DECISÃO ARBITRAL
Este Tribunal Arbitral foi constituído em 12.2.2019, com a aceitação e notificação da composição às partes (cfr. Artigo 17º nº 2 do Regulamento do CAAD, Despacho do Secretário de Estado da Justiça nº 5097/2009, DR II Série - nº 30, de 12 de Fevereiro e Despacho nº 5880/2018, DR II Série - N.º 114, de 15 de junho de 2018 e demais legislação ali citada).
Foi nos termos do artigo 18º do RCAAD proferido Despacho Inicial e, por se considerar ser instrumental à decisão a proferir e quanto disposto no artigo 5º nº 1 al. b) do RCAAD e no artigo 30º nº 3 da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV), determinou-se que, quando o Regulamento do CAAD e a LAV não definirem as regras processuais aplicáveis, supletivamente, serão aplicados os conceitos e as regras decorrentes, primeiro, do CPTA e depois do CPC.
O Demandante veio aperfeiçoar o seu pedido inicial, constituindo mandatário e indicando como valor dos autos o de € 4.732,98. O Demandado, notificado para o efeito, não contestou mas juntou o Processo Administrativo. Foram dispensadas a Audiência de Julgamento e Alegações.
Na apreciação da competência do Tribunal, cabe apreciar a arbitrabilidade do litígio, na sua vertente objectiva, face ao objecto do litígio, e subjectiva face à posição das partes e do específico Tribunal Arbitral. Esta disposição legal consagra no domínio da arbitragem voluntária o chamado princípio da Kompetenz-Kompetenz, Competência-Competência, Competence of tribunal to rule on its own jurisdiction ou Kompetenzprüfung durch das Schiedsgericht. A competência do tribunal arbitral pressupõe, antes do mais, a arbitrabilidade do litígio (cujo objecto deve ser abrangido pela convenção de arbitragem), a existência de uma convenção de arbitragem válida e eficaz entre as partes e a regular constituição do Tribunal Arbitral (que, como supra se fez constar, temos já por verificada).
Defina-se então o objecto do litígio, desde já se admitindo como sujeitos a prova todos os factos que de forma, directa ou indirecta, possam contribuir para o correcto apuramento da verdade e melhor apreciação e aplicação de direito. Considerando os pedidos cumulativos deduzidos, o objecto do litígio é o que resulta da apreciação dos seguintes pedidos formulados:
• Anulação dos Despachos de 24/07/2017 da Sra. Conservadora da Conservatória do Registo Automóvel de ...– Dra. A..., que indeferiram a Reclamação apresentada quanto ao direito a férias (25 dias dos quais apenas lhe foram reconhecidos e pagos 18 dias em cada ano) relativas a trabalho prestado em 2015, a gozar em 2016, e relativas a trabalho prestado em 2016, a gozar em 2017.
• A condenação do Demandado à prática de acto que defira o direito às férias do Demandante e, consequentemente;
• A condenação do Demandado no pagamento ao Demandante da compensação devida por violação do direito de férias, no montante de € 4.732,98 (quatro mil e setecentos e trinta e dois euros e noventa e oito cêntimos), acrescido de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor, desde o incumprimento até efectivo e integral pagamento.
Visto o objecto do litígio, vejamos se o litígio é arbitrável e se existe convenção de arbitragem válida e eficaz.
A competência material do Centro de Arbitragem Administrativa do CAAD afere-se em função da Lei, dos seus Estatutos e do seu Regulamento de Arbitragem. O CAAD tem por objeto, a resolução de litígios respeitantes a relações jurídicas de emprego público, alínea c) do n.º 1 do artigo 180.º e 187º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, e n.º 2 do artigo 3.º dos Estatutos do CAAD. A matéria em causa constitui matéria emergente de relação jurídica de emprego público, na medida em que está em causa o direito a férias de titular de tal relação.
O Demandado vinculou-se à jurisdição do CAAD através da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro, abrangendo a vinculação, além do mais, a composição de litígios, de valor igual ou inferior a 150 milhões de euros, relativos a questões emergentes de relações jurídicas de emprego público, quando não estejam em causa direitos indisponíveis e quando não resultem de acidente de trabalho ou de doença profissional, nos termos dos artigos 1.º, n.º 1, alínea j, e 2.º, alínea a) da citada Portaria.
A cláusula compromissória exige assim a este tribunal que verifique primeiro o valor do processo de forma a determinar a medida em que o presente litígio é arbitrável por este Tribunal (arbitrabilidade subjectiva). Diga-se ainda, que é também o próprio Regulamento do CAAD que exige que as partes indiquem o valor (artigo 10º nº 1 al. d)). Ora a Demandante indicou como valor do presente processo o de € 4.732,98, o que não mereceu oposição do Demandado. Vejamos se assim é tomando posição sobre o valor da causa, uma vez que, como se viu, dada a específica medida da convenção de arbitragem, sem tal apuramento, impossível se torna declarar a competência deste Tribunal. A decisão quanto ao valor, na falta de disposição específica do regulamento CAAD e LAV, terá de ser feita ao abrigo do regime supletivo que se determinou. Para a determinação do valor do processo sub judice, cumpre então atender ao disposto nos artigos 31.º a 34.º do CPTA (regime supletivo supra determinado), que fixam as regras relativas à determinação do valor da causa no âmbito do processo administrativo. Ora o n.º 1 do artigo 31.º do CPTA dispõe, é certo, que “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”. No entanto o nº 7 do artigo 32º manda atender à soma de todos os pedidos e o artigo 33º manda atender ao conteúdo económico do acto aqui impugnado. Quando não for possível fazer uso de qualquer um destes critérios haverá que recorrer ao artigo 34º nº 2 do CPTA.
Entende-se ser este último o bom caminho pois, sendo certo que o Demandante formula um pedido remuneratório e de sanção que nos dá o valor económico do direito a férias, certo é que, peticiona também o reconhecimento de férias em falta e o direito a férias e ao seu gozo é, acima de tudo, um direito com conteúdo imaterial, sendo o direito ao descanso e lazer um direito fundamental com consagração Constitucional. Com efeito se prescreve na al. d) do nº1 do artigo 59º da CRP que todos os trabalhadores têm direito «ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas.». Ainda neste sentido o AC STJ de 24-03-2004, in www.dgsi.pt “ Por outro lado, reconhecendo a Constituição um direito ao repouso e ao lazer e a férias periódicas pagas, que deverá ser entendido como um direito análogo aos direitos, liberdade e garantias, não se vê como é que uma leitura mais abrangente da norma, favorecendo uma concretização mínima desse direito, por forma a incluir situações de redução da prestação de trabalho ou de trabalho parcial ou incompleto, poderá ser arguida de inconstitucionalidade; e, ao contrário, seria uma interpretação restritiva, como aquela que preconiza a recorrente, que poderia afectar o conteúdo essencial do direito, e, por isso, o âmbito de protecção jurídica da norma, inconstitucionalizando-a (cfr. VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", 2ª edição, Coimbra, pág. 287).
Assim, há que aplicar nos autos o critério supletivo fixado no artigo 34.º nº 2 do CPTA para valores indetermináveis (que dizem respeito àquelas situações em que estejam em causa ou se discutam bens, utilidades, posições jurídicas ou interesses insusceptíveis de avaliação económica ou pecuniária directa ou imediata i.e., interesses imateriais, cf. acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de abril de 2013, processo n.º 09667/13, CA – 2.º Juízo). O presente processo tem um valor indeterminável e, como tal, considera-se superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo. Por seu turno, o n.º 4 do artigo 6.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro) determina que “a alçada dos tribunais centrais administrativos corresponde à que se encontra estabelecida para os tribunais da Relação”. Por fim, o artigo 44.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei 62/2013, de 26 de Agosto) determina que, “em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30 000. Nestes termos, admite-se o valor da ação como de 30.000,01 €, porquanto se trata de uma causa com valor indeterminável, sendo-lhe por isso atribuído um valor económico superior ao da alçada do Tribunal Central Administrativo.
Da apreciação que vem sendo feita, qualificando o direito a férias como um direito fundamental, resulta também que os actos que coloquem em causa tais direitos (por violação de Lei como resulta dos pedidos formulados nos autos), não estando prescritos, sempre estariam viciados de nulidade (161º nº 2 al. d) do CPA), sendo apreciáveis a todo o tempo. Mas resulta mais, no modesto entendimento deste Tribunal (e contrariando assim, respeitosamente, a posição que resulta de outras Decisões proferidas no CAAD), quanto à arbitrabilidade em apreciação, atento o carácter indisponível (ao menos parcialmente) do direito a férias que resulta do artigo 238º do CT, aplicável ex-vi n.º 1 do artigo 4.º e n.º 1 do artigo 126.º da LTFP. Ora, se é certo que a LAV evoluiu deste critério de arbitrabilidade para o do conteúdo patrimonial e sujeito a transacção, o CPTA não acompanhou tal movimento, tendo, aliás o artigo 180º do CPTA sido revisto e nenhuma alteração ali tendo sido introduzida. Ora resulta do artigo 180º nº 1 al. d) do CPTA que não podem ser constituídos Tribunais Arbitrais para julgar direitos indisponíveis em relação jurídica de emprego público, resultando o mesmo da convenção de arbitragem concreta que resulta da Portaria n.º 1120/2009, de 30 de Setembro. Ainda que se entenda que tal indisponibilidade não é total mas parcial, o Trabalhador apenas pode dispor do direito a férias uma vez cessada a Relação laboral ( como tem entendido a Jurisprudência Laboral, validando transacções nesse sentido) ou, no limite, dispondo dos dias que excedam os 20 dias úteis ( como resulta do artigo 238º do CT, aplicável ex-vi n.º 1 do artigo 4.º e n.º 1 do artigo 126.º da LTFP) o que, como vimos, não é o caso dos autos. Cumpre assim concluir que a convenção de arbitragem concreta, em conformidade com a Lei, exclui o presente objecto da arbitragem, não sendo este litígio arbitrável à luz da Convenção e Legislação antes referida.
Termos em que:
I. Cumpre fixar o valor dos autos em 30.001,00 €;
II. Cumpre declarar este Tribunal incompetente;
III. Não se podendo fixar critério diferente de repartição, deverão os encargos ser suportados nos termos previstos no artigo 29º nº 5 do RCAAD.
Deposite-se, registe-se e notifiquem-se as partes.
O ÁRBITRO
Nuno Pereira André
Lisboa, 29 de Abril de 2019