbitral radica na melhor interpretação das normas transitórias constantes do capítulo III do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, designadamente os seus artigos 6.º n.º 5 e 7.º n.º 6, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 7/2010, de 13 de maio.
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Os diplomas acima referenciados procederam à alteração do Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico (ECPDESP), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de julho, que criou a carreira do pessoal docente do ensino politécnico e nela as categorias de assistente, professor adjunto e professor coordenador (cf. artigo 2.º do ECPDESP).
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Com a criação do ECPDESP, em 1981, o recrutamento de assistentes passou a efetuar-se “mediante concurso documental, de entre habilitados com curso superior adequado, com informação final mínima de Bom, ou com informação inferior desde que disponham de currículo científico, técnico ou profissional relevante, que satisfaçam, em qualquer caso, os demais requisitos constantes do despectivo edital”… (v. artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 185/81).
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Tais concursos seguiam as normas do artigo 15.º e seguintes do ECPDESP, sendo seguidamente os candidatos selecionados para assistentes, providos em funções docentes por contrato trienal, renovável por igual período e suscetível, ainda, em alguns casos, de prorrogação pelo período de um ano, renovável por duas vezes, tudo nos termos do disposto no artigo 9.º do indicado regime legal.
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Assim, do regime legal vigente até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, que procedeu a uma profunda alteração no Estatuto até então vigente e extinguiu a categoria de assistente da carreira de pessoal docente do ensino superior politécnico (ressalvando, embora, a existência da categoria enquanto nela subsistirem trabalhadores que para ela tenham transitado), resulta evidenciado que o pessoal recrutado para a categoria de assistente mediante concurso documental apenas se podia manter nessa categoria por dois triénios, eventualmente seguidos de uma prorrogação do respetivo contrato administrativo de provimento por mais um ano, renovável por duas vezes.
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O instituto do contrato administrativo de provimento, então regulado no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de dezembro (regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na administração pública), tinha por fim que uma pessoa não integrada nos quadros assegurasse, a título transitório e com carácter de subordinação, o exercício de funções próprias do serviço público, com sujeição ao regime jurídico da função pública.
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É por isso que, findo o prazo máximo legal de provimento dos assistentes (6 ou 9 anos), estes poderiam aceder à categoria de professor adjunto, já em regime de nomeação, desde que fosse aberto concurso documental e que os mesmos nele fossem selecionados, nos termos do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 185/81.
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Não sendo aberto concurso documental, não poderiam os assistentes permanecer no exercício das suas funções docentes, já que haviam sido contratados por provimento, a título transitório, evidentemente. É para evitar os reflexos que a cessação desses vínculos teria no funcionamento dos serviços e organismos da administração pública, que estes assistentes passam, por decisão de gestão dos serviços públicos, a ser contratados no regime de equiparados a assistentes, nos termos do disposto nos artigos 8.º e 12.º do já indicado diploma legal.
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Ora, só perante este quadro normativo e por apelo aos princípios da igualdade material e da proporcionalidade, tem razão de ser a aplicação extensiva a equiparados a assistente (que anteriormente estiveram providos na categoria de assistente após recrutamento por concurso documental nos termos do disposto no artigo 4.º do decreto-Lei n.º 185/81) do regime de transição para a categoria de professor adjunto constante do artigo 7.º n.º 6 do regime transitório em análise.
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De facto, tais equiparados a assistentes – após 6 ou 9 anos de permanência na categoria de assistentes - foram recrutados para esta categoria de assistente mediante concurso documental, o mesmo que também era exigido para acesso à categoria de professor adjunto.
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Mostra-se, pois, ponderado e conforme aos princípios da igualdade, da tutela da confiança e da proporcionalidade, este último ínsito ao Estado de Direito Democrático, proclamado no artigo 2.º da Constituição da República, que se faça uma interpretação extensiva do artigo 7.º n.º 6 do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 21 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, capaz de nela integrar os equiparados a assistentes, à data de 13 de maio de 2010, que já haviam estado providos anteriormente na categoria de assistentes, após recrutamento por concurso documental.
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Não é este o caso da Requerente.
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É certo que a Requerente foi contratada pelo Requerido, em 15 de março de 1999, como equiparada a assistente, ao abrigo do disposto no artigo 8.º n.º 1 e 2 e no artigo 12.º n.º 1, ambos do Decreto-Lei n.º 185/81, de 1 de julho.
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Embora desta contratação decorra a aplicação do mesmo regime de contrato administrativo de provimento, naturalmente sujeito às regras previstas para pessoal especialmente contratado, tal recrutamento não foi realizado mediante concurso documental – o mesmo que igualmente era exigido para o recrutamento em regime de nomeação dos professores adjuntos.
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E nada, sequer, foi trazido aos autos que permita concluir por uma situação de igualdade material da Requerente, no plano substantivo, no que respeita ao seu ingresso ao serviço do Requerido como equiparada a assistente.
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Não se sabe se à data da sua contratação, em 15 de março de 1999, a Requerente se encontrava habilitada com curso superior adequado, com informação final mínima de bom ou com informação inferior mas com currículo científico, técnico ou profissional relevante.
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Não se sabe igualmente se no início ou no decurso da sua relação contratual com o Requerido, a requerente alguma vez foi candidata a eventual concurso documental para recrutamento de assistentes.
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Não é controverso que a Requerente desempenhou as suas funções como equiparada a assistente com o mesmo conteúdo funcional e retributivo do pessoal provido como assistente.
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Mas tal facto não lhe confere, por si só, a legítima expectativa de ser assistente por força do seu desempenho funcional e de, em caso de extinção desta categoria, transitar para a categoria de professor adjunto nos exatos termos em que o faria se já fosse assistente. Tal equiparação dar-lhe-ia, seguramente, a expectativa de poder vir a ser provida como assistente, mediante o concurso documental legalmente exigido, se e quando o Requerido promovesse a abertura de procedimento concursal para o efeito.
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Mas não é o direito a tal atuação que a Requerente reclama do Requerido na presente demanda.
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Não resulta alegado nos autos qualquer situação de confiança justificada e o correlativo investimento de confiança da Requerente capaz de legitimar esta igualização de regimes. Aliás, a norma do artigo 6.º n.º 5 do regime transitório, na redação da Lei n.º 7/2010, é bem clara.
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Para aplicar à situação da Requerente a norma do artigo 7.º n.º 6, ter-se-ia de considerar um de dois cenários possíveis: 1) O legislador esqueceu-se de prever a situação dos equiparados a assistentes titulares do grau de doutor com mais de 10 anos de serviço docente em regime de tempo integral; 2) O legislador não descurou de prever tal regime, mas a norma de direito transitório que lhes impôs deve ser desaplicada, por inconstitucionalidade da solução nela vertida.
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No primeiro caso haveria uma lacuna e haveria que construir a norma que, no espírito do sistema, existiria se o legislador tivesse conjeturado aquele quadro factual ou haveria que, por analogia, encontrar a solução legal capaz de regular a situação concreta visada. No segundo quadro exige-se o esforço de demonstrar o desvalor constitucional da norma jurídica diretamente aplicável ao caso.
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Nenhum dos dois cenários traçados se afigura consistentemente defensável.
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A finalidade da interpretação é determinar o sentido objetivo da lei, a "vis a protestas legais". Entender uma lei é investigar o âmago o pensamento legislativo, principiar no elemento literal e avançar para o estudo do conceito mais fundo que o texto legislativo encerra. Para tal, o intérprete, nos termos do disposto no artigo 9.º do Código Civil, lança mão dos fatores hermenêuticos, que são essencialmente o elemento gramatical e o elemento lógico, este por sua vez subsumível ao elemento racional ou teleológico e ao elemento sistemático.
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O legislador, ao extinguir a categoria de assistente, quis remover a precariedade de vínculos que se tinha tornado dominante, mas quis acentuar o elevado grau de exigência de que se reveste a carreira docente politécnica, impondo um período experimental na entrada na carreira e a obrigatoriedade de concursos para professores, fixando um largo período de transição capaz de permitir a adaptação das instituições de ensino superior e dos seus quadros de pessoal docente.
Ora,
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A Constituição da República, no seu artigo 47.º n.º 2, integrado no capítulo dos direitos, liberdades e garantias pessoais, contempla o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.
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Também em termos gerais, o Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de dezembro, no seu artigo 17.º, estabelecia um modelo para assegurar a seleção de pessoal contratado em regime de contrato administrativo de provimento.
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E o Decreto-Lei n.º 204/98, de 11 de julho, que vigorava à data da contratação inicial da Requerente e que apenas foi revogado pelo artigo 116.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, logo no seu artigo 1.º veio evidenciar o concurso como forma de recrutamento e seleção de pessoal para os quadros da administração pública.
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Ademais, o ensino superior politécnico em Portugal assenta na Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.º 48/86, de 14 de outubro, que revogou a Lei n.º 5/73, de 25 de julho, e contém no seu artigo 32.º, na redação em vigor, as normas orientadoras sobre qualificação dos professores para o ensino superior, assente na habilitação com os graus de doutor ou mestre, bem como de licenciados que tenham prestado provas de aptidão pedagógica e capacidade científica.
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É, pois, forçoso concluir que, mesmo na celebração de contratos administrativos de provimento, o legislador ordinário e constitucional, há muito privilegia o concurso ou outras formas de seleção baseadas em critérios objetivos pré-anunciados como modelo de recrutamento de pessoal, quer em regime de nomeação, quer em regime de provimento.
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E este regime mantém-se inteiramente no Decreto-Lei n.º 12-A/2008, de 27 de fevereiro, que veio estabelecer os regimes de vinculação, carreiras e remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, ressaltando no seu artigo 50.º o procedimento concurso como método de recrutamento para as modalidades de nomeação e de contrato de trabalho em funções públicas.
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No artigo 6.º n.º 5 do Decreto-Lei n.º 207/2009, de 31 de agosto, na redação da Lei n.º 7/2010, de 13 de maio, o legislador optou claramente, perante a eliminação da categoria de assistente e visando, igualmente, remover - ainda que faseadamente - a precariedade de vínculos que se tinha tornado dominante em algumas instituições (v. exposição de motivos), por fazer transitar, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, na categoria de professor adjunto e sujeito a período experimental de 5 anos, findo o qual se seguirá o procedimento nele previsto, os a essa data equiparados a assistentes, titulares do grau de doutor e que exerciam funções docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há mais de 3 anos.
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A Requerente exercia funções docentes como equiparada a assistente há mais de 10 anos e possuía, a essa data, o grau de doutor – exercendo funções em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva – pelo que é este o enquadramento legal próprio para a sua transição, nos exatos termos constantes do contrato de trabalho em funções públicas celebrado com o Requerido, em 14 de maio de 2010, junto aos autos.
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É também claro que para os assistentes, à data de 13 de maio de 2010, aquele regime transitório – artigo 7.º n.º 6 e 7 – estabeleceu um regime diferenciado. Para o pessoal docente com a categoria de assistente, titularidade do grau de doutor e exercício de funções docentes há mais de 10 anos em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva, determinou a transição para a categoria de professor adjunto, sem sujeição a período experimental.
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Já para os assistentes, titulares do grau de doutor e com exercício de funções docentes há mais de 3 anos em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva, determinou a transição para a categoria de professor adjunto, com sujeição a período experimental de 5 anos.
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O legislador previu, pois, um regime idêntico para os equiparados a assistente e para os assistentes há mais de 3 anos, a ambos determinando a transição para a categoria de professor adjunto com período experimental de 5 anos, como decorre dos artigos 6.º n.º 5 e 7.º n.º 7 do referido regime transitório.
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E não previu um regime idêntico para os equiparados a assistente e para os assistentes há mais de 10 anos.
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Não se pode, contudo, daí concluir pela existência de uma qualquer imperfeição da norma legal ou um esquecimento na previsão normativa do legislador (que também deveria ter estabelecido um regime idêntico de transição para os equiparados e para os assistentes, com mais de 10 anos de serviço docente).
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Note-se, a este propósito, que no n.º 9 do artigo 6.º do regime transitório, o legislador previu para os equiparados às categorias até então existentes (incluindo a de assistente) que exerçam funções docentes em regime de tempo integral ou dedicação exclusiva há mais de 15 anos – e não é o caso da Requerente – que podem requerer a prestação de provas públicas de avaliação da sua competência pedagógica e técnico-científica, no prazo de um ano a partir da publicação da presente lei, transitando, em caso de aprovação nas referidas provas, sem outras formalidades, para o regime de contrato de trabalho em funções públicas na modalidade de contrato por tempo indeterminado na respetiva categoria (a melhor interpretação desta norma, pode ler-se o douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 2014.01.17, proferido no processo n.º 677/11.1BECBR, disponível em www.dgsi.pt).
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Assim, se todos os equiparados, possuindo ou não o grau de doutor, mesmo com mais de 15 anos de exercício de funções docentes em regime de tempo integral e dedicação exclusiva, à data de 13 de maio de 2010, para acederem à respetiva categoria de professor adjunto ou professor coordenador estão (estavam) obrigados a requerer, durante um período temporalmente delimitado, a prestação de provas públicas de avaliação, violaria as mais elementares regras da interpretação hermenêutica que os equiparados a assistentes com mais de 10 anos (com menor tempo de serviço e experiência docente), mesmo possuindo o grau de doutor, pudessem aceder à categoria de professor adjunto, sem qualquer modelo de aferição da sua competência.
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Admitir que a previsão normativa se esqueceu de regular a situação de transição dos equiparados a assistentes com mais de 10 anos de serviço, defendendo que se deve aplicar o regime estabelecido para os assistentes integrados na categoria, é criar uma distorção no regime vigente, já que os equiparados a assistentes com mais de 15 anos só transitariam após prestar provas públicas, em condições de maior exigência, portanto. Tal interpretação da lei criaria um quadro legal contraditório e injusto.
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O intérprete pode e deve efetuar o exercício exegético da lei, mas não deve chegar a soluções que não têm na sua letra o mínimo de correspondência expressa, capazes de colidir com outras disposições normativas e suscetíveis de revelar incongruências no ordenamento jurídico.
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A opção política e legislativa constante das aludidas normas é clara e não se mostra nela patente qualquer falha grave do legislador, designadamente no tratamento desigual de situações factuais absolutamente idênticas ou na previsão de um período experimental de 5 anos, que a ser um verdadeiro período experimental poderia encontrar-se ferido de inconstitucionalidade por violação dos artigos 53.º e 18.º n.º 2 da Lei Fundamental (na esteira de douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 632/2008, publicado em DR, 1.ª Série, n.º 6, de 9 de janeiro de 2009). Com efeito, o direito transitório em análise nos autos estabelece um período probatório na carreira, apenas desacertadamente designado pelo legislador de período experimental.
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Assim, não se mostram reunidos os pressupostos que imporiam a este tribunal arbitral o conhecimento oficioso da questão da conformidade à Constituição do estabelecimento no artigo 6.º n.º 5 do Decreto-Lei n.º 207/2009, na redação da Lei n.º 7/2010, de um “período experimental” de 5 anos, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 95.º do CPTA.
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Em decisão.
Pelos fundamentos factuais e jurídicos expostos, decide-se, assim, julgar improcedente o pedido.
Fixa-se à causa, tal como indicado pela Requerente, o valor de € 30.000,01.
Custas a cargo da Requerente.
Publique-se, notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.
Lisboa, sede do CAAD, 30 de maio de 2014
O árbitro,
Pedro Bandeira
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